António Mário Ventura Gomes, com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Janeiro de 2002, proferido no processo 8010/01, da 9.ª Secção, que decidiu que a consequência estabelecida na lei para a não realização, no inquérito, do interrogatório do arguido é a eventual impossibilidade de o julgamento vir a efectuar-se na sua ausência; e daí que não constitua a omissão de tal formalidade a nulidade da insuficiência do inquérito prevista no referido normativo, mas mera irregularidade, submetida ao regime do artigo 123.º do Código de Processo Penal.
Em sentido oposto indicou o Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de Outubro de 2000, proferido no processo 5056/00, da 5.ª Secção, que decidiu que, correndo inquérito contra determinada pessoa e sendo possível a sua notificação, é obrigatório, sob pena de nulidade insanável, interrogá-la como arguido.
Em conferência concluiu-se pela admissibilidade do recurso, face à oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito no domínio da mesma legislação, tendo-se ordenado o seu prosseguimento.
O recorrente, nas alegações que apresentou, após motivada abordagem da questão a decidir, emitiu posição no sentido de ser fixada jurisprudência nos termos seguintes:
«O artigo 272.º, n.º 1, do CPP, tem por objectivo garantir que ao arguido seja dada a possibilidade fundamental de exercer o seu direito de defesa, sendo que a violação de tal direito desrespeita princípios basilares que imperam num Estado de legalidade democrática, pelo que a omissão do interrogatório do arguido constitui nulidade dependente de arguição, prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP.» A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, nas suas estruturadas e fundamentadas alegações, emitiu opinião no sentido da resolução do conflito jurisprudencial do seguinte modo:
«A falta de interrogatório do arguido, em fase de inquérito e quando este corra contra pessoa determinada e a sua notificação para comparência não se revele inviável, configura a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal.» Após julgamento em conferência, cumpre decidir.
Como se reconheceu no acórdão interlocutório, verifica-se oposição de julgados.
A questão ora submetida à apreciação e julgamento do plenário das secções criminais deste Supremo Tribunal traduz-se na determinação da consequência da falta ou omissão de interrogatório como arguido no inquérito, quando este corra termos contra pessoa determinada e seja possível a sua notificação.
Trata-se de questão que resulta da redacção dada ao artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (ver nota 1), pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, por força da qual, no inquérito, quando o mesmo se processe contra pessoa determinada e seja possível a sua notificação, passou a ser obrigatório interrogá-la como arguido (ver nota 2).
Certo é que a jurisprudência dos tribunais superiores tem-se pronunciado de forma dissonante relativamente àquela questão, sendo conhecidas três posições:
A do acórdão recorrido, segundo a qual a aludida falta de interrogatório como arguido constitui mera irregularidade submetida ao regime do artigo 123.º;
A do acórdão fundamento, de acordo com a qual aquela omissão configura nulidade insanável, designadamente a prevista no artigo 119.º, alínea d);
Uma terceira, ora defendida pelo recorrente e pelo Ministério Público, que qualifica a omissão em causa como nulidade dependente de arguição, concretamente a prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d).
A orientação que elege a sanção da irregularidade para a falta do referido interrogatório assenta, fundamentalmente, nos seguintes argumentos:
A insuficiência do inquérito constitui uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um acto (de inquérito) que a lei prescreve, razão pela qual só se verifica aquela nulidade quando se omita um acto (de inquérito) que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão não disponha a lei de forma diversa (ver nota 3);
Assim, impondo o artigo 272.º, n.º 1, que, no inquérito contra pessoa determinada, se interrogue a mesma como arguido, a menos que não seja possível a sua notificação, a omissão daquele interrogatório nas referidas condições constituirá nulidade dependente de arguição, a não ser que a lei disponha de forma diversa;
Sucede que da análise conjunta do artigo 272.º, n.º 1, e da exposição de motivos da proposta de lei 157/VII, que esteve na base da Lei 59/98, designadamente do seu n.º 6, no qual se fundamenta o processamento da audiência sem a presença do arguido, no contacto do mesmo com o processo nas fases anteriores e sua submissão a termo de identidade e residência (ver nota 4), contacto que a lei promove através da obrigatoriedade do interrogatório naquela qualidade da pessoa contra quem corre o inquérito, se deve concluir que a consequência estabelecida na lei para a não realização, no inquérito, do interrogatório como arguido (e demais diligências de que este acto deve ser acompanhado) da pessoa contra quem aquele se processa, é a eventual impossibilidade de a audiência vir a efectuar-se na ausência do arguido;
Destarte, a não sujeição a interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo se processe, sendo possível a sua notificação, não constitui a nulidade de insuficiência de inquérito prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), antes mera irregularidade, submetida ao regime do artigo 123.º (ver nota 5).
