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Acórdão 512/2006, de 23 de Fevereiro

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Sumário

Não conhece do recurso por o recorrente, nas alegações, ter abandonado a questão de inconstitucionalidade formulada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, e por não se poder dar como verificados dois requisitos do recurso em causa: a suscitação prévia e de forma adequada daquela questão perante o tribunal recorrido e a aplicação por este, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada nas alegações

Texto do documento

Acórdão 512/2006

Processo 568/05

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente Cristóvão Agostinho da Silva Pestana e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do Acórdão daquele Tribunal, de 2 de Fevereiro de 2005.

2 - Por sentença do 2.º Juízo Criminal do Funchal, de 7 de Julho de 2004, o ora recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de suspensão da execução da pena de prisão, pelo período de 18 meses, com a condição de frequentar o Programa Responsabilidade e Segurança, e na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, pelo período de 15 meses.

Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando o recorrente, para além do mais, que "a interpretação segundo a qual o artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada permite a recolha de sangue sem consentimento do arguido é inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa".

Por Acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, este Tribunal alterou a matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 431.º, alínea a), do Código de Processo Penal e negou provimento ao recurso. Com relevo para a presente, extrai-se do texto da decisão recorrida o seguinte:

"[...] Quanto à necessidade de consentimento a questão não se coloca uma vez que a lei - artigo 159.º do C. E. - não faz depender tal recolha de prévia autorização do arguido o que é diferente da situação de o arguido se negar a submeter-se ao exame de pesquisa do álcool o que acarreta aliás sanções legais.

A lei prevê a possibilidade de recusa (com consequências penais para o recusante) mas não impõe uma autorização prévia por parte do examinando.

No caso, a situação verificada é a de impossibilidade de realização da prova por pesquisa de álcool no ar expirado dado o estado inconsciente do arguido pelo que se impôs a submissão à colheita de sangue para análise.

Mas, poder-se-ia dizer, ainda aqui, que o arguido, se estivesse consciente poderia ter recusado, como admite o n.º 7 do artigo 159.º C. E. mas se tal tivesse acontecido (o que não foi o caso dado o estado do arguido) sempre haveria o recurso à realização de exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool - parte final do n.º 7 do referido artigo. E aqui sempre seria possível apurar do estado de embriaguês do arguido uma vez que não resulta da lei que lhe seja aqui permitida a recusa a qual só é prevista no que respeita a colheita de sangue para análise.

De qualquer modo, repete-se, a lei não impõe qualquer autorização prévia para a recolha do sangue para análise.

Inexiste assim, qualquer ilegalidade e, designadamente, nulidade no âmbito da obtenção de prova.

Inexiste portanto qualquer violação do disposto no artigo 126.º, n.os 1 e 2, do CPP e do artigo 32.º, n.º 8, da CRP."

3 - Foi então interposto recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação da inconstitucionalidade:

a) Do artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, interpretada no sentido de permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem autorização do suspeito, por violação do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa; e b) Da interpretação que o Tribunal recorrido fez do artigo 431.º do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

4 - Notificado para alegar apenas quanto à questão de constitucionalidade relativa ao artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, por não ter sido admitido o recurso na parte que dizia respeito ao artigo 431.º do Código de Processo Penal e desta decisão não ter havido reclamação nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da LTC, o recorrente requereu:

"O provimento do presente recurso, declarando-se inconstitucional a interpretação do acórdão recorrido, segundo a qual as normas do Código de Processo Penal [Código da Estrada], nomeadamente a do artigo 159.º, n.º 7, e a do artigo 163.º, n.º 2 (a que correspondem na actual sistematização do Código da Estrada os artigos 153.º, n.º 8, e 156.º, n.º 2), permitiriam a utilização da prova obtida, sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue de arguido encontrado inconsciente aos comandos de viatura automóvel, envolvido em sinistro, por violação dos artigos 1.º, 25.º e 32.º, n.os 1, 2, 5 e 8, da Constituição da República Portuguesa".

É o seguinte o teor das alegações:

"Delimitação do objecto do recurso

1 - Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto acórdão proferido pelo venerando Tribunal da Relação que decidiu inexistir no caso sub judice qualquer violação do disposto no artigo 126.º, n.os 1 e 2, do CPP e do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa.

2 - O acórdão recorrido foi suscitado por recurso de sentença proferida em primeira instância em cujo processo havia sido já suscitada a ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual seriam admissíveis as provas obtidas através da recolha de sangue ao arguido sem o consentimento deste.

3 - A sentença de primeira instância decidiu que tal consentimento não era exigível legalmente por entender ser tal o resultado da interpretação que fazia do artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada na anterior sistematização.

4 - Em recurso da decisão proferida em primeira instância o ora recorrente, sustentou a ilegalidade, face ao disposto no artigo 126.º do Código de Processo Penal, e a inconstitucionalidade, face ao artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, de tal interpretação.

