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Acórdão 118/2001/T, de 24 de Abril

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Texto do documento

Acórdão 118/2001/T. Const. - Processo 475/2000. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Joaquim de Oliveira Ramos da Silva instaurou, junto do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, acção especial de divórcio litigioso contra Maria Alice de Azevedo Ferreira, com fundamento em separação de facto por seis anos consecutivos.

Maria Alice de Azevedo Ferreira deduziu reconvenção, pedindo a condenação do autor pelos danos morais resultantes da separação de facto imputável a este.

O Tribunal Judicial de Ponte de Lima, por sentença de 27 de Janeiro de 1999, considerou que a ré não concretizou os danos resultantes da dissolução do casamento, "fazendo-o apenas em relação a danos que decorrem do próprio comportamento do autor que serve de fundamento ao divórcio, danos estes que não são contemplados" no artigo 1792.º do Código Civil. Consequentemente, o tribunal julgou improcedente o pedido reconvencional e decretou o divórcio.

2 - Maria Alice de Azevedo Ferreira interpôs recurso da sentença de 27 de Janeiro de 1999 para o Tribunal da Relação do Porto. Nas respectivas alegações não suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa.

O Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 30 de Setembro de 1999, entendeu que "os danos previstos no citado artigo 1792.º são, todavia, os que advêm do próprio divórcio [...], não de uma situação de ruptura da comunhão de vida, semelhante à dissolução, mas da consolidação desta com o divórcio". O tribunal sublinhou também que "o artigo 1792.º compreende unicamente os danos não patrimoniais causados pelo próprio divórcio".

Em consequência, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

3 - Maria Alice de Azevedo Ferreira interpôs recurso do Acórdão de 30 de Setembro de 1999 para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações de recurso a recorrente sustentou que a "interpretação restritiva" do artigo 1792.º do Código Civil, no sentido de excluir do seu âmbito a ressarcibilidade dos danos morais emergentes do comportamento do cônjuge que deu origem à separação de facto, abrangendo apenas os danos resultantes do divórcio, "atenta contra os princípios constitucionais da garantia de efectivação, caso a caso, dos interesses legalmente protegidos do cidadão e do princípio de que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei (artigos 2.º, 13.º e 20.º da Constituição)". Nas conclusões, a recorrente reiterou tal entendimento.

O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 6 de Abril de 2000, considerou que, de acordo com jurisprudência anterior firmemente consolidada, o artigo 1792.º do Código Civil apenas abrange na sua previsão normativa os danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento. O tribunal mencionou ainda que, "tal como acontece no caso dos autos, a separação de facto pode ter origem em ilícitos conjugais (como, desde logo, a violação do dever de coabitação), que são, por si só, fontes directas da obrigação de indemnizar, ao abrigo dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil". Porém, entende que "a separação de facto, por si mesmo, é inócua, sob o ponto de vista da responsabilidade civil".

Concluindo que só os danos resultantes do corte legal e definitivo é que são atendíveis, para efeitos de indemnização, nos termos do artigo 1792.º do Código Civil (sendo os danos derivados directamente dos factos ilícitos que fundamentam o divórcio indemnizáveis ao abrigo dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil), o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.

4 - Maria Alice de Azevedo Ferreira, depois de ter arguido a nulidade do acórdão que negou a revista, e de tal arguição ter sido indeferida por Acórdão de 15 de Junho de 2000, interpôs recurso de constitucionalidade do Acórdão de 6 de Abril de 2000, ao abrigo dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 1792.º do Código Civil, quando interpretado no sentido de excluir do seu âmbito de aplicação os danos morais resultantes da separação de facto.

Junto do Tribunal Constitucional a recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:

"1 - A recorrente entende que é inconstitucional a norma do artigo 1792.º do Código Civil densificada, aplicada e efectivada - como o é no douto acórdão recorrido - com o sentido de excluir ao cônjuge inocente, numa acção de divórcio, em que tal pediu, a reparação do seu 'dano típico', 'sofrido' com a 'provação da ruptura' do casamento - só porque tal dano realmente sofrido seja sofrido antes (historicamente) da prolação da sentença de divórcio.

E que é inconstitucional, duplamente, por ofensa dos juízos de valor constitucionais dos artigos 2.º, 13.º e 20.º da Constituição.

2 - O dano moral pertence ao mundo da realidade anímica, factual e subjectiva.

Sofre-se [...] se se sofre.

Assim, que o dano se sofra hoje, ou daqui para a frente - ou que se tenha sofrido ontem, ou há 10 anos e desde aí até ao presente: não é essencial à existência 'do dano'. Tal respeita, tão-só, ao seu modo ou ao seu quantum.

Mas, se existe, existe. E nem o dano (antes ou depois de decretado o divórcio) tem que ser eterno ou vitalício.

