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Acórdão 584/2001/T, de 4 de Fevereiro

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Texto do documento

Acórdão 584/2001/T. Const. - Processo 746/2001. - I - 1 - Zoraia Moreira Martins peticionou perante o Supremo Tribunal de Justiça a concessão de habeas corpus, podendo extrair-se dos autos as seguintes invocações:

Que a arguida se encontrava detida preventivamente há mais de três anos à ordem de um processo que corria seus termos no Tribunal de Comarca de Aveiro;

Que, não obstante ter sido, pela 5.ª Secção daquele Supremo Tribunal, ordenada a sua libertação, a 3.ª Secção do mesmo alto Tribunal determinou que a requerente ficasse detida à ordem de um outro processo, referente a um recurso interposto de decisão tomada pelo Tribunal de Castelo Branco;

Que um entendimento dos artigos 215.º e 217.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, e de acordo com o qual um arguido pudesse ficar detido preventivamente à ordem de um outro processo criminal após ter sido determinada a sua libertação por estar esgotado o prazo máximo de prisão preventiva em que se encontrava à ordem de diverso processo, seria inconstitucional por violação dos artigos 27.º, n.º 3, alínea a), 28.º, n.º 4, e 31.º, todos da lei fundamental.

O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 8 de Novembro de 2001, indeferiu a petição de habeas corpus, podendo ler-se nesse aresto, para o que ora releva:

"[...]

A requerente não questiona os fundamentos da prisão preventiva (artigo 202.º e 204.º do Código de Processo Penal), decretada no processo em referência.

Apenas defende a ilegalidade dessa prisão, por estar excedido o respectivo prazo, dando, como suporte, o disposto nos artigos 215.º e 217.º do Código de Processo Penal e outras disposições que mais adiante serão anotadas.

Entende ainda que, esgotado o prazo de prisão preventiva num processo, não pode essa medida de coacção ser decretada noutro processo, a correr termos contra o mesmo arguido.

Salvo o devido respeito, no processo em apreço, o prazo de prisão preventiva, de modo algum, se encontra excedido (artigo 215.º do Código de Processo Penal).

É, sem dúvida, mais melindrosa a resolução da segunda questão posta: esgotado num processo o prazo da prisão preventiva, pode esta ser decretada noutro processo?

No entanto, se bem atentarmos nas disposições pertinentes e na etiologia e finalidades desta medida de coacção, apresenta-se, como possível, uma resposta afirmativa.

Na verdade, os processos pendentes contra o mesmo arguido conservam a sua individualidade e autonomia, enquanto não foram apensados, por existência de conexão subjectiva, nos termos dos artigos 24.º e seguintes do Código de Processo Penal.

Ora, a requerente silencia a possibilidade dos processos em causa, e não consta que alguma vez tenha suscitado essa questão.

No âmbito da aplicação das medidas de coacção e designadamente da prisão preventiva, a nossa lei penal adjectiva pressupõe Sempre o processo onde essas medidas são impostas, como resulta, v. g., dos seguintes artigos do Código de Processo Penal:

a) Artigo 194.º, n.º 1 - à excepção do termo de identidade e residência, as medidas de coacção e de garantia patrimonial são aplicadas por despacho do juiz, durante o inquérito a requerimento do Ministério Público e depois do inquérito mesmo oficiosamente, ouvido o Ministério Público;

b) Artigo 196.º, n.º 1 [...] - lavrado no processo [...];

c) Artigo 214.º, n.º 3 [...] - no mesmo processo [...];

d) Artigo 215.º:

N.º 3 [...] - quando o procedimento [...];

N.º 4 [...] - ou se o procedimento penal tiver sido suspenso [...].

Mais explícita e esclarecedora se revela a estatuição contida no artigo 217.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal:

'1 - O arguido sujeito a prisão preventiva é posto em liberdade, logo que a medida se extinguir, salvo se a prisão dever manter-se por outro processo.

2 - Se a libertação tiver lugar por se terem esgotados os prazos de duração máxima da prisão preventiva, o juiz pode sujeitar o arguido a alguma ou algumas das medidas previstas nos artigos 197.º a 200.º, inclusive {salvo, naturalmente, como se prevê no número anterior, se o arguido deva permanecer em prisão preventiva, noutro ou por outro processo [...]}.'

Assim, não procede (embora impressione) o argumento ad terrorem esgrimido pela requerente {de que a sua prisão preventiva pode prolongar-se indefinidamente [...] consoante o número de processos}, nem a imputação de inconstitucionalidade à interpretação dada aos artigos 215.º e 217.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou de inconstitucionalidade material dos ditos preceitos (agora, n.º 1 do artigo 217.º), por violação dos artigos 27.º, n.º 3, alínea b), 28.º, n.º 4, e 31.º, todos da Constituição da República.