5 - O acórdão recorrido, analisou tal problema e concluiu 'Inexiste portanto qualquer violação do disposto no artigo 126.º, n.os 1 e 2, do CPP e do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa'.

6 - Em suma o que está em causa no presente recurso é saber se:

a) Sendo um qualquer cidadão encontrado inconsciente na via pública, aos comandos de um veículo motorizado imobilizado, que acabou de ser interveniente num sinistro, é admissível, à luz do ordenamento penal, constitucional e infra-constitucional, a submissão do mesmo cidadão em estado de inconsciência à recolha de sangue para aferição da taxa de alcoolemia respectiva?

b) Na afirmativa, poderão os resultados do exame médico assim realizado constituir prova existente, válida e eficaz para sustentar uma acusação e uma condenação pela prática de um crime de condução de veículo a motor em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal?

7 - Da resposta a estas perguntas resultará a conclusão sobre se a interpretação constante da decisão recorrida fere ou não a Constituição.

8 - Com efeito, o artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, bem como uma sua emanação, o artigo 162.º, n.º 3, do mesmo Código (a que correspondem, na actual sistematização do Código da Estrada, os artigos 153.º, n.º 8, e 156.º, n.º 2) que determina que o médico deve proceder a exame de sangue nos casos em que aos intervenientes em acidente de viação não seja possível o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, não pode ser interpretado no sentido de que a prova assim obtida é válida sem a autorização do examinado, sob pena de inconstitucionalidade.

9 - Essa inconstitucionalidade é determinada pelo artigo 32.º, n.º 8, da nossa lei fundamental, como passaremos a demonstrar.

A proibição processual penal constante do artigo 126.º do Código de Processo Penal:

10 - A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção e ofensa da integridade física ou moral da pessoa.

11 - Tal nulidade implica a proibição de obtenção de prova pelos meios ali indicados, e implica sempre que a prova presente em juízo tenha sido obtida por aqueles meios, que ela não seja tida em conta.

A garantia constitucional do processo criminal constante do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa:

12 - Mas o nosso ordenamento jurídico considera, acertadamente em nosso entender, tão importante o respeito pela civilidade dos meios de obtenção de prova, que consagrou constitucionalmente no artigo 32.º a nulidade das provas obtidas por meios que de uma forma ou de outra violam a dignidade da pessoa humana, os princípios de Direito Processual Penal, ou outros direitos constitucionalmente consagrados.

13 - E, fê-lo o legislador constitucional, acertadamente, porquanto essa é uma das bases fundamentais do estado de direito democrático.

14 - Não pode considerar-se estado de direito democrático, mas antes estado e polícia ou pior, o estado que permite que os seus cidadãos sejam condenados com base em provas obtidas por meios desumanos, desleais ou violadores de princípios constitucionalmente consagrados.

15 - Da mesma forma não pode admitir-se a abertura de brechas no entendimento constitucionalmente consagrado da nulidade das provas obtidas por meios proibidos.

16 - Nem mesmo em casos de crimes graves ou de especial complexidade, já que abrir a porta a esse tipo de interpretação é deixar margem à arbitrariedade permitindo que nuns casos os meios de obtenção de prova sejam admitidos e noutros não.

17 - O edifício jurídico-constitucional é demasiado precioso para se permitir que possa ser alvo de embates cíclicos por força de interesses de investigação criminal mais ou menos prementes em cada momento da vida do País.

A obtenção de prova através da recolha de sangue e a sua caracterização:

18 - A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa.

19 - Trata-se de procedimento que, embora simples, é intrusivo do corpo do examinado e implica a ofensa da sua integridade, a sua perfuração com agulha e a extracção de um fluido que dele faz parte integrante.

20 - Por isso, tal meio de obtenção de prova, abstractamente considerado, implica a violação da integridade física do examinado.

O preenchimento do conceito de ofensa da integridade física:

21 - O conceito de ofensa da integridade física deve ser preenchido através do recurso ao tipo de crime com o mesmo nome?

22 - Embora pudesse entender-se que não na perspectiva de existirem situações de facto que podendo considerar-se ofensas da integridade física pudessem estar fora do tipo legal de crime, entendemos ser mais correcto o seu preenchimento através do tipo legal de crime previsto no Código Penal.

23 - Assim sendo, embora abstractamente a recolha de sangue seja um acto classificável como ofensa da integridade física, a sua realização por profissional habilitado, dentro da leges artis da profissão e com intenção terapêutica, encontrar-se-ia fora do tipo do crime ofensa da integridade física, por força do disposto no artigo 150.º do Código Penal.

24 - A intenção terapêutica, elemento subjectivo necessário à atipicidade neste caso, inclui os propósitos de diagnóstico e de prevenção.

