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Acórdão 197/2007, de 18 de Maio

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Sumário

Não julga inconstitucional o artigo 91.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a omissão da prestação de compromisso de honra por parte de intérprete de comunicações telefónicas em língua estrangeira constitui mera irregularidade, que se considera sanada se não tiver sido arguida nos termos e dentro do prazo fixado no artigo 123.º do Código de Processo Penal

Texto do documento

Acórdão 197/2007

Processo 1095/2006

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Na 4.ª Vara Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, o Ministério Público acusou José Pereira Lopes pela prática, em co-autoria material com outrem, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A e II-A, anexas ao referido diploma.

No decorrer da audiência de julgamento com data do dia 4 de Abril de 2006, foi proferido o seguinte despacho, conforme consta da acta de fl. 1220 e segs. dos autos:

"Despacho

Suspendo a presente audiência para uma curta interrupção.

Retomada a audiência, foi pedida a palavra pelo ilustre mandatário do arguido José Pereira Lopes, que no seu uso disse: O Ministério Público indicou como prova da acusação, para além do mais, nos seguintes autos transcrição correspondentes às intercepções telefónicas das sessões 228, 412, 425, 427, 453, 465 e 636 do apenso 1; das sessões 208, 923 e 1341 do apenso 2; e 24, 59, 84, 85 e 105 do apenso 3.

Ora, resulta dos autos que tais transcrições, para além de outras não indicadas pelo MP, provêm de conversas que foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde. Com efeito, feita esta constatação, e para tradução das conversas em questão logo o Sr. Inspector Rui Sousa que foi instrutor do processo a fls. 40 e 41 dos autos sugeriu a nomeação do Sr. Carlos Miguel Sena Castro Teixeira, que no seu dizer é subinspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde destacado na sua congénere portuguesa.

Em consequência, por despacho de fls. 84, viria o referido senhor a ser nomeado e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC por forma a que se procedesse à audição das sessões em causa com tradução simultânea. De facto, como melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, assim sucedeu logo nesse mesmo dia. A verdade é que a partir de então ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir e traduzir conversações telefónicas interceptadas e a assinar os autos de transcrição juntos ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso a que aludem os n.os 2 e 3 do artigo 91.º do CPP.

No entanto, ignora-se, e não está documentado de qualquer forma nos autos, qual o vínculo funcional ou jurídico e o respectivo quadro legal que insere o Sr. Subinspector Carlos Teixeira da Polícia Judiciária de Cabo Verde no funcionalismo público português, se é que assim acontece de facto. Inquirido em audiência sobre o facto, o Sr. Inspector Rui Sousa nada soube acrescentar ou esclarecer sobre esta questão.

Assim sendo, e porque tal questão pode influir definitivamente na validade daquele meio de prova, uma vez que estão em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos constitucionalmente protegidos, requer que se oficie ao director-geral da Polícia Judiciária no sentido de o mesmo fornecer nos autos informação sobre se o Sr. Carlos Miguel Sena Castro Teixeira, alegadamente subinspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde destacado na Polícia Judiciária portuguesa, é também funcionário público português por força de qualquer vínculo que através daquela polícia ou outro organismo o ligue ao Estado Português e, não o sendo, informe qual é o quadro jurídico que o insere na orgânica da Polícia Judiciária portuguesa.

Em consequência, caso se venha a apurar que o referido senhor não é, como cremos, funcionário público do Estado Português e que ele ao desempenhar as funções de intérprete para que foi nomeado nos autos interveio fora do exercício das suas funções, devem, nos termos do n.º 8 do artigo 32.º e n.º 4 do artigo 34.º, que são preceitos de aplicação imediata por força do artigo 18.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, serem declarados nulas as transcrições juntas aos autos e cujas conversas foram originariamente mantidas em crioulo.

Após o que o Mmo. Juiz proferiu o seguinte:

Despacho

Suspendo a presente audiência para a efectivação de diligências.

Por ordem do M.mº Juiz presidente, durante esta curta interrupção, foram feitas diligências junto da Direcção Nacional da Polícia Judiciária, no sentido de apurar se o Sr. Carlos Miguel Sena Castro Teixeira faz parte dos quadros da Polícia Judiciária portuguesa ou se é funcionário público português e a qual título, se está cá sob o abrigo de algum acordo de cooperação e qual. Através do n.º 218644800 contactei com o Departamento de Recursos Humanos da PJ, tendo sido atendida pela Sr.ª Fernanda Ferreira, fui informada de que esse nome não consta dos ficheiros dos funcionários portugueses da Polícia Judiciária; de seguida, contactei com o Departamento de Cooperação Internacional, onde me foi dito que não têm noção que tenha cá estado alguém de Cabo Verde nos últimos anos.

Retomada a audiência, foi dada a palavra à digna Magistrada do Ministério Público, a qual no seu uso disse: Parece-nos não existir necessidade de verificar sobre a existência do vínculo que o intérprete Carlos Miguel Sena Castro Teixeira tem com o Estado Português, nomeadamente se é funcionário público. Parece-nos que, tal como foi alegado pelo mandatário do arguido José Pereira Lopes, no caso de se verificar a falta de juramento na sua qualidade de intérprete, o Sr. Carlos Miguel Sena Castro Teixeira, tal falta não afectará a validade das funções por ele levadas a cabo nos termos do artigo 91.º do CPP. Pelo que se mantêm válidas as traduções efectuadas pelo mesmo.

Seguidamente, pelo M.mº Juiz foi proferido o seguinte:

Despacho

Dos apensos 1, 2 e 3 do presente processo, encontram-se transcritas várias conversações telefónicas, que foram objecto de intercepção e gravação durante o inquérito e foram indicadas pelo MP como prova dos factos alegados na acusação. Algumas dessas conversas estão assinaladas como tendo sido efectuadas em crioulo, tendo sido nomeado, por despacho do MP a fls. 84 dos autos, tradutor, para o efeito da transposição dessas conversas para a língua portuguesa a pessoa referida no requerimento do arguido José Pereira Lopes. Tanto quanto se consegue vislumbrar, o referido tradutor não prestou o compromisso de honra a que se refere o artigo 91.º do CPP e dos contactos telefónicos tidos com a PJ não foi possível averiguar que tal pessoa seja membro desse organismo ou a qualquer título funcionário português.

O cerne da questão suscitada pelo ilustre mandatário do arguido José Pereira Lopes resume-se a saber se a omissão do referido compromisso de honra é ou não de molde, por si só, e não se verificando os pressupostos de dispensa do compromisso, a afectar a validade das traduções realizadas pelo tradutor não ajuramentado e a determinar a inutilização das conversas traduzidas como meio de prova.

Salvo melhor opinião, tal questão deverá ser respondida negativamente. Na verdade, a exigência do compromisso de honra não representa uma garantia de defesa do arguido ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste. Nesta ordem de ideias, não estando expressamente cominada em qualquer disposição da lei processual a nulidade da intervenção do tradutor que não tenha prestado compromisso, quando devesse tê-lo prestado, a referida omissão deve ser remetida para o domínio das meras irregularidades processuais. A arguição das irregularidades está regulada pelo n.º 1 do artigo 123.º do CPP e, de acordo com esta disposição, terá de ter lugar no próprio acto ou, se o sujeito interessado a ele não tiver assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tenha sido notificado em acto nele praticado. Tendo em conta que o processo, na fase de inquérito, se encontra em segredo de justiça e os arguidos não têm acesso ao seu conteúdo, a arguição em causa deveria ter sido efectuada nos três dias subsequentes à notificação da acusação ao arguido.

Em nosso entendimento, a intervenção do tradutor só seria de molde a pôr em causa as garantias de defesa do arguido se houvesse razões para crer na existência de alguma desconformidade entre o texto transcrito nos apensos, em língua portuguesa, e a conversa original tida em crioulo. A falta do compromisso de honra não determina por si só a existência de qualquer desconformidade, nem a defesa do arguido invocou a verificação de alguma.

Pelo exposto, decide-se, não obstante a falta do compromisso de honra, não declarar nulas as traduções efectuadas pelo tradutor não ajuramentado, referenciado no requerimento da defesa do arguido."