A posição que considera ser a sanção da nulidade absoluta a imposta para a falta daquele interrogatório tem por suporte os fundamentos seguintes:
De acordo com o artigo 119.º, alínea c), constitui nulidade insanável, entre outras situações, a ausência ou falta do arguido nos casos em que a lei exigir a sua comparência (ver nota 6);
O texto legal, ao aludir à ausência do arguido, tem em vista não só a sua ausência física mas também a sua ausência processual;
Assim, quando a lei adjectiva impõe a intervenção do arguido no processo, designadamente o seu interrogatório, a falta ou omissão deste, privando-o de se pronunciar sobre o objecto do inquérito, ou seja, de se defender, constitui nulidade insanável (ver nota 7).
O entendimento que coincide com a posição defendida nos autos pelo Ministério Público e pelo recorrente baseia-se, essencialmente, nas seguintes razões:
A omissão de qualquer diligência ou acto no decurso do inquérito, consabido que compete exclusivamente ao Ministério Público aquilatar da necessidade de realizar as diligências de investigação destinadas à recolha de provas, tendo em vista o apuramento do crime, dos seus agentes e a decisão de acusar, só constituirá a nulidade genérica de insuficiência do inquérito quando a diligência ou o acto omitido sejam prescritos como obrigatórios por lei, isto é, de realização obrigatória, suposto que a lei não preveja para a omissão tratamento diverso (ver nota 8);
Sendo obrigatória a realização do interrogatório previsto no artigo 272.º, n.º 1, a sua omissão em violação do ali estabelecido constitui a nulidade relativa de insuficiência do inquérito, prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), posto que a lei não prevê para aquela omissão tratamento diverso (ver nota 9).
Tomando posição sobre a questão, começar-se-á por observar que a imposição constante do artigo 272.º, n.º 1, segundo a qual, no inquérito, quando o mesmo se processe contra pessoa determinada e seja possível a sua notificação é obrigatório interrogá-la como arguida mais não é que o corolário lógico, por um lado, dos fins e do âmbito do inquérito e das finalidades do processo criminal e, por outro lado, das garantias de defesa (todas as garantias de defesa) que a Constituição da República proclama o processo criminal dever assegurar - artigo 32.º, n.º 1.
Como efeito, tendo o inquérito por fim a decisão sobre a acusação (artigo 262.º, n.º 1) para a qual se torna indispensável a averiguação sobre a ocorrência de um crime, a determinação dos seus agentes e respectiva responsabilidade, e tendo o processo criminal por fim último a descoberta da verdade e a realização da justiça (ou mesmo só esta última, já que também perante ela surge a descoberta da verdade como mero pressuposto) (ver nota 10), dúvidas não restam da necessidade de audição daquele ou daqueles contra quem o inquérito corre, necessidade que resulta, também, das garantias de defesa que a Constituição da República consagra.
Como diz Germano Marques da Silva (ver nota 11), o processo penal tem custos morais muito graves para o arguido, mais não seja o decorrente da publicidade que lhe é inerente, importando, por isso, acautelar que só seja submetido a julgamento aquele sobre quem recaia forte suspeita de responsabilidade criminal.
Por outro lado, certo é que o objecto do processo, nas suas fases iniciais, é definido pela acusação que delimita substancialmente os factos pelos quais o arguido virá a ser condenado e constituem, por isso, o tema essencial ou necessário da actividade probatória.
Daqui que a lei adjectiva imponha, como obrigatório, no decurso do inquérito, o interrogatório daquele ou daqueles contra quem o mesmo corre termos, só o dispensando no caso de ser inviável a notificação do ou dos participados ou denunciados, acto processual que, servindo fins diversos, constitui, prevalentemente, uma garantia de defesa, decorrente do próprio Estado de direito democrático, traduzida na observância do princípio ou direito de audiência, que implica que a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas tarefa do tribunal (concepção «carismática» do processo), mas tenha de ser tarefa de todos, de acordo com a posição e funções processuais que cada um assuma (ver nota 12).
Direito que, aliás, se encontra genericamente atribuído ao arguido, concretamente no artigo 61.º, n.º 1, alínea b), ao estabelecer:
«1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo (ver nota 13) e, salvas as excepções da lei, dos direitos de:
................................................................................
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente os afecte» (ver nota 14).