Quanto ao primeiro aspecto, é matéria que não cabe apreciar nesta oportunidade, tanto mais que a requerente da presente providência de habeas corpus nem sequer reclamou, para a conferência, do despacho que decretou, naquele processo, a sua prisão preventiva, a fim de que sobre a matéria do despacho recaísse um acórdão (artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal).

Quanto ao segundo aspecto, não vislumbramos como é que a interpretação conferida aos artigos referidos do Código de Processo Penal possa brigar com os preceitos constitucionais enumerados pela requerente, afigurando-se mesmo que a solução por ela preconizada é que iria beneficiar o grande prevaricador e aquele a quem não repugnam as manobras processuais dilatórias e até se encanta com a 'eternização' dos processos, para mais facilmente poder carpir sobre as delongas da justiça e colher os benefícios correspondentes (prescrição; excesso de prazos, etc., etc.)

Ora, os preceitos constitucionais enunciados pela requerente não afrontam a solução adoptada a até parece que a corroboram.

O artigo 27.º da CRP estabelece que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória [...] (n.º 2), exceptuando-se, porém, deste princípio, a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:

[...]

b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso [...]

O artigo 28.º, n.º 4, apenas estipula e esclarece que 'A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei' (sublinhámos).

O artigo 31.º apenas equaciona os casos em que poderá ser requerida a providência de habeas corpus.

[...]"

Do acórdão de que parte se encontra acima transcrita recorreu a arguida para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo, por seu intermédio, a apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 215.º e 217.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, "se interpretados como o foram nos presentes autos (possibilitando 'nova' prisão da requerente, embora à ordem de outro processo crime, mas já esgotado o prazo máximo de prisão preventiva)".

2 - Determinada a feitura de alegações, rematou a arguida a por si formulada com as seguintes "conclusões":

"1 - No dia 25 de Outubro de 2001, por decisão do venerando Supremo Tribunal de Justiça, deferindo-se a petição de habeas corpus, foi ordenada a imediata restituição à liberdade da recorrente Zoraia Martins.

2 - Por se entender (aliás doutamente) haver sido excedido o prazo de prisão preventiva [no caso de 3 anos = 36 meses; artigo 215.º, n.os 1 e 2, alínea d), e 4 do CPP].

3 - Mas a recorrente não foi, todavia, restituída à liberdade, por se haver entendido que deveria continuar presa (em regime de prisão preventiva), mas à ordem de outro processo crime, pendente, em sede de recurso, no STJ (3.ª Secção, recurso n.º 3102/01-3 - vindo do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco).

4 - Feita segunda petição de habeas corpus foi a mesma indeferida, com a alegação de que a prisão preventiva assim ordenada tinha o seu fundamento legal no disposto no artigo 217.º, n.º 1, do CPP. Todavia.

5 - Interpretando-se desse modo o artigo 217.º do CPP far-se-á uma interpretação claramente inconstitucional da referida norma, por violação do disposto nos artigos 28.º, n.º 4, 27.º, n.º 3, alínea b), e 31.º da Constituição da República e dos princípios da legalidade da prisão preventiva neles consignados.

6 - Uma vez que as supracitadas normas constitucionais o que regulam é o prazo máximo de prisão preventiva do arguido e não o prazo 'do processo' ou 'dos processos' que contra o preso possam correr.

7 - O artigo 215.º, n.os 1 e 2, alínea d), e 4, do CPP e o artigo 217.º, n.º 1, do CPP se interpretados como o foram nos presentes autos (possibilitando 'nova' prisão preventiva da recorrente, embora à ordem de outro processo crime, mas já esgotado o prazo máximo de prisão preventiva) encontram-se feridos de inconstitucionalidade material por violação dos artigos 27.º, n.º 3, alínea b), 28.º, n.º 4, e 31.º, todos da Constituição.

8 - Tais preceitos [o artigo 215.º, n.os 1 e 2, alínea d), e 4, e o artigo 217.º, n.º 1, do CPP] quando interpretados como o foram nos presentes autos, violam grosseiramente o disposto no artigo 30.º, n.º 1, da lei fundamental, que proíbe 'penas ou medidas de segurança com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida'.

9 - Os artigos 215.º e 217.º, n.º 1, do CPP são inconstitucionais por omitirem que o prazo de prisão preventiva se aplica a todos os arguidos, independentemente de contra eles existir um ou vários processos crime (violação do artigo 30.º, n.º 1, 28.º, n.º 4, do CPP).

