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Assento 4/83, de 27 de Agosto

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Sumário

Fixa a seguinte jurisprudência: na falta de presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal da concepção, só com o investigado manteve relações sexuais.

Texto do documento

Assento 4/83
Processo 69813 - 1.ª Secção. - Autos de recurso para o tribunal pleno, em que são recorrentes o ministério público, em representação do menor José Miguel Pinto Carvalho, e recorrido Aldino Ademar Dias.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenário:
O Acórdão deste Tribunal de 21 de Novembro de 1979, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, 291-498, decidiu que nas acções de investigação de paternidade ao autor "basta provar» a ligação sexual da mãe com o investigado [...], no período legal da concepção, competindo ao réu a prova de que, nesse período, a mãe manteve relações sexuais com vários homens, por se tratar de facto impeditivo do direito em que o autor alicerça o pedido.

Em Acórdão de 16 de Junho de 1981, também já publicado no Boletim, 308-246, o Supremo julgou, diferentemente, que, para que a acção proceda, incumbe ao autor provar não só que o investigado copulou com a mãe do investigante no período legal da concepção, mas ainda que ela, "durante todo esse período, teve um comportamento a permitir afirmar que não manteve relações sexuais com outro homem».

Alegando que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, os dois acórdãos assentam sobre soluções opostas, o ministério público recorre para o tribunal pleno do de 1981, proferido na acção por ele, como representante do menor José Manuel Pinto de Carvalho, proposta contra Aldino Ademar Dias.

A 1.ª Secção declarou existir a oposição que serve de fundamento ao recurso (acórdão a fl. 18).

O ministério público remata a sua alegação sobre o objecto do recurso dizendo que o conflito de jurisprudência deve resolver-se por assento, para o qual propõe a seguinte formulação:

Em acção de investigação de paternidade, a causa de pedir é o facto jurídico da procriação, que se estrutura no acto gerador da gravidez - relações sexuais de cópula completa entre a mãe e o investigado no período legal da concepção -, não competindo ao autor a prova da exclusividade dessas relações.

No douto parecer junto a fls. 27 e seguintes, o recorrente defende o mesmo ponto de vista, desenvolvendo as razões constantes daquela alegação, mas sugerindo para o assento a lavrar uma formulação algo diferente:

Nas acções de investigação de paternidade, a causa de pedir é apenas o facto jurídico da procriação, que se estrutura no acto gerador da gravidez - relações sexuais de cópula completa entre a mãe e o investigado no período legal da concepção -, não competindo ao autor a prova da inexistência de factos impeditivos do direito invocado.

O recorrido não alegou.
Foram colhidos os vistos de todos os juízes do Tribunal.
Há agora que julgar o conflito, porquanto é evidente que os acórdãos em referência, baseando-se ambos nas disposições do artigo 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil, consagram, no domínio da mesma legislação, teses jurídicas opostas, como ficou decidido a fl. 18.

Importa, antes de mais, definir com rigor a hipótese sobre que temos de pronunciar-nos.

Os Acórdãos de 21 de Novembro de 1979 e 16 de Junho de 1981 foram ambos proferidos em acções oficiosas de investigação de paternidade.

Na sua primitiva redacção, o artigo 1860.º do Código Civil estabelecia que a acção de investigação de paternidade ilegítima só era admitida nos casos que enumerava. Mas, tratando-se de averiguação oficiosa da paternidade presumida, a acção não estava sujeita a tais limitações - artigo 1848.º, n.º 4, do mesmo Código, como os demais que vierem a citar-se.

Com o Decreto-Lei 496/77, de 25 de Novembro, desapareceram os pressupostos de admissibilidade da acção. A paternidade pode agora investigar-se sempre sem limitações semelhantes àquelas. Com excepção de uma delas [a da alínea d) do artigo 1860.º], as situações que eram pressupostos de admissibilidade da acção passaram a constituir presunções de paternidade - artigo 1871.º, n.º 1, na redacção que lhe foi dada por aquele diploma.

A distinção que hoje cumpre fazer já não é, portanto, entre acções oficiosas e não oficiosas, mas entre acções que se baseiam na existência de uma de tais presunções e acções em que, na ausência delas, o autor se propõe provar a filiação biológica. Nas primeiras, o autor terá apenas de provar os factos em que assenta a presunção invocada, ficando dispensado de demonstrar o vínculo biológico, pois, mercê da presunção, o ónus da prova é invertido (artigo 344.º, n.º 1): incumbirá ao réu ilidir a presunção (artigo 350.º, n.º 2). Nas segundas, cabe ao autor provar aquele vínculo, através, inclusivamente, de exames de sangue e de quaisquer outros métodos cientificamente comprovados (artigo 1801.º, na sua actual redacção).

