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Acórdão 210/2007, de 21 de Maio

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, na parte em que exclui o sobrevivente da união de facto, em caso de homicídio negligente decorrente de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem, do direito à indemnização por danos não patrimoniais, pessoalmente sofridos em consequência da morte da vítima

Texto do documento

Acórdão 210/2007

Processo 778/06

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de São João da Madeira de 10 de Março de 2005, a fl. 355, foi decidido, designadamente e apenas para o que agora releva, condenar o arguido Camilo Soares da Silva Correia pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de prisão de um ano, suspensa na sua execução por dois anos, e julgar improcedente o pedido de indemnização feito por Sandra Maria Marques Moreira contra a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S. A.

O homicídio em causa foi consequência de um acidente de viação que o Tribunal entendeu ter sido provocado, em síntese, por "negligência inconsciente" na realização de uma manobra ilegal por parte do arguido, não tendo ficado provado que a vítima tivesse, por alguma forma, concorrido para tal resultado.

Inconformada, Sandra Maria Marques Moreira interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 10 de Maio de 2006, a fl. 533, lhe negou provimento.

Ao recorrer, Sandra Maria Marques Moreira - que considera que a sentença "não atendeu ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/2002" - sustentou a inconstitucionalidade da "norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, enquanto interpretada no sentido de que exclui a atribuição de um direito a indemnização por danos não patrimoniais ao unido de facto", o que deveria conduzir, "a esta luz", à inclusão naquele n.º 2 do "unido de facto". Em seu entender, aquela norma viola, quer o artigo 13.º quer o n.º 1 do artigo 36.º e o artigo 67.º, todos da Constituição.

Apenas para o que agora releva, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:

"Facilmente se constata que a letra do preceito legal não comporta o membro da união de facto sobrevivo na elencagem dos titulares do direito de indemnização por danos não patrimoniais.

Não o fazendo (como aliás vem invocado em sede de recurso) e devendo tê-lo previsto estará a violar-se o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa)?

Já em 1998 o Supremo Tribunal de Justiça (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1998, CJ/Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.º - 49) decidiu quanto à matéria que '[...] não é inconstitucional o n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil ao não contemplar a chamada união de facto.

O princípio da igualdade não recusa as distinções, podendo o legislador estabelecer distinções de tratamento desde que para elas exista fundamento material.

O que o princípio recusa é o arbítrio legislativo, ou seja, à luz de tal princípio, inconstitucionais são apenas as distinções de tratamento que a lei estabeleça e que sejam manifestamente irrazoáveis, irracionais.

No caso não existem razões materiais capazes de explicar, de tornar racionalmente aceitável, atribuição do direito de indemnização ao ex-cônjuge e de não prever outro tanto para o ex-companheiro de facto.

A doutrina do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1987 foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, apenas por violação do princípio da não discriminação dos filhos, contido no artigo 36.º, n.º 4, da Constituição, e não por ter sido preterida a equiparação da união de facto à união matrimonial.

O artigo 67.º da Constituição não proíbe que o legislador dispense certa protecção à união de facto, mas não lhe impõe que o faça [...]'

Posteriormente, no mesmo sentido se veio a decidir no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Novembro de 2003 - in CJ/Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - ano XI, t. III, pp. 133 a 136. Ali se escreveu que: '[...] Sob tal perspectiva, não há como não concluir que a dita norma (n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil) nem vai contra o artigo 13.º (Constituição da República Portuguesa) (princípio da igualdade), nem contra o artigo 36.º, n.º 1 (família, casamento e filiação), conjugado com o princípio da proporcionalidade, nem contra o artigo 67.º (família), todos da Constituição da República Portuguesa, porque, na verdade, a distinção que se estabelece tem respaldo numa prioridade de valores e num programa de protecção que ela própria adoptou e, por isso, não é injustificadamente arbitrária nem discriminatória, nem desprotege a família de facto.

Trata diferentemente, para aquele efeito indemnizatório, o cônjuge legal e o cônjuge de facto, tendo boas razões para distinguir, aí, o que distinto é, sem, por outro lado, a negar o direito ao cônjuge de facto passar dos limites da necessidade, da adequação e da racionalidade, que dão corpo à ideia de proporcionalidade.

É de dizer, nesta última perspectiva, que o direito previsto no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil não constitui, na óptica da proporcionalidade, como princípio de direito constitucional inspirador dos direitos fundamentais, uma medida necessária à protecção do direito fundamental a constituir família, porque não implica com a protecção minimamente exigível àquele elemento de base da sociedade, e que, nessa medida, atribuir tal direito ao cônjuge de direito e não ao cônjuge de facto não constitui defeito de protecção deste último.'

Mais recentemente, no mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão datado de 24 de Maio de 2005 - in www.dgsi.pt.