Direito que, diga-se desde já, não se confunde com o direito de presença, direito este que, constituindo também um direito de defesa, se consubstancia na possibilidade de o arguido estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito - artigo 61.º, n.º 1, alínea a) - e que é, de algum modo, contra face do dever de comparência imposto pela alínea a) do n.º 3 daquele artigo, assentando o seu fundamento na ideia de que ele é o instrumento adequado para, a todo o tempo, assegurar ao arguido a possibilidade de tomar posição sobre o material probatório que contra ele possa ser feito valer e, do mesmo passo, facultar-lhe uma relação de imediação quanto aos meios de prova e à entidade que procede à sua recolha (ver nota 15).
Analisando a expressão legal actos processuais que lhe disserem directamente respeito, José António Barreiros defende que não é fácil interpretar esta limitação, posto que, em pura lógica, ela exclui praticamente nada, porquanto todo o processamento penal, a partir do momento em que houver arguido, visa precisamente a pessoa deste, procurando determinar a existência de ilícito e a responsabilidade do arguido na sua ocorrência, pelo que todos os actos processuais dizem directamente respeito ao arguido. No entanto, de um ponto de vista prático, o alcance gizado pela lei foi o de definir o direito de presença do arguido quanto a actos de produção probatória, excluindo todos os restantes actos do processo, e, dentro destes actos, apenas haverá que considerar aqueles que visarem a produção de prova que possa ter relevo para o apuramento e a definição do ilícito pelo qual possa ser responsabilizado o arguido de cuja presença se trate (ver nota 16).
Tecidas algumas considerações sobre a ratio da imposição constante do artigo 272.º, n.º 1, ou seja, da obrigatoriedade da audição como arguido, no inquérito, da pessoa contra quem o mesmo se processa, convirá agora que nos debrucemos sobre o tratamento ou consequências que a lei adjectiva penal prevê para a não observância de tal imposição, o que nos conduz, necessariamente, ao regime legal aplicável aos procedimentos e actos processuais praticados, por comissão ou omissão, em violação das disposições contidas nas normas de processo penal.
Começar-se-á por salientar que a imperfeição do acto processual, por via da não observância da norma ou normas que regulam o seu processamento, pode assumir formas diversas consoante a gravidade do vício que lhe subjaz, desde a mera irregularidade até à inexistência. Entre estes extremos encontram-se os vícios que dão lugar à nulidade que, por sua vez, se subdivide em nulidade absoluta ou insanável e nulidade relativa ou dependente de arguição (ver nota 17).
Segundo o artigo 118.º, n.os 1 e 2, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal implicam sempre a irregularidade do acto em que se verifiquem, a menos que a lei expressamente determine a nulidade daquele (ver nota 18).
Trata-se da adopção do princípio da legalidade ou da taxatividade relativamente às nulidades processuais, posto que só são nulos os actos que a lei considere como tais, sendo irregulares todos os demais actos ilegais para os quais a lei nada comine, princípio que tem na base a preocupação da prevalência da verdade material sobre a verdade formal, favorecendo o aproveitamento dos actos eivados de vício menos grave, por via da consideração de que as irregularidades do processo só determinam a invalidade do acto a que se referem quando arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes àquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado - artigo 123.º Por outro lado, só a nulidade absoluta é insusceptível de sanação (ver nota 19), considerando-se sanadas as nulidades relativas quando não arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos momentos processuais expressamente previstos na lei ou, supletivamente, no prazo de 10 dias, bem como quando os interessados renunciarem expressamente a argui-las, tiverem aceite expressamente os efeitos do acto anulável ou se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirija - artigos 120.º, n.º 3, 121.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1 (ver nota 20).
Chegados aqui parece estarmos em condições de decidir, decisão que, obviamente, tanto pode ser de adesão a uma das duas posições expressas nos acórdãos recorrido e fundamento, como à defendida pelo Ministério Público e pelo recorrente (ver nota 21).
Das considerações feitas decorre com clareza que a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, da pessoa (determinada) contra quem aquele corre, sendo possível a sua notificação, não constitui a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c) - ausência do arguido no caso em que a lei exigir a respectiva comparência -, visto que o que está em causa ao impor-se aquele interrogatório não é o direito de presença, antes o direito de audiência (ver nota 22), direitos de defesa que, como vimos, são distintos.
Por outro lado, a lei, ao estatuir que é obrigatório interrogar como arguido a pessoa contra quem corre o inquérito, está a pressupor que aquela pessoa ainda não foi constituída como arguido, ou seja, que ainda não há arguido.