10 - Os artigos 215.º e 217.º, n.º 1, do CPP, na sua actual redacção, mostram-se feridos de inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 27.º, n.º 3, alínea b), 28.º, n.º 4, e 30.º, n.º 1, da lei fundamental, ou dos princípios nele consignados, traduzindo-se, no caso concreto, na não consideração de um único prazo de prisão preventiva para a recorrente que é arguida em vários processos crime".

Por seu turno, o Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal finalizou a sua alegação dizendo:

"1.º Não viola qualquer preceito ou princípio constitucional o entendimento que conduz a autonomizar as medidas de coacção aplicáveis ao arguido em processos autónomos, nada na Constituição implicando o estabelecimento de um prazo máximo global de duração da prisão preventiva, aplicável independentemente do número, conexão e natureza dos processos que pendam contra o mesmo arguido.

2.º Tal interpretação normativa não conduz à imposição de uma medida de coacção de duração indefinida ou ilimitada, sendo possível ao arguido - invocando nomeadamente a conexão de processos - pôr termo a tal autonomia procedimental e à consequente dualidade ou diversidade das medidas de coacção aplicadas.

3.º Termos em que - com o objecto que o recorrente lhe atribuiu o presente recurso deve ser julgado improcedente".

Cumpre decidir.

III - 3 - A questão de inconstitucionalidade submetida a este Tribunal no vertente processo, como resulta do requerimento de interposição do recurso formulado pela impugnante, incide, e tão-só, na questão de saber se é, ou não, desconforme com a Constituição uma interpretação das normas vertidas nos artigos 215.º e 217.º, n.º 1, do diploma adjectivo criminal de onde resulte que um arguido, cuja libertação foi determinada na sequência da concessão da providência de habeas corpus, possa continuar detido à ordem de outro processo penal.

Na análise desta questão haverá, desde logo, que sublinhar que nos presentes autos não resulta minimamente que os processos à ordem dos quais a recorrente esteve detida preventivamente e agora se encontra detida se encontrassem numa qualquer relação de conexão, designadamente para efeitos do disposto nos artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, pelo que este Tribunal, neste particular, não poderá operar na base de um tal circunstancionalismo.

Vejamos, pois.

4 - Dispõe-se nos preceitos cuja interpretação é questionada e para o que ora interessa:

"Artigo 215.º

Prazos de duração máxima da prisão preventiva

1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

a) Seis meses sem que tenha sido deduzida acusação;

b) Dez meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;

c) Dezoito meses sem que tenha havido condenação em primeira instância.

2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para 8 meses, 1 ano, 2 anos e 30 meses, em caso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a oito anos, ou por crime:

a) Previsto nos artigos 299.º, 312.º, n.º 2, 318.º, n.º 1, 319.º, 326.º, 331.º ou 333.º, n.º 1, do Código Penal;

b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos;

c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respectiva passagem;

d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio;

e) De branqueamento de capitais, bens ou produtos provenientes do crime;

f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;

g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.

3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados respectivamente para 12 meses, 16 meses, 3 anos e 4 anos, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

4 - Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os correspondentemente referidos nos n.os 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.

Artigo 217.º

Libertação do arguido sujeito a prisão preventiva

1 - O arguido sujeito a prisão preventiva é posto em liberdade logo que a medida se extinguir, salvo se a prisão dever manter-se por outro processo.

2 - Se a libertação tiver lugar por se terem esgotado os prazos máximos da prisão preventiva, o juiz pode sujeitar o arguido a alguma ou algumas das medidas previstas nos artigos 197.º a 200.º, inclusive."

5 - A medida de coacção prisão preventiva é uma medida excepcional e subsidiária que só deve operar quando mais nenhuma das outras medidas previstas no catálogo pela lei ordinária seja apta, no caso concreto, a realizar os fins para elas consignados pelo direito adjectivo criminal, que se não confunde, neste particular, com o direito substantivo penal, direito este último que se situa e tem como referência funcional os princípios defendidos pela teoria da prevenção geral positiva ou de integração, enquanto corrente que preconiza a defesa e a imbricação e, também, a compatibilização das preocupações de ressocialização do arguido sujeito a um processo criminal e as expectativas da comunidade na validade do bem jurídico violado e, consequentemente, na reafirmação contrafáctica das normas violadas.

Assim modelado o direito penal onde se insere esta medida última de coacção, temos que a prisão preventiva será sempre um instituto que, a aplicar-se a qualquer arguido em processo penal, se deve rodear das maiores cautelas e no respeito máximo pelos prazos que se encontram estabelecidos na lei.