Assim sendo, e como também se decidiu na sentença recorrida, entendemos que a norma do referenciado n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil não enferma de qualquer juízo de inconstitucionalidade, entendendo acertada a decisão, o que implica, nessa parte, a improcedência do recurso."

Cumpre esclarecer que, com esta fundamentação, a Relação indeferiu a pretensão de indemnização, formulada pela recorrente, por danos morais sofridos por ela própria e pelo falecido (perda do direito à vida e danos decorrentes do sofrimento que a antecedeu). A recorrente sustenta que, em ambos os casos, se trata de direitos que o n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil lhe atribui originariamente e não a título hereditário.

2 - Sandra Maria Marques Moreira recorreu deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro.

Começando por considerar que se "contrapõem [...] duas interpretações, quanto à constitucionalidade, do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, na sua aplicação quanto ao direito a indemnização, em caso de morte da vítima de acidente de viação a caber à pessoa que vivia com a vítima em situação de união de facto estável e duradoura e em condições análogas às dos cônjuges, pelos danos não patrimoniais pessoalmente sofridos", diz pretender a "apreciação da interpretação dada, no caso concreto, ao n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil [...] porque a interpretação dada viola o n.º 1 do artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade".

Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações.

A recorrente, Sandra Maria Marques Moreira, formulou então as seguintes conclusões:

"1 - A Constituição da República Portuguesa faz no seu artigo 67.º uma distinção clara entre família e casamento, consagrando assim família como uma realidade mais ampla que o casamento.

2 - A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 67.º, consagra também o princípio da protecção dessa realidade ampla - família e seus membros - independentemente do casamento.

3 - A Constituição da República Portuguesa consagra também no seu artigo 13.º o princípio da igualdade dos membros da família, o qual deve ser interpretado no sentido de que sem justificação material bastante, razoável, não deve haver tratamento diferente entre as duas situações iguais.

4 - As situações de cônjuge ou de unido de facto são iguais quando analisadas à luz da protecção à família insertas na Constituição da República Portuguesa, pelo que não devem ter tratamento diferente. Ambos são membros da família protegida pela Constituição da República Portuguesa.

5 - Assim, para efeito do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, o unido de facto que sobreviveu à morte de seu companheiro deve ser considerado na situação de cônjuge para efeitos de beneficiário do direito à indemnização por danos não patrimoniais.

6 - O sofrimento sofrido pelo companheiro sobrevivo de união de facto é igual ao sofrimento pela dor e perda sentida pelo cônjuge sobrevivo.

7 - A distinção entre as duas situações - no caso, cônjuge ou unido de facto - tem de se basear num critério que possa ser relevante considerado o efeito querido.

8 - O vínculo matrimonial por contraposição à convivência em união estável e duradoura não constitui, só por si, fundamento razoável para excluir a companheira da vítima da indemnização por danos não patrimoniais.

9 - O intérprete tem de interpretar a lei de modo que a sua interpretação não choque, sem justificação razoável, com os princípios fundamentais de ordenamento jurídico, nomeadamente a Constituição da República Portuguesa.

10 - A interpretação da norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil é inconstitucional, quando interpretada no sentido de excluir o sobrevivente da união de facto, em caso de homicídio, do direito à indemnização por danos não patrimoniais, por violação do artigo 13.º, do n.º 1 do artigo 36.º e do artigo 67.º da Constituição da República Portuguesa.

11 - A recorrente vivia em união de facto, estável e duradoura e a equiparação da sua posição à do cônjuge coloca-a no 1.º grau dos beneficiários, quando os pais são colocados no 2.º grau.

12 - Foram pois violados os princípios consignados nos artigos 13.º, 36.º e 67.º da Constituição da República Portuguesa.

13 - Deverá ser declarada a referida inconstitucionalidade daquela interpretação do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil."

Contra-alegou, em primeiro lugar, a recorrida Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S. A., concluindo da seguinte forma:

"1 - Não podem ter o mesmo tratamento jurídico situações juridicamente diferentes;

2 - Os 'parceiros' não podem pretender beneficiar do estatuto de 'cônjuge';

3 - O Tribunal Constitucional não pode ser o 'padroeiro' dos contravalores e 'encaixar' no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil uma situação de facto que o legislador não quis lá 'meter';

4 - Sob pena de estar a invadir a área reservada ao poder legislativo e cometer ele próprio uma inconstitucionalidade."

Alegou igualmente o Ministério Público, formulando estas conclusões:

"1 - É inconstitucional, por violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, a norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, na parte em que - em caso de morte da vítima de um crime, doloso ou negligente, exclui a atribuição de um direito de indemnização pelos danos não patrimoniais pessoal e directamente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges - e visando ressarcir a destruição da relação afectiva que ligava os membros daquela união de facto.

