Portaria 446/2004
de 30 de Abril
O Programa do XV Governo Constitucional consagra entre as suas prioridades a criação de condições efectivas e a aplicação de medidas concretas de defesa do direito à vida, de promoção da natalidade e de dignificação do ser humano. É neste contexto que o Ministério da Segurança Social e do Trabalho tem vindo a desenvolver acções e a adoptar medidas de protecção da família, da maternidade e da paternidade.
Os centros de apoio à vida, previstos na Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, que aprovou as bases do sistema de segurança social, consubstanciam um contributo positivo e muito concreto, que, ao integrar a rede de serviços e equipamentos sociais, concorrem para a prossecução de uma política social adequada, mais justa e mais solidária.
Esta resposta social visa proporcionar condições de apoio e de acompanhamento a mulheres grávidas ou puérperas com filhos recém-nascidos, favorecendo o desenvolvimento de uma maternidade digna e responsável.
Os centros de apoio à vida assumem particular importância em situações de grande vulnerabilidade e foi nesse contexto, tendo em conta a realidade social em que se perspectiva a sua intervenção, que foram definidos os seus objectivos. Na verdade, a intervenção primordial dos centros de apoio à vida versa situações de extrema vulnerabilidade e em que se verificam inúmeras carências de natureza social, afectiva e económica.
Os centros de apoio à vida, com uma intervenção especificamente dirigida à mulher grávida ou puérpera com filhos recém-nascidos e vocacionada para o atendimento, acompanhamento e, sempre que se justifique, para o acolhimento, surgem como uma medida de fundamental importância para a normal evolução da gravidez, do nascimento e do desenvolvimento do recém-nascido.
Tendo em vista a prossecução dos objectivos enunciados, a intervenção dos centros de apoio à vida observa os mais elementares princípios de natureza humanista e de matriz personalista e por isso rege-se pelos princípios da integridade, da identidade e da dignidade da mulher, bem como da sua privacidade. Neste contexto, a consagração dos centros de apoio à vida visa também promover a responsabilidade parental e a autonomia da mulher, mediante condições que facilitem a aquisição ou o reforço de competências pessoais, sociais e profissionais.
A concretização plena deste objectivo exige uma cooperação estreita e uma articulação eficaz entre os centros de apoio à vida e as diferentes entidades vocacionadas para a prestação dos apoios adequados às necessidades dos utilizadores daqueles centros, designadamente nas áreas da segurança social e do trabalho, da justiça, da educação e da saúde.
Considerando a importância social desta medida e os objectivos subjacentes, importa proceder à regulamentação das condições de criação, organização e funcionamento dos centros de apoio à vida enquanto projectos experimentais a implantar de forma gradual e progressiva, tendo em vista a sua consolidação e o seu desenvolvimento sustentado, contribuindo para a realização de maior justiça social.
Assim:
Manda o Governo, pelo Ministro da Segurança Social e do Trabalho, o seguinte:
CAPÍTULO I
Âmbito e objectivos
1.º
Objecto
A presente portaria define as condições de criação, organização, instalação e funcionamento dos centros de apoio à vida no âmbito de um projecto piloto de acção social.
2.º
Definição
Os centros de apoio à vida, abreviadamente designados por CAV, são equipamentos sociais integrados no sistema de acção social, vocacionados para o apoio e para o acompanhamento de mulheres grávidas ou puérperas com filhos recém-nascidos que se encontrem nas situações definidas no número seguinte.
3.º
Âmbito pessoal
Beneficiam do apoio prestado pelos CAV as mulheres grávidas ou puérperas com filhos recém-nascidos, adiante designadas por utilizadores, que se encontrem em risco emocional ou social, designadamente nas seguintes situações:
a) Ausência de enquadramento familiar ou de condições afectivas que lhes permitam assegurar uma maternidade responsável;
b) Instabilidade emocional relacionada com a maternidade que possa afectar o normal desenvolvimento da gravidez;
c) Circunstâncias, actividades ou comportamentos que ponham em perigo a sua saúde, do nascituro ou do recém-nascido;
d) Condições sócio-económicas que concorram para uma situação particular de vulnerabilidade ou afectem a sua estabilidade familiar.
4.º
Entidades promotoras
Os CAV podem ser constituídos e desenvolvidos pelas instituições particulares de solidariedade social no âmbito da respectiva actividade.
