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Acórdão 20/2007, de 20 de Março

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Sumário

Confirma a decisão sumária que não julgou inconstitucional a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que não é recorrível o acórdão da Relação (proferido em recurso em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos) que, mantendo a qualificação jurídico-legal dos factos, reduz a medida concreta das penas parcelares e unitária em que o arguido foi condenado em 1.ª instância; não julga inconstitucional a norma do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC

Texto do documento

Acórdão 20/2007

Processo 715/06

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - O relator proferiu a seguinte decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC):

"1 - Bernardino Jorge Gomes Correia Rijo, melhor identificado nos autos, foi julgado na 6.ª Vara Criminal de Lisboa, tendo sido condenado por Acórdão de 20 de Fevereiro de 2004, proferido nos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º 94/03, pela prática de: um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 300.º, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal de 1982, actualmente, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.os 1 e 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; um crime de burla agravada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; um crime de falsificação de documento particular, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, e de um (único) crime de falsificação de documentos, referente a três cheques, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.os 1, alínea a), e 3, com referência ao artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico destas penas, após realização de um cúmulo intercalar das penas relativas aos crimes de falsificação de documentos, para aplicação do perdão de 1 ano de prisão concedido pela Lei 29/99, de 12 de Maio, foi condenado na pena única de 8 anos de prisão.

Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 15 de Dezembro de 2005, concedeu provimento parcial ao recurso, condenando-o pela prática dos mesmos crimes, mas nas seguintes penas parcelares: de 3 anos e 6 meses de prisão (para o crime de abuso de confiança); de 4 anos de prisão (para o crime de burla agravada); de 9 meses de prisão (para o crime de falsificação de documento particular simples), e de 1 ano e 6 meses de prisão (para o crime de falsificação de documentos agravado).

Em cúmulo jurídico destas penas, após aplicação do perdão concedido pela Lei 29/99, de 12 de Maio, em relação aos crimes de falsificação de documentos, foi a pena única fixada em 5 anos de prisão.

2 - Ainda inconformado recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a revogação do acórdão da Relação e o reenvio dos autos para novo julgamento, suscitando questões de constitucionalidade, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que condensou nas seguintes conclusões [segue transcrição]:

"1.ª Recorre-se do acórdão proferido pela Relação que não confirmou o acórdão condenatório proferido pela primeira instância.

2.ª O artigo 400.º, n.º 1, alínea f), quando prevê que confirma decisão recorrida acórdão que condena em pena diversa da proferida pela primeira instância mediante acórdão que enferma de nulidades e desatende outras nulidades que haviam sido suscitadas, além de modificar o adquirido quanto à matéria de facto, e é por isso irrecorrível, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP [direito ao recurso].

3.ª O aresto recorrido enferma de omissão de pronúncia [artigo 379.º, n.º 1, alínea e), do CPP], ao não ter conhecido a questão concreta que o arguido suscitara nas conclusões 31.ª e 32.ª, por remissão para os artigos 102.º a 107.º da motivação, a qual é relevante para a decisão da causa, o que o faz enfermar de nulidade.

4.ª O acórdão recorrido enferma, salvo o merecido respeito, de erro de direito, por omissão de pronúncia, pois que não conheceu uma questão de constitucionalidade material que foi submetida a julgamento em recurso e que é relevante para a boa decisão da causa [a do artigo 127.º do CPP em conjugação com o artigo 163.º do CPP], o que implica violação do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP e concomitante nulidade.

5.ª O aresto recorrido, ao ter considerado [p. 35] que a valoração dos documentos aqui em apreço [os de fls. 2471-2476] ser 'viável [...] independentemente da sua leitura ou expressa referência em audiência ao abrigo do excepcionado no n.º 2 do artigo 355.º' [do CPP], enferma de erro de direito, pois que o citado artigo 355.º exige que a prova documental seja examinada em audiência, através da sua menção individualizada e expressa, de modo que possa ser possibilitada aos sujeitos processuais a oportunidade de sobre ela se poderem pronunciar.

6.ª O aresto recorrido, ao ter considerado [p. 35] que a valoração dos documentos aqui em apreço [os de fls. 2471-2476] ser 'viável [...] independentemente da sua leitura ou expressa referência em audiência ao abrigo do excepcionado no n.º 2 do artigo 355.º' [do CPP], enferma de erro de direito, pois que o citado artigo 355.º exige que a prova documental seja examinada em audiência, através da sua menção individualizada e expressa, de modo que possa ser possibilitada aos sujeitos processuais a oportunidade de sobre ela se poderem pronunciar.

7.ª O aresto em recurso ao pura e simplesmente recusar-se a entrar em tal questão [p. 36], suscitada pelo recorrente, o do cumprimento do artigo 163.º, n.º 2, do CPP, enferma de erro de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

8.ª O aresto recorrido enferma de erro de direito quando interpreta e aplica o artigo 163.º, n.º 2, do CPP como se ele dispensasse os juízes de fundamentarem especificadamente a sua divergência face às conclusões do juízo pericial só por alcançarem conclusão diversa com o recurso a diversos meios de prova.

9.ª [Reitera-se, por cautela que] é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP o artigo 127.º da CRP quando prevê que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração dos depoimentos do assistente e das testemunhas em sentido contrário ao declarado pelos mesmos e posterga o artigo 163.º do CPP, ao infirmar a prova pericial.