2 - Não impondo a Lei Fundamental uma total e plena equiparação entre a situação dos cônjuges e a dos membros da união de facto - e devendo as soluções legislativas procurar conciliar a protecção, quer da família não fundada no casamento quer do parentesco juridicamente constituído - não é violador dos princípios constitucionais a interpretação normativa segundo a qual a indemnização pelos danos morais originariamente sofridos pela vítima apenas é atribuível mesmo que se considere inexistir um fenómeno próprio de transmissão jure hereditario - às classes sucessórias contempladas especialmente no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, pela ordem aí considerada.

3 - Termos em que deverá proceder, em parte, o recurso, em conformidade com o julgamento de inconstitucionalidade normativa atrás proposto."

Finalmente, alegaram os recorridos José da Silva Dias e mulher, Amélia Silva Leste, terminando assim a contra-alegação:

"A declaração de inconstitucionalidade que a recorrente requer significaria, isso sim, a violação dos artigos 13.º, 36.º, 67.º e 68.º, n.º 2, da Constituição:

Originaria a discriminação dos cidadãos casados, desiguais perante os unidos de facto. Estes estariam arredados de quase todas as obrigações legais a que os primeiros estão sujeitos, mas veriam os seus direitos equiparados para efeitos de direitos e benefícios legais;

A protecção da família seria extensiva àqueles que família não querem constituir: as relações de família estão previstas na lei e não contemplam a situação de facto criada por duas pessoas a que (no entanto e com outra mens legis) a lei atribui efeitos jurídicos próprios;

O casamento não é união de facto e a protecção que consta da Lei Fundamental diz respeito ao casamento. A protecção deste vínculo seria destruída e o instituto do casamento esvaziado de significado e de conteúdo se se acolhesse a tese da recorrente, pois ela teria que ser estendida à posição e protecção do cônjuge que atravessa transversalmente a lei civil. Estando o casamento previsto e protegido na Constituição este esvaziar constituiria uma irremediável inconstitucionalidade;

Também assim para a protecção da família como elemento essencial da sociedade e da maternidade e paternidade como valores sociais eminentes, com consagração constitucional (artigos 67.º e 68.º), o que não ocorre com as uniões de facto, cuja equiparação pretendida colidiria com estes valores e seria inconstitucional;

A recorrente não pode pretender entrar à força numa disposição legal que a não contempla, sobretudo invocando a Constituição em clara oposição ao que ela dispõe, maxime forçando a ocupação de um lugar que a norma ao cônjuge e só a este atribui;

E pior, querer - numa subversão absoluta - arredar e substituir-se àqueles que, ao invés, tal norma expressa e muito justamente designa;

Tal subversão destruiria os princípios que regem o direito de família que se fundam na letra e no espírito da nossa Constituição."

Concluíram que o recurso não deve ser admitido (o que, notificada, a recorrente, contestou) ou, se assim se não entender, "deve ser desatendido".

3 - Não cabe ao Tribunal Constitucional tomar partido na controvérsia de saber se o direito à indemnização por danos sofridos pela vítima, em caso de morte, é atribuído originariamente às pessoas referidas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil (independentemente, agora, de saber se nelas se deve ou não incluir o "unido de facto" sobrevivo) ou se, diferentemente, lhes cabe a título sucessório. Como se disse já, a ora recorrente pediu uma indemnização, quer pelos danos morais por ela própria sofridos quer pelos danos morais sofridos pelo falecido; e ambos os pedidos foram indeferidos, sempre com o fundamento de que se não encontrava abrangida no elenco de titulares de direito a indemnização, definido no n.º 2 do citado artigo 496.º do Código Civil.

Ao Tribunal Constitucional apenas competiria, eventualmente, determinar se a Constituição impõe, como sustenta a recorrente, a sua equiparação ao cônjuge, nos dois casos.

Sucede, todavia, que, no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, a recorrente limitou expressamente o âmbito do recurso à questão da titularidade do direito a indemnização "pelos danos não patrimoniais pessoalmente sofridos".

E verifica-se ainda, disse-se já, que o homicídio (negligente) resultou de um acidente de viação provocado exclusivamente por negligência do arguido.

Assim, o objecto do presente recurso restringe-se à norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, na parte em que exclui o sobrevivente da união de facto, em caso de homicídio negligente decorrente de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem, do direito à indemnização por danos não patrimoniais, pessoalmente sofridos em consequência da morte da vítima.

4 - No seu Acórdão 275/2002 (Diário da República, 2.ª série, de 24 de Julho de 2002), o Tribunal Constitucional analisou a norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil igualmente apenas enquanto referida aos "danos não patrimoniais sofridos, com a morte da vítima, directamente pela pessoa que com ela convivia em união de facto". Após uma análise exaustiva da jurisprudência constitucional e da evolução verificada no "enquadramento legal" das situações "do cônjuge (não separado judicialmente de pessoas e bens)" e das pessoas que vivem em união de facto, para a qual se remete, o Tribunal afastou a violação, então também alegada, do princípio da igualdade, por comparação com a situação do cônjuge sobrevivo, mas concluiu no sentido da inconstitucionalidade "por violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, [d]a norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil na parte em que, em caso de morte da vítima de um crime doloso, exclui a atribuição de um direito de "indemnização por danos não patrimoniais" pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges.