Da recolha de sangue como meio ofensivo da integridade física da pessoa:

25 - No caso da recolha de sangue para efeitos de determinação do estado de influenciado pelo álcool, para efeitos jurídico-penais o referido elemento subjectivo inexiste, razão pela qual, no entendimento do recorrente, este meio de obtenção de prova, desacompanhado do consentimento do arguido, é proibido e a prova assim obtida é nula e a sua valoração processual para condenação de um arguido é inconstitucional.

26 - Ou seja, num caso como o dos autos, não existe qualquer ilegalidade na recolha de sangue com vista a fins terapêuticos, incluindo nestes os fins de diagnóstico e prevenção, ao arguido que inconsciente dá entrada no hospital, mas já a recolha de sangue e o seu exame com o fim de constituir prova da condução sob o efeito do álcool constitui ofensa à integridade física (e como veremos a seguir também moral) do arguido, e para ser válido deverá contar com o consentimento deste.

27 - E por ser assim, os próprios documentos como o que se encontra junto aos autos principais, contém um espaço onde deve o arguido exarar o seu consentimento para a recolha de sangue para estes efeitos.

28 - Já tal não é necessário quando se trata de recolha de sangue com fins terapêuticos.

29 - Nesta conclusão vai o recorrente um pouco mais longe que o douto parecer resultante da consulta que o recorrente fez ao Dr. Paulo Saragoça da Matta e que se junta com as presentes alegações e aqui se dá como integralmente reproduzido.

Da recolha de sangue como meio ofensivo da integridade moral da pessoa:

30 - Mas ainda que assim não se entenda sempre terá que concordar-se com as conclusões do parecer que se junta e aqui se dá como integralmente reproduzido, considerando-se que a utilização do resultado do exame de recolha e análise de sangue como meio de prova para efeitos criminais, quaisquer que estes sejam, viola a integridade moral do arguido protegida expressamente nos artigos 25.º, 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa e 126.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

31 - Com efeito, concordamos na íntegra com os argumentos do ilustre académico que subscreve o parecer que se junta, que levam a esta conclusão, e que nos escusamos de aqui repetir na íntegra, contudo para que a presente peça processual faça algum sentido, não podemos deixar de referir alguns eventualmente os mais importantes de entre eles.

32 - A recolha de sangue num indivíduo inconsciente e a utilização dos resultados do exame a esse sangue para efeitos criminais viola o princípio da liberdade de decisão e actuação do arguido em processo penal.

33 - Este princípio que compreende o direito do arguido ao silêncio, o seu direito a recusar-se a responder a perguntas incriminatórias, e por maioria de razão a recusar-se a que o seu próprio corpo constitua prova contra si próprio.

34 - O artigo 126.º do Código de Processo Penal proíbe a relevância de qualquer prova obtida mediante a perturbação da liberdade de decisão e acção de quem quer que seja, e também, máxime do arguido:

Quer porque há valores fundamentais de um Estado de direito democrático que com tais processos são incompatíveis - argumento filosófico ou dogmático;

Quer porque uma eventual admissibilidade de tais provas potenciaria a respectiva obtenção em tais circunstâncias - tutela indirecta dos bens jurídicos protegidos pela lei constitucional e penal como direitos fundamentais nucleares;

Quer, ainda, porque qualquer pequena abertura no sentido da consideração de tais provas assim obtidas levaria a descredibilizar a verdade cuja obtenção constitui fim de todo o processo - argumento processual;

Quer, por fim, porque a admissibilidade dos meios em razão da alegada importância de determinados fins leva, no final do caminho, a aceitar seja que via conquanto se encontre um fim suficientemente elevado - argumento sociológico ou criminológico.

35 - Como corolários do princípio da liberdade de decisão e acção do arguido em processo penal encontramos no Código de Processo Penal o impedimento de arguidos e co-arguidos deporem como testemunhas (artigo 133.º), a não prestação de juramento por parte do arguido em caso algum (artigo 140.º, n.º 3), a tutela do sigilo profissional de determinadas profissões, as cautelas que rodeiam a relevância probatória da confissão.

36 - A utilização de prova extraída do corpo do arguido sem consentimento deste viola este princípio e viola a integridade moral do arguido a qual é também protegida constitucionalmente pelo artigo 25.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, em anotação ao qual os autores Jorge Miranda e Rui Medeiros (in Constituição Portuguesa Anotada), consideram que os testes de alcoolemia que vão para além da pesquisa do teor de álcool no ar expirado 'não resistem ao crivo do juízo de inconstitucionalidade'.

37 - Teremos assim que como critério para avaliar da admissibilidade dos exames enquanto meios de obtenção de prova o seu carácter objectivamente ofensivo da integridade física ou moral das pessoas sendo admissível do ponto de vista nemo tenetur se ipsum accusare, o exame que não envolva tal ofensividade, 'rectius, objectiva intervenção no corpo, na saúde ou na capacidade de decisão e acção do examinado. O que apodaremos de carácter intrusivo do exame.' (v. parecer junto).