10.ª O aresto recorrido, mau grado se lhe reconhecer preocupação de magnanimidade, enferma ainda de erro de direito, por violação dos artigos 71.º, n.º 1, 72.º e 40.º do Código Penal, quando não valorou circunstâncias [dadas como provadas] que militariam no sentido de uma pena concreta mais benigna, mais perto do limite mínimo, dados os seguintes factos: i) ausência de antecedentes por parte do arguido; ii) circunstância de ter a seu cargo filho de tenra idade; iii) o banco para que trabalhava não haver apresentado queixa nem processo disciplinar; iv) o arguido haver voluntariamente abandonado as funções que exercia; v) desempenhar trabalho como professor, e vi) ser funcionário respeitado.

[...]''

O Ministério Público respondeu, pugnando pela inadmissibilidade do recurso, com os seguintes argumentos [segue transcrição das conclusões]:

"1.ª Nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, não cabe recurso do acórdão da Relação que confirma a sentença condenatória proferida em 1.ª instância que condena o arguido pela prática de crime com moldura penal abstracta não superior a 8 anos de prisão (a 'dupla conforme').

2.ª Configura situação de dupla conforme (para efeitos do segmento normativo ínsito na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP), o acórdão da Relação que mantém a condenação do arguido por todos os crimes, limitando-se a proceder a uma redução de cada uma das penas parcelares (in mellius) e, consequentemente, a igual redução da pena unitária, por força do respectivo cúmulo jurídico.

3.ª Um recurso interposto para o STJ deve especificar as razões de discordância com o decidido na Relação, não podendo circunscrever-se a renovação da argumentação já aduzida inicialmente para aquele Tribunal, sem qualquer novidade, sob pena de equivaler a falta de motivação, conducente à sua rejeição.

4.ª O Acórdão recorrido não enferma de insuficiências (omissão de pronúncia), nulidades ou irregularidades, pelo que não merece qualquer censura, devendo ser mantido e confirmado nos seus precisos termos, assim negando-se provimento ao recurso do arguido."

O Procurador-Geral-Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça, acompanhando a posição expendida pelo Ministério Público junto da Relação, emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso, por inadmissibilidade, tendo sido ouvido o recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que respondeu sustentando a recorribilidade do acórdão da Relação.

3 - O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 28 de Junho de 2006, decidiu rejeitar o recurso com os seguintes fundamentos:

"II - Está em causa a admissibilidade do recurso interposto do acórdão da Relação de Lisboa com fundamento no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.

Nos termos deste preceito, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão da 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

O recorrente foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança, punível com prisão de 1 a 8 anos, de um crime de burla agravada, punível com prisão de 2 a 8 anos, de um crime de falsificação de documento particular, punível com prisão até 3 anos ou com pena de multa, e de um crime de falsificação de documentos agravado, punível com prisão de 6 meses a 5 anos ou com multa de 60 a 600 dias.

A Relação, confirmando a condenação pela prática dos crimes, reduziu as penas parcelares e únicas.

Não se levantam dúvidas de que se a Relação se limitasse a confirmar nos seus precisos termos a decisão da a instância, não era admissível recurso para o Supremo.

O que o recorrente controverte, defendendo a posição contrária na resposta à suscitação da questão prévia, é a interpretação do referido preceito no sentido de se considerar que a confirmação da condenação in mellius, não constituindo uma confirmação tout court da decisão da 1.ª instância, conduz à inadmissibilidade do recurso. A nossa posição sobre tal questão vai no sentido da inadmissibilidade do recurso.

O que subjaz à consagração da dupla conforme no preceito em causa como impeditiva do recurso para o Supremo é a circunstância de, em processos por crimes puníveis com prisão até 8 anos, se ter alcançado com a decisão da relação confirmativa da decisão da 1.ª instância um grau de certeza de uma boa decisão da causa que não justifica o arrastamento do processo por via de um novo recurso, na busca de outra solução.

Tratando-se de um recurso interposto apenas pelo arguido da decisão condenatória proferida na 1.ª instância, a condenação do recorrente na relação em pena inferior à aplicada nessa instância significa que, como aconteceria com a manutenção da mesma pena, se realizou o objectivo do legislador ao estruturar o referido regime de limitação da possibilidade de um novo recurso.

Com efeito, se está vedado ao recorrente interpor recurso do acórdão da relação que confirma a decisão da 1.ª instância em toda a sua extensão, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, por maioria de razão lhe estará vedada essa possibilidade no caso se a relação, mantendo a condenação pela prática do mesmo crime, reduzir a pena aplicada na 1.ª instância. Seria um manifesto ilogismo admitir a solução contrária.

Assim, é de considerar que a circunstância de ter havido uma redução de penas não afasta a dupla conforme que o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal consagra.

Neste sentido se tem pronunciado a uma só voz, segundo cremos, este Supremo Tribunal - Acórdãos de 30 de Outubro de 2003, processo 2921/03, de 4 de Maio de 2005, processo 555/05, de 19 de Julho de 2005, processo 2643/05, de 21 de Dezembro de 2005, processo 3259/05, de 2 de Fevereiro de 2006, processo 2786/05, e de 18 de Maio de 2006, entre outros.