Como, aliás, se esclareceu posteriormente no acórdão 86/2007 - o qual, como ali se escreveu, versava sobre um objecto diverso, já que nele não era "questionada, como no caso do Acórdão 275/2002, a consequência, no plano da compensação por danos não patrimoniais, da prática de um crime (de um homicídio), e de um crime doloso, mas antes a consequência de um acidente de viação que se deveu a culpa (negligência) exclusiva do lesante" -, a razão que então conduziu ao juízo de inconstitucionalidade foi, essencialmente, a verificação de uma "total desadequação da dimensão normativa então em apreciação às justificações ou finalidades para ela adiantadas", nestes termos:

"6 - Afigura-se, porém, essencial recordar a forma como se concretizou o confronto com o princípio da proporcionalidade. Com efeito, depois de se observar que o legislador constitucional não quis reduzir a noção de família à união conjugal baseada no casamento, e que impõe a protecção da 'família, como elemento fundamental da sociedade', com 'um dever de não desproteger, sem uma justificação razoável, a família que se não fundar no casamento', a apreciação da conformidade com o princípio da proporcionalidade não se centrou em qualquer 'desproporção' das consequências do regime jurídico (que, efectivamente, podem ser tão ou mais gravosas, por exemplo, no não reconhecimento da qualidade de sucessível na sucessão legitimária). O iter seguido para o confronto com o princípio da proporcionalidade, passou, antes, pela averiguação daquela 'justificação razoável' especificamente para a solução normativa em questão, atentando, precisamente, na relação entre a justificação que para ela é adiantada e os dados do caso em que a dimensão normativa impugnada fora aplicada (e recorde-se que se tratou de decisão proferida em fiscalização concreta e incidental da constitucionalidade).

No contexto dessa averiguação da conformidade com o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral atinente à relação entre meios e fins da actuação do poder público (conjugada com a protecção constitucional também da 'família não fundada no casamento'), logo se pôde verificar a total desadequação da dimensão normativa então em apreciação às justificações ou finalidades para ela adiantadas. Salientou-se, assim, que, para a 'compensação dos sofrimentos e da dor sofrida por quem convivia com a vítima de um homicídio doloso em condições análogas às dos cônjuges', não podia proceder, nem a justificação da solução do artigo 496.º, n.º 2, 'consistente na necessidade de limitar as pretensões indemnizatórias, nem a que valoriza a necessidade de uma solução certa, já que a expectativa do lesante de se não ver confrontado com um número não definido de pretensões indemnizatórias não merece protecção e que o titular do direito à compensação se encontra perfeitamente determinado' (itálicos aditados - e cf. também já antes a propósito do princípio da igualdade, no n.º 10 da fundamentação do Acórdão 275/2002). E ainda se verificou, 'com relevo para a determinação dos limites da discricionariedade legislativa', que a solução normativa em apreço se reporta a um problema que se afigura como 'inadequado para a prossecução de eventuais objectivos políticos de protecção ou incentivo ao casamento', não só por estar em causa compensar um dano, normalmente de grande gravidade, como por este resultar de 'um evento que é evidentemente imprevisível (um homicídio doloso).'

Só estes passos permitiram concluir pela existência de 'violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade' no caso decidido pelo Acórdão 275/2002, como resulta logo da leitura da sua fundamentação - e sem que se afigure necessário recordar as virtudes, democráticas e para o próprio funcionamento de um órgão de fiscalização concreta da constitucionalidade, do emprego de fundamentações estreitas e limitadas à dimensão normativa aplicada [...].

E note-se, ainda, que as considerações expendidas na fundamentação do Acórdão 275/2002, relevantes, nos termos expostos, à luz do princípio da proporcionalidade não dependeram de qualquer tomada de posição na discussão sobre a verdadeira natureza ou função da 'indemnização', 'compensação' ou 'satisfação' (Genugtuung) por danos não patrimoniais (nos termos do artigo 496.º, n.º 1, apenas dos que 'pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito'), isto é, numa discussão em que, como é sabido, tem também sido defendida, entre outras posições, a da atribuição de uma função sancionatória ou punitiva, ou pelo menos de uma dupla função, compensatória e punitiva, a tal 'satisfação' [...]".

Tendo em conta as diferenças entre os objectos de ambos os recursos, o acórdão 86/2007 concluiu no sentido de "não julgar inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, na parte em que exclui o direito a indemnização por danos não patrimoniais da pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem".

