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Acórdão 357/2008, de 11 de Agosto

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Sumário

Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 36.º, n.º 3, 253.º e 254.º do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de que, em caso de substabelecimento com reserva, as notificações podem ser feitas em qualquer dos advogados constituídos (substituinte e substabelecido)

Texto do documento

Acórdão 357/2008

Processo 46/08

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório. - Na presente acção declarativa, com processo ordinário, que a Câmara Municipal de Ponte da Barca intentou contra Sialima - Serviços e Investimentos do Alto Lima, Lda., julgada procedente na primeira instância e em apelação, veio a Ré ínterpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que, tendo sido admitido como revista, foi julgado deserto por falta de alegações.

A Ré, através do mandatário que, ao abrigo de um substabelecimento com reserva, motivara o recurso de apelação, veio arguir a nulidade do despacho que julgou deserto o recurso com o fundamento de lhe não ter sido notificado o acórdão da Relação.

A nulidade foi desatendida, na Relação, por despacho do relator, confirmado em conferência, pelo que a Ré agravou desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), pedindo a sua revogação e a consequente notificação ao mandatário com poderes substabelecidos do acórdão que conheceu do recurso de apelação.

Invocou para tanto, em síntese, que, tendo sido emitido substabelecimento com reserva, passaram a existir no âmbito do processo dois mandatários, pelo que se não podia ignorar que era ao mandatário com poderes substabelecidos que deviam ser também efectuadas as notificações de todos os actos processuais que se seguiram àquele em teve a primeira intervenção, devendo efectuar-se uma interpretação conjugada das normas dos artigos 36.º, n.º 3, 253.º e 254.º do Código de Processo Civil (CPC) com o disposto no artigo 20 º, n.º 2, da Constituição da República (CRP), sob pena de inconstitucionalidade por violação desta referida disposição constitucional.

Por acórdão de 4 de Dezembro de 2007, o STJ negou provimento ao agravo, com base na seguinte fundamentação:

1.1 - O mandato judicial, que pode ser conferido por instrumento público ou documento particular ou mesmo por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência processual (artigo 35.º do CPC), confere ao mandatário poderes para representar a parte em todos os actos e termos do processo (n.º 1 do artigo 36.º do CPC).

E preconiza o n.º 2 do mesmo artigo que nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato.

Com o substabelecimento o mandatário está a investir uma outra pessoa, igualmente habilitada, nos poderes de representação forense da parte e no dever de os exercer, como refere Castro Mendes [Direito Processual Civil, II, pág. 141].

O substabelecimento pode ser com ou sem reserva. Enquanto nesta segunda hipótese se verifica a exclusão do primitivo mandatário, tal como decorre do n.º 3 do mesmo artigo 36.º, já no substabelecimento com reserva, a parte fica representada por dois mandatários, cada um deles com plenos poderes para praticar actos processuais em representação da parte. O substituinte não é, neste caso, excluído da posição representativa, subsistindo antes dois mandatos.

Desde que o substabelecimento não contenha qualquer limitação, ambos os mandatários ficam com iguais poderes de representação da parte.

O mandatário judicial constituído no processo, sempre que o juiz ou a lei processual o determinem, tem de ser notificado de todos os actos que se vão praticando, para assumir as suas competências e obrigações funcionais.

Esta omissão é geradora de nulidade porquanto é susceptível de influir no exame ou decisão da causa, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 201.º do CPC.

A notificação do advogado é feita nos termos e com as formalidades previstas no artigo 254.º do CPC, sendo a respectiva carta registada enviada para o escritório ou domicílio por ele escolhido.

Enviada para essa direcção, mesmo que devolvida a carta, tem-se a notificação por efectuada, em conformidade com o preceituado no n.º 4 do artigo 254.º

Em caso de substabelecimento com reserva, assumindo ambos os advogados plenos poderes de representação, as notificações a fazer no processo poderão ser feitas a qualquer deles, nos respectivos escritórios.

Só assim não acontecerá se tiver sido escolhido domicílio específico para recebimento das notificações, situação em que as mesmas serão então dirigidas para esse domicílio.