E o Tribunal Constitucional já considerou conforme à Constituição a interpretação da norma em causa 'no sentido de que é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão condenatório proferido, em recurso pela relações, que confirmem (mesmo que parcialmente, desde que in mellius) decisão da 1.ª instância, quando o limite máximo da moldura penal dos crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi condenado, não ultrapasse 8 anos de prisão' (Acordão n.º 2/2006, de 3 de Janeiro, processo 954/05).

Argumenta o recorrente na resposta à suscitação da questão da inadmissibilidade do recurso que está em causa também a existência de questões relacionadas com nulidades cometidas pela Relação, matéria em que nem sequer houve ainda uma convergência conforme das duas instâncias. Todavia, a lei não exige coincidência em toda a linha do tratamento de todas as questões nos arestos em causa, mas apenas coincidência na decisão propriamente dita.

E, face à inadmissibilidade do recurso, poderia o recorrente arguir as nulidades do acórdão, perante o Tribunal da Relação, nos termos do artigo 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º daquele diploma.

Assim, a apreciação de nulidades de acórdão da Relação não impunha a necessidade de existência de recurso para este Supremo Tribunal.

E não é caso de violação de qualquer preceito constitucional, dado que a Constituição, no seu artigo 32.º, não garante um 3.º grau de jurisdição. Em suma, é de considerar que a Relação confirmou uma decisão da 1.ª instância, proferida em processo por crimes puníveis com pena de prisão não superior a 8 anos, numa situação de dupla conforme.

Consequentemente, do acórdão da mesma não cabe recurso para este Supremo Tribunal.

A decisão que o admitiu não vincula este Tribunal - artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Por força do disposto no artigo 420.º, n.º 1, segunda parte, do Código de Processo Penal, o recurso deve ser rejeitado.''

4 - É deste aresto que vem interposto pelo arguido o presente recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, tendo por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do "artigo 400.º, n.º 1, alínea f) [do Código de Processo Penal], quando prevê que confirma decisão recorrida acórdão que condena em pena diversa [ainda que mais benigna] da proferida pela 1.ª instância mediante acórdão que enferma de nulidades e desatende outras nulidades que haviam sido suscitadas, além de modificar o adquirido quanto à matéria de facto, e é por isso irrecorrível", que o recorrente entende violar o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

5 - O preceito do Código de Processo Penal do qual o recorrente extrai a norma impugnada é do seguinte teor:

''Artigo 400.º

Decisões que não admitem recurso

1 - Não é admissível recurso:

[...]

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções;

[...]''

Considera o recorrente que o entendimento sufragado no aresto recorrido, no sentido de que o acórdão da Relação que condena em pena diversa, ainda que mais benigna do que a imposta na 1.ª instância, que enferma de nulidades, desatende nulidades que haviam sido suscitadas e que modificou o adquirido quanto à matéria de facto, constitui uma decisão condenatória confirmativa da decisão da 1.ª instância para os efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, é inconstitucional por violar o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

No caso dos autos o acórdão da Relação condenou o recorrente pela prática dos mesmos crimes com que aquele foi sentenciado na 1.ª instância com alterações pontuais da matéria de facto que considerou irrelevantes para o enquadramento jurídico-penal e limitou-se a graduar a medida concreta da pena em termos mais favoráveis ao arguido, reduzindo as penas parcelares aplicadas a cada um desses crimes e a pena única, sem alterar a fundamentação essencial da condenação, por concluir que apenas se impunha efectuar algum ajuste ''no que concerne à fixação do quantum das penas [...]''

E, foi neste contexto que o aresto recorrido entendeu aplicável ao caso a norma em apreço, considerando que a circunstância de ter havido uma redução de penas não afasta a dupla conforme que o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, consagra, não sendo, pois, admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Deste modo o objecto do recurso deverá ser delimitado à norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que não é recorrível o acórdão da relação (proferido em recurso em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos) que, mantendo a qualificação jurídico-penal dos factos, reduz a medida concreta das penas parcelares e unitária em que o arguido foi condenado em 1.ª instância.

6 - Justifica-se que, no caso, se profira decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, por se considerar a questão a decidir como simples face à jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria.

Na verdade, não só é já vasta a jurisprudência constitucional do Tribunal sobre a questão da inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em aplicação da alínea f) [bem como da alínea e)] do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, embora noutras dimensões interpretativas que não a questionada nestes autos [vejam-se, a este propósito, os Acórdãos n.os 189/2001, de 3 de Maio, 369/2001, de 19 de Julho, 435/2001, de 11 de Outubro, 451/2003, de 14 de Outubro, 490/2003, de 22 de Outubro, 102/2004, de 11 de Fevereiro, 610/2004, de 19 de Outubro, e 104/2005, de 25 de Fevereiro (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)], como também, mais recentemente, este Tribunal se pronunciou sobre a constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, numa dimensão normativa idêntica à dos presentes autos, tendo decidido que este preceito, ''interpretado no sentido de que o acórdão proferido em recurso pelas relações confirma a decisão de 1.ª instância quando mantém os factos provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a medida concreta das penas parcelares e unitária, revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância'', não era inconstitucional, o que sucedeu no Acórdão 32/2006, de 11 de Janeiro (ainda inédito, mas disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

7 - Conforme se escreveu neste aresto:

"[...] há um ponto que ressalta dessa jurisprudência e que se afigura decisivo para a resolução da presente questão de constitucionalidade, é que a Constituição não garante, em processo penal, um terceiro grau de jurisdição, isto é, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, relativamente a quaisquer questões. Sobre este aspecto, disse o Tribunal no mencionado Acórdão 189/2001:

'[...]

Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional, o recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no n.º 1 do artigo 32.º (o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha vindo a considerar como conformes à Constituição determinadas normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v. g., quer de despachos interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos n.os 118/90, 259/88 e 353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.os 15.º, p. 397; 12.º, p. 735, e 19.º, p. 563, respectivamente, e Acórdão 30/2001, sobre a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação particular quando o Ministério Público acompanhe tal acusação, ainda inédito), como também tenha já entendido que, mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se garantindo a todos os arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ (veja-se, neste sentido, o Acórdão 209/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º vol., p. 553).

Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a instância superior da ordem judiciária accionada fique avassalada com questões de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta limitação à recorribilidade das decisões penais condenatórias tem, assim, um fundamento razoável.

[...]

O artigo 400.º do CPP foi alterado pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, diploma que veio introduzir modificações no processo penal e deu à alínea f) a redacção que ainda mantém. De acordo com a proposta de revisão do processo penal (Lei 157/VII, Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 27, de 28 de Janeiro de 1998), as modificações introduzidas na legislação processual penal visavam obter melhorias nos objectivos de economia processual, de eficácia e de garantia, que já informavam a anterior regulamentação.

Assim, e nos termos da exposição de motivos daquela proposta de lei, introduziram-se modificações destinadas a dar mais consistência e eficácia aos meios disponíveis, de entre elas se assinalando as de maior relevo para o caso: pretendeu-se restituir ao STJ a função de tribunal que apenas conhece de direito, mas com excepções; manteve-se a tramitação unitária dos recursos, mas sem haver um único modelo de recurso; faz-se um uso discreto do princípio da dupla conforme, harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do STJ a casos de maior gravidade; retoma-se a ideia da diferenciação orgânica, apenas fundada no princípio de que os casos de pequena e média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, etc. (cf., sobre esta matéria, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 12.ª ed., p. 754).

[...]

Como já se referiu, mesmo em processo penal, a Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz e, mesmo admitindo-se o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência, no processo penal, da exigência constitucional das garantias de defesa, tem de aceitar-se que o legislador penal possa fixar um limite acima do qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição: ponto é que, com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.

Ora, no caso dos autos, o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior.

Existe, assim, alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos graus de recurso. No caso, o fundamento da limitação não ver a instância superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de casos de pequena ou média gravidade e que já foram apreciados em duas instâncias - é um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado e que corresponde aos objectivos da última reforma do processo penal.

[...]'

No também já referido Acórdão 451/2003 reitera-se, com particular clareza, que à questão de saber '[...] quais os limites de conformação que o artigo 32.º, n.º 1, da CRP impõe ao legislador ordinário, em matéria de recurso penal' deve responder-se 'no sentido de não haver vinculação a um triplo grau de jurisdição e de ser constitucionalmente admissível uma restrição ao recurso se ela não for desrazoável, arbitrária ou desproporcionada.'

Partindo, portanto, do pressuposto de que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, quando estabelece que 'o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso', não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, o que tem de perguntar-se é se será desrazoável, arbitrário ou desproporcionado não admitir o recurso para o Supremo nos casos, como o dos autos, em que a Relação mantém os factos provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a medida concreta das penas parcelares e unitária (esta última para 7 anos), revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância.

Dito de outro modo: a questão de inconstitucionalidade colocada pelo recorrente não pode ser resolvida com a mera invocação da garantia de um terceiro grau de jurisdição, pois que, não podendo essa garantia ser reconhecida em todos os casos, tal resolução exige necessariamente a ponderação da razoabilidade, arbitrariedade ou desproporcionalidade da não admissão desse terceiro grau, no caso concreto.

Ora, realizando tal ponderação, dir-se-á que não é constitucionalmente censurável que a exclusão do terceiro grau de jurisdição resulte de se 'qualificar como confirmatório da decisão condenatória, proferida em 1.ª instância, o acórdão da Relação que - sem qualquer alteração ou convolação dos fundamentos essenciais ou substanciais - se limite, em mera redução quantitativa, a atenuar a medida concreta da pena aplicada ao arguido, reduzindo a que lhe havia sido cominada na 1.ª instância, por diversa reponderação do quadro de circunstâncias atenuantes.'

E dir-se-á também que não é desrazoável tratar do mesmo modo os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a 8 anos, confirma totalmente a decisão da 1.ª instância, e os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a 8 anos, reduz a pena aplicada pela 1.ª instância.

Como sublinha o Ministério Público nas contra-alegações:

'[...]

Seria, aliás, numa perspectiva teleológica ou funcional, aberrante que o arguido pudesse aceder ao Supremo para rediscutir, v. g., uma possível atenuação da pena de 5 anos de prisão que a Relação lhe aplicou, reduzindo a que lhe fora cominada na 1.ª instância - estando-lhe, todavia, vedado tal acesso se a Relação [certamente por lapso, refere-se se o Supremo] se tivesse limitado a manter, integral e estritamente, a sentença que o havia condenado, por exemplo, na pena de 7 anos de prisão. Na verdade, tal solução legislativa, a existir, careceria provavelmente de suporte material adequado, originando uma evidente e inquestionável disfuncionalidade, traduzida em vedar injustificadamente o acesso, em via de recurso, ao Supremo Tribunal de Justiça ao arguido que tivesse sido condenado pelas instâncias em pena mais gravosa - permitindo tal acesso num caso de redução quantitativa de tal pena privativa da liberdade, realizada em seu benefício na 2.ª instância.

