2 - Independentemente do mérito desta providência cautelar, que só o Tribunal poderá apreciar, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos determina que a entidade requerida, uma vez recebido o duplicado do requerimento, não inicie ou prossiga a execução do acto, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
3 - O presente despacho visa demonstrar o prejuízo para o interesse público no diferimento da execução do despacho 7495/2006.
4 - O despacho em causa determina, designadamente, "com base no relatório da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal e tendo em conta o imperativo constitucional que obriga o Estado a 'garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o País em recursos humanos e cuidados de saúde'", o seguinte:
"1 - A consagração do direito de toda a mulher escolher livremente o local onde deseja ter os seus filhos em condições de melhor qualidade para a mãe e a criança.
2 - Até ao dia 30 de Junho do ano corrente [...] o encerramento da sala de partos do Hospital de Elvas com liberdade de escolha da parturiente por outro estabelecimento que reúna requisitos de qualidade e conveniência.
11 - As administrações regionais de saúde, em colaboração com o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e com as corporações de bombeiros locais, aperfeiçoarão o sistema de transporte de parturientes e recém-nascidos em condições que garantam a máxima segurança e comodidade."
5 - Importa recordar que a decisão cuja suspensão é requerida representa uma valoração político-administrativa, claramente explicada nos n.os I a XII do despacho, e visa a requalificação dos blocos de partos, no âmbito do Programa de Saúde Materna e Neonatal. Dirige-se ao Serviço Nacional de Saúde, de forma coerente e integrada.
6 - O despacho obedece às recomendações da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal, que procedeu à avaliação científica e técnica da situação. O trabalho realizado por esta Comissão foi conduzido com inteira independência e considera os contributos das entidades profissionais e científicas na área da saúde materno-infantil em Portugal.
7 - O enquadramento decisório do despacho proferido assenta, assim, numa factualidade científica e técnica que o conforma em termos de oportunidade.
De facto, a Comissão recomendou, de entre outros, o encerramento imediato do bloco de partos do Hospital de Elvas.
8 - A primeira ponderação, realizada em função da obrigação constitucional e legal de assegurar o direito à protecção da saúde, centrou-se no perigo objectivo - que não pode ser ignorado - para as parturientes e para os seus filhos.
O parto deve decorrer em condições de total segurança, assistido por equipas compostas, em permanência, por obstetras, anestesista, pediatra neonatologista e enfermeiros, bem como com o equipamento mínimo que permita acompanhar a vida fetal antes do parto e reanimar o recém-nascido. Acresce o apoio fundamental do serviço de sangue, de imagiologia, de laboratório e de cirurgia.
Ora, estas condições estão longe de existir no Hospital de Elvas.
9 - Segundo as considerações técnico-científicas, absolutamente pertinentes, concretas e rigorosas, a experiência nacional demonstra que aqueles requisitos apenas se conjugam, por óbvias razões de efectividade e eficiência, em serviços que garantam uma actividade de cerca de 1500 partos/ano, não apenas porque uma maior realização de partos pressupõe mais meios mas também porque só a repetição de actos e gestos pelos profissionais em múltiplas e diversas situações lhes permite manter o adestramento que garante qualidade.
10 - O despacho cuja suspensão de eficácia é requerida limitou-se a concretizar, no plano político e administrativo, através de instruções directas aos serviços do Ministério da Saúde, aquelas considerações e, desse modo, reorganizar os locais de parto, por razões de segurança da mãe e da criança.
Sublinha-se agora a motivação fundamental do despacho proferido: "uma perda de vida materna, por motivos de parto, é um acontecimento dramático para as famílias e que mancha a credibilidade do SNS. A perda actual de cerca de 12 vidas anuais de recém-nascidos por razões ligadas a insuficiente qualificação técnica dos locais onde o parto ocorre tem um intolerável custo social e afectivo".
11 - Entende-se, pois, que o dever constitucional de assegurar a protecção da saúde implica, de acordo com a "reserva do possível", a racional e eficiente cobertura de todo o País em recursos humanos e em unidades de saúde.