Na situação vertente, o primitivo mandatário substabeleceu com reserva num outro advogado, substabelecimento não direccionado para a prática de qualquer acto judicial específico. Depois e como se consignou no acórdão recorrido, não foi escolhido domicílio próprio para recebimento das notificações.

Assim sendo, as notificações podiam ser feitas a qualquer dos advogados, tanto ao primitivo como ao substabelecido.

A notificação do acórdão proferido na Relação foi correctamente efectuada quando dirigida para o escritório do primitivo mandatário, pelo que de nenhuma irregularidade padece.

1.2 - Sustenta ainda a recorrente que, ao admitir-se que apenas um dos advogados devia ser notificado, está-se a limitar a escolha de mandatário para a prática de actos específicos no âmbito do processo e, como tal, a violar o princípio constitucional vertido no artigo 20.º da Constituição da República.

O artigo 20.º da Constituição da República reconhece vários direitos, direitos esses que integram o direito geral de protecção jurídica.

Esse direito abarca normativamente, desde logo, o direito que a todos é reconhecido de se fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade - n.º 2 do citado artigo 20.º

Este direito não foi cerceado à recorrente que, em vez de um só mandatário forense, passou a ter mais do que um com o substabelecimento com reserva. E a todos eles foi reconhecido o direito de intervirem processualmente.

Agora o que a lei ordinária impõe é que só um desses advogados seja notificado dos actos processuais. E isto para evitar a anarquia processual relacionada com a verdadeira contagem de prazos que resultaria da notificação a todos e cada um desses advogados.

Este entendimento mostra-se perfeitamente razoável e proporcionado, não podendo ver-se na notificação dos actos processuais apenas a um desses advogados uma limitação do direito de acompanhamento pleno por advogado.

E este direito fundamental não foi afectado, na sua essência, por essa regra processual, porquanto a recorrente não viu cerceado o direito à escolha de mandatário, nem à intervenção no processo de qualquer um dos advogados escolhidos.

Daí que a interpretação dos artigos 36.º e 254.º do CPC com aquele sentido não enferme de qualquer inconstitucionalidade.

Inconformada com o assim decidido, a Ré veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 36.º, n.º 3, 253º e 254.º do CPC, quando interpretadas no sentido de que não existe obrigatoriedade de notificar os advogados/mandatários intervenientes no processo de forma a poderem tramitá-lo da forma mais correcta à protecção dos interesses do seu constituinte, por violação do direito de livre escolha do mandatário da parte consagrado no artigo 20.º, n.º 2, da CRP:

Nada tendo obstado ao prosseguimento do recurso, no Tribunal Constitucional, os arguidos apresentaram as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:

A. No acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi decidido que:"A notificação do acórdão proferido na Relação foi correctamente efectuada quando dirigida para o escritório do primitivo mandatário, pelo que de nenhuma irregularidade padece."

B. Concluindo que:"Daí que a interpretação dos artigos 36.º e 254.º do CPC com aquele sentido não enferma de qualquer inconstitucionalidade."

C. De facto, o recorrente, salvo o devido respeito, entende que não assiste qualquer razão nos (aliás, escassos) fundamentos invocados no acórdão a quo para sustentar a sua decisão.

D. Por isso mesmo se interpõe o presente recurso, através do qual se pretende ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 36º, n.º 3, 253.º e 254.º do CPC, que deverão ser apreciados à luz do que é consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

E. Ora o artigo 20.º da CRP estabelece um direito geral e efectivo à protecção jurídica, o que quer dizer que é elemento essencial da concepção de Estado de Direito uma efectiva protecção dos direitos e interesses legítimos dos particulares/cidadãos, sendo que esse direito fundamental tem várias vertentes, todas com importância para o exercício efectivo do acesso ao direito e aos tribunais.

F. Efectivamente este artigo 20. º da CRP reúne em si o direito de acesso ao direito, o direito de acesso aos tribunais, o direito à informação e consulta jurídica e o direito ao patrocínio judiciário.