Inconformado, José Pereira Lopes interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo concluído como segue:

"a) Emerge o presente recurso do despacho vertido na acta da sessão de julgamento do dia 4 de Abril de 2006, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade das transcrições de escutas telefónicas juntas aos autos cujas conversas foram originariamente mantidas em dialecto crioulo de Cabo Verde;

b) Aquele despacho, douto aliás, peca por errada interpretação e aplicação dos artigos 91.º, 92.º, 120.º, n.º 2, alínea e), e 126.º, n.º 3, todos do CPP e, bem assim, dos artigos 2.º, 32.º, n.os 1 e 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da CRP, que, de resto, são preceitos de aplicação imediata, visto o artigo 18.º do mesmo diploma fundamental;

c) Com efeito, o Ministério Público indicou como prova dos factos alegados na acusação, para além do mais, vários autos de transcrição de intercepções telefónicas juntas aos autos nos apensos I, II e III que provêm de conversas que foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde;

d) Para tradução das mesmas foi sugerida a nomeação de intérprete nos autos, mais concretamente o Sr. Carlos Miguel Sena Castro Teixeira, que a fls. 40 e 41 é apresentado como sendo subinpector da Polícia Judiciária de Cabo Verde, destacado na Polícia Judiciária portuguesa;

e) Em consequência, por despacho da M.mª Juíza de Instrução Criminal de fls. 84 viria o mesmo a ser nomeado intérprete e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC a fim de se proceder a audição das sessões em causa com tradução simultânea, o que, como melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, sucedeu logo nesse mesmo dia;

f) Sendo que a partir daí ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir e traduzir intercepções telefónicas e a assinar os autos de transcrição juntos ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.os 2 e 3 do artigo 91.º do CPP e apesar de no caso se não verificar qualquer dos pressupostos da dispensa do compromisso previstos no n.º 6 do mesmo artigo;

g) Com efeito, nem o Sr. Subinspector Carlos Teixeira da Polícia Judiciária de Cabo Verde é funcionário público do Estado Português e nem os autos reflectem, por qualquer forma, qual o vínculo funcional ou jurídico e qual o respectivo quadro legal que o insere na orgânica da Policia Judiciária portuguesa ou em qualquer outro organismo do funcionalismo público português;

h) Colocado perante a questão, mal a nosso ver, entendeu o Tribunal a quo que a omissão da tomada do compromisso no caso concreto cai na alçada das meras irregularidades;

i) Não obstante, no caso o intérprete não foi nomeado nos autos para tradução de um qualquer documento ou para tradução de um qualquer depoimento ou inquirição levados a cabo em audiência pública ou privada, na incerteza da existência, ou não de alguém que conheça a língua ou o dialecto usados e da tradução feita poder ser facilmente colocada em causa;

j) Com efeito, no caso que nos ocupa estão em causa direitos, liberdade e garantias constitucionalmente consagradas, como é o dos princípios da reserva da intimidade da vida privada e da não ingerência das autoridades nas comunicações e as traduções a que nos reportamos ocorrem no âmbito do excepcional e apertado regime das escutas telefónicas, que já de si constitui uma restrição daqueles princípios constitucionais que se deve limitar ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse, também constitucional, da descoberta de um concreto crime e punição do seu agente;

k) É pois devido a esta especificidade do quadro em que ocorrem as traduções dos autos que defendemos que à omissão da tomada do compromisso ao intérprete não dispensado do mesmo corresponde a proibição de valoração da prova que resulte de tais traduções;

l) Note-se, desde logo, que nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea c), do CPP constitui nulidade a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considere obrigatória, sendo certo que por sua vez o n.º 8 do artigo 32.º da CRP e o n.º 3 do artigo 126.º do CPP consignam serem nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, daí que não seja despicienda a tese que defendemos;

m) No entanto o despacho recorrido perfilhou a tese de que o compromisso de honra do artigo 91.º, n.os 2 e 3, do CPP não representa uma garantia de defesa do arguido ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste;

n) Sendo certo que, não podendo deixar de concordar com a parte final desta afirmação, não é menos verdade que essa responsabilização acrescida é feita também, e acima de tudo, no interesse e para garantia de defesa do arguido;

o) E doutra forma não faria sentido já que no caso dos autos, como em tantos outros, nem sequer foi feita a certificação da conformidade das transcrições juntas aos mesmos com os suportes magnéticos que serviram de base ao despacho que as ordenou, como o impõem os artigos 188.º, n.º 4, in fine e 101.º, n.os 2 e 3, do CPP;

p) Daí que esta frequente omissão na prática processual venha também confirmar que o compromisso que é tomado ao intérprete é também uma verdadeira garantia de defesa no interesse do próprio arguido, para além da responsabilidade acrescida que em si encerra para o intérprete que o presta;

q) Verdadeiramente a garantia de responsabilização acrescida de quem presta o compromisso de honra e a garantia da defesa do arguido são, afinal, duas faces da mesma moeda, e uma não anda arredada da outra;

r) Aliás, o n.º 1 do artigo 32.º da lei fundamental estipula justamente que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa e nelas, está incluída a acrescida responsabilização do intérprete por meio do compromisso de honra que lhe deve ser tomado quando não dispensado;

s) Razão pela qual devem ser consideradas nulas e não devem ser usadas como prova as transcrições das traduções de intercepções telefónicas em língua estrangeira cuja tradução haja sido efectuada por intérprete a quem não haja sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.os 2 e 3 do artigo 91.º do CPP e que dele não esteja dispensada nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, como é o caso das dos autos, que originariamente se encontram em dialecto crioulo de Cabo Verde;

t) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.os 2, 3 e 6 do artigo 91.º, do n.º 1 do artigo 92.º, alínea c), do n.º 2 do 120.º e do n.º 3 do artigo 126.º, todos do CPP é inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, consagrados nos artigos 2.º, 32.º, n.os 1 e 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição, os quais, de resto, são preceitos de aplicação imediata por força do disposto no n.º 1 do artigo 18.º do mesmo diploma fundamental."

2 - Por Acórdão de 19 de Julho de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou manifestamente improcedente o recurso (interlocutório) interposto, afirmando para tal que:

"É patente que nos encontramos perante uma mera irregularidade, entretanto sanada, por não ter sido arguida no tempo estipulado no artigo 123.º, n.º 1, CPP."

José Pereira Lopes interpôs então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentado, nas conclusões da respectiva alegação, no que ora interessa, o seguinte:

"Emerge o presente recurso da discordância em relação ao acórdão, douto aliás, com que o Tribunal a quo, decidiu manter a condenação do arguido pela prática de crime previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 8 anos de prisão.

Com efeito,

1 - Na formação da convicção íntima o tribunal de 1.ª instância socorreu-se das transcrições das escutas telefónicas cujas conversas foram originariamente mantidas em dialecto crioulo de Cabo Verde sem que ao respectivo intérprete tenha sido tomado o legal compromisso, o que as torna nulas e de nenhum efeito, com a consequente proibição de valoração como prova:

a) Na acta da sessão de julgamento do dia 4 de Abril de 2006, o recorrente pugnou pela nulidade das transcrições de escutas telefónicas juntas aos autos cujas conversas foram originariamente mantidas em dialecto crioulo de Cabo Verde;

b) Então, o tribunal de 1.ª instância indeferiu tal pedido por, no seu entender, para além do mais, se estar perante uma mera irregularidade e como tal já sanada. Neste entendimento foi entretanto secundado pela Veneranda Relação de Lisboa;

c) Assim decidindo quer aquele despacho quer o acórdão recorrido, doutos aliás, pecaram por errada interpretação e aplicação dos artigos 91.º, 92.º, 120.º, n.º 2, alínea c), e 126.º, n.º 3, todos do CPP e, bem assim, dos artigos 2.º, 32.º, n.os 1 e 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da CRP, que, de resto, são preceitos de aplicação imediata, visto o artigo 18.º do mesmo diploma fundamental;

d) Com efeito, o Ministério Público indicou como prova dos factos alegados na acusação, para além do mais, vários autos de transcrição de intercepções telefónicas juntas aos autos nos apensos I, II e III que provêm de conversas que foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde;