5.º
Objectivos
Os CAV constituem formas de apoio à família e à maternidade, tendo em vista a prossecução dos seguintes objectivos:
a) Proporcionar condições que favoreçam o normal desenvolvimento da gravidez;
b) Contribuir para o exercício responsável da maternidade e da paternidade;
c) Assegurar condições para o normal desenvolvimento do recém-nascido;
d) Promover a aquisição de competências pessoais, profissionais e sociais tendo em vista a respectiva inserção familiar, social e profissional.
CAPÍTULO II
Actividade
6.º
Formas de intervenção
A actividade desenvolvida pelos CAV compreende diferentes tipos de intervenção, designadamente serviços de atendimento, de acompanhamento e de acolhimento.
7.º
Atendimento
O atendimento visa informar e esclarecer os utilizadores, caracterizar a respectiva situação e identificar as suas necessidades específicas para o desenvolvimento de uma maternidade responsável.
8.º
Acompanhamento
1 - O acompanhamento consiste na intervenção próxima, regular e sistemática junto do utilizador, compreendendo a elaboração de um plano individual de intervenção.
2 - O plano individual de intervenção é constituído por um conjunto de acções relacionadas com o apoio ao restabelecimento do equilíbrio emocional e psicológico dos seus utilizadores, destinadas a promover a sua autonomia e a sua gradual inserção familiar, social e laboral.
3 - O plano individual de intervenção é elaborado pela equipa técnica e com o utilizador, atendendo à situação deste e às necessidades identificadas.
9.º
Acolhimento
1 - O acolhimento consiste na disponibilização de alojamento por um período de tempo determinado, sempre que a situação e as necessidades dos utilizadores o justifiquem.
2 - O acolhimento deve ser concebido e organizado, tendo em vista a participação dos utilizadores nas tarefas diárias, como forma de aprendizagem e de aquisição de competências pessoais.
3 - O período de acolhimento é determinado, caso a caso, tendo em conta a situação e as necessidades do utilizador, não podendo ser superior a dois anos.
4 - Por motivos ponderosos, designadamente no que se refere à concretização do projecto de vida do utilizador, o acolhimento pode ter uma duração superior à prevista no número anterior, mediante parecer fundamentado da equipa técnica dos CAV.
5 - O acolhimento pode abranger outros descendentes menores, nos casos em que se verifique ser imprescindível para a manutenção do seu equilíbrio emocional e para a preservação da unidade familiar.
6 - O alojamento pode ser desenvolvido em instalações dos CAV ou ser directamente promovido por estes noutras estruturas da comunidade vocacionadas para o efeito, assegurando sempre o acompanhamento dos utilizadores dos CAV nos termos do presente diploma.
7 - O alojamento compreende a elaboração do plano individual de intervenção nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 8.º
10.º
Acolhimento de menores
1 - O acolhimento de menores que se encontrem nas situações previstas no n.º 5 do artigo 9.º deve ser concedido com o acordo prévio do outro progenitor ou representante legal.
2 - Nos casos em que não se verifique o acordo referido no número anterior e justificando-se o acolhimento, aplica-se o regime jurídico de protecção de crianças e jovens em perigo, relativamente às medidas de promoção e protecção.
11.º
Cessação
1 - A intervenção do CAV cessa com o cumprimento do plano individual de intervenção e nos casos em que se verifique recusa na sua celebração ou incumprimento das acções nele compreendidas, bem como nos casos de inobservância das regras de funcionamento do CAV.
CAPÍTULO III
Organização
12.º
Constituição
1 - A constituição e a dimensão dos CAV deve atender ao número de pessoas a abranger, nas diferentes modalidades de intervenção.
2 - Nas situações de acolhimento, a capacidade dos CAV é limitada a 20 utilizadores.
13.º
Funcionamento
1 - Os CAV devem funcionar por forma a garantir a autonomia e o bem-estar dos seus utilizadores, bem como promover a participação dos seus familiares.
2 - Os CAV funcionam durante todo o ano e, nas modalidades de atendimento e acompanhamento, durante cinco dias na semana, quer estas constituam a exclusividade da intervenção dos CAV quer quando acumulem com a modalidade de acolhimento.
3 - Os CAV devem elaborar o respectivo regulamento interno e um processo individual por utilizador.
4 - O regulamento interno é dado a conhecer aos utilizadores, afixado em local bem visível, e deve conter as seguintes informações:
a) Condições de admissão;
b) Modalidades de intervenção;
c) Horário de funcionamento;
d) Direitos e deveres da instituição e dos utilizadores;
e) Outras condições consideradas necessárias ao funcionamento dos CAV.
