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Acórdão 280/2001/T, de 8 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 280/2001/T. Const. - Processo 658/2000. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Fernanda Maria Melo Russel Cortez Barbosa Pinto instaurou junto do Tribunal Cível do Porto acção de despejo contra Jaime Vital Pinto e Arminda Ribeiro Pinto, com fundamento no artigo 64.º, n.º 1, alínea d), do Regime do Arrendamento Urbano, uma vez que os réus realizaram obras não autorizadas no imóvel arrendado.

O Tribunal Cível da Comarca do Porto, por decisão de 27 de Outubro de 1999, declarou a resolução do contrato de arrendamento, condenando os réus a entregarem à autora o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens e a demolirem as obras realizadas, nos termos do artigo 64.º, n.º 1, alínea d), do Regime do Arrendamento Urbano.

2 - Jaime Vital Pinto e Arminda Ribeiro Pinto interpuseram recurso da decisão em 27 de Outubro de 1999 para o Tribunal da Relação do Porto. Nas respectivas alegações os recorrentes sustentaram a inconstitucionalidade da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 64.º do Regime do Arrendamento Urbano, "na medida em que permite o despejo de arrendatário sem que a este esteja garantida uma habitação alternativa a preços para si compatíveis", por violação do artigo 65.º, n.º 1, da Constituição.

O Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 3 de Outubro de 2000, considerou que a solução normativa consagrada no artigo 64.º, n.º 1, alínea d), do Regime do Arrendamento Urbano corresponde à resolução do "conflito operado entre o direito à habitação do inquilino e o direito à propriedade privada do senhorio", resolução essa compatível com a Constituição. Em consequência, julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

3 - Jaime Vital Pinto e Arminda Ribeiro Pinto interpuseram recurso de constitucionalidade do Acórdão de 3 de Outubro de 2000, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma do artigo 64.º, n.º 1, alínea d), do Regime do Arrendamento Urbano (RAU).

Junto do Tribunal Constitucional os recorrentes apresentaram alegações que concluíram do seguinte modo:

O acórdão proferido, ao

1.º Apreciar a aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU à luz da comparação do direito à habitação do senhorio face ao direito à habitação do inquilino, quando o direito à habitação do senhorio não está em crise, nem sequer foi invocado pela A.;

2.º Por via disso, se fundamentar numa orientação jurisprudencial não aplicável ao caso e decidir, com base nela, pela constitucionalidade do citado preceito do RAU;

3.º Em consequência, conferir a um direito meramente obrigacional primazia sobre um direito constitucionalmente protegido;

4.º Violou, nomeadamente, os artigos 65.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que com o doutíssimo suprimento de VV. Exmas. deve ser revogada a decisão proferida na parte em que acolhe a constitucionalidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU aplicada ao caso dos autos e, em consequência, substituída por outra que julgue a acção improcedente, por não provada, e os RR. absolvidos do pedido.

A recorrida não apresentou contra-alegações.

Cumpre decidir.

II - Fundamentação. - 4 - O preceito impugnado tem a seguinte redacção:

"Artigo 64.º

Casos de resolução pelo senhorio

1 - O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário:

...

d) Fizer, no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043.º do Código Civil ou 4.º do presente diploma;

..."

Os recorrentes sustentam que o preceito transcrito tal como foi aplicado nos autos viola o disposto no artigo 65.º, n.º 1, da Constituição, uma vez que permite o decretamento do despejo sem que o inquilino tenha qualquer alternativa habitacional viável, "em nome e em favor de um direito meramente obrigacional".

5 - O regime jurídico da relação arrendatícia (particularmente, no âmbito do arrendamento urbano) consubstancia um polo de tensão, no qual se procura a composição juridicamente sustentável dos interesses do titular do direito sobre o imóvel (senhorio) e do arrendatário (titular do direito à habitação). Neste quadro de posições divergentes, as soluções limitadoras de direitos de uma das partes, para além da compensação contratual devida, hão-de sempre encontrar fundamento legitimador numa dimensão prevalecente dos interesses do outro contraente. É na correcta articulação das duas posições que se encontrará o equilíbrio juridicamente pretendido.