Deste modo, sendo certo que a nulidade insanável a que vimos de aludir tem em vista, apenas, os casos de ausência do arguido a actos em que a lei exige a respectiva comparência, é evidente ser inaplicável à omissão do interrogatório previsto no artigo 272.º, n.º 1.
A omissão em causa, posto que o acto omitido é de realização obrigatória, configura, indubitavelmente, atenta a fase processual em que é imposta a sua realização, uma insuficiência de inquérito (ver nota 23).
Nesta conformidade, temos por certo que a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, da pessoa (determinada) contra quem o mesmo corre, suposta a não inviabilidade da sua notificação para o respectivo acto, constitui a nulidade relativa prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), arguível nos termos da alínea c) do n.º 3 daquele artigo (ver nota 24).
Termos em que se acorda, na procedência do recurso:
a) Fixar a jurisprudência seguinte:
«A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal»;
b) Ordenar a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa para que reveja a decisão recorrida, conformando-a com a jurisprudência ora fixada.
Sem tributação.
(nota 1) Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.
(nota 2) É do seguinte teor o texto do artigo 272.º, n.º 1:
«Correndo inquérito contra pessoa determinada, é obrigatório interrogá-la como arguido. Cessa a obrigatoriedade quando não for possível a notificação.» (nota 3) Esta asserção corresponde a entendimento expressamente assumido por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, pp. 67 e 68.
(nota 4) A medida de coacção de termo de identidade e residência é actualmente de aplicação obrigatória - artigo 196.º, n.º 1 -, vinculando o arguido a certos deveres, entre eles o de comparecimento perante a autoridade judiciária competente e de não mudar de residência, sendo que no respectivo acto de sujeição àquela medida coactiva a lei manda dar conhecimento ao arguido de que o incumprimento dos deveres inerentes legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e, bem assim, a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º (nota 5) Este entendimento é assumido por Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10.ª ed., p. 520.
(nota 6) A cominação da sanção mais grave para a ausência do arguido a actos em que a lei exige a sua comparência é facilmente perceptível. Se a lei exige a comparência do arguido a certo e determinado acto é porque se reconhece que a sua presença é indispensável para a sua defesa, pelo que se se verifica a falta daquele há que anular e repetir o respectivo acto, tanto mais que a lei fundamental impõe que o processo assegure todas as garantias de defesa - artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
(nota 7) No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Évora por Acórdão de 24 de Março de 1992, publicado em Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, t. II, p. 308.
(nota 8) Neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal de 3 de Maio de 2000, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano VIII, t. II, p. 180, da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 1999 e de 08 de Maio de 2001, o primeiro publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXIV, t. IV, p. 155, e o segundo proferido no processo 2236/01, da 5.ª Secção, e da Relação do Porto de 21 de Novembro de 2001, proferido no processo 951/01, da 4.ª Secção, todos eles citados nas alegações do Ministério Público.
(nota 9) Neste preciso sentido decidiram os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 11 de Abril de 2002, proferido no processo 471/02, da 5.ª secção, da Relação do Porto, de 8 de Novembro de 2000, de 10 de Outubro de 2001 e de 21 de Novembro de 2001, proferidos nos processos n.os 107/00, da 1.ª Secção, 635/01 e 951/01, da 4.ª Secção, e da Relação de Évora de 13 de Maio de 1997, publicado em Colectânea de Jurisprudência, ano XXII, III, p. 282, todos eles citados nas alegações do Ministério Público.
(nota 10) Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1981, p. 43, para o qual o verdadeiro fim do processo penal é a realização da justiça.
(nota 11) Curso de Processo Penal, III, 1994, p. 65.
(nota 12) V. Figueiredo Dias, ibidem, pp. 157 e 158, que ali refere, ainda, que o direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão da justiça, das exigências inscritas num Estado de direito, da essência do direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do processo como «comparticipação» de todos os interessados na criação da decisão; direito cujo âmbito não se circunscreve só para a parte do processo que decorre perante o tribunal, devendo ser assegurado perante quaisquer decisões, sejam do juiz ou de entidades instrutórias (investigatórias), nomeadamente o Ministério Público, sempre que aquelas atinjam directamente a esfera jurídica das pessoas.
(nota 13) Sublinhado nosso.
(nota 14) Figueiredo Dias, ibidem, pp. 160 e 161, defende que o respeito pelo princípio de que o direito de audiência deve ser assegurado perante quaisquer decisões (nomeadamente do Ministério Público), sempre que atinjam directamente a esfera jurídica das pessoas, implica que não basta seja dada a possibilidade ao interessado para se pronunciar antes da decisão final, mas sim antes de qualquer decisão que o possa afectar juridicamente, razão pela qual ali se insurge, face ao regime legal do Código de Processo Penal pré-vigente, da não concessão ao arguido e ao assistente da efectiva possibilidade de se pronunciarem, com pleno conhecimento de causa, imediatamente antes da decisão sobra a acusação ou não acusação.