Do exposto resulta, com nitidez, que tanto a Constituição como a lei tenham concebido a prisão preventiva como uma medida cautelar - pois ela não tem carácter de verdadeira pena, sendo justificada pela necessidade de garantir determinados fins -, de natureza excepcional e subsidiária, uma vez que, restringindo esta a liberdade individual do destinatário a que se reporta, há que rodear a sua aplicação de todas as garantias, estabelecendo requisitos e hiatos temporais que devem ser escrupulosamente respeitados.

Ora, no presente recurso de constitucionalidade, a recorrente não questiona os fundamentos da prisão preventiva que lhe foi aplicada no processo que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Castelo Branco e no qual foi enxertada a providência extraordinária de habeas corpos, então negada, mas, tão só, a ilegalidade da prisão preventiva novamente ordenada por estar, em seu entender, excedido o respectivo prazo, dando como suporte o disposto conjugadamente, nos artigos 215.º e 217.º do CPP.

Ou seja, na tese da recorrente - e socorrendo-se da concessão do pedido de habeas corpus que exarou no processo que correu termos no Tribunal Judicial de Aveiro, por aí se ter atingido o prazo de duração máxima possível para aquele caso, em concreto -, uma vez que esteja excedido o prazo de prisão preventiva para um determinado processo, não pode esta medida de coacção ser decretada noutro processo que esteja ainda a correr os seus termos contra o mesmo arguido. Dito de outro modo, o que a recorrente questiona em termos de constitucionalidade é a circunstância de, esgotado que esteja num processo o prazo de prisão preventiva, não pode a mesma medida ser decretada, para outro processo, sem que, a assim ser entendido, se esteja a violar o direito à liberdade constitucionalmente consagrado e, em consequência, os parâmetros estabelecidos pelo legislador constitucional, nos artigos 27.º, 28.º e 31.º da lei fundamental.

Pois bem.

6 - A Constituição admite, como excepção ao princípio segundo o qual ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança (n.º 2 do artigo 27.º), a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, desde que pelo tempo e nas condições que a lei determinar [alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º].

Ora, se se atentar na letra dos indicados preceitos da lei fundamental e no processo criminal à ordem do qual agora se encontra detida a título preventivo, de concluir é que se não pode dizer que a impugnante se encontra presa preventivamente para além do prazo que a lei prescreve (tendo em atenção o processo criminal onde aquela medida de coacção foi determinada) ou fora das condições previstas para o seu decretamento.

Na realidade, como se viu, a duração máxima da medida de coacção imposta no processo e relativamente à qual foi agora solicitada a providência de habeas corpus não se encontra esgotada e, de outro lado, aqueloutra medida que terminou com a concessão de idêntica providência, anteriormente peticionada, reportava-se a outros autos, pendentes por diverso tribunal, sendo que não se dispõe do mínimo elemento do qual se extraia que entre estes e aquele haja qualquer relação de conexão.

Ora, do cotejo dos preceitos em análise, que constam, quer da lei ordinária (artigos 215.º e 217.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), quer do texto constitucional (artigos 27.º, 28.º e 31.º) - e são estes os que agora relevam para efeitos de apreciação por banda deste Tribunal -, não resulta que, uma vez decretada a prisão preventiva, que atingiu o seu términos, um arguido não possa ficar sujeito a igual medida à ordem de um outro processo, desde que esta última obedeça aos ditames legais.

Na verdade, a lei fundamental não exige, nem erige como valor fundamental, um prazo máximo de prisão preventiva quando estejam em causa vários processos pertencentes ao mesmo agente que não se encontrem apensados ou em qualquer relação de conexão entre si (como será o vertente caso). O que ela exige, isso sim, é que a medida de coacção prisão preventiva, quando aplicada em determinado processo, esteja subordinada aos prazos previstos na lei ordinária.

Desta arte, não fixa a Constituição um concreto prazo máximo daquela medida (contrariamente ao defendido pela recorrente) e independentemente de todos os ilícitos criminais de que será indiciariamente autor o arguido e que se não reportem a um dado procedimento.

E os prazos estabelecidos na lei ordinária, nomeadamente no artigo 215.º, são-no, não só para as diversas fases processuais nele consideradas (pelo que, por exemplo, libertado um arguido em virtude de, numa dessas fases ter atingido o correspondente limite da prisão, pode o mesmo voltar a ser preso se se passar a outra fase e se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, desde que se não tenha ainda atingido o máximo global referido), como, sobretudo, estão fixados para terem a sua valência relativamente a cada processo em concreto.