38 - Assim sendo, as normas do Código da Estrada que prevêem a admissibilidade da sujeição dos arguidos a exame de sangue para a determinação do grau de alcoolemia, quando interpretadas como o foram na decisão recorrida violam a constituição, desde logo nos seus.

Violação do princípio da proibição de diligências conducentes à auto-incriminação do arguido:

39 - O princípio da proibição de diligências conducentes à auto-incriminação do arguido é manifestação do princípio da liberdade de declaração e acção da pessoa.

40 - Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de sangue a arguido inconsciente, sem autorização deste, estar-se-ia a violar este princípio e por arrasto ver-se-iam violados os princípios da dignidade da pessoa, o princípio da presunção da inocência e o princípio do contraditório, declarados e garantidos nos artigos 1.º, 25.º, 32.º, n.os 1, 2, e 8 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 126.º do Código de Processo Penal, in totum.

Exposto o que se extraem as seguintes conclusões:

A) A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.

B) O nosso ordenamento jurídico considera tão importante o respeito pela civilidade dos meios de obtenção de prova que consagrou constitucionalmente no artigo 32.º a nulidade das provas obtidas por meios que de uma forma ou de outra violam a dignidade da pessoa humana, os princípios de direito processual penal, ou outros direitos constitucionalmente consagrados.

C) Não pode considerar-se estado de direito democrático, mas antes estado e polícia ou pior, o estado que permite que os seus cidadãos sejam condenados com base em provas obtidas por meios desumanos, desleais ou violadores de princípios constitucionalmente consagrados.

D) O edifício jurídico-constitucional é demasiado precioso para se permitir que possa ser alvo de embates cíclicos por força de interesses de investigação criminal mais ou menos prementes em cada momento da vida do País.

E) A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa.

G) O conceito de ofensa da integridade física deve ser preenchido através do recurso ao tipo de crime com o mesmo nome.

H) No caso da recolha de sangue para efeitos de determinação do estado de influenciado pelo álcool, para efeitos jurídico-penais, o elemento subjectivo intenção terapêutica inexiste, razão pela qual, no entendimento do recorrente, este meio de obtenção de prova, desacompanhado do consentimento do arguido, é proibido e a prova assim obtida é nula e a sua valoração processual para condenação de um arguido é inconstitucional.

I) Mas ainda que assim não se entenda sempre terá que concordar-se com as conclusões do parecer que se junta e aqui se dá como integralmente reproduzido, considerando-se que a utilização do resultado do exame de recolha e análise de sangue como meio de prova para efeitos criminais, quaisquer que estes sejam, viola a integridade moral do arguido protegida expressamente nos artigos 25.º, 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa e 126.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

J) A utilização de prova extraída do corpo do arguido sem consentimento deste viola este princípio e viola a integridade moral do arguido a qual é também protegida constitucionalmente pelo artigo 25.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, em anotação ao qual os autores Jorge Miranda e Rui Medeiros (in Constituição Portuguesa Anotada), consideram que os testes de alcoolemia que vão para além da pesquisa do teor de álcool no ar expirado 'não resistem ao crivo do juízo de inconstitucionalidade'.

K) Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de sangue a arguido inconsciente sem autorização deste, estar-se-ia a violar o princípio fundamental e estruturante da proibição de diligências conducentes à auto-incriminação do arguido e por arrasto ver-se-iam violados os princípios da dignidade da pessoa, o princípio da presunção da inocência e o princípio do contraditório, declarados e garantidos nos artigos 1.º, 25.º, 32.º, n.os 1, 2, e 8 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 126.º do Código de Processo Penal in totum."

5 - O Ministério Público contra-alegou, concluindo que:

"1 - Não é inconstitucional a norma do artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, quando interpretada no sentido de permitir que o exame ao sangue, cuja recolha não obteve o prévio consentimento do visado, em estado inconsciente, pode valer como prova em processo penal.

2 - Termos em que deve improceder o presente recurso."

6 - Em cumprimento do disposto no artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC, o recorrente e o recorrido foram notificados para se pronunciarem sobre a possibilidade de ser proferida decisão de não conhecimento do objecto do recurso, com fundamento na circunstância de o recorrente ter abandonado nas alegações produzidas a questão de inconstitucionalidade que suscitou durante o processo e que formulou no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.

Respondeu o recorrente, sustentando o seguinte:

"1 - Salvo o devido respeito, e muito é, por opinião contrária, o recorrente não abandonou a questão de constitucionalidade que suscitou durante o processo e que formulou no requerimento de interposição.

2 - Basta, aliás, ler as alegações do recorrente, em que sob a epígrafe: 'Delimitação do objecto do recurso', se mantém com a mesma amplitude aquilo que sempre foi o objecto do presente recurso.

3 - Houve, contudo, uma precisão na enunciação do problema, reflectida no pedido que culmina as alegações, que, de alguma forma, resultou do mais demorado estudo que foi feito sobre a questão, da obtenção do parecer que foi junto ao recurso, e levou a que na enunciação do problema fosse feita, igualmente, referência a outras normas constitucionais que podem reforçar o entendimento do recorrente.