6 - Ora verifica-se que a dimensão em que a parte relevante do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil foi aplicada no presente recurso coincide com a norma que foi apreciada neste Acórdão 86/2007. E é o julgamento de não inconstitucionalidade ali alcançado que aqui se reitera, razão pela qual se transcreve esse mesmo acórdão:

"7 - A decisão proferida no Acórdão 275/2002 foi objecto de análise sobretudo no plano da comparação entre a posição do cônjuge e de quem vive em 'união de facto' com outrem, à luz das normas e princípios constitucionais sobre a família e o casamento. É certo que, como se disse, se aceitou então a relevância, para a noção constitucional de família, também da 'família não fundada no casamento', rejeitando a redução da família à que assenta no matrimónio [...], e que se afirmou 'um dever de não desproteger, sem uma justificação razoável'.

Nos presentes autos, pode reiterar-se este entendimento, que só por si está, porém, longe de implicar qualquer equiparação geral do regime da família fundada no casamento e da família não assente no matrimónio [...].

8 - Mais do que uma comparação 'transversal' entre a posição do cônjuge e de quem vive em 'união de facto' com outrem, a 'revisitação' efectuada à decisão do Tribunal Constitucional que o recorrente invoca, e que o acórdão recorrido se preocupou em 'desqualificar' como precedente, impõe, porém, que se recorde e aprofunde a referência, contida já no Acórdão 275/2002, especificamente à ratio da delimitação, pelo n.º 2 do artigo 496.º, dos titulares de um direito a uma 'indemnização' (compensação ou 'satisfação') por danos não patrimoniais por morte da vítima, e em particular no que toca ao problema da exclusão daqueles que de facto, tendo em conta as circunstâncias do caso, eram mais próximos desta.

O problema é - contrariamente ao que se poderia pensar - bastante anterior ao reconhecimento legislativo de efeitos jurídicos da 'união de facto', entre nós e lá fora. Adriano Vaz Serra tratou-o assim já em 1959, nos trabalhos preparatórios do Código Civil ('Reparação do dano não patrimonial', Boletim do Ministério da Justiça, n.º 83, pp. 69 a 111, esp. 96-98), depois de perguntar a quem deve ser reconhecido o direito à compensação em causa (e baseando-se em doutrina alemã e suíça da 1.ª metade do século XX):

'Não parece que deva ser reconhecido aos herdeiros como tais, os quais podem ser estranhos à família, caso em que não terão, em regra, dor moral suficiente para justificar uma compensação.

Tal direito deve ser reservado para os familiares da vítima, que são as pessoas nas quais é de presumir a existência de sentimentos de afeição bastante fortes. Mas, por um lado, esses sentimentos podem ser ainda mais fortes da parte de pessoas estranhas à família juridicamente entendida; e, por outro lado, o facto de ser membro da família não implica necessariamente a existência de uma afeição suficiente.

Pareceria assim, que por família, para este efeito, deveriam entender-se aquelas pessoas que, segundo as circunstâncias materiais do caso concreto, desempenham de facto as funções de família [citando, neste sentido, A. von Tuhr]. Essas pessoas seriam as que, pelas especiais relações com a vítima, é de presumir sofrerem mais, na sua afeição, com a morte dela. O critério não seria, pois, jurídico, mas de facto.

No entanto, poderia também entender-se que só às pessoas ligadas juridicamente por laços de família (cônjuge, parentes e afins) deveria reconhecer-se o direito à satisfação de danos não patrimoniais. As outras não tinham o direito de contar com a continuação da situação de facto em que se encontravam com o falecido e não poderiam, portanto, alegar danos, patrimoniais ou não, resultantes da morte dele.

Assim, a concubina ou a noiva não poderiam reclamar a referida satisfação, nem o poderiam fazer outras pessoas colocadas de facto na situação de familiares.

Dadas as razões que podem ser invocadas num sentido e no outro, talvez seja preferível usar uma fórmula que permita à jurisprudência decidir como lhe parecer melhor, ou, reconhecendo, em princípio, o direito de satisfação aos parentes, permitir que se atribua tal direito a pessoas estranhas à família mas ligadas à vítima de modo a constituírem de facto família dela.

[...]

Se não se limitasse assim o direito à satisfação do dano não patrimonial, poderia ele ser invocado por vezes por um número considerável de pessoas, com o resultado de o responsável ter que pagar quantia avultadíssima ou com o de a cada um dos prejudicados se dar uma importância tão diminuta que seria praticamente nula.'

Vaz Serra referia ainda, em nota, que, 'quanto à concubina', poderia intervir, para excluir o direito à compensação, a consideração da 'atitude tomada a respeito da união livre' (p. 98, n.º 58, e pp. 91-92). Mas concluía propondo (também como alternativa) que no caso de morte de uma pessoa, quando as circunstâncias de facto o impusessem, poderia 'reconhecer-se direito de satisfação a outros parentes, a afins ou estranhos à família, desde que tais pessoas estivessem ligadas à vítima de maneira a constituírem de facto família dela' - ob. cit., p. 107, e Adriano Vaz Serra, Direito das Obrigações (com excepção dos contratos em especial) - anteprojecto, Lisboa, 1960, artigo 759.º, n.º 3, a p. 624 (itálico aditado).