5 - Do processo individual do utilizador devem constar as seguintes informações:
a) Identificação e residência do utilizador;
b) Datas de início e do termo da intervenção;
c) Caracterização da situação e o diagnóstico das necessidades do utilizador;
d) Plano individual de intervenção de acordo com os objectivos a atingir e com registo do acompanhamento feito pelos CAV, em função dos apoios a promover;
e) Relatório sobre o processo de promoção de autonomia e inserção social e profissional.
14.º
Recursos humanos
1 - A intervenção dos CAV é assegurada por uma equipa técnica multidisciplinar, constituída preferencialmente por técnicos de serviço social e de psicologia e por um educador social, coadjuvada por um auxiliar administrativo, com a afectação adequada ao número dos respectivos utilizadores.
2 - Nos casos em que os CAV disponham de serviços de acolhimento, estes devem dispor, para além da equipa técnica referida no número anterior, de ajudantes familiares e de auxiliares de serviços gerais.
3 - Os CAV devem promover a colaboração de voluntários devidamente formados e enquadrados pela equipa técnica.
15.º
Director técnico
1 - Os CAV dispõem de um director técnico, que deve ser, preferencialmente, o assistente social ou o psicólogo que integram a equipa técnica multidisciplinar.
2 - Compete ao director técnico, designadamente:
a) Dirigir o CAV, assumindo a responsabilidade pela programação e pela avaliação das actividades a desenvolver;
b) Definir a gestão adequada ao bom funcionamento dos CAV;
c) Coordenar os recursos humanos;
d) Assegurar a articulação com outras entidades.
16.º
Cooperação e articulação com outras entidades
Os CAV devem cooperar e articular com outras entidades ou serviços da comunidade vocacionados para a prestação dos apoios adequados às necessidades dos utilizadores, designadamente nas áreas da justiça, da educação, da saúde, da segurança social, do emprego e da formação profissional.
17.º
Financiamento
Os termos de financiamento dos CAV são definidos por protocolo celebrado entre o centro distrital de solidariedade e segurança social da área de localização do CAV e a entidade promotora, após parecer técnico da Direcção-Geral da Solidariedade e Segurança Social.
CAPÍTULO IV
Condições de instalação
18.º
Implantação e localização
1 - A criação dos CAV deve corresponder a necessidades devidamente identificadas pelos centros distritais de solidariedade e segurança social que justifiquem o desenvolvimento deste equipamento social a nível local.
2 - Os CAV devem localizar-se em zonas habitacionais próximas ou de fácil acesso a serviços ou equipamentos sociais, designadamente da segurança social e do trabalho, da educação e da saúde.
19.º
Áreas funcionais
1 - Os CAV dispõem de áreas funcionais correspondentes às respectivas modalidades de intervenção e tendo em vista o desenvolvimento da respectiva actividade.
2 - Nos casos em que os CAV disponham simultaneamente das modalidades de atendimento, acompanhamento e acolhimento, dispõem das seguintes áreas funcionais:
a) Área de acesso;
b) Área técnica que integra a área para o funcionamento da equipa técnica, a área da direcção e de apoio administrativo;
c) Área de actividades;
d) Área de refeições, a qual pode também funcionar como área de estar;
e) Área de quartos;
f) Área de serviços de apoio.
3 - Nos casos em que os CAV disponham das modalidades de atendimento e de acompanhamento, dispõem apenas das áreas funcionais previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2.
20.º
Características das áreas funcionais
As características das áreas funcionais dos CAV são definidas por normas técnicas elaboradas pela Direcção-Geral da Solidariedade e Segurança Social.
CAPÍTULO V
Avaliação e acompanhamento
21.º
Avaliação e acompanhamento
1 - O director técnico do CAV deve conceber processos internos de avaliação sistemática, promovendo a participação de todos os intervenientes, designadamente utilizadores e técnicos.
2 - O director técnico deve elaborar um relatório anual sobre a actividade desenvolvida e remetê-lo para o Instituto de Solidariedade e Segurança Social no prazo de 30 dias após a sua conclusão.
3 - O Instituto de Solidariedade e Segurança Social acompanha a aplicação da presente portaria e procede à avaliação dos CAV após um ano de funcionamento.
22.º
Fiscalização
Compete ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social fiscalizar o cumprimento da presente portaria.
CAPÍTULO VI
Disposição final
23.º
Entrada em vigor
A presente portaria entra em vigor 90 dias após a data da sua publicação.
O Ministro da Segurança Social e do Trabalho, António José de Castro Bagão Félix, em 4 de Março de 2004.