3 - Mas, então - com a dita norma do citado artigo 1792.º do Código Civil, objecto de recurso, os cidadãos não têm a mesma dignidade social, nem são iguais perante a lei (artigo 13.º da Constituição).

Pois que, o cidadão A, cônjuge inocente numa acção de divórcio, que possa sofrer com a aprovação da vivência anímica da ruptura existencial da vida conjugal que até só vá acontecer após a sentença judicial do divórcio - pode pedir essa indemnização, desse dano típico, se a pede na própria acção: e apesar de ser dano futuro.

Mas já o cidadão B, cônjuge inocente numa acção de divórcio, que até já tenha sofrido, que vem a sofrer e continue a sofrer a mesma provação da vivência anímica da ruptura existencial da vida conjugal, 'esse mesmo típico dano' já não tem essa dignidade social de ser protegido; nem o cônjuge culpado deve já ser sancionado pela consequência dessa ruptura; nem já tem aquele o mesmo direito de pedir nessa acção a indemnização 'desse dano típico' sofrido.

E porquê? Só porque sofreu (irrelevantemente, para os valores em causa) antes da data histórica em que o Tribunal proferiu a sentença de divórcio! Porque sofreu em momento errado: sofreu antes, e não tinha nada que sofrer! Não vai sofrer depois [...] e aí (falaciosamente) é que 'deveria' sofrer! [...] Irrelevantemente!

4 - Por sua vez, obviamente, a categoria da 'igualdade' é uma categoria relativa e funcional, na dependência da questão a decidir.

Duas categorias são iguais, 'se' para a questão a decidir - têm elementos componentes que são relevantes para os juízos de valor essenciais dessa questão: sendo, já, indiferente se têm elementos diversos, mas que são irrelevantes em equação a esses mesmos juízos de valor.

Ora, segundo os itens de interpretação, legalmente obrigatórios, do artigo 9.º do Código Civil, aos juízos de valor legais presentes na 'norma' do artigo 1792.º do Código Civil, essa circunstância do momento (histórico) em que se sofre o dano típico é meramente irrelevante.

5 - Por sua vez, entende a recorrente que o artigo 1792.º do Código Civil, obviamente, consagra o princípio da indemnização do dano moral típico sofrido pelo cônjuge inocente com a provação da ruptura do casamento, sendo indiferente o 'momento' em que o sofra 'desde que' peça tal indemnização na própria acção de divórcio e este seja decretado.

Ora, a interpretação normativa do artigo 1792.º citado, restritiva no sentido de que não tem tal direito o cônjuge que sofra tal dano antes da data da prolação da sentença - obviamente também viola aquele referido direito e interesse, 'legalmente' protegido de tal cônjuge pela referida norma objectiva do citado artigo 1792.º Bem como, assim, viola o acesso ao direito e à 'sua' consequente tutela jurisdicional efectiva, com base em tal norma objectiva, a ser no seu caso respeitada e no seu caso efectuada.

Pelo que tal norma, do artigo 1792.º, assim densificada, no conteúdo normativo restritivo que se contesta, viola também os princípios constitucionais dos artigos 2.º e 20.º da Constituição."

A recorrente juntou ainda um estudo da autoria do seu advogado, Dr. Curval Ferreira, onde se procede ao desenvolvimento do entendimento sustentado nas alegações.

O recorrido não contra-alegou.

Cumpre decidir.

II - Fundamentação. - 5 - O n.º 1 do artigo 1792.º do Código Civil tem a seguinte redacção:

"O cônjuge declarado único ou principal culpado e, bem assim, o cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea c) do artigo 1781.º devem reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento."

O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, considerou que tal preceito apenas abrange os danos morais resultantes do "corte legal e definitivo dos laços matrimoniais", ficando os danos emergentes da prática de ilícitos conjugais (como a consistente na violação do dever de coabitação) submetidos ao regime geral dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil.

A recorrente considera, porém, que tal interpretação, que não permite a inclusão na previsão normativa dos danos decorrentes da mera separação de facto, ou seja, do efectivo rompimento da vida em comum (anterior à dissolução do vínculo jurídico), é inconstitucional, por violação dos princípios do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva e da igualdade.

6 - De acordo com a interpretação normativa constante do acórdão do tribunal a quo, interpretação que a recorrida impugna nos presentes autos, os danos emergentes da dissolução do vínculo conjugal são ressarcíveis nos termos do artigo 1792.º do Código Civil; por seu turno, os danos resultantes da violação dos deveres conjugais (como, por exemplo, o dever de coabitação) sê-lo-ão nos termos gerais da responsabilidade civil (artigos 483.º e seguintes do Código Civil). Tanto num como noutro caso, é necessário que os danos sejam invocados, demonstrados, quantificados e que seja indicada a respectiva e idónea causa de pedir.