[...].'''

Estes fundamentos são, pois, inteiramente aplicáveis ao caso dos autos, em que, à semelhança da situação decidida no Acórdão 32/2006, a decisão da Relação condenou o recorrente pela prática dos mesmos crimes, mas reduzindo as penas parcelares e a pena única aplicadas.

8 - Resta acrescentar que a circunstância de o acórdão da Relação se pronunciar, pela primeira vez, sobre a questão das nulidades da decisão de 1.ª instância e de se pretender discutir nulidades que se imputam a esse próprio acórdão, que o recorrente inclui na dimensão normativa que considera violar o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, não impõe a abertura de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Como se disse no Acórdão 390/2004, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 7 de Julho de 2004:

"[...] não decorre forçosamente da garantia constitucional de um duplo grau de jurisdição que haja de ser sempre admissível o recurso para o tribunal superior nos casos em que o tribunal de recurso se pronuncie, pela primeira vez, sobre questões que influam na decisão da causa (ressalvando-se o recurso de constitucionalidade para o órgão jurisdicional específico não enquadrado na hierarquia dos tribunais) ou nos de, ao proferir a decisão, incorrer na violação de lei processual ou procedimental que seja sancionada com o estigma da nulidade.

Nada impõe que se leve a autonomização da questão da nulidade da decisão em relação à questão de fundo tão longe que seja constitucionalmente exigível a existência de um 2.º grau de jurisdição especificamente para esta questão, considerando o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal por via de recurso, a possibilidade de arguir as nulidades perante o órgão que proferiu a decisão, quando aquele recurso não existir, e, como no presente caso, a existência de duas decisões concordantes em sentido condenatório (o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1.ª instância nesse sentido).

É claro que o legislador poderia, na sua discricionariedade legislativa, admitir esse recurso, mesmo nas hipóteses em que o fundamento deste resida na arguição de nulidades processuais, assim ampliando o âmbito material do direito de recurso, mas a sua inadmissibilidade não será constitucionalmente intolerável.

Nesta perspectiva, poder-se-á dizer que, em caso de recurso relativo a decisão condenatória, seja com fundamento em nulidades processuais, seja com fundamento em erros de julgamento atinentes ao fundo da causa, o seu objecto apelante de um terceiro grau de jurisdição será sempre o acórdão condenatório em si próprio. É certo que, quando o fundamento do recurso se consubstancie em uma causa de nulidade do acórdão condenatório, não poderá afirmar-se ter sido exercida a garantia do duplo grau de jurisdição por uma forma definitiva. Mas uma tal situação apenas demanda, numa perspectiva de garantia constitucional do acesso aos tribunais que o recorrente convoca (artigo 20.º da CRP), que esse mesmo grau de jurisdição se possa (deva) pronunciar de modo formalmente válido sobre o objecto do recurso. Nesta perspectiva ganha todo o sentido a possibilidade de o tribunal recorrido poder suprir as nulidades e de o tribunal ad quem apenas conhecer delas quando, sendo admissível o recurso, aquele o não tenha feito ou não as haja atendido (artigos 379.º, n.º 2, e 414.º, n.º 4, do CPP; cf., no domínio do processo civil, o artigo 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Deste modo, a apreciação de nulidades de acórdão condenatório não postula a necessidade de existência de mais um grau de recurso. A reclamação perante o órgão jurisdicional que exerce o segundo grau de jurisdição configura-se, assim, como um instrumento jurídico adequado de garantir o acesso aos tribunais, na sua dimensão de direito a obter uma decisão formalmente válida, que é a dimensão que o recorrente aqui questiona.

Aliás, admitindo-se a constitucionalidade das normas que prevêem a existência apenas de um duplo grau de jurisdição, mesmo quando está em causa a 'bondade' do julgamento efectuado, maiores razões existem para não se terem por desconformes com a lei fundamental aquelas disposições que limitam o recurso ao mesmo segundo grau de jurisdição em caso de existência de nulidades da decisão, que advêm essencialmente da violação de regras processuais ou procedimentais, quando está aí garantido o direito de reclamação para apreciação dessas nulidades para o órgão jurisdicional que exerceu o último grau de jurisdição.

E para a conclusão que se assume não vale invocar como pretensos lugares paralelos as hipóteses em que a lei processual admite que o fundamento de nulidade possa constituir o único fundamento do recurso, como será seguramente o caso contemplado no n.º 2 do artigo 310.º do CPP (despacho que indefere a arguição de nulidade traduzida em a decisão instrutória pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento da acusação), e poderá também acontecer em recursos interpostos de decisão proferida em 1.ª instância, conforme decorre do artigo 379.º do CPP.

Em qualquer dessas situações a opção legislativa nada tem que ver com o reconhecimento, no caso, de uma garantia de um duplo grau de jurisdição relativamente ao fundamento de recurso traduzido na alegação de nulidades. Na primeira situação, o que se verifica é apenas a admissibilidade de um duplo grau de jurisdição relativamente a um despacho cujo conteúdo não deixa de coenvolver uma restrição ou limitação aos direitos fundamentais do arguido, traduzido na pronúncia por factos que constituem uma alteração substancial em relação aos imputados na acusação, para além de uma ofensa ao direito de defesa. Na segunda hipótese, a alegação da nulidade como fundamento eventualmente único do recurso é feita dentro da admissibilidade geral do 2.º grau de jurisdição sobre a causa.''