e) Para tradução das mesmas foi sugerida a nomeação de intérprete nos autos, mais concretamente o Sr. Carlos Miguel Sena Castro Teixeira, que a fls. 40 e 41 é apresentado como sendo subinspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde, destacado na Polícia Judiciária portuguesa;

f) Em consequência, por despacho da M.mª Juíza de Instrução Criminal, de fls. 84, viria o mesmo a ser nomeado intérprete e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC a fim de se proceder a audição das sessões em causa com tradução simultânea, o que, como melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, sucedeu logo nesse mesmo dia;

g) Sendo que a partir daí ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir e traduzir intercepções telefónicas e a assinar os autos de transcrição juntos ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.os 2 e 3 do artigo 91.º do CPP e apesar de no caso se não verificar qualquer dos pressupostos da dispensa do compromisso previstos no n.º 6 do mesmo artigo;

h) Com efeito, nem o Sr. Subinspector Carlos Teixeira da Polícia Judiciária de Cabo Verde é funcionário público do Estado Português e nem os autos reflectem, por qualquer forma, qual o vínculo funcional ou jurídico e qual o respectivo quadro legal que o insere na orgânica da Polícia Judiciária portuguesa ou em qualquer outro organismo do funcionalismo público português;

i) Colocado perante a questão, mal a nosso ver, entendeu também o TRL que a omissão da tomada do compromisso no caso concreto cai na alçada das meras irregularidades. E tout court;

j) Não obstante, no caso o intérprete não foi nomeado nos autos para tradução de um qualquer documento ou para tradução de um qualquer depoimento ou inquirição levados a cabo em audiência pública ou privada, na incerteza da existência, ou não, de alguém que conheça a língua ou o dialecto usados e da tradução feita poder ser facilmente colocada em causa;

k) Com efeito, no caso que nos ocupa estão em causa direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas, como é o dos princípios da reserva da intimidade da vida privada e da não ingerência das autoridades nas comunicações e as traduções a que nos reportamos ocorrem no âmbito do excepcional e apertado regime das escutas telefónicas, que já de si constitui uma restrição daqueles princípios constitucionais que se deve limitar ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse, também constitucional, da descoberta de um concreto crime e punição do seu agente;

l) É pois devido a esta especificidade do quadro em que ocorrem as traduções dos autos que defendemos que à omissão da tomada do compromisso ao intérprete não dispensado do mesmo corresponde a proibição de valoração da prova que resulte de tais traduções;

m) Note-se, desde logo, que nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea c), do CPP constitui nulidade a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considere obrigatória, sendo certo que por sua vez o n.º 8 do artigo 32.º da CRP e o n.º 3 do artigo 126.º do CPP consignam serem nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, daí que não seja de despicienda a tese que defendemos;

n) No entanto, o despacho recorrido perfilhou a tese de que o compromisso de honra do artigo 91.º, n.os 2 e 3, do CPP não representa uma garantia de defesa do arguido ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste;

o) Sendo certo que, não podendo deixar de concordar com a parte final desta afirmação, não é menos verdade que essa responsabilização acrescida é feita também, e acima de tudo, no interesse e para garantia de defesa do arguido;

p) E doutra forma não faria sentido já que no caso dos autos, como em tantos outros, nem sequer foi feita a certificação da conformidade das transcrições juntas aos mesmos com os suportes magnéticos que serviram de base ao despacho que as ordenou, como o impõem os artigos 188.º, n.º 4, in fine, e 101.º, n.os 2 e 3, do CPP;

q) Daí que esta frequente omissão na prática processual venha também confirmar que o compromisso que é tomado ao intérprete é também uma verdadeira garantia de defesa no interesse do próprio arguido, para além da responsabilidade acrescida que em si encerra para o intérprete que o presta;

r) Verdadeiramente a garantia de responsabilização acrescida de quem presta o compromisso de honra e a garantia da defesa do arguido são, afinal, duas faces da mesma moeda, e uma não anda arredada da outra;

s) Aliás, o n.º 1 do artigo 32.º da lei fundamental estipula justamente que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa e nelas está incluída a acrescida responsabilização do intérprete por meio do compromisso de honra que lhe deve ser tomado quando não dispensado;

t) Razão pela qual devem ser consideradas nulas e não devem ser usadas como prova as transcrições das traduções de intercepções telefónicas em língua estrangeira cuja tradução haja sido efectuada por intérprete a quem não haja sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.os 2 e 3 do artigo 91.º do CPP e que dele não esteja dispensado nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, como é o caso das dos autos que originariamente se encontram em dialecto crioulo de Cabo Verde;

u) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.os 2, 3 e 6 do artigo 91.º, do n.º 1 do artigo 92.º, alínea c) do n.º 2 do 120.º e do n.º 3 do artigo 126.º, todos do CPP é inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, consagrados nos artigos 2.º, 32.º, n.os 1 e 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição, os quais, de resto, são preceitos de aplicação imediata por força do disposto no n.º 1 do artigo 18.º do mesmo diploma fundamental."

O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 2 de Novembro de 2006, negou provimento ao recurso, dizendo, entre o mais, que:

"No acórdão agora sob recurso foi julgado totalmente improcedente o recurso intercalar interposto pelo arguido José Lopes do despacho de 4 de Abril de 2006, proferido no decurso da audiência e que indeferiu o requerimento de arguição de nulidade das transcrições das conversas telefónicas interceptadas e gravadas nos autos, por falta de prestação do compromisso de honra a que aludem os n.os 2 e 3 do artigo 91.º do CPP por parte do elemento da PJ de Cabo Verde, destacado na sua congénere portuguesa e que procedeu à sua tradução de crioulo.

A lei, consagrando embora o direito ao recurso como regra sagrada (artigo 399.º) e constitucionalmente garantida (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), faz depender esse direito de determinados pressupostos, o que significa que nem todas as decisões judiciais são passíveis de impugnação.

Desde logo, é incontornável que, com a revisão operada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, em matéria de recursos, como, aliás, se alcança da Exposição dos Motivos, se pretendeu restituir ao Supremo Tribunal de Justiça "a sua função de tribunal que conhece apenas de direito, com excepções em que se inclui a do recurso interposto do tribunal de júri", a verdade é que se retomou a ideia de "diferenciação orgânica mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça" (V. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª ed., p. 145).

É a situação que se nos depara no caso ajuizado, não compaginável de todo em todo com qualquer das decisões elencadas no artigo 432.º do CPP como passíveis de recurso para o STJ, mas enquadrando claramente aquelas outras que não admitem recurso, previstas no artigo 400.º do mesmo diploma legal, como seguramente a simples leitura do normativo e o consequente cotejo com as situações aí previstas não deixam de explicar e de justificar.

A decisão impugnada não põe, manifestamente, termo à causa [artigo 400.º, n.º 1, alínea c)], tanto que se mostra pendente recurso interposto da decisão final e, por isso mesmo, nunca seria recorrível.

Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, não se toma conhecimento desta questão."

3 - Veio então o arguido interpor o presente recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos:

"1.º O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro.

2.º Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos n.os 2, 3 e 6 do artigo 91.º, do n.º 1 do artigo 92.º, alínea c) do n.º 2 do 120.º e do n.º 3 do artigo 126.º, todos do CPP, todos do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que:

a) A ausência de tomada de compromisso de honra por parte de intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6 do artigo 91.º do CPP, constitui uma mera irregularidade; e

b) A ausência de tomada do compromisso de honra por parte de intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6 do artigo 91.º do CPP, constitui uma mera irregularidade, ainda que tal ausência ocorra no âmbito de nomeação para audição e transcrição de conversas telefónicas interceptadas nos autos.

3.º Tais normas assim interpretadas violam os princípios da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, constitucionalmente consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.os 1 e 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da lei fundamental;

4.º As questões de inconstitucionalidade supra-referidas foram expressamente suscitadas nos artigos 2.º, 17.º e 25.º do corpo, e nas alíneas b), l) e t) das conclusões, da motivação de recurso interlocutório interposto para o TRL e admitido a fls. 1258, sobre o qual recaiu a decisão ora recorrida.

5.º O presente recurso subirá imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo."