3 - O acento tónico na apreciação de um recurso desta natureza deverá ser posto naquilo que é, efectiva e substancialmente, a 'questão de constitucionalidade'.

4 - Ora, a questão de constitucionalidade é uma e única em ambas as peças do recorrente, i. e., no requerimento de interposição de recurso, e nas alegações.

5 - O que difere é a verbalização da mesma, o que é compreensível e deverá ser compreendido pelo Tribunal, sob pena de se estar (sem verdadeiro motivo substancial e por via formalista desprovida de qualquer sentido, além de que inadmissível intelectualmente e numa perspectiva de Justiça), a denegar justiça numa questão constitucional e criminal fundamental.

6 - Com efeito, a questão de constitucionalidade colocada em ambas as peças é uma e única, a saber: se é constitucional a recolha e a utilização como elemento de prova em processo penal sem autorização do arguido, que é exactamente o mesmo que dizer: saber se é constitucional a utilização da prova obtida, sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue do arguido (constituindo mera especificação fáctica, sem qualquer influência na materialidade da questão e que já é pressuposto dos autos desde o despacho de abertura de inquérito, o facto de o arguido se encontrar inconsciente aos comandos de viatura automóvel envolvido em sinistro).

7 - Esta é a questão de constitucionalidade colocada.

8 - Quanto à referência ao artigo 159.º, n.º 7, ou ao conjunto normativo composto pelo 159.º, n.º 7, e 163.º, n.º 2, do CE, também apenas aparentemente existe divergência entre o que o arguido afirmou no Requerimento de interposição de recurso e nas respectivas alegações.

9 - Com efeito, os artigos 159.º, n.º 7 e 163.º, n.º 2, não foram aqui invocados em valências normativas autónomas, mas na respectiva relação normativa intra - sistemática - e que como tal é, na perspectiva dos factos, homogénea e conjunta.

10 - Por fim, o facto de se ter convocado, no requerimento de interposição, como padrão constitucional de aferição da inconstitucionalidade, apenas o n.º 8 do artigo 32.º, por relação com o que se invocou nas alegações, também não faz o recurso 'mudar de objecto'.

11 - É ainda a mesma questão de constitucionalidade que se põe, mas por relação com diversas normas constitucionais, todas elas sempre e só na mesma perspectiva normativa; o direito é um 'sistema', sendo por vezes impossível - como é o caso - aferir da compatibilidade normativa de determinadas normas legais com o artigo 32.º, n.º 8, e não o fazer relativamente a outras normas e princípios constitucionais.

12 - Principalmente em processo penal, onde as normas constitucionais constituem verdadeiros comandos processuais penais, com fulgurante e inafastável impacte na solução dos casos concretos.

13 - Ademais, considerar que a invocação nas alegações de outras normas constitucionais relevantes para a apreciação da mesma e fundamental questão de constitucionalidade colocada constitui violação de regra formal de processamento dos autos (verdadeira norma regulatória do rito processual), acaba por penalizar muito gravosamente o arguido, quando se atenta no prazo para interposição do requerimento de recurso.

14 - Tanto mais quando, como no caso vertente, entre o requerimento de interposição e as alegações se obteve um estudo mais profundo da questão parecer - que permitiu, com labor e estudo, perspectivar com maior amplitude a questão.

15 - Seria, aplicando-se o juízo subjacente ao despacho sob resposta, verdadeiramente uma limitação inaceitável do direito ao recurso de constitucionalidade, ela própria inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP e ainda do próprio princípio do Estado de direito democrático.

16 - Como pode no curtíssimo prazo de interposição de recurso o arguido delimitar de modo totalmente definitivo as normas constitucionais que deverão ser utilizadas como padrão aferidor da inconstitucionalidade de normas legais? Não pode, sem prejuízo da seriedade da análise da questão.

17 - Mas mesmo estas considerações valem apenas para os casos em que há uma efectiva variação da questão de constitucionalidade colocada à suprema apreciação do Tribunal Constitucional, o que no caso vertente não acontece, posto que a invocação nas alegações de recurso dos demais preceitos constitucionais que se não haviam elencado no requerimento de interposição de recurso, não faz modificar o cerne da questão de constitucionalidade colocada.

18 - Dir-se-á que é a mesma questão substantiva que é perspectivada à luz de diversas normas constitucionais, mas consubstanciando uma única e magna questão de constitucionalidade.

19 - Aliás, se apenas se tivesse sempre referido apenas o artigo 32.º, n.º 8, é certo que o Tribunal Constitucional motu próprio e por rigor e qualidade da respectiva jurisprudência, não deixaria de analisar, precisamente por força do conceito de sistema (da normatividade constitucional processual penal) atrás referido, a influência que na mesma questão de constitucionalidade têm os n.os 1, 2 e 5 do artigo 32.º da CRP (com efeito, as normas do artigo 32.º mantêm uma relação intra-sistemática patente e óbvia, por isso foram unificadas todas as normas sob este artigo), bem como os artigos 1.º e 25.º da CRP. (Atente-se em particular no carácter genérico e de enquadramento normativo de todo o texto constitucional destas duas normas).