O projecto de Código Civil (artigo 498.º, n.º 2) veio, porém, a fixar-se na alternativa de reconhecimento da 'indemnização por danos não patrimoniais' por morte 'em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, na falta destes, aos pais ou outros ascendentes, e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem', numa solução em que (segundo Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1987, artigo 496.º, anot. 5, a p. 501), as 'excelências da equidade tiveram de ser sacrificadas às incontestáveis vantagens do direito estrito'.

Considerando que a morte de uma pessoa é um evento lesivo susceptível de causar danos não patrimoniais a um círculo alargado de pessoas, a delimitação dos possíveis titulares da compensação por danos não patrimoniais (próprios) em caso de morte da vítima obedeceu, fundamentalmente, já a uma razão de certeza, evitando-se a multiplicação indeterminada de pretensões indemnizatórias em consequência da morte, já à conveniência em evitar que o lesante por mera culpa se visse assoberbado por pretensões indemnizatórias deduzidas por um número alargado, ou mesmo ilimitado, de pessoas, com as quais não poderia contar. Por estas razões, no n.º 2 do artigo 496.º o legislador limitou o leque de pessoas cujos danos não patrimoniais, causados directamente pela morte da vítima, são atendíveis, e dividiu mesmo tais pessoas em dois grupos, segundo uma presunção assente na proximidade familiar (primeiro, o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e os filhos ou outros descendentes; 'na falta destes', os pais ou outros ascendentes; e, 'por último', os irmãos ou sobrinhos que os representem).

Disse-se no Acórdão 275/2002 que tais justificações se revelavam desajustadas à dimensão normativa em questão nesse caso, por o beneficiário da indemnização se encontrar então perfeitamente delimitado e ser apenas um, e por não merecer 'certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se eximir à compensação de todos os danos que provocou com o homicídio'.

Há que apurar se é igualmente assim no presente caso.

9 - Revertendo então ao caso dos autos - em que (recorde-se) o que está em causa é a constitucionalidade da exclusão da 'indemnização por danos não patrimoniais' sofridos pela pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem -, pode igualmente proceder-se a um confronto com os parâmetros constitucionais relevantes em dois momentos, e desdobrando a análise segundo o invocado pelo recorrente - que é, recorde-se também, a 'violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa; do direito a constituir família independentemente de qualquer vínculo formal estabelecido no artigo 36.º, n.º 1, da nossa Lei Fundamental e da concepção constitucional de família vertida no artigo 67.º, n.º 1, da Constituição'.

Assim, quem não acompanhasse a decisão proferida no Acórdão 275/2002 (tirado com dois votos de vencido) dificilmente chegará a uma solução de inconstitucionalidade no presente caso, considerando que se não está perante um crime doloso, mas perante um acidente de viação (com violação de regras de circulação e de deveres de cuidado) provocado por negligência, isto é, não só perante diferentes graus de culpa, mas perante ilícitos também de diverso tipo e gravidade, como se notou na decisão recorrida; e considerando, ainda, que, sob a perspectiva (se não da normal previsibilidade, pelo menos) da frequência dos ilícitos e dos eventos lesivos em questão, se estava, no caso então decidido, perante um evento (homicídio doloso) muito pouco frequente, o que, infelizmente, já se não pode seguramente dizer do que deu origem ao acidente de viação ocorrido no caso dos autos.

Não existem, com efeito, na dimensão normativa em apreciação no presente recurso, outras particularidades que, para quem não acompanhasse o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou no Acórdão 275/2002, possam conduzir a uma conclusão de desconformidade com a Constituição da República, por violação dos princípios da igualdade ou de outros princípios ou normas constitucionais.

10 - Mas mesmo quem tenha subscrito o julgamento de inconstitucionalidade do Acórdão 275/2002 não é necessariamente conduzido, pelos seus fundamentos, a uma solução de incompatibilidade com a Constituição da solução normativa em apreciação no presente recurso de constitucionalidade.

Quanto ao princípio da igualdade, já se notou que ele não constituiu o fundamento decisivo para a decisão tomada maioritariamente no Acórdão 275/2002. E recorde-se, a propósito, o que se disse no citado Acórdão 195/2003:

"Ora, como este Tribunal tem reconhecido, existem diferenças importantes, que o legislador pode considerar relevantes, entre a situação de duas pessoas casadas, e que, portanto, voluntariamente optaram por alterar o estatuto jurídico da relação entre elas - mediante um 'contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código', como se lê no artigo 1577.º do Código Civil -, e a situação de duas pessoas que (embora convivendo há mais de dois anos 'em condições análogas às dos cônjuges') optaram, diversamente, por manter no plano de facto a relação entre ambas, sem juridicamente assumirem e adquirirem as obrigações e os direitos correlativos ao casamento."