Admitidos os autos no Tribunal Constitucional foi determinada a produção de alegações, tendo o recorrente concluído assim as suas:

"a) Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19 de Fevereiro de 2006, douto aliás, por se reputarem de inconstitucionais, por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, constitucionalmente consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.os 1 e 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da lei fundamental, as normas dos n.os 2, 3 e 6 do artigo 91.º, do n.º 1 do artigo 92.º, da alínea c) do n.º 2 do artigo 120.º e do n.º 3 do artigo 126.º, todos do Código de Processo Penal, quando aplicados com as interpretações e o alcance que lhe foram dados quer pela 1.ª instância, quer por aquele Venerando Tribunal quando decidiram que a ausência de tomada do compromisso de honra por parte de intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6 do artigo 91.º do CPP, constitui uma mera irregularidade, ainda que tal ausência ocorra no âmbito de nomeação para audição e transcrição de conversas telefónicas interceptadas nos autos;

b) Com efeito, o Ministério Público indicou como prova dos factos alegados na acusação, para além do mais, vários autos de transcrição de intercepções telefónicas juntas aos autos nos apensos I, II e III que provêm de conversas que foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde;

c) Para tradução das mesmas foi sugerida a nomeação de intérprete nos autos, mais concretamente o Sr. Carlos Miguel Sena Castro Teixeira, que a fls. 40 e 41 é apresentado como sendo subinspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde, destacado na Polícia Judiciária portuguesa;

d) Em consequência, por despacho da Mma. Juíza de Instrução Criminal de fls. 84 viria o mesmo a ser nomeado intérprete e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC a fim de se proceder a audição das sessões em causa com tradução simultânea, o que, como melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, sucedeu logo nesse mesmo dia;

e) Sendo que a partir daí ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir e traduzir intercepções telefónicas e a assinar os autos de transcrição juntos ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.os 2 e 3 do artigo 91.º do CPP e apesar de no caso se não verificar qualquer dos pressupostos da dispensa do compromisso previstos no n.º 6 do mesmo artigo;

f) Com efeito, nem o Sr. Subinspector Carlos Teixeira da Polícia Judiciária de Cabo Verde é funcionário público do Estado Português e nem os autos reflectem, por qualquer forma, qual o vínculo funcional ou jurídico e qual o respectivo quadro legal que o insere na orgânica da Polícia Judiciária portuguesa ou em qualquer outro organismo do funcionalismo público português;

g) Colocado perante a questão, mal a nosso ver, entendeu o tribunal de 1.ª instância, no que foi secundado pela Veneranda Relação de Lisboa, que a omissão da tomada do compromisso no caso concreto cai na alçada das meras irregularidades;

h) Não obstante, no caso o intérprete não foi nomeado nos autos para tradução de um qualquer documento ou para tradução de um qualquer depoimento ou inquirição levados a cabo em audiência pública ou privada, na incerteza da existência, ou não, de alguém que conheça a língua ou o dialecto usados e da tradução feita poder ser facilmente colocada em causa;

i) Com efeito, no caso que nos ocupa estão em causa direitos, liberdade e garantias constitucionalmente consagradas, como é o dos princípios da reserva da intimidade da vida privada e da não ingerência das autoridades nas comunicações e as traduções a que nos reportamos ocorrem no âmbito do excepcional e apertado regime das escutas telefónicas, que já de si constitui uma restrição daqueles princípios constitucionais que se deve limitar ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse, também constitucional, da descoberta de um concreto crime e punição do seu agente;

j) É pois devido a esta especificidade do quadro em que ocorrem as traduções dos autos que defendemos que à omissão da tomada do compromisso ao intérprete não dispensado do mesmo corresponde a proibição de valoração da prova que resulte de tais traduções;

k) Note-se, desde logo, que nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea c), do CPP constitui nulidade a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considere obrigatória, sendo certo que por sua vez o n.º 8 do artigo 32.º da CRP e o n.º 3 do artigo 126.º do CPP consignam serem nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, daí que não seja despicienda a tese que defendemos;

l) No entanto, mal a nosso ver, logo no despacho de 1.ª instância se perfilhou a tese de que o compromisso de honra do artigo 91.º, n.os 2 e 3, do CPP não representa uma garantia de defesa do arguido, ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste;

m) Embora não possamos deixar de concordar com a parte final desta afirmação, não é menos verdade que essa responsabilização acrescida é feita também, e acima de tudo, no interesse e para garantia de defesa do arguido;

n) E doutra forma não faria sentido já que no caso dos autos, como em tantos outros, nem sequer foi feita a certificação da conformidade das transcrições juntas aos mesmos com os suportes magnéticos que serviram de base ao despacho que as ordenou, como o impõem os artigos 188.º, n.º 4, in fine, e 101.º, n.os 2 e 3, do CPP;

o) Daí que esta frequente omissão na prática processual venha também confirmar que o compromisso que é tomado ao intérprete é também uma verdadeira garantia de defesa no interesse do próprio arguido, para além da responsabilidade acrescida que em si encerra para o intérprete que o presta;

p) Verdadeiramente a garantia de responsabilização acrescida de quem presta o compromisso de honra e a garantia da defesa do arguido são, afinal, duas faces da mesma moeda, e uma não anda arredada da outra;

q) Aliás, o n.º 1 do artigo 32.º da lei fundamental estipula justamente que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa e nelas está incluída a acrescida responsabilização do intérprete por meio do compromisso de honra que lhe deve ser tomado quando não dispensado;

r) Razão pela qual devem ser consideradas nulas, e não devem ser usadas como prova, as transcrições de traduções de conversas telefónicas interceptadas em língua estrangeira quando a tradução tenha sido efectuada por intérprete a quem não haja sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.os 2 e 3 do artigo 91.º do CPP e que dele não esteja dispensado nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, como é o caso das dos autos que originariamente se encontram em dialecto crioulo de Cabo Verde;

s) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.os 2, 3 e 6 do artigo 91.º, do n.º 1 do artigo 92.º, alínea e) do n.º 2 do 120.º, e do n.º 3 do artigo 126.º, todos do CPP é inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, consagrados nos artigos 2.º, 32.º, n.os 1 e 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa.

Assim, devem tais normas ser julgadas inconstitucionais quando interpretadas e aplicadas:

a) No sentido de que a ausência de tomada de compromisso de honra por parte de intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6 do artigo 91.º do CPP, constitui uma mera irregularidade; e

b) No sentido de que a ausência de tomada do compromisso de honra por parte de intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6 do artigo 91.º do CPP, constitui uma mera irregularidade, ainda que tal ausência ocorra no âmbito de nomeação para audição e transcrição de conversas telefónicas interceptadas nos autos."

O Ministério Público contra-alegou, concluindo:

"1 - Na ausência da invocação de uma questão de inconstitucionalidade normativa no momento e pela forma processualmente adequada, falta um dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, pelo que não deverá conhecer-se do respectivo objecto;

2 - A não ser assim entendido, e porque a qualificação como irregularidade da não prestação do compromisso de honra por parte de intérprete nomeado não viola qualquer norma ou princípio constitucional, não deverá proceder o presente recurso."

Notificado o recorrente para, querendo, responder à questão prévia de não conhecimento do recurso suscitada pelo Ministério Público, nada disse.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - A) Questão prévia. - 4 - O Ministério Público suscitou a questão prévia consistente na não suscitação durante o processo de uma questão de constitucionalidade normativa.

Ora, é verdade que o recorrente, nas alegações de recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa, não é absolutamente claro na definição da questão de constitucionalidade que pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional. E como o Tribunal Constitucional tem afirmado em jurisprudência constante (v., por exemplo, o Acórdão 178/95, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 21 de Junho de 1995), impõe-se que o recorrente tenha:

"[...] indicado [...] o segmento de cada norma, a dimensão normativa de cada preceito - o sentido ou interpretação, em suma que [tem] por violador da Constituição.

De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara e perceptível (cf., entre outros, o Acórdão 269/94, in Diário da República, 2.ª série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental."