9 - Em face do exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, decide-se julgar improcedente o recurso.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de conta."

2 - O recorrente reclamou desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do artigo 7.º-A da LTC, em termos que as conclusões dessa reclamação sintetizam do seguinte modo:

"1.ª O artigo 78.º-A, n.os 1, 3 e 4, da Lei do TC é materialmente inconstitucional quando prevê que o exame de legalidade da decisão sumária seja efectuado por um colectivo de juízes que integre o juiz autor da decisão em exame, por violação dos artigos 292.º, n.º 2; 203.º, 204.º, 32.º, n.º 1; 27.º, n.º 1, e 20.º, n.º 1, da CRP.

2.ª A argumentação da decisão sumária deve, salvo o merecido respeito, improceder, improcede, pois: i) se está em causa um "3.º grau de jurisdição" é porque a lei processual penal [através do citado artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP] o permite [em nome das garantias de defesa e da segurança jurídica] em caso de não haver dupla conforme nos anteriores julgamentos; ii) argumentar com a ausência de garantia a esse exame pelo STJ no caso de inexistência de dupla conforme significaria pura e simplesmente admitir que o recurso seria um favor concedido aos recorrentes, uma graça excepcional que o sistema jurídico lhes facultaria quando, na verdade, mais não se trata do que a tradução de uma regra geral com assento constitucional, o da articulação do direito à defesa [artigo 32.º, n.º 1, da CRP] com a necessidade de segurança [artigo 27.º, n.º 1, da CRP], no quadro do direito de acesso aos tribunais [artigo 20.º, n.º 1, da CRP], e iii) não se invoque que toda a argumentação fica descaracterizada ante o facto de a ausência de dupla conforme ficar prejudicada ante o facto de a segunda decisão, emitida pela Relação, significar uma atenuação da pena concreta, pois que, como se disse já nestes autos, tal sugere precisamente a ausência de conformidade das instâncias em relação à própria valoração da culpa e medida da pena, tudo questões de direito que é lícito ao STJ sindicar, porventura em medida mais benigna.

Nestes termos: i) deve ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 78.º-A, n.os 1, 3 e 4 da Lei do TC e em consequência julgada a reclamação da decisão sumária em conferência por colectivo de juízes no qual não tenha intervenção o juiz que prolatou tal decisão, ii) caso assim se não entenda, deve ser atendida a reclamação e revogada a mesma decisão, fazendo o recurso seguir os seus termos até final."

O Ministério Público respondeu a esta reclamação nos termos seguintes:

"1 - A questão de constitucionalidade formulada pelo recorrente é claramente improcedente já que a participação do relator na conferência que dirimiu a reclamação deduzida contra a decisão sumária não afronta os princípios constitucionais elencados pelo recorrente.

2 - Na verdade, no nosso ordenamento adjectivo sempre se admitiu que o juiz que participou em certa decisão possa integrar o órgão que irá reapreciar as questões suscitadas - nomeadamente, que constituam objecto de incidentes pós-decisórios, sem que tal procedimento traduza uma reapreciação, em via de recurso, da matéria que constitui objecto do processo.

3 - E sendo evidente que a maioria de tal órgão jurisdicional colegial é que irá dirimir as questões suscitadas pela parte.

4 - Por outro lado - e no que toca ao mérito da reclamação deduzida - as considerações do reclamante em nada abalam os fundamentos da decisão reclamada, assente em firme e reiterada jurisprudência acerca do âmbito, constitucionalmente imposto, do acesso, em via de recurso, ao Supremo Tribunal de Justiça."

3 - Cumpre começar por apreciar a "questão prévia" colocada pelo recorrente da inconstitucionalidade do regime constante dos n.os 1, 3 e 4 do artigo 78.º-A da LTC que, a proceder, levaria a que no julgamento da reclamação (da substância da reclamação) não pudesse intervir o juiz que proferiu a decisão reclamada. Apesar da referência ao regime daqueles três números do artigo 78.º-A, a norma que o recorrente põe verdadeiramente em causa é, apenas, a do n.º 3 desse artigo 78.º-A na medida em que estabelece que o juiz que proferiu a decisão sumária integre o colégio que vai apreciar a reclamação.

A possibilidade de o relator proferir a decisão singular a que se refere o artigo 78.º-A da LTC, pondo liminarmente termo ao recurso, quer por falta dos pressupostos ou requisitos de que depende o seu prosseguimento, quer por se tratar de questão simples ou manifestamente infundada, constitui um importante instrumento de agilização dos recursos de constitucionalidade. Da decisão do relator cabe reclamação para a conferência, constituída pelo presidente ou pelo vice-presidente, pelo relator e por outro juiz da respectiva secção (n.º 3 do artigo 78.º-A). Se não houver unanimidade dos três juízes intervenientes quanto à decisão da reclamação, a decisão cabe ao pleno da secção (composta pelo relator e mais quatro juízes (artigos 78.º-A, n.º 4, e 41.º da LTC).