(nota 15) Cf. Costa Pimenta, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª ed., p.
204, e Figueiredo Dias, ibidem, pp. 431 e 432.
(nota 16) «Inquérito e instrução», I Congresso de Processo Penal - Memórias, Almedina, 2005, p. 145.
(nota 17) Como refere Germano Marques da Silva, ibidem, p. 55, a exacta correspondência do acto processual aos parâmetros normativos que a lei estabelece para a sua perfeição permite a produção dos efeitos que lhe são próprios, mas a falta ou insuficiência dos requisitos, tornando o acto imperfeito, é susceptível de consequências jurídicas diversas em razão da gravidade do vício.
(nota 18) Conquanto a lei o não refira, certo é, como já ficou consignado, que o acto processual é susceptível de enfermar de um outro vício, qual seja o da inexistência, o que sucede quando o acto se mostra inidóneo para se integrar na estrutura da relação processual penal (particularmente para conduzir ao efeito mais nobre que é o do caso julgado) - cf. Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I, 1999, p. 594 -, o que ocorre quando ao acto faltam elementos essenciais à sua própria substância, de modo que em caso algum pode produzir efeitos jurídicos.
A inexistência jurídica não necessita de ser declarada, sendo insusceptível de sanação pela sua não arguição ou decurso do tempo, posto que se trata de um vício incurável.
(nota 19) Só o caso julgado cobre a nulidade absoluta.
(nota 20) As nulidades respeitantes a falta ou vício de notificação ou de convocação para acto processual ficam sanadas se a pessoa interessada comparecer ou renunciar a comparecer ao acto, a menos que o interessado compareça apenas com a intenção de arguir a nulidade - artigo 121.º, n.os 2 e 3.
(nota 21) Consabido que o recurso para fixação de jurisprudência tem em vista a resolução de conflito jurisprudencial no interesse da lei, da segurança e da certeza jurídica, tal como bem observou a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta nas suas alegações, certo é que nada obsta a que o Supremo Tribunal de Justiça enverede por solução não coincidente com qualquer uma das que estiveram na origem no conflito - Acórdão deste Supremo Tribunal de 25 de Março de 1992, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 157, de 10 de Julho de 1992.
(nota 22) Aliás, só se pode falar de ausência, com rigor, à não comparência a um acto processual, e não também à não convocação e não realização desse acto; não sendo convocado o acto inexiste, obviamente, o direito/dever de comparência.
(nota 23) Neste preciso sentido, o já citado Acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Maio de 2000, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano VIII, t. II, p. 180.
(nota 24) Constituindo nulidade relativa, é evidente que se terá necessariamente por arredada a orientação jurisprudencial que aponta no sentido da ocorrência de mera irregularidade ex vi artigo 118.º, n.os 1 e 2.
Aliás, o fundamento sustentador daquela orientação, qual seja o de que a sanção para o incumprimento da imposição constante do artigo 272.º, n.º 1, é a eventual impossibilidade de submissão do arguido a julgamento na sua ausência, por ausência de contacto por parte do mesmo com o processo nas fases anteriores (inquérito e instrução) e a sua não vinculação à medida de coacção de termo de identidade e residência, resultante da sua não sujeição a interrogatório, carece de sentido.
É que por efeito da redacção dada ao artigo 57.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, passou a assumir, obrigatoriamente, a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução, pelo que, sendo possível a sua notificação, tal qual pressupõe a disposição do artigo 272.º, n.º 1, o mesmo terá de ser constituído arguido, acto em que, obviamente, contactará directamente com o processo e terá de prestar termo de identidade e residência - artigos 58.º, n.os 2 e 3, e 61.º, n.º 3, alínea d) -, ficando em plenas condições de, sendo caso disso, ser julgado na sua ausência.
Lisboa, 23 de Novembro de 2005. - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes - João Luís Marques Bernardo - Alfredo Rui Francisco do Carmo Gonçalves Pereira - Luís Flores Ribeiro - Florindo Pires Salpico - José António Carmona da Mota - António Pereira Madeira - António Joaquim da Costa Mortágua - Políbio Rosa da Silva Flor - António Artur Rodrigues da Costa - José Vítor Soreto de Barros - Armindo dos Santos Monteiro - João Manuel de Sousa Fonte - Arménio Sottomayor.