G. Ora, a verdade é que deve ser permitido que, num processo judicial em que se colocam questões particulares e específicas, e sendo certo que é permitido substabelecer, o cidadão seja representado pelo mandatário que entende ter as características e competências específicas para o efeito.

H. E assim, tratando-se de um substabelecimento com reserva, ou seja, circunscrito a determinada fase processual - neste caso, no que se referia ao recurso - deve permitir-se que essa intervenção seja plena.

I. Ou seja, se em determinada fase processual, o representado considera que, para a defesa dos seus direitos e interesses legítimos, é mais adequado ser patrocinado por outro mandatário que o representará numa diligência em concreto, será essencial para a efectividade desse direito que o tribunal notifique esse mandatário das posteriores diligências e prazos processuais.

J. Assim sendo, o(s) mandatário(s) a ora recorrente que apresentaram, ao abrigo do substabelecimento com reserva que lhe(s) foi outorgado pelo Sr. Dr. Manuel Barreiro Ramos, recurso de apelação, deveria (m) ter sido notificado (s) do Acórdão de 14 de Dezembro de 2006 que julgou essa apelação improcedente.

K. Na verdade, apesar de tendo sido emitido substabelecimento, passarem a existir no âmbito do processo dois mandatários, não se podia ignorar que era ao mandatário com poderes substabelecidos que deviam ser (também) efectuadas as notificações de todos os actos respeitantes ao primeiro acto no qual teve intervenção, e para o qual foi especificamente constituído - assim o obrigando uma leitura conforme à Constituição dos supracitados preceitos do CPC.

L. E isto porque é um legítimo interesse da parte, que o Tribunal não podia ter ignorado, em virtude do disposto nesses preceitos do CPC - assim interpretados - que fosse o mandatário com poderes substabelecidos a pleitear em tudo quanto respeitasse ao desenvolvimento do recurso que intentou, ao abrigo dos seus poderes, ainda que substabelecidos.

M. Pelo que, deve ser este o significado que nestes casos se deve extrair dos artigos 36.º, n.º 3, 253.º e 254.º do CPC, sendo a sua actual redacção inconstitucional ao não impor a notificação de ambos os mandatários.

N. Na verdade, ao entender-se que os citados preceitos não impõem a notificação dos mandatários que, desta forma, intervêm no processo, está-se a coarctar aos particulares o direito a um patrocínio judiciário adequado.

O. De facto, consagra o artigo 20.º, n.º 2, da Constituição:"Todos têm direito nos termos da lei à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade."

P. O artigo 20.º, n.º 2, consagra o direito ao patrocínio judiciário, fazendo parte deste direito o poder de livre escolha do advogado que deverá exercer tal patrocínio.

Q. Efectivamente, este direito, constitucionalmente consagrado, não pode ceder face às normais procedimentais, em determinada data emanadas pelo legislador.

R. De facto, no caso, da interpretação acolhida no acórdão recorrido, de corrente da actual redacção das ditas normas, resulta a violação do direito fundamental que é conferido à recorrente pelo n.º 2 do artigo 20. º da Constituição.

S. Por isso, o(s) mandatário(s) da ora recorrente que apresentaram, ao abrigo do substabelecimento com reserva que lhe(s) foi outorgado, recurso de apelação, deveriam ter sido estes (também) destinatários da notificação do acórdão que recaiu (também) sobre as alegações de recurso por si apresentadas.

T. E isto porque os artigos 36.º, n.º 3, 253.º e 254.º do CPC devem ser conjugadamente interpretados à luz do artigo 20º, n.º 2, da Constituição, sob pena de (se interpretadas de outra forma) incorrerem estas normas legais em inconstitucionalidade por violação da referida disposição jusfundamental.

U. Por conseguinte, e com base nestes fundamentos, deverá ser considerada inconstitucional a interpretação feita pelo tribunal a quo dos artigos 36º, n.º 3, 253. º e 254.º do CPC, na medida em que tal entendimento determina(ou) somente a notificação do mandatário que substabeleceu os poderes, e que o fez especificamente para que o mandatário substabelecido pudesse representar o particular naquela específica fase processual.