E, posteriormente, no também citado Acórdão 159/2005:

'Assim, na óptica do princípio da igualdade, a situação de duas pessoas que declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submeter a um determinado regime (um específico vínculo jurídico, com direitos e deveres e um processo especial de dissolução) não tem de ser equiparada à de quem, intencionalmente, opta por o não fazer. O legislador constitucional não pode ter pretendido retirar todo o espaço à prossecução, pelo legislador infra-constitucional, cujo programa é sufragado democraticamente, de objectivos políticos de incentivo ao matrimónio enquanto instituição social, mediante a formulação de um regime jurídico próprio - por exemplo, distinguindo entre a posição sucessória do convivente em união de facto (reduzida ao referido direito a exigir alimentos da herança) e a do cônjuge.'

O regime da indemnização por danos não patrimoniais em caso de morte da vítima é, justamente, um desses pontos submetidos a um regime jurídico distinto, tal como distintas são, também, as relações entre a vítima e quem pede a indemnização.

Não existe, pois, violação do princípio da igualdade na norma em apreciação.

11 - Como resulta do que se disse, e também se afirmou no citado Acórdão 159/2005:

"Superada a objecção que se pudesse pretender extrair do princípio da igualdade, e admitida a presente diferenciação à luz da política legislativa que o legislador democrático entenda dever prosseguir, não ficam, porém, dissipados todos os argumentos conducentes a uma conclusão de inconstitucionalidade. Aliás, o acórdão recorrido [dir-se-á, agora, o Acórdão 275/2002] baseou o seu julgamento de inconstitucionalidade, decisivamente, na invocação do princípio da proporcionalidade (conjugado com o reconhecimento constitucional da 'família não fundada no casamento') [...]"

Sobre o confronto com o princípio da proporcionalidade conjugado com o reconhecimento constitucional da 'família não fundada no casamento' importa novamente recordar que, como também já se notou (e se disse igualmente no Acórdão 159/2005), '[...] o que está em causa no confronto de uma solução normativa com o princípio da proporcionalidade não é simplesmente a gravidade ou a dimensão das desvantagens ou inconvenientes que pode acarretar para os visados (com, por exemplo, a necessidade da prova da carência de alimentos, ou, mesmo, a exclusão total de certos direitos). O recorte de um regime jurídico como o da destruição do vínculo matrimonial ou o dos seus efeitos sucessórios - pela hipótese do casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam intencionalmente submeter a ele, tem necessariamente como consequência a exclusão dos respectivos efeitos jurídicos. O que importa apurar é se tal recorte é aceitável - se segue um critério constitucionalmente aceitável - tendo em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis - sem deixar de considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e como de escolha dessas alternativas, que, à luz dos objectivos de política legislativa que ele próprio define dentro do quadro constitucional, tem de ser reconhecida ao legislador (e que este Tribunal reconheceu, por exemplo, no Acórdão 187/2001, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Junho de 2001).'

Mas lembre-se, também, o que este Tribunal tem afirmado sobre o alcance do princípio da proporcionalidade como parâmetro de controlo jurisdicional da actividade legislativa. Afirmou-se, assim, seguindo anterior jurisprudência, no citado Acórdão 187/2001:

'Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo - como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal - que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da actividade do legislador um dos seus significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a actividade administrativa e legislativa - que, portanto, o princípio, e a sua prática aplicação jurisdicional, tenham um alcance diverso para o Estado-Administrador e para o Estado-Legislador.

[...]

Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador - diversamente da administração -, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma 'prerrogativa de avaliação', como que um 'crédito de confiança', na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). Tal prerrogativa da competência do legislador na definição dos objectivos e nessa avaliação [...] afigura-se importante sobretudo em casos duvidosos, ou em que a relação medida-objectivo é social ou economicamente complexa, e a objectividade dos juízos que se podem fazer (ou suas hipotéticas alternativas) difícil de estabelecer.

Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio o Tribunal não deve substituir uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas, à que é efectuada pelo legislador, e que as controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro manifesto de apreciação como é, designadamente (mas não só), o caso de as medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida -, ser resolvidas contra a posição do legislador.

Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação e a decisão deve ser de inconstitucionalidade - ou não existe - e a norma é constitucionalmente conforme. Tal objecção, segundo a qual apenas poderia existir 'uma resposta certa' do legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detectar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.'

As considerações que precedem afiguram-se relevantes no caso dos autos: o legislador goza de uma considerável margem de discricionariedade na delimitação, no artigo 496.º, n.º 2, do círculo das pessoas que podem pedir indemnização por morte da vítima.

E a apreciação da conformidade com o princípio da proporcionalidade, nos termos referidos, não deve, também, deixar de tomar em conta - sobretudo em fiscalização concreta e incidental da constitucionalidade - as particularidades da dimensão normativa ora em apreciação, e o diverso recorte do caso a que foi aplicada [...]