Apesar disso, o certo é que o recorrente afirmou o seguinte, nas (transcritas) da alegação produzida perante o Tribunal da Relação:

"...

s) Razão pela qual devem ser consideradas nulas e não devem ser usadas como prova as transcrições das traduções de intercepções telefónicas em língua estrangeira cuja tradução haja sido efectuada por intérprete a quem não haja sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.os 2 e 3 do artigo 91.º do CPP e que dele não esteja dispensado nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, como é o caso das dos autos, que originariamente se encontram em dialecto crioulo de Cabo Verde.

t) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.os 2, 3 e 6 do artigo 91.º, do n.º 1 do artigo 92.º, alínea c) do n.º 2 do artigo 120.º e do n.º 3 do artigo 126.º, todos do CPP é inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, consagrados nos artigos 2.º, 32.º, n.os 1 e 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição, os quais, de resto, são preceitos de aplicação imediata por força do disposto no n.º 1 do artigo 18.º do mesmo diploma fundamental."

Na perspectiva do recorrente, devem, pois, ser consideradas nulas e não podem ser usadas como prova, transcrições das traduções de comunicações telefónicas interceptadas, em língua estrangeira, cuja tradução haja sido efectuada por intérprete a quem não haja sido tomado o compromisso de honra. Interpretar os n.os 2 e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal no sentido de que a omissão de prestação do referido compromisso constitui apenas irregularidade, que se considera sanada se não tiver sido arguida nos termos e dentro do prazo fixado no artigo 123.º do Código de Processo Penal, é, de acordo com o que o recorrente sustenta, inconstitucional.

Foi, portanto, definida, de modo suficientemente explícito, uma questão de constitucionalidade normativa, reportada à qualificação do vício, resultante da omissão da prestação do compromisso estatuído nos n.os 2 e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal, por parte de intérprete de comunicações telefónicas em língua estrangeira, como irregularidade que se encontra sanada se não for arguida nos termos e dentro do prazo previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal. Pelo que improcede a questão prévia suscitada e se verificam os requisitos específicos do presente recurso.

B) Questão de constitucionalidade. - 5 - Nos termos do requerimento de recurso, vem posta em causa a constitucionalidade "das normas dos n.os 2, 3 e 6 do artigo 91.º, do n.º 1 do artigo 92.º, alínea c) do n.º 2 do artigo 120.º e do n.º 3 do artigo 126.º, todos do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que a ausência de tomada de compromisso de honra por parte de intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6 do artigo 91.º do CPP, constitui uma mera irregularidade", "ainda que tal ausência ocorra no âmbito de nomeação para audição e transcrição de conversas telefónicas interceptadas nos autos".

O recorrente sustenta que tais normas, aplicadas na dimensão dos autos, violam "os princípios da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, constitucionalmente consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.os 1 e 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da lei fundamental".

Como salientou o magistrado do Ministério Público em funções neste Tribunal, no presente processo não está em questão o artigo 120.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, porquanto se verificou efectivamente a nomeação de um intérprete [como o próprio recorrente reconhece a fls. 1566 dos autos na conclusão f) das suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça], nem o n.º 6 do artigo 91.º do mesmo Código, por (a fl. 1222 dos autos) ter sido proferido despacho a considerar que "não foi possível averiguar que tal pessoa seja membro desse organismo [a Polícia Judiciária] ou a qualquer título funcionário português".

Importa ainda precisar que a decisão recorrida não fez tão-pouco aplicação do disposto no artigo 126.º do Código de Processo Penal ("Métodos proibidos de prova"), nem, portanto, do seu n.º 6, tendo as instâncias considerado válidas as traduções realizadas pelo intérprete "não ajuramentado", como, de igual modo, reconhece o recorrente (quando aduz a fls. 1565 dos autos que "na formação da convicção íntima o tribunal de 1.ª instância socorreu-se das transcrições das escutas telefónicas cujas conversas foram originariamente mantidas em dialecto crioulo de Cabo Verde sem que ao respectivo intérprete tenha sido tomado o legal compromisso").

Dispõem os n.os 2, 3 e 6 do artigo 91.º e o n.º 1 do artigo 92.º do Código de Processo Penal:

"Artigo 91.º

Juramento e compromisso

...

2 - Os peritos e os intérpretes prestam, em qualquer fase do processo, o seguinte compromisso:

"Comprometo-me, por minha honra, a desempenhar fielmente as funções que me são confiadas."

3 - O juramento e o compromisso referidos nos números anteriores são prestados perante a autoridade judiciária competente, a qual adverte previamente quem os dever prestar das sanções em que incorre se os recusar ou a eles faltar.

...

6 - Não prestam o juramento e o compromisso referidos nos números anteriores:

a) Os menores de 16 anos;

b) Os peritos e os intérpretes que forem funcionários públicos e intervierem no exercício das suas funções.

...

Artigo 92.º

Língua dos actos e nomeação de intérprete

1 - Nos actos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade.

..."

A interpretação destas normas que está em causa é, porém, apenas aquela segundo a qual a omissão da prestação de compromisso por parte de intérprete de comunicações telefónicas interceptadas em língua estrangeira constitui mera irregularidade, que se considera sanada se não tiver sido arguida nos termos e dentro do prazo previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal.

Apesar de o recorrente invocar igualmente o n.º 6 do artigo 91.º e o n.º 1 do artigo 92.º do Código de Processo Penal, esta interpretação pode, porém, ser reconduzida simplesmente aos n.os 2 e 3 daquele artigo 91.º (não existindo dúvida de que o intérprete em causa estava sujeito à prestação do compromisso de honra e de que no processo foi utilizada a língua portuguesa).

6 - O Tribunal Constitucional não apreciou ainda a questão de constitucionalidade que se acabou de identificar. Mas este Tribunal teve já ocasião de se pronunciar sobre questões próximas relativas à qualificação de vícios de actos praticados na presença do arguido. Assim, no Acórdão 350/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) num caso em que estava em causa uma invalidade processual praticada na presença do arguido, assistido por defensor, tendo-se dito nesse aresto:

"A questão de constitucionalidade em apreço há-de, pois, ser apreciada tendo fundamentalmente em causa o princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, conjugado com o princípio do contraditório, tendo, a este propósito, este Tribunal reiteradamente expendido o entendimento que o citado Acórdão 429/95 formulou do seguinte modo:

"9 - Nos termos do artigo 32.º da Constituição, 'o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa' (n.º 1), estabelecendo o n.º 5 do preceito que "o processo penal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório".

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, 1993, Coimbra, p. 202), "a fórmula do n.º 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal".

Porém, ao invocar-se no preceito em questão o próprio princípio da defesa, está-se a chamar à colação o "núcleo essencial" de tal princípio, podendo assim atribuir-se a tal norma "um eminente conteúdo normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em caso limite, para inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária" (cf. Figueiredo Dias, A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, p. 51, e o Acórdão 164, da Comissão Constitucional, apêndice ao Diário da República, 1.ª série, de 30 de Dezembro de 1986).

A norma do n.º 1 do artigo 32.º, enquanto "cláusula geral" que permita identificar outras possíveis concretizações judiciais do princípio da defesa não referenciadas no preceito, não pode deixar de configurar o processo criminal como um due process of law que considere ilegítimas quer normas processuais quer procedimentos decorrentes das mesmas que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (neste sentido, Acórdãos n.os 337/86 e 61/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º e 11.º vols., pp. 277 e 611, respectivamente).

Por outro lado, o princípio do contraditório, expressamente referido no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição, deve subordinar não só a audiência de julgamento como também todos os actos instrutórios que a lei determinar.

O processo penal de um Estado de direito deve realizar primordialmente dois objectivos essenciais: por um lado, permitir que o Estado realize o direito de punir e, por outro lado, permitir que, na realização de tal finalidade, sejam concedidas aos cidadãos as garantias indispensáveis para os proteger contra eventuais abusos de tal poder de punir. Para concretizar tais fins, as garantias de defesa impõem a observância de princípios processuais criminais constitucionalizados, como é o caso do princípio do acusatório (um dos princípios estruturantes da constituição processual penal), do princípio do contraditório, do princípio da igualdade de armas, dos princípios da oralidade e da imediação.

No que respeita ao princípio do contraditório aqui em questão, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (ibidem, p. 206): "Relativamente aos destinatários ele significa: a) dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; b) direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência executiva no desenvolvimento do processo; c) em particular, o direito de o arguido intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 54/87 e 154/87)."