V. Tanto mais que não existe sequer qualquer inconveniente processual na notificação do mandatário substabelecido que deva ser levado em conta na interpretação daqueles normativos (como legítimo fundamento de uma interpretação restritiva do direito fundamental em questão);

W. Com efeito, não cria esta situação, por si só, qualquer desigualdade entre as partes processualmente envolvidas: antes pelo contrário, ela permite a ambas a busca da melhor defesa e portanto de aplicação da Justiça.

X. É que qualquer restrição do direito fundamental, tem de ser justificado por um valor superior, o qual não se consegue descortinar nesta matéria.

Y. A lei, de forma injustificável, apenas determina que será notificado qualquer dos mandatários que figurem no processo, se houver um substabelecimento com reserva.

Z. Sem que haja qualquer justificação plausível para a limitação deste direito fundamental, tal como consta da lei processual!

AA. Pelo que, apenas se pode concluir pela inconstitucionalidade da limitação imposta, uma vez que nesta circunstância, nem sequer se pode argumentar a favor da celeridade processual, uma vez que, tratando-se de notificação, as mesmas se presumem feitas (e portanto produtoras de efeitos) a partir do terceiro dia posterior ao do registo, conforme artigo 254.º do CPC,

AB. Pelo que, reafirma-se, não se justifica esta imitação ao direito fundamental das partes de escolher mandatário que as represente em juízo.

AC. Procedendo desta forma a inconstitucionalidade das normas processuais identificadas, ou pelo menos a sua interpretação, na medida em que não imponha a notificação de ambos os advogados intervenientes no processo, em situação tão distinta e característica.

Nestes termos e nos mais de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência deverão os artigos 36.º, n.º 3, 253.º e 254.º do CPC ser considerados inconstitucionais, ou ser considerada inconstitucional a interpretação que dos mesmos é feita pelo tribunal a quo, à luz do artigo 20º, n.º 2 da Constituição, e, em sua substituição, ser emitido acórdão que defira a arguição de nulidade e ordene a notificação do acórdão de 14 de Dezembro de 2006 ao mandatário com poderes substabelecidos, iniciando-se, consequentemente, a partir desse momento, os prazos legais para posteriores diligências processuais

A Autora, ora recorrida, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

1 - Improcedem e não podem merecer provimento, nenhuma das conclusões invocadas pela Recorrente.

2 - O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, acha-se devidamente fundamentado, aplicou as normas do Código de Processo Civil dos artigos 36, nº 3, 253.º e 254.º do Código de Processo Civil em conformidade com o disposto no artigo 208.º da Constituição, garantindo por essa forma o cumprimento do disposto no nº 2 do artigo 20.º da CRP à ora Recorrente.

3 - É absolutamente falso que nos autos exista qualquer indício de que a ora Recorrente tenha indicado ao Tribunal, outro domicílio para o efeito do recebimento de notificações que não fosse o domicílio do Dr. Manuel Barreiro Ramos em Arcos de Valdevez.

4 - A causa ora em recurso é uma acção de domínio, a mais clássica das acções de domínio, estatisticamente das mais comuns em litigância forense no Alto Minho.

5 - Não se vislumbrando nos autos quais as razões para afirmar, tal como consta na conclusão G) da alegação da Recorrente que exista especificidade técnica só dominada pelo mandatário substabelecido que subscreveu as alegações do recurso de apelação.

6 - Improcedendo totalmente as conclusões constantes das alíneas H), I) e J) das conclusões da Recorrida, porquanto quem interpôs recurso de apelação e de revista foi o mandatário forense com domicilio averbado nos autos, sendo que tão somente as alegações de recurso de apelação do despacho saneador-sentença foram subscritas pelo Dr. Alfredo M. Azevedo Soares.

7 - A procuração forense do Dr. Manuel Barreiro Ramos (fls. 292 dos autos) indica como domicilio profissional a Rua Quelhas das Hortas nº 65, nos Arcos de Valdevez.