12 - O despacho em causa considera os requisitos em relação à qualificação dos locais e tem em conta as implicações de acessibilidade. Especificamente no que se refere a Elvas, foram ultrapassadas as dificuldades decorrentes da distância e tomadas as medidas necessárias para assegurar o acesso das parturientes a outros hospitais.
13 - O Ministério da Saúde não podia, face às recomendações produzidas, deixar de tomar estas medidas, porque antepõe a segurança das grávidas e dos recém-nascidos a um eventual descontentamento, que compreende, e a uma conjuntural contestação que, democraticamente, tem de assumir.
Como se disse no despacho cuja eficácia a Fundação Materno-Infantil Mariana Martins pretende colocar em crise, esta questão renova a problemática ocorrida na década de 90, quando o número de locais de parto foi concentrado de quase 200 iniciais para os actuais 50, do que resultou um notável progresso na redução das taxas das mortalidades, infantil e perinatal. O progresso foi muito superior na primeira (infantil), onde nos situamos entre os melhores países, que na segunda (perinatal), onde nos situamos em terceiro lugar a contar do fim na Europa a Quinze. É esta última mortalidade, aquela que se situa à volta do parto (entre a 28.ª semana de gestação e o fim da primeira semana de vida), que se pretende combater com esta medida. Chama-se de novo à colação a emotividade da sensação de pertença ao local da vida e trabalho e o desejo de que o nascimento de cada filho constitua a renovação desse compromisso com a terra onde se vive. Contudo, as próprias cidadãs, quando bem informadas, sabem exactamente o que querem, preferindo sempre a distância segura à proximidade insegura. A prova de tal facto é que em 2004 ocorreram apenas cerca de 266 partos no Hospital de Elvas, com cerca de 22% dos partos efectuados a mães residentes no município de Elvas a ocorrerem noutros locais.
14 - A ponderação destes factores aconselha à manutenção da medida contestada e ao rigoroso seguimento da sua aplicação.
O Ministério da Saúde não pode aceitar a omissão de agir, nem assumir a responsabilidade em que incorreria por qualquer caso de risco não controlado. E esta responsabilidade política e jurídica torna-se eticamente insustentável quando os bens jurídicos que aqui se jogam são a vida e a dignidade da pessoa.
15 - A providência cautelar interposta resume-se a uma mera questão contratual, para além do que a legitimidade da Fundação se circunscreve à parte do despacho que respeita à sala de partos do Hospital de Elvas, não lhe cabendo interferir nos demais serviços do Ministério da Saúde ali referidos.
Além de mais, o efeito suspensivo da providência cautelar afecta as relações interorgânicas de todos os restantes hospitais referidos no despacho, já que a suspensão incidiu sobre a sua totalidade.
Assim, e sobretudo, a providência cautelar interposta pretende limitar o poder organizatório que cabe ao Governo como órgão superior da Administração Pública. Acresce que a margem de livre decisão, constitucionalmente reconhecida ao Governo para garantir uma política de saúde que em termos orgânicos assegure eficiência, eficácia e unidade de acção, resulta diminuída, ainda que transitoriamente, no que respeita a uma política pública, democraticamente legitimada ao nível nacional.
16 - Importa, assim, analisar, no estrito respeito pelas regras do Estado de direito, o efeito suspensivo automático decorrente do pedido de suspensão da eficácia.
Nos termos do artigo 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cabe ao Ministro da Saúde reconhecer que o diferimento da execução é gravemente prejudicial para o interesse público.
As considerações anteriores sobre o sentido, o alcance e a pertinência da medida administrativa demonstram que o encerramento do bloco de partos do Hospital de Elvas é útil e necessário.
17 - A gravidade para o interesse público da suspensão dos efeitos do acto, com a consequente paragem de todos os actos preparatórios, é evidente se pensarmos que o diferimento da execução põe em risco grávidas e recém-nascidos.
Não é possível afirmar que, no tempo necessário até ao julgamento da providência, não se deva, em concreto, minorar os riscos assinalados, através da preparação cuidada do encerramento da sala de partos até ao dia 30 de Junho de 2006.