Lá fora, são já correntes certos meios científicos que permitem apurar a paternidade biológica com um muito alto grau de probabilidade. Ainda há pouco se noticiava que um juiz norte-americano decide rapidamente as acções de investigação mediante uma série de 3 HLA (antígeno do leucócito humano).

Não é o que, por enquanto, sucede entre nós. De maneira que se põe a questão de saber o que precisa o autor de provar, se não beneficia de uma presunção legal de paternidade: tão-só que a mãe manteve relações sexuais com o investigado no período legal da concepção ou ainda que ela as não manteve, nesse período, com qualquer outro homem? É o que nos compete decidir.

Concorda-se com o recorrente em que, nas acções de investigação de paternidade, a causa de pedir e o facto jurídico da procriação. Há muito que isso está assente. O autor pede o reconhecimento da paternidade com base no facto natural, com relevância jurídica, de ter sido gerado pelo investigado: existe uma relação biológica de paternidade entre aquele e este; logo, deve declarar-se que o autor é filho do investigado.

O que não pode aceitar-se é que as relações sexuais de cópula entre a mãe do investigante e o pretenso pai no período legal da concepção se equiparem ao acto gerador da gravidez. Porque este acto é um só e as cópulas mantidas no período legal da concepção podem ter sido (são, normalmente) várias; obviamente, a mulher engravidou em resultado de um único, concreto (embora ignorado) relacionamento sexual. A procriação pressupõe a prática de relações sexuais, mas estas não conduzem forçosamente àquela. Sem a menor sombra de dúvida: pai biológico é o homem que manteve com a mãe a cópula fecundante; não pode ser outro.

Por ser assim, a paternidade real ou se determina por meios técnicos ou só pode ter-se por demonstrada quando a mãe, durante o período legal da concepção, não manteve relações sexuais senão com o investigado. O simples facto de as ter mantido com este apenas autoriza concluir que o investigado pode ser o pai do investigante. Mas isso não basta, manifestamente. Se as acções de investigação de paternidade não se resolvem com certezas matemáticas, também não podem julgar-se procedentes a partir da verificação de meras possibilidades, mais ou menos remotas; requer-se um juízo de forte probabilidade, um certo grau de certeza moral, que só a exclusividade das relações permite adquirir.

Tal exclusividade é, pois, um facto que se integra na causa de pedir - a procriação. Constitutivo, como é, do direito alegado pelo investigante, a este cabe fazer a sua prova, consoante preceitua o artigo 342.º, n.º 1. Assim se decidiu nos mais recentes acórdãos que este Supremo Tribunal proferiu sobre a matéria - do recorrido, o de 14 de Maio de 1981 (publicado no Boletim, 307-276), com intervenção dos juízes das duas secções cíveis.

Tem-se objectado que considerar-se a exclusividade das relações sexuais como elemento constitutivo do direito do autor corresponde a impedi-lo da investigação, dado tratar-se de um facto negativo, de prova impossível ou muito difícil; e que, sendo de presumir a fidelidade da mulher, o autor não carece de provar, mas apenas de alegar, que a mãe só com o investigante manteve relações sexuais no período legal da concepção (artigos 349.º e 350.º).

Salvo o devido respeito, cremos que nenhuma das objecções procede.
No Acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Janeiro de 1981 (Boletim, 303-244), afirmou-se que a exclusividade de relações sexuais da mãe do investigante com o investigado não é um facto negativo, impeditivo do direito invocado pelo autor, mas positivo, dele constitutivo.

Positivo ou negativo, o certo é que a dificuldade da sua prova não releva. Como se diz no Acórdão de 14 de Maio de 1981, com citação do de 16 de Novembro de 1978 (Boletim, 281-230), "tal prova pode resultar de um relacionamento de factos que, no escopo de determinar a filiação biológica, dado o actual estado da ciência, o julgador pode considerar como simples juízos de probabilidade, socorrendo-se de presunções naturais».

Segundo a lição dos processualistas (v., por exemplo, Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1979, pp. 202 e 203), não vale a máxima negativa non sunt probanda; a natural dificuldade da prova de um facto é coeficiente que não altera a repartição do ónus da prova; o mais que esse coeficiente, como outros, "podem é tornar aconselhável [...] a máxima iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur».

Com inteira razão se tem observado que a fidelidade da mãe do investigante ao investigado não é susceptível de provar-se com absoluta certeza; o juízo sobre a fidelidade, não podendo ser de certeza, tem de ser de mera probabilidade. Por isso, não se deve exigir demasiado (do autor) no tocante a essa prova. A demostração da filiação biológica envolve sempre um certo risco; não se pode ir ao ponto de, para eliminar o risco, tornar praticamente inviável qualquer acção de investigação que não se baseie na existência de uma presunção legal de paternidade.