8 - A fls. 411 e 412 dos autos, veio a ser junto (aliás tardiamente) pelo Dr. Alfredo M. Azevedo Soares o substabelecimento forense, conferido com reserva pelo Dr. Manuel Barreiro Ramos aos Ilustres Advogados Dr. João Pacheco de Amorim, Dr. Noel Gomes e Dr. Alfredo Azevedo Soares, com escritório na Rua Ricardo Genero n.º 132, na cidade do Porto.

9 - Em bom rigor, cumpria ao substabelecimento indicar se os advogados substabelecidos poderiam actuar separadamente ou em conjunto.

10 - E se a vontade do advogado mandante, que substabelece, fosse a de que os advogados substabelecidos pudessem ser titulares de poderes processuais para receber notificações, seria imperioso e necessário que no instrumento de substabelecimento do mandato, tal fosse expressamente exarado. E não foi.

11 - E se igualmente tivesse sido vontade da Sialima, ora Recorrente, que as notificações fossem expedidas para o domicilio profissional do Dr. Azevedo Soares ou do Dr. João Pacheco de Amorim ou do Dr. Noel Gomes, a oportunidade processual para o terem feito, teria sido com o requerimento da junção tardia do substabelecimento. E não foi.

12 - O Dr. Manuel Barreiro Ramos, subsequentemente, à junção do substabelecimento aos autos, assumiu continuadamente a prática do patrocínio, em todos os actos, inclusive no requerimento de interposição de recurso de revista!

13 - Mantendo poderes forenses nos autos, competia em primeira linha ao advogado que mantém a relação de mandato forense com a Recorrente Sialima (atente-se que a procuração não lhe foi sequer revogada nem este renunciou ao mandato) indicar para qual dos advogados substabelecidos, haveria a secretaria de remeter a notificação, não se vislumbrando porque deveria a secretaria notificar o Dr. João Pacheco de Amorim, e não o Dr. Noel Gomes, ou o Dr. Alfredo Azevedo Soares, subscritores da alegação da Apelação, sendo que este último até já nem mantém o mesmo domicílio profissional.

14 - A Sialima não pode pretender estar convicta de que a secretaria judicial, teria de notificar quatro advogados em três domicílios profissionais diferentes.

15 - O patrocínio forense da Recorrente sempre esteve assegurado, com base no mandato que se acha constituído nos autos desde o início.

16 - Não foi reconhecida nos autos qualquer nulidade dos actos de notificação que o devesse ter sido.

17 - O acórdão do S.T.J. não podia deixar de julgar, pela inexistência de qualquer violação ao nº 2 do artigo 20.º da Constituição, porquanto sempre esteve assegurado o patrocínio forense da Recorrente.

18- Nem dos autos, consta sequer, qualquer documento que permita ajuizar, que a recorrente tivesse desejado que o mandatário forense com a obrigação de mandato directamente constituído pela parte, fosse varrido dos autos, omitindo-se-lhe a notificação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.

19 - Aliás, todas as notificações foram sempre efectuadas, no domicílio do mandatário forense, titular da relação directa de mandato, incluindo as que permitiram tramitar o agravo em 2.ª instância que se acha apensa aos autos, e a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.

20 - O que permite concluir que o exercício do direitos processuais da ora Recorrente sempre estiveram garantidos ao abrigo do disposto nos artigos 20.º, nº 2, e 208.º da Constituição, não tendo sido introduzida qualquer limitação ao direito fundamental da recorrente.

21 - Inexistiu em consequência qualquer interpretação restritiva feita pelo tribunal a quo aos preceitos dos artigos 36.º, nº 3, 253.º e 254.º do Código de Processo Civil.

22 - Porquanto, a admitir-se a eventualidade de notificação a quatro advogados, estaria a criar-se a anarquia processual no controlo dos prazos judiciais, dando azo à violação do artigo 166.º do Código de Processo Civil, que determina à secretaria a cominação de processar com rigor e segurança a conclusão dos autos.