E há, ainda, que recordar que, como este Tribunal tem repetidamente afirmado, não está em causa, no controlo da constitucionalidade a que procede, a qualificação do 'melhor direito' (e a 'desqualificação' do 'pior direito') em si mesmo, isto é, o juízo sobre qual seria a solução mais conveniente ou que melhor concilia todos os interesses em presença. Tal é missão do legislador. Ao Tribunal Constitucional compete apenas um controlo de constitucionalidade, ou seja, ajuizar sobre a questão de saber se uma solução ou dimensão normativa viola normas ou princípios constitucionais: não, neste sentido, avaliar o 'melhor direito', mas apenas dizer o 'não direito', porque incompatível com a Constituição da República (cf. os seus artigos 3.º, n.º 3, 204.º, 223.º, n.º 1, e 277.º, n.º 1).

12 - Ora, entende-se que o confronto, que levou no citado aresto de 2002 a afirmar a 'violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade', entre a justificação da delimitação operada no artigo 496.º, n.º 2, e a dimensão normativa em análise no presente recurso conduz a resultados diversos dos alcançados naquele aresto. Falta, pois, identidade substancial, neste aspecto constitucionalmente relevante, entre as normas ou dimensões normativas em apreciação nos dois casos [...]

Não é, com efeito, possível detectar no presente caso qualquer falta grosseira ou evidente de adequação entre a dimensão normativa ora em apreço e as finalidades dessa delimitação, resultante do artigo 496.º, n.º 2 (note-se, aliás, e como se referiu, que o legislador goza, neste âmbito, de uma considerável margem de discricionariedade para ponderar os vários interesses envolvidos, e sem que se possa retirar da Constituição um certo e único regime constitucionalmente admissível, e que, na dúvida, sobre tal inadequação sempre seria de decidir no sentido da inexistência de inconstitucionalidade).

É o que facilmente se conclui, desde logo, para a justificação consistente na necessidade de limitar as pretensões indemnizatórias, por razões de certeza, que se pode revelar procedente para lesões que se verificam com uma frequência diária, e sem qualquer relação prévia entre lesante e lesado (diversamente do que acontecia com a lesão provocada pelo homicídio no caso do Acórdão 275/2002). Sem tal limitação, os prejuízos não patrimoniais resultantes da morte poderiam ser invocados frequentemente, e 'por vezes por um número considerável de pessoas, com o resultado de o responsável ter que pagar quantia avultadíssima ou com o de a cada um dos prejudicados se dar uma importância tão diminuta que seria praticamente nula' (nas palavras citadas de Vaz Serra).

O que é reforçado pela consideração da expectativa do lesante de se não ver assoberbado com um número não definido de pretensões indemnizatórias. Na verdade, afirmou-se, no caso decidido pelo Acórdão 275/2002, que 'não merece certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se eximir à compensação de todos os danos que provocou com o homicídio'. Tal posição do lesante, se não merecia protecção, dada a 'gravidade extrema do ilícito' e o dolo do lesante, no caso do Acórdão 275/2002, não tem de ser considerada irrelevante - sob pena de erro grosseiro de avaliação do legislador - num caso como o dos autos, em que está em causa a infracção de regras legais de circulação rodoviária e de deveres de cuidado, com negligência do lesante, da qual veio a resultar o acidente que provocou a morte. Não pode, com efeito, excluir-se que o legislador atenda à conveniência em que os lesantes civis por mera culpa se não vejam assoberbados por pretensões indemnizatórias deduzidas por um número ilimitado de pessoas, dada a frequência estatística de situações como a dos autos.

[...]

13 - Conclui-se, pois, que a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, na parte em que exclui o direito a indemnização por danos não patrimoniais da pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem, não viola nem o princípio da igualdade nem o artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade, parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente (já que nada mais se pode retirar, no sentido da inconstitucionalidade, da invocação da 'concepção constitucional de família vertida no artigo 67.º, n.º 1, da Constituição', que não tenha já sido considerado na fundamentação que antecede).

Não se descortinando outros fundamentos para um juízo de inconstitucionalidade, há que negar provimento ao presente recurso."

7 - É este julgamento de não inconstitucionalidade, pelas razões constantes do Acórdão 86/2007, que se reitera.

Assim, nega-se provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.

Lisboa, 21 de Março de 2007. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Vítor Gomes - Bravo Serra (votei a decisão atendendo, essencialmente, às razões que carreei à declaração de voto que apus ao Acórdão 275/2002) - Gil Galvão (vencido, no essencial, pelas razões constantes da declaração de voto da conselheira M.ª Fernanda Palma, aposto no Acórdão 86/2007) - Artur Maurício (vencido pelo essencial das razões expressas no voto de vencido subscrito pela conselheira Maria Fernanda Palma no Acórdão 86/2007).

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1567443.dre.pdf .

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  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

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