Uma tal dimensão normativa violará o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva?

Com efeito, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça quanto à ressarcibilidade dos danos morais verificados aquando da ruptura do casamento não impede o funcionamento dos mecanismos jurídicos tendentes à efectivação da responsabilidade civil do cônjuge culpado, facultando a tutela judicial dos interesses do cônjuge que se considera lesado. Se ocorrer incumprimento dos deveres conjugais e dele resultarem danos, o cônjuge lesado poderá obter o ressarcimento da sua lesão (a indemnização pecuniária pelo afecto frustrado), nos termos dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil. Se da dissolução do vínculo jurídico (divórcio) decorrerem danos morais, então a resposta do sistema será a do artigo 1792.º do Código Civil. Várias possibilidades geradoras de responsabilidade civil estão contempladas, facultando-se os respectivos meios judiciais (cf., sobre a dualidade dos mecanismos, Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, 1986, pp. 367 e segs.; Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, 2.ª ed., 1992, p. 567, e José António de França Pitão, Sobre o Divórcio, Anotações aos Artigos 1773.º a 1895.º-D, do Código Civil, 1986, pp. 187 e segs.).

Uma tal solução legal, na interpretação assinalada, ancora-se na perspectiva de que a permissão da dissolução do casamento pelo divórcio não é um direito sem quaisquer onerações para o cônjuge considerado culpado, mas sendo efectivado dará ao cônjuge não culpado, em contrapartida da consagração jurídica da dissolução com todas as suas consequências, uma compensação para os danos morais consequenciais. Essa compensação, de algum modo limitativa de um verdadeiro "direito ao divórcio" corresponde a uma orientação de compromisso entre um sistema fechado e limitativo do divórcio para o cônjuge culpado e um sistema próximo de um puro direito ao divórcio.

A lógica desta responsabilidade consequencial não é extensível a uma responsabilidade por danos morais na sequência da separação de facto. Aí, mantendo-se ainda o vínculo do casamento, só os factos ilícitos que suscitaram a separação de facto são indemnizáveis, mas já não é inerente à lógica do sistema, consagrado no artigo 1792.º, uma qualquer reparação pelas puras consequências de uma situação - a separação de facto e a cessação da coabitação - que não alterou ainda o estado civil dos cônjuges. A oneração da separação de facto com tal responsabilidade consequencial, para além do reconhecimento de responsabilidade derivada da violação de deveres de coabitação, seria uma intensificação excessiva das restrições a que juridicamente a vida conjugal estaria sujeita. E esta perspectiva subjacente à solução normativa prevista no artigo 1792.º do Código Civil não conduz, em si mesma, a uma negação da tutela jurisdicional efectiva, consubstanciando, antes, uma opção legislativa sobre o casamento moderadamente (e não muito restritivamente) condicionadora da autonomia dos cônjuges.

7 - A recorrente invoca ainda a violação do princípio da igualdade, devido ao diferente tratamento conferido ao cônjuge não culpado que sofre danos pelo divórcio e ao cônjuge não culpado que sofre danos durante a ruptura de facto da vida conjugal.

Porém, também aqui não se verifica qualquer inconstitucionalidade. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça apenas procedeu à delimitação do âmbito de aplicação do artigo 1792.º do Código Civil, em função das perspectivas atrás referidas, por um lado, e dos artigos 483.º e seguintes, do mesmo diploma, por outro. O cônjuge não culpado, que se considere lesado pela violação dos deveres conjugais por parte do outro cônjuge, pode, com efeito, instaurar a respectiva acção por responsabilidade civil, de acordo com os artigos 483.º e seguintes do Código Civil. Pelo menos, é essa a perspectiva do tribunal recorrido, embora também ela seja possível de discussão na doutrina (sobre esta questão, cf. Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, 1986, loc. cit., e Ângela Cristina Silva Cerdeira, Da Responsabilidade Civil dos Cônjuges entre Si, 2000). Quanto aos danos puramente decorrentes do divórcio, terá então aplicação o disposto no artigo 1792.º do Código Civil, sendo a questão decidida na própria acção de divórcio.

Não existe no regime que acaba de se enunciar nenhuma discriminação, pois de modo algum é conferido tratamento menos protectivo a qualquer uma das situações configuradas. Verifica-se antes uma delimitação do âmbito de aplicação de dois regimes de responsabilidade civil, em função dos danos a ressarcir e das respectivas causas.

8 - Assim, o presente recurso afigura-se manifestamente improcedente.

III - Decisão. - 9 - Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao presente recurso, confirmando, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.

14 de Março de 2001. - Maria Fernanda Palma - Bravo Serra - Guilherme da Fonseca - Paulo Mota Pinto - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1895884.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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