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Acórdão 112/2007, de 20 de Março

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Sumário

Julga inconstitucional, por violação do artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia

Texto do documento

Acórdão 112/2007

Processo 797/2006

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que figuram como recorrente o arguido Manuel Rodrigues Oliveira e como recorridos o Ministério Público e Isabel Alves Domingos, o arguido formulou um pedido de aclaração (fls. 88 e seguintes) do acórdão proferido em 16 de Maio de 2005 (fls. 74 e seguintes), pedido rejeitado pelo Acórdão de 14 de Novembro de 2005 (fls. 97 e seguintes).

O arguido invocou a nulidade do acórdão por "excesso de pronúncia", tendo a Relação, no Acórdão de 6 de Fevereiro de 2006 (fls. 110 e seguintes) declarado a nulidade do Acórdão de 16 de Maio de 2005, sanando o vício e julgando improcedente o recurso apreciado.

O arguido requereu então pedido de aclaração (fls. 129 e seguintes), pedido rejeitado pelo Acórdão de 27 de Abril de 2006 (fls. 144 e seguintes).

O arguido invocou nova nulidade (fls. 151 e 152).

O Tribunal da Relação de Guimarães, pelo Acórdão de 19 de Junho de 2006, considerou o seguinte:

"O recorrente Manuel Rodrigues de Oliveira veio, através do requerimento a fls. 151 e 152, arguir a nulidade do Acórdão desta Relação proferido em 6 de Fevereiro de 2006, para além de invocar a inconstitucionalidade da interpretação, que, segundo refere, foi perfilhada no mesmo acórdão 'do artigo 399.º do CPP [...], por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP'.

Notificado, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto nada disse.

Foram colhidos os vistos legais.

Dispõe o artigo 425.º do Código de Processo Penal:

'1 - Concluída a deliberação e votação, é elaborado o acórdão pelo relator ou, se este tiver ficado vencido, pelo primeiro adjunto que tiver feito vencimento.

...

4 - É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento.'

Por sua vez, dispõe o n.º 2 do artigo 716.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP:

'...

2 - A rectificação, aclaração ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididos em conferência.'

E, por último, o artigo 670.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 716.º, n.º 1, do mesmo Código, e o artigo 4.º do CPP, regulam o processamento subsequente à arguição de nulidades, ao pedido de aclaração ou à reforma do acórdão.

Ou seja, decorre destes preceitos legais que os sujeitos processuais podem pedir a rectificação de erros materiais, a aclaração de obscuridades ou ambiguidades ou arguir nulidades relativamente ao acórdão proferido pela 2.ª instância que conheça do recurso interposto de uma decisão judicial, sem prejuízo, é claro, da interposição de recurso, se o mesmo for admissível à face do que dispõe o artigo 400.º do CPP.

Pois bem, em 15 de Maio de 2005 esta Relação profere o acórdão que conhece do recurso interposto pelo recorrente. Deste acórdão, o recorrente pediu a respectiva aclaração e arguiu a existência de nulidades através dos requerimentos de 31 de Maio de 2005 e 29 de Novembro de 2005, respectivamente.

Acresce que do Acórdão de 15 de Maio de 2005 não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Ou seja, o recorrente já esgotou todos os mecanismos previstos na lei para reagir contra o Acórdão de 15 de Maio de 2005.

Efectivamente, a lei não prevê a possibilidade de arguição de nulidades do acórdão que teve precisamente como único objecto conhecer da arguição de nulidades da decisão que apreciou o recurso interposto pelo recorrente.

Por último, é manifesto que não tem esta Relação, neste momento, que conhecer da invocada inconstitucionalidade. A respectiva invocação devia ter sido efectuada em sede própria, ou seja, na motivação do recurso.

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em não conhecer do requerido.

Custas pelo recorrente."

2 - O arguido interpôs recurso de constitucionalidade do Acórdão de 19 de Junho de 2006 nos seguintes termos:

"Manuel Rodrigues de Oliveira, com os sinais dos autos, não se conformando com o douto acórdão a fls. ..., exarado em 19 de Junho, do mesmo vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional,

O que faz nos seguintes termos:

1 - O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de Setembro.

2 - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 425.º do CPP e 716.º, n.os 1 e 2, e 670.º, ambos do CPC, quando interpretadas no sentido com que o foram na decisão recorrida, isto é, que a Relação não pode conhecer da nulidade arguida, através do requerimento de fls. 151 e 152, porquanto 'a lei não prevê a possibilidade de arguição de nulidades do acórdão que teve precisamente como único objecto conhecer da arguição de nulidades da decisão que apreciou o recurso interposto pelo recorrente', quando, como ocorreu no caso presente, a nulidade arguida ocorreu na sequência e por causa de pedido de esclarecimento, oportunamente, impetrado.

3 - Tal norma, com a interpretação com que foi aplicada, viola o artigo 32, n.º 1, da CRP.

4 - A questão da inconstitucionalidade não foi suscitada anteriormente, pois só aquando da notificação da decisão recorrida se foi confrontado com a sua fundamentação e a imprevisibilidade desta.

O recurso sobe imediatamente, nos autos, e com efeito suspensivo.

Termos em que requer a V. Ex.ª se digne admitir o mesmo, seguindo-se o demais de lei."

Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo:

"1 - Na génese do presente recurso está a proibição da presença do signatário a actos de instrução, actos definidos na lei como públicos, proibição expressamente determinada na sequência de se ter arguido a nulidade das diligências de instrução se ocorressem sem publicidade, conforme a Sr.ª Juíza da 1.ª Instância tinha alvitrado.