Está, assim, assegurada, seja pela unanimidade em conferência, seja pela maioria de vencimento se tiverem de intervir todos os juízes da secção, a possibilidade de o interessado obter a mesma expressão concordante de votos no sentido da decisão que seria necessária para julgar o recurso se não existisse este expediente de decisão singular pelo relator. Neste aspecto, as expectativas das partes, designadamente quanto a ver o recurso colegialmente examinado pelo verdadeiro titular do poder jurisdicional estão perfeitamente tuteladas.

Com efeito, a reclamação para a conferência é o meio normal de reacção contra os despachos do relator, sendo corolário da ideia de que o verdadeiro titular do poder jurisdicional nos tribunais superiores é o órgão colegial (cf., Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, p. 135). E, entre nós, o juiz designado como relator é sempre membro da formação de julgamento e intervém no acórdão em que a conferência aprecia a reclamação de decisões por si proferidas, quer a decisão singular que é objecto desse pedido de reapreciação resulte dos tradicionais poderes de preparar o processo para julgamento, quer consista no exercício dos mais alargados poderes que, após a reforma de 1995-1996 do Código de Processo Civil, se lhe reconhecem de decidir quaisquer questões prévias ou incidentais, bem como o próprio julgamento do recurso quando este seja manifestamente infundado ou verse sobre questões simples ou repetitivas. Neste aspecto, a norma do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC nada tem de anómalo ou de novo no panorama do direito processual, designadamente, de configuração dos meios de impugnação e de organização e funcionamento dos órgãos judiciais de natureza colegial.

Esta intervenção do relator não contende com nenhuma das normas e princípios constitucionais que o recorrente invoca.

Designadamente, é manifestamente improcedente a afirmação de que o regime jurídico em causa atenta contra a missão fundamental assinalada aos tribunais pelo n.º 2 do artigo 202.º da Constituição de "assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos". Chamados a reexaminar a questão que foi objecto de decisão do relator, os juízes que intervêm na conferência, decidem segundo a lei e a sua consciência, sem obediência a ordens ou instruções e sem outro objectivo ou finalidade senão a aplicação do direito ao caso concreto.

Por outro lado, não vem a propósito falar de violação do artigo 204.º da Constituição, que é norma atributiva de poder de apreciação da constitucionalidade nos feitos submetidos a julgamento, não parâmetro de aferição de legitimidade constitucional das soluções normativas postas em confronto com a Constituição no exercício desse poder (salvo, obviamente, se se tratar de norma que disponha sobre os poderes de apreciação da inconstitucionalidade nos feitos submetidos a julgamento). E não se vislumbra a que venha a referência ao n.º 2 do artigo 292.º da Constituição, suspeitando-se que se trate de lapso, para o qual não se encontram, porém, no contexto do requerimento elementos de superação.

Também é inadequada a invocação do n.º 1 do artigo 27.º da Constituição a propósito do que agora se discute, porque a norma em causa não contende com o direito à liberdade ou segurança. E também não restringe ou de qualquer modo afecta o direito de acesso aos tribunais (n.º 1 do artigo 20.º da CRP), nem colide com a imposição constitucional de que o processo criminal assegure todas as garantias defesa, incluindo o recurso. Está em causa uma norma relativa ao processo de recurso de constitucionalidade, não matéria respeitante à "constituição penal" ou às garantias constitucionais do processo criminal.

É incontestável que a imparcialidade dos juízes é um princípio constitucional, quer se conceba como uma dimensão da independência dos tribunais (artigo 203.º da CRP), quer como elemento da garantia do "processo equitativo" (n.º 4 do artigo 20.º da CRP). Importa que o juiz que julga o faça com isenção e imparcialidade e, bem assim, que o seu julgamento, ou o julgamento para que contribui, surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial. E também é certo que a intervenção decisória sucessiva do mesmo juiz integra o universo das hipóteses abstractamente susceptíveis de lesar esse princípio e, por isso, de configurar um impedimento objectivo.

Não é porém qualquer intervenção decisória anterior que pode objectivamente pôr em crise a confiança numa decisão imparcial. Como se salientou no Acórdão 324/2006, www.tribunalconstitucional.pt:

"Em diversos casos a lei de processo civil prevê que se peça essa nova ponderação ao juiz que decidiu. Assim sucede, por exemplo, quando se admitem reclamações, em geral; ou, em particular, quando se argúem nulidades perante o tribunal que julgou, quando se requer a reforma da decisão, ou quando se interpõe recurso de agravo. Em todos estes casos a lei quer essa reponderação, considerada vantajosa por comparação com a hipótese de ser um juiz alheio ao processo a tomar a nova decisão.

Por um lado, pretende-se que seja o mesmo juiz porque é ele que conhece globalmente o processo, o que beneficia, quer a adequação da decisão sobre a questão parcelar, quer a celeridade processual; por outro lado, não se considera que o juiz possa ser determinado na sua nova decisão por pré-juízos formados quando proferiu a primeira, já que não há mudança de qualidade na intervenção que possa fazer duvidar da independência na segunda intervenção.

Não há manifestamente razão para lançar sobre os juízes a dúvida sobre a sua imparcialidade quando são chamados a reponderar uma decisão."

A argumentação do recorrente parece assentar no equívoco de identificar a reclamação dos despachos do relator para a conferência com um recurso, hipótese que a alínea e) do n.º 1 do artigo 122.º do Código de Processo Civil inclui na lista dos impedimentos porque, aí sim, a solução diversa contrariaria, manifestamente, a razão de ser da admissibilidade do recurso.