23 - Improcedem, em consequência, todas as conclusões da Recorrente não tendo sido violados nenhuns dos preceitos dos artigos 36, nºs 2 e 3, 253.º e 254.º do Código de Processo Civil, nem do artigo 20.º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

24 - Pelo que deve manter-se a jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta matéria, devendo ser negado provimento ao Recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - Está em causa, no presente recurso de constitucionalidade, a questão de saber se as normas dos artigos 36.º, n.º 3, 253º e 254.º do CPC são susceptíveis de violarem o direito de patrocínio judiciário, consagrado no artigo 20.º, n.º 2, da CRP, quando interpretadas no sentido de que não há lugar à notificação de acto processual ao advogado substabelecido, que o tenha sido a título de substabelecimento com reserva, para efeito de este poder ter intervenção subsequente no processo.

Conforme a factualidade dada como assente pelo acórdão recorrido, a Ré tinha passado procuração forense ao advogado Dr. Manuel Barreiro Ramos, com escritório nos Arcos de Valdevez, a quem conferiu poderes gerais forenses, e que foi junta aos autos com a contestação (fls 292).

Do despacho saneador-sentença foi interposto recurso de apelação mediante requerimento subscrito pelo mandatário forense (fls. 353), a quem foi notificado o despacho da sua admissão (fls. 371).

As alegações referentes ao recurso foram subscritas pelo advogado Dr. Alfredo Azevedo Soares, que interveio ao abrigo de substabelecimento passado pelo primitivo mandatário judicial, nos seguintes termos: «substabeleço, com reserva, os poderes que me são conferidos por Sialima - Serviços e Investimentos do Alto Lima, Lda., pela procuração junta aos autos de acção ordinária que corre termos sob o número 37/03.8T.B. P.T.B. no Tribunal Judicial de Ponte da Barca» (fls 412).

O acórdão da Relação de Guimarães que julgou improcedente o recurso de apelação foi notificado apenas ao Dr. Manuel Barreiro Ramos.

O recurso de revista entretanto interposto foi julgado deserto, por falta de alegações.

Em agravo de 2.ª instância, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu a arguição de nulidade da notificação do acórdão da Relação de Guimarães, que vinha invocada com fundamento na omissão de notificação aos advogados substabelecidos.

Entendeu a decisão recorrida, à luz da apontada factualidade, que em caso de substabelecimento com reserva, assumindo ambos os advogados plenos poderes de representação, as notificações de actos processuais poderão ser feitas a qualquer deles, nos respectivos escritórios, não constituindo nulidade processual a omissão da notificação ao advogado substabelecido.

De acordo com o julgado, essa omissão não envolve também qualquer cerceamento do direito de livre escolha do mandatário judicial, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República, porquanto, através do substabelecimento com reserva, a qualquer dos mandatários é reconhecido o direito de intervirem processualmente.

Alega a recorrente, em contrário, que o artigo 20.º da CRP estabelece um direito geral e efectivo à protecção jurídica, que inclui o direito ao patrocínio judiciário, e que, nesse sentido, deve ser permitido que, num processo judicial em que se colocam questões particulares e específicas, a parte seja representada pelo mandatário que se entende ter as adequadas competências para o efeito. E esse legítimo interesse da parte não pode ser ignorado pelo tribunal, pelo que as normas dos artigos 36.º, n.º 3, 253.º e 254.º do CPC, quando interpretadas no sentido de que não impõem a notificação de ambos os mandatários, ainda que um deles disponha de substabelecimento com reserva, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 2, da Constituição, por envolver uma limitação ao direito fundamental das partes de escolherem o mandatário que as represente em juízo.

As normas em causa, na sua actual redacção e na parte que mais interessa considerar, dispõem nos seguintes termos:

«Artigo 36.º

Conteúdo e alcance do mandato

1 - O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante.

2 - Nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato.

3 - O substabelecimento sem reserva implica a exclusão do anterior mandatário.

[...]»

«Artigo 253.º

Notificação às partes que constituíram mandatário

1 - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.

2 - Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, além de ser notificado o mandatário, será também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência.