2 - Uma testemunha que se recusou a prestar depoimento sem ser em acto público foi objecto de participação criminal por desobediência (cf. fl. 410 do original).

3 - O Tribunal da Relação, numa primeira tomada de posição, não conheceu o problema efectivamente colocado, mas sobre um outro que não tinha sido colocado à sua consideração.

4 - Numa segunda fase, emendou a mão, mas considerou que o recorrente, apesar de ter razão na questão de fundo, não tinha razão por questões formais, por ter levantado o problema antes de a situação concreta se verificar.

5 - A não presença do mandatário às diligências de instrução deveu-se, pura e simplesmente, ao facto de a mesma ter sido expressamente proibida (cf. fl. 347 do original).

6 - Ao acórdão que julgou improcedente o seu recurso, reagiu o recorrente pedindo esclarecimentos sobre o modo como, diferentemente do que fizera, poderia reagir às decisões da 1.ª instância a fl. 332 e de fl. 344 a fl. 347 (do original), sobre o que tornava a fl. 347 (do original) despacho de mero expediente e sobre a norma que impunha que as ordenadas restrições à publicidade só pudessem ser atacadas no início de cada diligência concreta.

7 - Tal requerimento não teve qualquer satisfação, o que provocou um outro a arguir a nulidade do Acórdão de 6 de Fevereiro, já que ficou a saber que o Tribunal da Relação considerava a decisão de fl. 344 a fl. 347 (do original), máxime, nesta última parte, simultaneamente, um despacho de expediente e um despacho susceptível de recurso e ficara sem saber as razões de ter sido considerado fora de tempo a sua reacção.

8 - A impossibilidade de reagir contra uma decisão viciada - o acórdão é contraditório na sua fundamentação por considerar a mesma decisão de duas formas opostas e afirma que a forma de reacção tinha de ser de determinada forma, sem que consiga justificá-la viola o direito ao recurso, constitucionalmente consagrado.

9 - Assim, a interpretação que a decisão recorrida faz dos normativos em que diz sustentar-se viola o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, o que deve ser declarado com as consequências legais."

O Ministério Público, nas contra-alegações, concluiu o seguinte:

"1 - Não é legítimo inferir, nem do princípio das garantias de defesa nem do direito de acesso à justiça, que a parte ou sujeito processual disponha necessariamente da possibilidade de reiterar sucessivos incidentes pós-decisórios, face ao acórdão da Relação que haja dirimido anterior pedido de esclarecimento ou nulidade da sentença.

2 - Na verdade, o direito a exercitar tais pretensões esgota-se com a dedução do pedido de aclaração ou nulidade, face a certo aresto, não sendo possível à parte reiterar sucessivos incidentes da mesma natureza perante o acórdão que tenha apreciado os incidentes inicialmente deduzidos.

3 - Termos em que deverá improceder o presente recurso."

Cumpre apreciar.

II - Fundamentação

3 - Nos presentes autos, o recorrente requereu a aclaração de acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. Na sequência do indeferimento de tal requerimento arguiu o recorrente nulidades. O Tribunal da Relação de Guimarães considerou procedente a arguição de nulidades e proferiu novo acórdão a sanar o vício de omissão de pronúncia.

O recorrente requereu a aclaração do novo acórdão, aclaração que foi indeferida.

Arguiu então o recorrente a nulidade do novo acórdão.

O Tribunal da Relação de Guimarães considerou que o arguido não podia arguir a nulidade do acórdão que havia suprido a nulidade do anterior aresto.

Sublinhar-se-á, preliminarmente, que nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade não está em causa a apreciação da nulidade invocada. Apenas constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade a norma constante dos artigos 425.º do Código de Processo Penal e 716.º, n.os 1 e 2, e 670.º do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de não ser admissível a arguição de nulidade do acórdão que sanou a nulidade de outro aresto.

4 - As garantias de defesa constitucionalmente consagradas abrangem a possibilidade de impugnar a decisão proferida pelas instâncias, arguindo vícios geradores da sua invalidade. É manifesto que o direito a arguir nulidades das decisões tem limites, não podendo abrir-se a via da utilização abusiva dos mecanismos processuais. Apesar disso, o núcleo constitucionalmente assegurado nesta matéria consubstancia-se no reconhecimento de uma possibilidade de arguição de nulidades das decisões.

Nos presentes autos, o acórdão que sanou a nulidade do acórdão anterior surge como uma nova decisão relativamente à qual têm de ser reconhecidas as mesmas possibilidades de impugnação que foram reconhecidas no contexto do acórdão anulado.

Repete-se que as presentes considerações não se traduzem numa avaliação da pertinência dos fundamentos do vício arguido, avaliação que não compete ao Tribunal Constitucional realizar.

Neste recurso apenas se confronta com os princípios constitucionais a norma que impede a arguição de nulidades de uma decisão judicial.

Ora, tal norma é efectivamente inconstitucional, dado não assegurar o núcleo fundamental do poder de reacção contra as decisões dos tribunais, assegurado pelas garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

5 - O presente recurso é, portanto, procedente.

III - Decisão

6 - Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma constante dos artigos 425.º do Código de Processo Penal, e 716.º, n.os 1 e 2, e 670.º do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de impedir a arguição de nulidades de uma decisão judicial que conhece o objecto do recurso, revogando, consequentemente, a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007. - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1554828.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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