A norma impugnada faculta a resolução do contrato quando o inquilino realize obras não autorizadas pelo senhorio que impliquem a alteração substancial do imóvel arrendado e não sejam estritamente necessárias.

A garantia de estabilidade do contrato, à qual se encontra associada a limitação dos casos de resolução por parte do senhorio, é um dos aspectos do regime que concretizam a tutela do direito à habitação do arrendatário, originando uma compressão do direito de propriedade do senhorio (que, de resto, a admite no momento em que celebra o contrato de arrendamento).

Por outro lado, na vigência do contrato de arrendamento, o arrendatário deve preservar o imóvel arrendado, de modo a minimizar os efeitos da sua utilização. Deve também respeitar a estrutura e a configuração do imóvel, não procedendo a alterações ou a obras não autorizadas, ainda que as considere benéficas, pois o senhorio, proprietário do imóvel, mantém a legitimidade para decidir acerca das alterações da coisa arrendada. Tutela-se, agora, o direito de propriedade num âmbito que não colide com o direito à habitação do arrendatário (o direito à habitação é assegurado, no seu núcleo essencial, com a possibilidade de utilizar uma casa, não sendo exigível por essa garantia o poder de alterar estruturalmente a casa habitada - desde que não esteja em causa, como é o caso, a necessidade de obras para evitar a degradação estrutural, a própria habitabilidade, do imóvel). Assim, sobre o arrendatário impende o dever de respeitar essa dimensão do direito do senhorio, no quadro de um relacionamento leal e transparente, essencial à subsistência do próprio contrato de arrendamento.

No caso em apreciação, o senhorio pretende a resolução do contrato, uma vez que foram realizadas obras não autorizadas que alteram substancialmente o imóvel arrendado. É uma situação que tem a sua origem num comportamento voluntário do arrendatário.

A realização de obras não autorizadas que alterem substancialmente o imóvel implica a resolução do contrato por parte do senhorio. Trata-se de uma solução consagrada expressamente na lei, com a qual um arrendatário diligente no que respeita ao conhecimento dos seus direitos e obrigações pode razoavelmente contar.

Não decorre do direito à habitação constitucionalmente consagrado que o arrendatário possa realizar obras sem autorização do senhorio (impondo no imóvel as alterações que considere necessárias) e que, concomitantemente, tenha direito à subsistência do arrendamento. Com efeito, não é inerente ao direito à habitação o direito a realizar alterações e obras não autorizadas no imóvel arrendado, uma vez que a satisfação do interesse do titular do direito à habitação na posição de arrendatário não pressupõe o reconhecimento de um direito ilimitado sobre a coisa locada (materialmente semelhante, neste aspecto, ao do proprietário).

A solução impugnada resulta, pois, da necessária composição dos interesses do proprietário do imóvel com os interesses do arrendatário. Quando o arrendatário decide realizar as obras não autorizadas e não estritamente necessárias, corre o risco de o senhorio vir a exercer o seu direito à resolução do contrato de arrendamento, pois tal actuação não se fundamenta numa qualquer necessidade fundamental inerente ao núcleo essencial do direito à habitação. Se pretende a subsistência do contrato em segurança, então deverá não proceder a tais obras, cumprindo, desse modo, as obrigações que assume perante o senhorio.

A norma que consagra a consequência previsível (o despejo) de uma actuação voluntária e ilícita (a realização de obras estruturais não autorizadas que meramente visam aumentar o conforto dos arrendatários) que não decorre de uma situação de necessidade não viola qualquer dimensão do direito à habitação constitucionalmente consagrado.

Por outro lado, o facto de não haver alternativa habitacional não altera a anterior ponderação, já que o arrendatário pode razoavelmente contar com as graves consequências da sua actuação, e, por isso, não se colocar a si próprio em tal situação.

Conclui-se, nessa medida, que no caso dos autos, se a resolução do contrato foi decretada, tal ficou a dever-se unicamente à actuação dos recorrentes, e não a uma qualquer solução normativa inconstitucional.

Improcede, portanto, o presente recurso.

III - Decisão. - 6 - Em face do exposto, o Tribunal Constitucional nega provimento ao recurso, confirmando consequentemente a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.

Lisboa, 26 de Junho de 2001. - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Guilherme da Fonseca - Bravo Serra - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1942461.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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