Os mesmos autores referem que "quanto à sua extensão processual, o princípio abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição, e em especial a audiência de discussão e julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar, devendo estes ser seleccionados sobretudo de acordo com o princípio da máxima garantia de defesa do arguido' (ibidem).

O princípio traduz-se, assim, na estruturação da audiência e dos outros actos instrutórios que a lei determinará, como uma discussão entre a acusação e a defesa, em que se procura também realizar a igualdade de armas entre os sujeitos do processo, cada um apresentando os seus argumentos e as suas provas, submetendo uns e outros ao controlo das razões e das provas apresentadas pelos outros sujeitos, assim participando activamente na formação da decisão que vier a ser tomada pelo juiz."

2.4 - Este mesmo Acórdão 429/95, a propósito do regime das invalidades processuais penais, apresentou a seguinte síntese:

"7 - O artigo 118.º do CPP estabelece que 'a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei' (n.º 1); quando assim não suceder, o acto ilegal é irregular (n.º 2). A norma enuncia o princípio da tipicidade ou da legalidade, pelo qual só algumas das violações das normas processuais é que têm como consequência a nulidade do respectivo acto, sendo razões de economia processual as que baseiam tal diferenciação.

Dentro das nulidades, o Código de Processo Penal distingue as nulidades insanáveis (ou absolutas), a que se refere o artigo 119.º, e as nulidades dependentes de arguição (ou nulidades relativas), a que se referem os artigos 120.º e 121.º O artigo 122.º regula os efeitos de declaração de nulidade e o artigo 123.º estabelece o regime das irregularidades.

As nulidades insanáveis são as que constam do artigo 119.º do CPP e ainda as que forem, como tal, identificadas em outras disposições do código. Os comportamentos elencados nas seis alíneas do artigo 119.º respeitam à constituição do tribunal colectivo ou às regras que regulam a sua composição [alínea a)], à falta de promoção do processo pelo Ministério Público e à ausência deste em actos a que devia estar presente [alínea b)], à ausência do arguido e seu defensor quando devam estar presentes [alínea c)], à falta de inquérito ou de instrução quando sejam obrigatórios [alínea d)], à violação das regras de competência do tribunal, com ressalva do n.º 2 do artigo 32.º [alínea e)], e, por fim [alínea f)], refere a norma, como fundamento de nulidade insanável, o emprego de forma de processo especial em casos não previstos legalmente.

De acordo com o n.º 1 do artigo 120.º, 'qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte'.

Ao contrário das nulidades ditas insanáveis, as restantes nulidades ficam sanadas se os interessados renunciarem expressamente à sua arguição, tiverem aceite expressamente os efeitos do acto ou se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia. Também não é possível conhecer oficiosamente das nulidades ditas relativas, que funcionam apenas ope exceptionis, mostrando que elas tutelam predominantemente interesses privados, decorrendo também de tal estrutura funcional que o acto processual é originalmente válido, assim se mantendo se e enquanto a pessoa interessada o não invalidar, exercitando o direito de arguição. Com efeito, só podendo ser conhecidas mediante suscitação de quem tem interesse na observância da disposição processual violada ou omitida, se o interessado não proceder à sua arguição dentro do prazo legalmente fixado, a lei considera o acto como válido, pese embora o vício que o afecta.

De acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 120.º do CPP, são as seguintes as regras quanto à oportunidade de arguição das nulidades relativas: se a nulidade respeitar a acto a que o interessado assiste, deve argui-la antes que a realização do acto seja dada por finda; se o não fizer, fica precludida a possibilidade de o fazer mais tarde [alínea a)]; se a nulidade consistir em erro na forma do processo, o prazo de arguição é de cinco dias a contar da notificação do despacho que designou dia para a audiência [alínea b)]; se a nulidade disser respeito ao acto de inquérito ou de instrução a que o interessado não tenha estado presente, o prazo de arguição é o proferimento da decisão instrutória; não tendo havido instrução, o prazo é de cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito [alínea c)], se a nulidade disser respeito a acto relativo a uma forma de processo especial (sumário e sumaríssimo), o prazo da sua arguição é o início da audiência [alínea d)].

De acordo com o preceituado no artigo 122.º do CPP, 'as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar' (n.º 1), devendo a declaração de nulidade determinar quais os actos inválidos e ordenar se necessário e possível - a sua repetição com custas por quem, culposamente, deu causa à nulidade (n.º 2), aproveitando todos os actos que puderem ser salvos (n.º 3)."

2.5 - Foi no contexto assim delineado que, como se referiu, o Tribunal já foi chamado a apreciar distintas situações de invalidades processuais praticadas na presença do arguido, assistido por defensor.

No caso do Acórdão 429/95, o juízo de não inconstitucionalidade então emitido foi assim alicerçado:

"8 - Voltando ao caso dos autos, constata-se que da acta de julgamento não decorre que, tendo os co-arguidos sido ouvidos separadamente, o presidente do tribunal os tenha informado, uma vez regressados todos à audiência, do que na sua ausência se tinha passado. Esta omissão - a ter de facto ocorrido, como os recorrentes referem - consubstancia uma nulidade que, na falta de referência expressa da lei, se tem de ter por uma nulidade dependente de arguição e, por isso mesmo, sanável até ao termo da audiência, à face do Código de Processo Penal - artigos 119.º, 120.º e 121.º

Os recorrentes, porém, questionam esta interpretação feita na decisão, propugnando a sua inconstitucionalidade, por entenderem que ela viola o princípio das garantias de defesa do arguido e o princípio do contraditório, constantes do artigo 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição, na medida em que tal nulidade depende de arguição dentro de um prazo.

Vejamos se assim é, de facto.

9 - [transcrito supra, 2.3]

A consideração da omissão de informação por parte do presidente do tribunal do que se passou na audiência durante a ausência dos arguidos, no caso de prestação de declarações separadas, como nulidade dependente de arguição e sanável se não for arguida até ao final da audiência, implicará a violação destes princípios da defesa do arguido e do contraditório?

10 - O que os recorrentes verdadeiramente questionam é a conformidade constitucional das normas que estabelecem nulidades relativas, dependentes de arguição e sanáveis, designadamente quando tais nulidades resultem de violação do princípio do contraditório e possam afectar as garantias de defesa do arguido.

As nulidades a que se referem os artigos 118.º a 123.º do CPP reportam-se apenas aos vícios formais, isto é, à inobservância das prescrições legais estabelecidas para a prática dos actos processuais. Uma vez que estes actos se inserem e constituem a complexa unidade que é o processo, em que cada acto é condicionado pelo precedente e condiciona o [subsequente], um acto viciado contamina os subsequentes e pode afectar o termo do próprio processo - a decisão. Porém, não pode ignorar-se que, face à comunicação de um vício formal aos actos subsequentes, os danos resultantes da declaração de nulidade podem ser muito graves, levando inclusivamente à perda do direito que se pretende obter, desde logo, por exemplo, por se não poderem já repetir certas provas.

Assim, exigências deste tipo levam a que o legislador não coloque todos os vícios formais no mesmo plano e venha a graduar os seus efeitos de acordo com a respectiva gravidade, função que tem o princípio da tipicidade dos vícios.

Ora, a omissão do dever de informação, que parece ter ocorrido nos presentes autos, envolve claramente um vício processual que a lei qualifica de nulidade e que, tendo ocorrido no decurso de um acto - a audiência - a que os recorrentes estiveram presentes (salvo durante a audiência dos co-arguidos), tinha de ser arguida pelos interessados até ao termo da respectiva audiência - o que não foi feito.

É manifesto que não tendo o presidente informado os arguidos do que se tinha passado na audiência durante a sua ausência logo que todos a ela regressaram, tal omissão podia afectar o direito de defesa de cada um dos co-arguidos, impedindo o exercício do direito destes de contraditarem o que fora dito, visto tratar-se de matéria de que lhes não fora dado conhecimento.