Presumir-se a fidelidade da mãe enquanto não for feita prova da chamada exceptio plurium concumbentium significa criar o tribunal, ao lado e para além das previstas no artigo 1871.º, n.º 1, uma outra presunção de paternidade. Presunção que, como diz e demonstra o Dr. Guilherme de Oliveira (O Direito da Filiação na Jurisprudência Recente, p. 21), "não se integra bem no sistema legal vigente». E à qual nunca poderia aplicar-se o regime do artigo 350.º, que só a presunções legais (as estabelecidas pela lei, naturalmente) se refere.

Não se vê, aliás, razão para do facto (conhecido) da coabitação se inferir o facto (desconhecido) da fidelidade da mulher. As máximas da experiência não apontam claramente nesse sentido. Se já no recuado ano de 1943, Alberto dos Reis pôde escrever (no Boletim da Faculdade de Direito, vol. XIX, p. 185) que a prova da fidelidade da mãe era cada vez mais precária e difícil, "dadas as condições da vida social moderna», hoje, com a evolução dos costumes desde então verificada, com a proclamada libertação sexual da mulher, não parece razoável afirmar-se que, normalmente, a mulher se liga a um só homem, e não a vários ao mesmo tempo. Trata-se, no mínimo, de uma regra com cada vez mais frequentes e numerosas excepções.

Nestes termos, nega-se provimento ao recurso e lavra-se o seguinte assento:
Na falta de uma presunção legal de paternidade cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal da concepção, só com o investigado manteve relações sexuais.

Não são devidas custas.
Lisboa, 21 de Junho de 1983. - Joaquim Figueiredo - Vasconcelos de Carvalho - José Luís Pereira - Amaral Aguiar - Santos Carvalho - Licurgo dos Santos - Santos Silveira - Dias da Fonseca Lopes Neves - Magalhães Baião - Abel de Campos - Santos Victor - Costa Ferreira - Alves Peixoto - Moreira da Silva - Melo Franco - Silvino Vila Nova - Castro Caseiro - Lima Cluny (vencido, tendo como certo que a causa de pedir nas acções de investigação é a procriação como consequência das relações sexuais entre a mãe do investigante e o pretenso pai; entendo que não é ao A. que compete fazer a prova de exclusividade de tais relações, mas ao R. que incumbe provar a exceptio plurium.

Isto, primeiramente, porque a mãe do investigante goza de presunção natural de honestidade, no sentido de que não é mulher de mais de um homem simultaneamente; e, em segundo lugar, porque a doutrina deste assento fez recair sobre ela a prova de factos negativos, sempre extremamente difícil e por vezes quase impossível, razão bastante para se manter a seu favor - ou do investigante - o ónus da prova. Neste sentido, v. Prof. Vaz Serra, in Rev. Leg. Jur., ano 106.º, p. 315) - Antero Pereira Leitão (vencido essencialmente pelas mesmas razões) - Flamino Martins (vencido essencialmente pelas razões invocadas pelo colega Cluny) - Rodrigues Bastos (vencido por idênticas razões) - Miguel Caeiro (vencido pelas razões constantes dos votos antecedentes) - Aníbal Aquilino Ribeiro (vencido pelas razões aduzidas nos votos que antecedem) - Corte Real (vencido pelas razões do Acórdão em oposição de 21 de Novembro de 1979, Boletim, 291-498, por mim relatado, visto as agora apresentadas, no meu entendimento, não destruírem aquelas) - Solano Viana (vencido pelos fundamentos indicados pelo Exmo. Conselheiro Lima Cluny) - Quesada Pastor (vencido pelas mesmas razões) - Octávio Garcia (vencido pelas razões dos colegas Cluny e restantes vencidos) - Almeida Ribeiro (vencido pelas razões do voto do Exmo. Conselheiro Lima Cluny).

Está conforme.
Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Julho de 1983. - O Escrivão de Direito, António dos Santos Rocha.


Certidão de trânsito
Certifico que o douto acórdão que antecede transitou em julgado em 7 do corrente mês.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Julho de 1983. - O Escrivão de Direito, António dos Santos Rocha.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/190078.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1977-11-25 - Decreto-Lei 496/77 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Civil aprovado pelo Decreto Lei 47344, de 25 de Novembro, nos domínios, e quanto à parte geral, do direito internacional privado, fixação da maioridade, regime do domicílio legal dos menores e aquisição da personalidade jurídica das associações. Revê ainda, no direito da família, a disciplina do casamento (e do divórcio), da filiação, da adopção e dos alimentos e, no direito sucessório, a posição do cônjuge sobrevivo.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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