Aliás, como é entendimento comum e corrente dos tribunais superiores - entendimento que resulta do texto legal do n.º 1 do artigo 217.º do CPP - os prazos máximos de duração da prisão preventiva impõem-se, apenas, para a prisão preventiva à ordem do processo no qual ela foi aplicada, uma vez que, como se viu, das disposições constitucionais atinentes a esta matéria nada se retira em contrário.

Efectivamente, como se pode extrair do Acórdão deste Tribunal n.º 298/99 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 43.º vol. pp. 579 e segs.) "[b] em pode, assim, mesmo depois de esgotados tais prazos máximos, ao arguido continuar a ser aplicada uma medida de coacção de prisão preventiva ordenada noutro processo, ultrapassando o tempo total de detenção o prazo máximo imposto à prisão preventiva em cada processo".

7 - Acresce que, por outro lado, a lei, ao determinar que o arguido seja posto em liberdade, logo que a medida se extinguir, salvo se a prisão dever manter-se por outro processo (cf. artigo 217.º, n.º 1, do CPP), não encontra qualquer contrariedade por parte do diploma fundamental, desde que - e esta é a única exigência aí reclamada - esta "nova" medida de coacção aplicada seja sujeita aos prazos estabelecidos pelo legislador, sendo que, não fazendo a Constituição qualquer referência a um prazo geral ou máximo de prisão preventiva a impor a determinado agente processual, entendem-se os prazos definidos como o foram pelo legislador aplicáveis a cada processo.

Aliás, no limite, a tese da recorrente levaria ao absurdo segundo o qual, uma vez determinada a libertação de um arguido na sequência do términos da prisão preventiva, ele não mais poderia ser detido preventivamente, ainda que, muito posteriormente, viesse a indiciar-se o cometimento de um ilícito que, atentas as circunstâncias concretas do caso e as prescrições cominadas na lei processual penal, reclamasse a adopção de uma medida desse jaez.

E foi precisamente ao abrigo desta possibilidade (prevista no artigo 217.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) que a decisão judicial de manutenção da recorrente presa à ordem de outro processo foi ordenada, uma vez que relativamente a este último processo os requisitos temporais exigidos se verificam cumpridos: não estando o prazo excedido, não pode ser considerado que a arguida, ora recorrente, em algum momento, esteja ilegalmente detida.

Como diz o Exmo. Representante do Ministério Público na sua alegação, nem se diga que a solução constante do aresto sob censura "envolve a possibilidade de imposição de medidas detentivas de duração indefinida ou ilimitada, bastando ponderar a possibilidade de - como refere o douto acórdão recorrido - ser desencadeada a apensação por conexão subjectiva (pondo termo à 'autonomia' dos processos, em que radicou decisivamente a tese propugnada no acórdão impugnado); ou que a invocação da norma constante do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - e a consequente aplicabilidade ao concurso criminoso de uma pena única - para eventualmente sustentar a impossibilidade de a prisão preventiva à ordem dos processos, susceptíveis de originarem a formação de um cúmulo jurídico - não poder exceder o limite estabelecido para a prisão preventiva nos casos de excepcional complexidade do procedimento".

8 - A própria ratio da imposição constitucional no sentido de a prisão preventiva se ter de sujeitar aos prazos estabelecidos na lei ordinária aponta inquestionavelmente para que será nos termos desta que os mesmos - e a respectiva forma de imposição, aí se compreendendo o reporte daquela medida de coacção - hão-de ser perspectivados.

Aliás, não seria entendível que o legislador constitucional, sabendo da existência de diversos prazos máximos para a prisão preventiva consoante o tipo do indiciário crime, tal como consta da previsão da lei ordinária, viesse a remeter para esta, na qual se encontra, desde há muito, consagrada solução como a que se encontra ínsita no n.º 1, parte final, do artigo 217.º do vigente Código de Processo Penal.

Se desejasse, como pretende a impugnante, que a prisão preventiva deveria ser olhada tão somente atendendo a ela, ou seja, à medida de coacção em si, desligada ou não relacionada com um concreto procedimento, tê-lo-ia claramente dito.

Não se vislumbra, pois que, com a interpretação normativa sufragada no acórdão recorrido, tivesse ocorrido qualquer violação do que se consagra nos artigos 27.º, n.º 2, 28.º, n.º 4, e 31.º, n.º 1, do diploma básico.

III - Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 15 UC.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2001 - Bravo Serra - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Guilherme da Fonseca - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1976526.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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