Esta razão não está presente relativamente ao meio processual que agora está em causa. A reclamação das decisões do relator para a conferência, ainda que numa classificação que use como critério a identidade orgânica do decisor se apresente como meio impugnatório (estruturalmente) híbrido, é funcionalmente bem diferente do recurso, sendo um verdadeiro pedido de reponderação, a que se procede na mesma instância e com a mesma latitude de apreciação da decisão reclamada. Como começou por referir-se, a reclamação para a conferência destina-se a obter que a decisão final sobre a questão provenha do verdadeiro titular do poder jurisdicional nos tribunais superiores. Que essa decisão se atinja pela via de reapreciação de uma decisão anterior, em vez de ser produto de uma deliberação primária do colégio judicante na base de um projecto de acórdão (ou memorando) apresentado pelo relator, em nada se apresenta como susceptível de colidir com a exigência de que a decisão da questão submetida a apreciação resulte da consideração de todos os aspectos processualmente relevantes e apenas desses. Não há objectivamente razão para considerar que o relator não procede, na preparação dessa decisão e na subsequente deliberação, com a mesma disposição de aplicar o direito ao caso concreto que teria se estivesse a exercer a sua competência de apresentar um projecto para decisão primária pelo órgão colegial. Nem que os demais juízes que intervêm deixem de possuir a disposição ou capacidade necessárias para proceder a um exame autónomo das razões aduzidas pelo reclamante. Como todos os pedidos de reponderação, aí onde as disposições processuais a admitam (e note-se a tendência para o alargamento dessa via de realização da justiça - n.º 2 do artigo 669.º do CPC), a reclamação para a conferência repousa no pressuposto, indispensável ao funcionamento dos tribunais num Estado de direito em que o estatuto dos juízes está dotado das necessárias garantias de independência e organização, de que o juiz possui em permanência a humildade e fortaleza de ânimo necessárias para examinar novos argumentos ou argumentos apresentados de modo mais convincente. Pode até dizer-se que, por esta via, o interessado sai beneficiado porque dispõe de uma oportunidade mais de convencer a formação de julgamento das suas razões. Aliás, no caso é suficiente que as razões do reclamante convençam um dos juízes que integram a conferência para intervir o pleno da secção.

Tanto basta, por não se considerar infringida nenhuma das normas constitucionais indicadas pelo reclamante, para julgar improcedente a questão de constitucionalidade suscitada, não recusando aplicação às normas dos n.os 1, 3 e 4 do artigo 78.º-A da LTC (cf., no mesmo sentido, Acórdãos n.os 486/2006 e 616/2006).

4 - Quanto ao fundo, o reclamante alega, em síntese, que se a lei permite um 3.º grau de jurisdição em caso de não haver "dupla conforme" é porque entendeu que, embora com limitações cognitivas, a incerteza e insegurança jurídicas decorrente de uma ausência de uniformidade valorativa das instâncias exigiria um novo exame pelo Supremo Tribunal de Justiça. Seria isso imposto pela articulação do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), com a necessidade de segurança (artigo 27.º, n.º 1, da CRP), no quadro do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).

Esta argumentação é improcedente.

Salientando que não lhe cabe a apreciação do acerto da decisão no plano da mera interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, o Tribunal lembra que, em conformidade com a jurisprudência posta em evidência na decisão reclamada, toda no sentido de que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, quando estabelece que "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso", não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, o que tem de perguntar-se é se será desrazoável, arbitrário ou desproporcionado não admitir o recurso para o Supremo nos casos, como o dos autos, em que a Relação mantém os factos provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a medida concreta das penas parcelares e unitária (esta última para 7 anos), revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância.

Ora a menor certeza na aplicação do direito ao caso que possa imputar-se à inexistência de uma rígida "dupla conforme" nas instâncias não tem constitucionalmente que ser superada pelo acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Não podendo essa garantia ser reconhecida em todos os casos, tal resolução exige necessariamente a ponderação da razoabilidade, arbitrariedade ou desproporcionalidade da não admissão desse terceiro grau, na hipótese normativa considerada. E, repete-se, não é constitucionalmente censurável que a exclusão do terceiro grau de jurisdição resulte de se "qualificar como confirmatório da decisão condenatória, proferida em 1.ª instância, o acórdão da Relação que - sem qualquer alteração ou convolação dos fundamentos essenciais ou substanciais - se limite, em mera "redução quantitativa", a atenuar a medida concreta da pena aplicada ao arguido, reduzindo a que lhe havia sido cominada na 1.ª instância, por diversa reponderação do quadro de circunstâncias atenuantes". Não é desrazoável, quer reservar a possibilidade de recurso para Supremo para os casos mais graves em função da medida da pena quer, num sistema assim concebido, tratar do mesmo modo os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a 8 anos, confirma totalmente a decisão da 1.ª instância e os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a 8 anos, reduz a pena aplicada pela 1.ª instância.

Improcede, pois, a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada que corresponde a jurisprudência firme e reiterada acerca do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em 3.º grau de jurisdição em matéria penal.

5 - Decisão. - Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2007. - Vítor Gomes - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1554825.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 1999-05-12 - Lei 29/99 - Assembleia da República

    Decreta o perdão genérico e amnistia de pequenas infracções.

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