3 - Sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou advogado estagiário e por solicitador, as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial sê-lo-ão sempre na do solicitador.»

«Artigo 254.º

Formalidades

1 - Os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal.

2 - [...].

3 - A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

4 - A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior.

5 - [...].

6 - As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razoes que lhe não sejam imputáveis.»

Resulta essencialmente destas disposições, na parte que mais releva para o caso, que as notificações às partes são feitas na pessoa dos mandatários judiciais (salvo quando a notificação se destine a chamar a parte à prática de acto pessoal, caso em que é também pessoalmente notificada a parte), sendo realizadas por carta registada enviada para o escritório ou o domicílio escolhido, e presumindo-se feitas no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte.

Por outro lado, nos termos do artigo 36.º, n.º 2, do CPC, em consonância com o que também determina o regime substantivo do mandato (artigo 264.º, n.º 2, do Código Civil, aplicável ao mandato judicial por força da norma remissiva do artigo 1065.º do mesmo Código), podendo haver lugar à substituição do mandatário, esta não envolve a exclusão do mandatário, salvo declaração em contrário. Por isso mesmo, como explicita a referida norma da lei processual, só um substabelecimento sem reserva poderia importar a declaração de exclusão do anterior mandatário.

Nestes termos, conforme é também entendimento jurisprudencial corrente, para que o primitivo mandatário perca a sua posição representativa, quedando-se no processo apenas o substabelecido, é necessário fazer-se uma declaração que tenha esse inequívoco sentido. Quando, como é o caso dos autos, o instrumento de substabelecimento reserva os poderes forenses do advogado a quem foi conferido o mandato, tal significa que ficam ambos (o substituinte e o substabelecido) legalmente aptos para a prática dos actos processuais, mesmo perante os tribunais superiores (neste sentido, os acórdãos do STJ de 11 de Outubro de 1983, BMJ n.º 330, pág. 461, de 6 de Julho de 1994, BMJ n.º 439, pág. 469, e de 12 de Janeiro de 2004, BMJ n.º 433, pág. 476).

Verifica-se, nessa hipótese, uma situação de pluralidade de mandatários - que é também admitida pelo artigo 1160.º do Código Civil -, qualquer deles com a plenitude dos poderes de representação.

Daqui resulta, com toda a evidência, que não tendo sido incluída no substabelecimento a claúsula sem reserva (que permitiria a transferência dos poderes forenses do primitivo mandatário para o substituto, operando uma substituição definitiva), a qualquer dos mandatários pode ser validamente notificada a sentença ou qualquer outro acto processual praticado no processo (acórdão do STJ de 12 de Janeiro de 2004, citado, e acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Março de 1993, Processo 0067672 e de 26 de Outubro de 1999, Processo 0044261).

Alega, no entanto, o recorrente, nos termos já há pouco sucintamente apresentados, que uma tal solução jurídica viola o direito de acesso aos tribunais na modalidade de direito a patrocínio judiciário, que pressupõe - segundo afirma - o direito de livre escolha do advogado que deve intervir em cada acto processual.

Deve começar por dizer-se que não está de nenhum modo demonstrado - nem o tribunal recorrido deu como provado - que o substabelecimento ocorrido nos autos teve como finalidade garantir que nos recursos a apresentar perante os tribunais superiores o patrocínio judiciário fosse assegurado pelos advogados substabelecidos. O que resulta do documento, junto a fls 412 dos autos, é apenas que os poderes forenses gerais, que haviam sido conferidos ao primitivo mandatário, foram substabecidos com reserva noutros advogados. De nenhuma forma se conclui que eram estes que deviam intervir na fase recursória.

Nem tão pouco o acórdão formulou o entendimento de que não é possível, em dada fase do processo, a substituição de um mandatário judicial por outro que a parte considere em melhores condições de exercer o patrocínio judiciário.