20 - Por outras palavras, o artigo 1.º e o artigo 25.º estão já imanentes e subjacentes a muitas normas da CRP, mas que o estão relativamente ao artigo 32.º é inequívoco e insofismável.

21 - Quanto aos n.os 1, 2, 5 e 8 do artigo 32.º, também a respectiva inter-influência sistemática é patente e óbvia, principalmente quando a questão de constitucionalidade sujeita a apreciação do Tribunal Constitucional é a mesma: saber da admissibilidade no ordenamento jurídico processual penal português (legal e constitucional) da recolha de sangue como elemento de prova em processo penal sem autorização do arguido, ou, melhor precisando, saber da admissibilidade da prova obtida, sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue do arguido encontrado inconsciente aos comandos de uma viatura automóvel envolvida num sinistro.

22 - A questão de constitucionalidade é:

a) Materialmente, só uma, apesar das formulações diversas utilizadas no requerimento de interposição de recurso e nas alegações, a saber: admissibilidade da recolha e exame de sangue de arguido contra ou sem a sua vontade;

b) Normativamente só uma: a do artigo 32.º, n.º 8, da CRP, que todavia não pode deixar de ser analisado, em face do carácter multifacetado da questão de facto existente e do problema jurídico concretamente suscitado, pari passu com os n.os 1, 2 e 5 da mesma norma, e sob o enquadramento constitucional geral dos artigos 1.º e 25.º da Constituição.

23 - Delineada que ficou a posição do recorrente quanto à questão levantada no despacho que antecede, de todo o modo, e meramente à cautela e por mero dever de patrocínio, se o Tribunal Constitucional assim não entender, isto é, se entender que há diferença substancial entre a questão invocada no requerimento de interposição de recurso e nas alegações, o ora recorrente desde já deixa expressa a sua vontade de que seja apreciada a questão da constitucionalidade nos precisos termos utilizados no requerimento de interposição de recurso.

24 - Desta forma se reduz o âmbito das alegações aos termos utilizados no requerimento de interposição de recurso, o que se faz, como se disse por mero dever de patrocínio e à cautela, posto que entende não haver qualquer efectiva variação, ou abandono da questão da constitucionalidade suscitada.

Termos em que, exposta que fica, assim, a posição do recorrente em face do, aliás, douto despacho que antecede se requer a V. Ex.ª se digne conhecer do recurso interposto nos termos constantes das alegações apresentadas, considerando que não houve abandono da questão suscitada no requerimento de interposição de recurso, ou, em alternativa, o que se pede por mera cautela e dever de patrocínio, se considere reduzido o âmbito do recurso ao que consta do requerimento de interposição de recurso, seguindo-se os demais termos até final."

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 1 - Dos presentes autos, designadamente da motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa e do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, resulta que o recorrente suscitou e requereu que fosse apreciada a inconstitucionalidade do artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, interpretado no sentido de permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem autorização do suspeito, por violação do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa.

Das alegações produzidas neste Tribunal, designadamente do teor final do requerimento, decorre que o recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 159.º, n.º 7, e do artigo 163.º, n.º 2, do Código da Estrada, interpretados no sentido de permitirem a utilização da prova obtida, sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue de arguido encontrado inconsciente aos comandos de viatura automóvel, envolvido em sinistro, por violação dos artigos 1.º, 25.º e 32.º, n.os 1, 2, 5 e 8, da Constituição da República Portuguesa.

Face ao exposto e atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o momento processual em que fica definido o objecto do recurso de constitucionalidade, importa decidir se das alegações, globalmente consideradas, se pode extrair a conclusão de que a questão de constitucionalidade suscitada durante o processo e depois formulada no requerimento de interposição de recurso foi substituída por uma outra.

Este Tribunal tem entendido, de forma reiterada (Acórdãos n.os 10/95, 366/96, Diário da República, 2.ª série, de 22 de Março de 1995 e de 10 de Maio de 1996, 403/98, não publicado, 324/99, Diário da República, 2.ª série, de 25 de Outubro de 1999, 286/2000, 468/2004, e 645/2004, não publicados), que é no requerimento de interposição de recurso que se define o respectivo objecto (segundo o n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC cabe ao recorrente indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie), sem prejuízo de o mesmo poder ser restringido nas alegações (artigos 684.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e 69.º da LTC). Não podendo o recorrente, por conseguinte, ampliar o objecto do recurso, previamente definido no respectivo requerimento de interposição, nas alegações depois produzidas. Por outro lado, uma vez que a produção de alegações, relativamente à questão de inconstitucionalidade suscitada no requerimento de interposição, é obrigatória (artigos 69.º e 79.º da LTC, e 690.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), deixa de se poder conhecer do objecto do recurso, definido neste requerimento, se a questão aqui suscitada for "abandonada" nas alegações produzidas, caso em que "o recurso perdeu o seu objecto" (cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 286/2000 e, no mesmo sentido, o Acórdão 468/2004).