Mas o direito de defesa, e o direito ao contraditório que neste se tem de considerar incluído, está, no caso, garantido pela cominação legal de uma nulidade, cujo prazo de exercício dura tanto tempo quanto tempo durar a própria audiência. Assim, cada um dos co-arguidos, devidamente representado pelo defensor, pode, enquanto durou a audiência de discussão e julgamento da causa e até ao seu termo, arguir tal nulidade, que, a ter-se de facto praticado, levaria a que o presidente reparasse a omissão praticada e assim repusesse, em pleno, o direito de contraditar o que fora dito pelos co-arguidos na ausência do arguente.

Com efeito, como bem faz ressaltar o procurador-geral-adjunto neste Tribunal nas suas alegações, no processo penal existem outros valores relevantes para além do direito da defesa à obtenção de uma sentença absolutória:

O dever de diligência do arguido - e, muito em particular, do defensor que obrigatoriamente o deve assistir ao longo do processo (e da audiência) - que obviamente deverão de imediato reagir contra as nulidades ou irregularidades que considerem cometidas e entendam relevantes, na perspectiva de defesa, não podendo naturalmente escudar-se na sua própria negligência no acompanhamento das diligências ou audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento da lei relativamente a que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência normal, não puderam deixar de se aperceber;

Dever de boa fé processual, que naturalmente impedirá que possam - arguido e defensor - ser tentados a aproveitar-se de alguma omissão ou irregularidade porventura cometida ao longo dos actos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um 'trunfo' para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado.

Mas, para além destas considerações, o que importa ponderar é que, em casos como o dos autos, em que o defensor esteve sempre presente em todos os actos da audiência, o facto de a lei de processo cominar com a sanção da nulidade a omissão do dever de informação por parte do presidente do tribunal do teor das declarações dos co-arguidos a que cada um deles não assistiu, logo que todos tenham regressado à audiência, é forma suficiente de dar cumprimento ao direito do contraditório.

Com efeito, praticada nulidade na audiência, estando presentes todos os co-arguidos interessados na sua eventual arguição, fica esta apenas dependente de um acto do interessado, concedendo a lei um prazo suficientemente dilatado para o fazer: até ao termo da audiência.

Torna-se, assim, manifesto que o procedimento em causa, ao impor ao interessado a arguição da nulidade dentro de um prazo razoável para poder dar-se plena exequibilidade ao direito de defesa do arguido não informado do teor das declarações dos outros co-arguidos, não implica um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do mesmo arguido. Verdadeiramente, nem sequer se poderá falar de qualquer 'encurtamento', pois o direito de contraditório apenas necessita para se desenvolver de pleno, como se referiu, da dedução pelo interessado da nulidade praticada.

É que a garantia do direito de defesa está ressalvada pela norma em causa; apenas exige que seja o arguido a desencadear atempadamente tal direito, arguindo o acto de nulo, ou logo após o cometimento da omissão da exigência legal ou até ao termo de respectiva audiência.

Os recorrentes não deixaram, por isso, de ver garantido o seu direito de conhecerem e de se pronunciarem sobre todos os factos, meios de prova, razões ou argumentos carreados para a audiência de julgamento, tendo tido a possibilidade de participarem na formação da decisão, quer pela forma positiva quer pelo seu comportamento de, podendo arguir a nulidade em causa, não o terem feito dentro do respectivo prazo.

Entende-se, nestas circunstâncias, que deve improceder a arguição de inconstitucionalidade da norma do artigo 343.º, n.º 4, conjugada com a do artigo 120.º, ambos do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a nulidade expressamente prevista no referido n.º 4 é sanável se arguida até ao termo da audiência, pois tal entendimento não viola nem o princípio do contraditório nem o das garantias de defesa, constantes dos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição da República."

No Acórdão 208/2003, confrontado com a questão de saber "se é materialmente inconstitucional, designadamente por violação do princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação normativa dos artigos 123.º e 363.º do Código de Processo Penal, que se traduz em considerar que a omissão de documentação das declarações orais prestadas em audiência perante o tribunal colectivo constitui mera irregularidade, que deve ser arguida até ao final da audiência", o Tribunal Constitucional, após recordar a sua jurisprudência sobre o sentido e alcance do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, consignou:

"Do que antecede decorre que a resposta à questão de constitucionalidade que agora vem colocada depende da questão de saber se a imposição ao arguido de que suscitasse, durante a audiência perante o tribunal colectivo, o vício procedimental nela verificado e traduzido na omissão de documentação das declarações orais nela prestadas, traduz ou não uma 'diminuição inadmissível, um prejuízo insuportável e injustificável' (para usar as palavras do citado Acórdão 61/88), das suas garantias de defesa.

Julgamos, efectivamente, que não.

Desde logo haverá que referir que a solução se justifica, manifestamente, por evidentes razões de celeridade e economia processuais. Na realidade, não se perceberia que, agindo o arguido ou o seu defensor com a devida diligência e boa fé e tendo detectado o vício procedimental, ou tendo obrigação de o detectar, nessa fase processual, pudessem deixar que a audiência continuasse a decorrer como se nada de irregular se passasse, para só mais tarde, já em fase de recurso, o virem então invocar.

Acresce - como, bem, evidencia o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto na sua alegação - que a imposição ao arguido, necessariamente assistido no processo por um defensor, do ónus de invocar no decurso da audiência - que, no caso dos presentes autos, até se prolongou por vários meses - um vício procedimental que nela está precisamente a acontecer - e, que, portanto, não deveria passar despercebido a um acompanhamento diligente dessa fase processual - manifestamente não implica um cerceamento inadmissível ou insuportável das suas possibilidades de defesa que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável, em termos de consubstanciar solução constitucionalmente censurável, na perspectiva do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Não poderá, por isso, sequer afirmar-se que aqueles objectivos de celeridade e economia processuais sejam, neste caso, alcançados à custa de uma intolerável diminuição das garantias de defesa do arguido."

Finalmente, no Acórdão 203/2004, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a norma constante do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, interpretada no sentido de ela impor a arguição, no próprio acto, de irregularidade cometida em audiência de julgamento (no caso, a falta de documentação da prova produzida em julgamento por deficiência técnica de videoconferência), perante tribunal singular, independentemente de se apurar da cognoscibilidade do vício pelo arguido, agindo com a diligência devida. Começando por recordar a anterior jurisprudência do Tribunal, terminando com a citação do Acórdão 208/2003, ponderou-se:

"Atendendo, em particular, a este último acórdão [o Acórdão 208/2003], importa salientar que decisivo para o juízo de não inconstitucionalidade ali formulado foi o entendimento de que impende sobre o arguido ou seu defensor, agindo com a devida diligência e boa fé, a obrigação de detectar o vício procedimental que ocorre no decurso da audiência de julgamento perante tribunal colectivo e consistente na omissão de documentação das declarações orais nela prestadas.

É diversa a situação no caso em que a omissão se traduz, como se disse, na não gravação de depoimento oral prestado em videoconferência durante uma audiência de julgamento que decorre perante juiz singular e onde não ocorreu renúncia ao recurso em matéria de facto.

E vale para iluminar essa mesma situação que dos autos resulta ter o defensor do recorrente solicitado - e com insistência - à Juíza que presidia ao julgamento a verificação do efectivo registo da gravação em perfeitas condições técnicas, o que sempre foi recusado.

Ora, se a qualificação como 'irregularidade', para efeitos do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, pressupõe, como se diz no acórdão do STJ de fixação de jurisprudência 5/2002, in Diário da República, 1.ª série-A, de 17 de Julho de 2002, uma 'violação de lei processual' que se reporta 'a uma norma que tutela interesses de menor gravidade', tal não significa que seja sempre assim, podendo até a 'irregularidade' pôr em causa a validade do acto processual, caso em que o n.º 2 do preceito permite a sua reparação oficiosa.

Não se quer com isto dizer que, no caso, a 'irregularidade' afectasse a validade do julgamento. De todo o modo, ela pode afectar interesses ou direitos constitucionalmente protegidos dos arguidos.

O caso é, aliás, disso exemplo, pois, segundo o recorrente - que não tinha renunciado ao recurso em matéria de facto - era importante para a sua defesa, por via de recurso, o depoimento que não foi registado na gravação da videoconferência.