Não está, portanto, em causa, em bom rigor, qualquer violação do direito de livre escolha do mandatário judicial. Sendo que a parte sempre poderia ter revogado o mandato, com a consequência de dever ser constituído um novo mandatário (artigo 39.º do CPC), e o mandatário sempre poderia ter substabelecido sem reserva, como permite o artigo 36.º, n.º s 2 e 3, do CPC, para o efeito de se excluir do processo e passar a ser substituído plenamente pelo substabelecido.

A única interpretação normativa que pode ser analisada, do ponto de vista da sua conformidade constitucional, é pois aquela - que foi efectivamente aplicada pelo acórdão recorrido - que considera, em caso de substabelecimento com reserva que as notificações podem ser feitas em qualquer dos advogados constituídos (substituinte e substabelecido).

Sem dúvida que o artigo 20.º, n.º 2, da CRP engloba no genérico direito de acesso aos tribunais o direito ao patrocínio judiciário, que deve ser entendido, por sua vez, em conjugação com o disposto no artigo 208.º que, sob a epígrafe «Patrocínio forente», remete para a lei a atribuição aos advogados das «imunidades necessárias ao exercício do mandato» e a regulamentação do «patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça».

Enquanto componente do direito de acesso aos tribunais, o direito ao patrocínio judiciário pressupõe que os particulares possam ser tecnico-juridicamente aconselhados com vista a realizarem a concreta defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 661/94), o que significa que o princípio constitucional garante, desde logo, a quem necessite de recorrer aos tribunais para a resolução de litígios, o direito à nomeação de um representante que assegure a condução técnico-jurídica do processo. E, naturalmente, sem embargo de certas limitações que possam ser estabelecidas por lei (de algum modo cobertas pela remissão feita no citado artigo 208.º para o direito ordinário), o direito ao patrocínio judiciário envolve também o direito de escolher o advogado (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 178).

A questão que se coloca é que nenhum destes elementos essenciais do direito ao direito ao patrocínio judiciário é posto em causa através da interpretação efectuada pelo acórdão recorrido. Desde logo porque o entendimento formulado quanto à inexigência de efectuação de notificação a todos os advogados constituídos e que possam representar processualmente a parte em nada colide quer com o direito da parte a dispor de um representante processual, quer com o seu direito de escolher esse representante.

A regra que impõe que a notificação seja feita a qualquer dos mandatários é justificada por razões de operatividade e racionalidade processuais que não representam em si uma qualquer limitação ao direito de acesso aos tribunais. Na verdade, a parte, com o substabelecimento, passou a dispor de vários advogados com plenos poderes de representação processual, e não é o facto de a lei impor que apenas um deles seja notificado dos actos processuais que afecta o direito ao patrocínio judiciário. E, como se observou, nada obstava a que a parte revogasse o mandato ou que o advogado constituído substabelecesse sem reserva para que, a partir de dado momento, um outro advogado, e apenas ele, tivesse intervenção processual, se se entendesse ser essa a solução que melhor assegurava a defesa dos direitos ou interesses em causa.

O que sucede é que, no caso vertente, a deserção do recurso se ficou a dever à inércia do primitivo mandatário judicial ou à falta de articulação entre este e os advogados substabelecidos, sendo certo que o mandatário a quem foi dirigida a notificação não podia desconhecer que havia entretanto efectuado o substabelecimento com reserva noutros advogados, que estes não podiam ignorar que o substabelecimento não havia excluído o mandatário anterior.

Seria, de resto, inteiramente desproporcionado que as apontadas normas dos artigos 36. º, n.º 3, 253.º e 254.º do CPC tivessem de ser interpretadas no sentido de assegurar a notificação conjunta e simultânea de todos os representantes processuais da parte apenas para suprir as deficiências de organização e relacionamento que possam existir entre eles.

III - Decisão. - Termos em que se decide:

a) não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 36.º, n.º 3, 253.º e 254.º do Código do Processo Civil, quando interpretadas no sentido de que, em caso de substabelecimento com reserva, as notificações podem ser feitas em qualquer dos advogados constituídos (substituinte e substabelecido);

b) em consequência, negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC para cada um deles.

Lisboa, 2 de Julho de 2008. - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - Gil Galvão.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1698187.dre.pdf .

Aviso

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