2 - Do confronto das alegações produzidas com o requerimento de interposição de recurso resulta que o recorrente questiona determinada interpretação dos artigos 159.º, n.º 7, e 163.º, n.º 2, do Código da Estrada, quando anteriormente questionou apenas a primeira disposição legal, quando interpretada em certo sentido; especifica o estado de inconsciência do arguido, quando anteriormente referiu, genericamente, a falta de autorização do examinado; e resulta, ainda, que indica os artigos 1.º, 25.º e 32.º, n.os 1, 2, 5 e 8, da Constituição da República Portuguesa como normas ou princípios constitucionais violados, quando anteriormente indicou apenas o artigo 32.º, n.º 8, como parâmetro de aferição da constitucionalidade da norma questionada. Alterações que assumem relevância decisiva, atendendo aos requisitos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o que exclui um qualquer juízo no sentido de haver "uma limitação inaceitável do direito ao recurso de constitucionalidade", tal como sustenta o recorrente.

Independentemente da questão de saber se é ou não é indiferente questionar determinada interpretação do artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada ou desta disposição legal e de uma outra, ainda que se insira no mesmo "conjunto normativo", não é exactamente o mesmo questionar a constitucionalidade de determinado artigo, interpretado no sentido de permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem autorização do examinado e questionar a constitucionalidade desse mesmo artigo, interpretado no sentido de permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, em indivíduo inconsciente. Do teor das alegações produzidas pelo recorrente decorre, até, que a especificação do estado de inconsciência do examinado permite um outro enquadramento da questão, nomeadamente por referência aos princípios da "liberdade de decisão e actuação do arguido em processo penal" e da "proibição de diligências conducentes à auto-incriminação do arguido" (n.os 32, 33, 39 e 40), assumindo tal especificação particular relevância à luz do disposto no n.º 7 do artigo 159.º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei 265-A/2001, de 28 de Setembro, na medida em permite que o examinado (não inconsciente) recuse a colheita de sangue para análise. Estão em causa dimensões interpretativas distintas de uma mesma disposição legal, só podendo ser apreciada por este Tribunal aquela que foi a razão de decidir do tribunal recorrido - é permitida a recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem autorização do examinado.

Quanto à alteração assinalada relativamente às normas ou princípios constitucionais que o recorrente considera agora violados, também não se trata de algo irrelevante, face ao ónus que recai sobre o recorrente de suscitar a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC), que apreciou a norma cuja constitucionalidade era questionada à luz do parâmetro invocado pelo recorrente - o artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa.

Se tal alteração fosse admissível, no requerimento de interposição de recurso ou nas alegações, anular-se-ia por completo o fim que se visa com este ónus - "o de permitir que este tribunal se aperceba da questão de constitucionalidade e a aprecie - devendo ainda ter-se em conta o rigor com que a lei define aquele ónus no artigo 72.º, n.º 2, da LTC (suscitação de 'modo processualmente adequado').

Por outro lado, o aludido poder do Tribunal Constitucional previsto no artigo 79.º-C da LTC apenas deve ser exercido - e aqui oficiosamente - quando o Tribunal entender que se verifica inconstitucionalidade, embora por outro fundamento, não tendo que hipotizar (ele próprio ou 'sugestão' do recorrente) todas as possíveis questões de inconstitucionalidade da norma em causa, para lhe dar resposta negativa" (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 139/2003, Diário da República, 2.ª série, de 2 de Julho de 2003).

Na medida em que o recorrente abandonou a questão de inconstitucionalidade formulada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, substituindo-a por uma outra, logo que delimitou o objecto do recurso nas alegações produzidas (cf. n.º 6 e seguintes), não pode conhecer-se do objecto definido naquele requerimento. Quanto à questão de saber se artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, interpretado no sentido de permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem autorização do suspeito, viola o artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, não foram produzidas a alegações, o que obsta à pretensão do recorrente no sentido de ser "apreciada a questão de constitucionalidade nos precisos termos utilizados no requerimento de interposição de recurso" (cf. os n.os 23 e 24 da resposta ao despacho que o notificou da possibilidade de ser proferida decisão de não conhecimento do objecto do recurso).

3 - Também não é possível conhecer a questão de inconstitucionalidade formulada nas alegações por duas razões: por um lado, porque o recorrente não pode ampliar (mas apenas restringir) o objecto do recurso definido no respectivo requerimento de interposição; e, por outro, porque, ainda que pudesse alargar tal objecto, não se poderiam dar como verificados dois requisitos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC - a suscitação prévia e de forma adequada daquela questão perante o tribunal recorrido e a aplicação por este, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada nas alegações.