A não execução imediata das acções genericamente referidas no despacho 7495/2006, e em vias de concretização pela Administração Regional de Saúde do Alentejo, importaria custos desnecessários e riscos acrescidos, por força do prolongar de um processo que teria, necessariamente, de vir a ser retomado.
18 - A suspensão dos efeitos do acto, mais do que inconveniente e prejudicial, é gravemente lesiva para o interesse público, porque a execução da medida tem como pressuposto a urgência que se baseia no perigo para as parturientes e os recém-nascidos. E a iminência de perigo, reconhecida tecnicamente, fundamenta a urgência de execução do acto durante o tempo necessário ao julgamento da providência cautelar.
Importa lembrar que a prognose de risco obstétrico não se compadece com uma dilação da oportunidade da medida baseada em questões meramente contratuais. O que está em causa é criar as condições para que o risco seja mínimo, o interesse público específico se concretize o mais rapidamente possível e a actuação dos serviços responda à iminência de perigo de forma adequada e pronta.
A natureza imperiosa do interesse público a defender, e que coincide com um interesse constitucionalmente consagrado, representa uma valia superior que justifica o prosseguimento das actuações iniciadas pelo Ministério da Saúde, nomeadamente pela Administração Regional de Saúde do Alentejo.
19 - Nestes termos, os actos e actividades subsequentes ao despacho 7495/2006 devem ser enunciados, em nome da transparência e para permitir ao julgador e ao próprio requerente avaliarem da razoabilidade do respectivo prosseguimento, em função do perigo que a sua suspensão acarreta e do risco que envolve.
Está em causa, nomeadamente, o seguinte:
a) Aperfeiçoamento da escala de enfermeiros;
b) Aperfeiçoamento da escala de médicos;
c) Planeamento do serviço de urgência;
d) Resolução de questões relacionadas com o transporte das grávidas;
e) Articulação com os hospitais de Portalegre e de Évora e, subsidiariamente, de Badajoz, neste último caso ao abrigo de protocolo celebrado em 8 de Maio de 2006 entre a Administração Regional de Saúde do Alentejo e o Serviço Extremenho de Saúde, área de Badajoz;
f) Contactos necessários ao planeamento das acções com a Fundação Materno-Infantil Mariana Martins para a continuidade da prossecução dos seus meritórios objectivos.
20 - É útil referir que, para além do risco de perigo para a saúde, o diferimento da prossecução da execução dos actos necessários à boa implementação das determinações contidas no despacho seria também gravemente prejudicial para o interesse público, uma vez que importa assegurar a normalidade e a estabilidade do exercício das funções cometidas aos hospitais envolvidos, num processo de mudança em que se visa precisamente atingir níveis de qualidade e exigência constantes de normas internacionais de boas práticas médicas, que mereceram a concordância expressa, de entre outros, do Colégio da Especialidade de Ginecologia/Obstetrícia da Ordem dos Médicos. Em suma, medidas que têm por objectivo requalificar os serviços de urgência perinatal, por meio de uma maior concentração dos locais de parto por razões de segurança das parturientes e dos recém-nascidos.
21 - Cumpre ainda referir que a execução do despacho não prejudica a Fundação Materno-Infantil Mariana Martins nem colide com o seu objecto, já que a vontade expressa pela benemérita Mariana Martins no seu testamento, no que a esta matéria concerne, não só não é posta em causa como poderá continuar a ser prosseguida, assim a Fundação o queira.
22 - Pelas razões expostas, entendo que o diferimento da execução do despacho 7495/2006 seria gravemente prejudicial para o interesse público, protelando-se o encerramento de uma sala de partos que não reúne as condições técnicas e de segurança e adiando a concentração de partos, pondo em risco a vida das parturientes e dos recém-nascidos, pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, decido manter a eficácia das determinações de organização e de actuação hospitalar necessárias à boa execução daquele despacho.
16 de Maio de 2006. - O Ministro da Saúde, António Fernando Correia de
Campos.