Mas, sendo assim, não pode deixar de se reconhecer que prescindir da indagação sobre a diligência e zelo do interessado no conhecimento da omissão verificada, tida como irregularidade, para decretar a intempestividade da arguição por não ter sido feita no acto, é modelar o processo penal com um unfair process, não equitativo, e, como tal, lesivo dos direitos de defesa do arguido garantidos pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

Mesmo que a exigência de arguição de irregularidade no próprio acto seja eventualmente justificada por estarem em jogo 'interesses de menor gravidade', sempre será desproporcionada a restrição daqueles direitos quando se considera irrelevante a cognoscibilidade do vício em causa."

2.6 - No presente caso, diferentemente da situação sobre que recaiu o Acórdão 203/2004, é patente e não vem sequer questionada a cognoscibilidade da irregularidade cometida e, por outro lado, está assente que o arguido, assistido pelo mandatário constituído, esteve presente no acto em que foi proferido o decretamento da prisão preventiva, sem que previamente, sobre a promoção do Ministério Público nesse sentido, tivesse sido ouvida a defesa nem invocada qualquer razão para considerar impossível ou inconveniente essa audição.

Saliente-se que defensor do arguido era um advogado por ele constituído, o que indicia uma relação de confiança pessoal e de reconhecimento de competência técnica por parte do arguido, e não um defensor oficioso, designadamente defensor nomeado ad hoc para o acto.

Tratando-se de um vício de fácil detecção, directa e imediata, e encontrando-se o arguido pessoalmente assistido no acto por profissional forense por ele constituído, não se afigura que constitua um ónus excessivo, intolerável ou desproporcionado a imposição da arguição, no próprio acto, da irregularidade efectivamente cometida, em termos de fulminar a interpretação normativa seguida no acórdão recorrido com um juízo de inconstitucionalidade, por violação das garantias de defesa e dos princípios do contraditório e da proporcionalidade."

7 - As considerações que se acaba de transcrever, desde logo sobre o regime das invalidades processuais penais, merecem ser reiteradas no presente caso. Não sendo expressamente cominada a nulidade da inobservância do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal, a violação desta norma processual tem como consequência a irregularidade da omissão da prestação de compromisso, sendo, como se afirmou, razões de economia processual as que baseiam tal diferenciação.

Reconhece-se ainda no aresto transcrito que a qualificação como irregularidade pode afectar interesses ou direitos constitucionalmente protegidos dos arguidos. Isto é, à luz das normas e princípios constitucionais, a circunstância de estarem em causa elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, só por si, não impede a qualificação da invalidade verificada como irregularidade. Há, em particular, que atentar na questão de saber se, de acordo com o referido ónus de diligência, o vício em causa podia ser logo detectado, recaindo sobre o arguido, e seu defensor, o ónus de "de imediato reagir contra as nulidades ou irregularidades que considerem cometidas e entendam relevantes, na perspectiva de defesa, não podendo naturalmente escudar-se na sua própria negligência no acompanhamento das diligências ou audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento da lei relativamente a que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência normal, não puderam deixar de se aperceber". E há ainda que ter em conta o dever de boa fé processual, que "naturalmente impedirá que possam - arguido e defensor - ser tentados a aproveitar-se de alguma omissão ou irregularidade porventura cometida ao longo dos actos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um "trunfo" para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado".

Sem que existam elementos no processo para se poder afirmar positivamente que este dever de boa fé não foi cumprido, o certo é, porém, que o vício em questão podia, e devia, ter sido verificado anteriormente, pelo acompanhamento diligente do processo, sem que tal constituísse qualquer ónus particularmente oneroso.

Reiterando o que este Tribunal afirmou no transcrito Acórdão 350/2006, também no presente caso, a imposição ao arguido de que suscitasse, nos termos e dentro do prazo previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal, o vício procedimental traduzido na omissão de prestação do compromisso estatuído nos n.os 2 e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal, não traduz uma diminuição desproporcionada das suas garantias de defesa.

Deve notar-se, desde logo, que a prestação do compromisso de honra previsto no artigo 91.º, n.º 2, do Código de Processo Penal visa possibilitar que o intérprete exerça funções atribuindo-se fé pública ao resultado da sua actividade [atente-se em que estão dispensados da prestação do compromisso os "peritos e os intérpretes que forem funcionários públicos e intervierem no exercício das suas funções", nos termos do artigo 91.º, n.º 6, alínea b), do Código de Processo Penal]. O intérprete deve ser advertido na prestação do compromisso das sanções em que incorre se faltar a ele, incorrendo, por esse facto, em mais grave responsabilidade criminal, nos termos do artigo 360.º, n.º 3, do Código Penal [crime de "falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução"]. Deve notar-se, porém, que mesmo na falta de prestação de compromisso de honra, o tradutor ou intérprete que, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova ou tradução, fizer tradução falsa, "é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias", nos termos do artigo 360.º, n.º 1, do mesmo Código.

No presente caso, porém, não foi posta em causa a conformidade da tradução, invocando-se a sua falsidade, nem na 1.ª instância (sendo esse um dos motivos do despacho proferido na audiência), nem no presente recurso. Antes está apenas em causa a inexistência (com registo nos autos) da prestação do compromisso de honra previsto no artigo 91.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Considerou-se que tal falta, constituíra uma irregularidade, contra a qual o arguido tinha podido reagir - pelo que não está em causa prescindir sem mais de um acto legalmente previsto, destinado em primeira linha a possibilitar o exercício de funções pelo intérprete, alertando-o para a sua responsabilidade e obtendo o correspondente compromisso.

As garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas não impõem, porém, que, na falta de tal compromisso, e na falta de invocação, pelo próprio arguido, da correspondente irregularidade, o processo tenha de ficar ferido de nulidade.

Na verdade, qualquer ofensa aos direitos e garantias fundamentais devido à omissão da prestação de compromisso por parte de intérprete de intercepções telefónicas em língua estrangeira podia ter sido sanada se o arguido, agindo com a prudência e diligência normal, se tivesse apercebido - como podia ter - desse vício e se tivesse logo reagido, como lhe incumbia (para o Ministério Público, indagando sobre a diligência e zelo do interessado no conhecimento da omissão verificada, tida como irregularidade, caberia mesmo "ao recorrente arguir a irregularidade, se não antes, pelo menos nos três dias seguintes a ser notificado da acusação, altura em que teve pleno acesso ao processo", pois então tomou, ou podia ter tomado, conhecimento efectivo de todas as decisões proferidas nos autos). Esses ónus de diligência e boa fé processual não se afiguram excessivamente pesados, nem constituem obstáculos significativos ao exercício da defesa pelo arguido. E, correspondentemente, a qualificação do vício resultante da falta do compromisso de honra do intérprete como mera irregularidade não põe em causa as garantias de defesa do arguido (mormente quando este não é impedido de invocar a falsidade da tradução) nem compromete a equidade do processo criminal (sobre o desrespeito dos direitos do arguido que compromete globalmente a equidade do processo, v. as referências de jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Ed., 2005, artigo 6.º, p. 165).

8 - Nestes termos, não é de considerar incompatível com as normas constitucionais invocadas pelo recorrente (os artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.os 1 e 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição), a qualificação do vício resultante da omissão da prestação do compromisso estatuído nos n.os 2 e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal, por parte de intérprete de intercepções telefónicas em língua estrangeira, como mera irregularidade.

E há, assim, que negar provimento ao presente recurso.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Julgar improcedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público;

b) Não julgar inconstitucional o artigo 91.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a omissão da prestação de compromisso de honra por parte de intérprete de comunicações telefónicas em língua estrangeira constitui mera irregularidade, que se considera sanada se não tiver sido arguida nos termos e dentro do prazo fixado no artigo 123.º do Código de Processo Penal;

c) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido, no que à questão de constitucionalidade respeita;

d) Condenar o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

Lisboa, 14 de Março de 2007. - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1567089.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1993-01-22 - Decreto-Lei 15/93 - Ministério da Justiça

    Revê a legislação do combate à droga, definindo o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 2002-07-17 - Jurisprudência 5/2002 - Supremo Tribunal de Justiça

    Fixa a seguinte jurisprudência: a não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no artigo 363º do Código de Processo Penal, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no artigo 123º do mesmo diploma legal, pelo que, uma vez sanada, o tribunal já dela não pode conhecer. (Processo nº 2979/2001-3ªSecção)

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