III - Decisão. - Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 15 unidades de conta a taxa de justiça.

Lisboa, 26 de Setembro de 2006. - Maria João Antunes - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria Helena Brito - Rui Manuel Moura Ramos (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Artur Maurício.

Declaração de voto

Dissenti da decisão do presente acórdão por não poder acompanhar a tese exposta no n.º 2 da respectiva fundamentação: a de que o requerente teria abandonado nas alegações a questão de constitucionalidade que suscitara no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, substituindo-a por uma outra. Já não contesto a linha discursiva enunciada no n.º 3, segundo a qual ao Tribunal estaria vedado conhecer uma questão de inconstitucionalidade formulada nas alegações e que fosse distinta da enunciada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal. Indicarei brevemente, de seguida, as razões da minha discordância quanto à referida tese.

No recurso que interpôs para o tribunal que proferiu a decisão recorrida (o Tribunal da Relação de Lisboa) o recorrente havia suscitado a inconstitucionalidade da "interpretação segundo a qual o artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada permite a recolha de sangue sem consentimento do arguido [...] por violação do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa". A decisão recorrida viria a contrariar esta posição sustentando que na situação em causa, e uma vez que o arguido se encontrava inconsciente, seria impossível a realização da prova por pesquisa de álcool no ar expirado (em relação à qual a lei prevê a possibilidade de recusa do arguido), pelo que se imporia a submissão à colheita de sangue para análise, em relação à qual, no seu entender, "a lei não imporia qualquer autorização prévia", pelo que inexistiria "qualquer ilegalidade e, designadamente, nulidade no âmbito da obtenção de prova". Face ao que o recorrente suscitou, neste Tribunal a apreciação da inconstitucionalidade "do artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, interpretado no sentido de permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem autorização do suspeito, por violação do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa". É certo que, nas suas alegações, o recorrente precisou esta interpretação normativa, reportando-a a uma conjugação da disposição já referida com o então artigo 163.º, n.º 2, do mesmo Código da Estrada, invocou ainda como normas constitucionais violadas também os artigos 1.º, 25.º, e 32.º, n.os 1, 2, e 5 da Constituição, e, ao referir-se à interpretação do acórdão recorrido, considerou-a inconstitucional na medida em que permitiria "a utilização da prova obtida, sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue de arguido encontrado inconsciente aos comandos de viatura automóvel, envolvido em sinistro". É nesta referência à inconsciência do sujeito submetido à recolha de sangue para aferição da taxa de alcoolémia [constante dos n.os 6, alínea a), 32 e 40 das alegações e da conclusão K) desta peça processual] que o acórdão se estriba para considerar que o recorrente teria abandonado nas suas alegações a questão de inconstitucionalidade inicialmente formulada, substituindo-a por uma outra.

Simplesmente, não cremos que tal tenha ocorrido. É que, nas suas alegações, o recorrente não deixa de sublinhar que a inconstitucionalidade radica na falta de autorização do arguido sujeito à recolha e exame de sangue, não resultando da referência adicional ao circunstancialismo em que esta ocorreu (achar-se o arguido inconsciente) uma colocação do problema de tal forma inovadora que impeça a sua recondução à questão originariamente posta. A precisão assim introduzida, na verdade, não inviabiliza que o problema continue a ser, para o requerente, a falta de consentimento do arguido para a recolha da prova, que no seu entender constitui condição necessária e suficiente para a sindicância da norma nos termos intentados.

E não se diga que não foram produzidas alegações quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada no requerimento de interposição do recurso, como se faz no acórdão; basta consultar os n.os 18 a 28 e 36 a 38, das alegações, onde a questão é tratada com referência aos precisos termos em que havia sido formulada perante este Tribunal no requerimento de interposição do recurso. Por outro lado, nem a circunstância de se terem aditado outros parâmetros de apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa questionada, nem o facto de ela ser reportada também a uma interpretação conjugada de duas disposições (das quais só uma havia sido indicada no requerimento de interposição do recurso) se nos afigura bastante para concluir pelo abandono da questão suscitada, que é claramente recortada, nos precisos termos em que o fora inicialmente, nas conclusões A) a H) das alegações do recorrente, sendo certo que apenas na conclusão K) deste articulado se faz referência ao estado de inconsciência do arguido sujeito à recolha e análise de sangue, e isto para concluir no sentido de uma adicional violação de princípios constitucionais.

Em face do que conheceríamos do pedido nos exactos termos formulados no requerimento de interposição, como de resto pretende o recorrente na sua resposta à questão prévia suscitada pela excelentíssima conselheira relatora. - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1547481.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-09-28 - Decreto-Lei 265-A/2001 - Ministério da Administração Interna

    Altera o Código da Estrada, aprovado pelo Dec Lei 114/94 de 3 de Maio. Republicado em anexo com as alterações ora introduzidas.

Aviso

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