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Acórdão 47/2007, de 9 de Fevereiro

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Sumário

Concede provimento ao recurso interposto da deliberação da Comissão Nacional de Eleições de 18 de Janeiro de 2007, relativa à não inscrição do grupo de cidadãos Plataforma "Diz Que Não", determinando, consequentemente, que se proceda à inscrição daquele grupo de cidadãos eleitores, em conformidade com o disposto no artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril

Texto do documento

Acórdão 47/2007

Processo 144/2007

Acordam em plenário no Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Por deliberação tomada na reunião plenária de 18 de Janeiro de 2007, a Comissão Nacional de Eleições (de ora em diante CNE) decidiu não aceitar a inscrição do grupo de cidadãos designado "Diz Que Não", para os efeitos previstos no artigo 41.º, n.º 1, da Lei 15-A/98, de 3 de Abril (Lei Orgânica do Regime do Referendo, de ora em diante LORR).

Tal deliberação fundamentou-se na circunstância de o resultado da extrapolação da amostra para o universo das subscrições entregues ser inferior ao número mínimo exigido por lei (5000), verificando-se ainda ser o limite máximo do intervalo de confiança igualmente inferior àquele número mínimo. Situando-se todos os valores abaixo dos 5000, incluindo a própria margem de erro admissível, e na falta de tempo para proceder a uma validação com recurso a uma amostra mais alargada e com menor margem de erro, a CNE deliberou não aceitar a inscrição do grupo de cidadãos "Diz Que Não".

Considerando um universo de 6590 subscrições apresentadas pelo grupo de cidadãos "Diz Que Não", a CNE refere que o resultado da verificação administrativa da amostra mínima (100 subscrições) permitiu detectar a ocorrência de 37 irregularidades (5 na análise preliminar da própria CNE, traduzidas 1 na falta de indicação de um número de bilhete de identidade, 2 na falta do nome completo e 2 na falta de assinatura, 3 no controlo levado a efeito pelo STAPE, e que decorriam da não localização dos nomes dos subscritores na BDRE, e 29 na apreciação levada a cabo pela DSIC). O resultado da extrapolação conduziria assim a um número de 4152 subscrições, cujo intervalo de confiança se situaria entre um limite inferior de 3530 e um limite superior de 4774, o que levou a CNE a concluir pela inexistência do número de 5000 cidadãos eleitores requerido pelo artigo 41.º, n.º 1, da LORR.

2 - A deliberação da CNE precedentemente referida foi notificada por telecópia ao grupo de eleitores "Diz Que Não" em 19 de Janeiro de 2007. Em 22 de Janeiro seguinte, este grupo, atendendo a que pensava ser demasiado elevado o número de assinaturas recusadas pela DSIC, solicitou à CNE um conjunto de dados (critério utilizado na averiguação da autenticidade das assinaturas dos cidadãos signatários, cópias legíveis dos verbetes utilizados pelo Serviço de Identificação Civil relativas às 29 ocorrências registadas pelo DSIC, e indicação das 100 assinaturas que foram utilizadas na amostra), com o objectivo de avaliar a possibilidade de recorrer da decisão da CNE.

No mesmo dia, a CNE respondeu ao grupo de cidadãos em causa, referindo não ter conhecimento do critério utilizado pela DSIC para averiguação da autenticidade das assinaturas nem possuir cópia dos verbetes utilizados por aquele organismo, pelo que não poderia satisfazer o pedido nessa parte; e indicou as 100 assinaturas que integravam a amostra, discriminando aquelas em relação às quais se tinham detectado irregularidades no exame levado a cabo quer pela própria CNE, quer pelo STAPE, quer pela DSIC.

Em 22 de Janeiro de 2007, o grupo de cidadãos eleitores Plataforma "Diz Que Não", representado por Ana Maria Líbano Monteiro, interpôs, nos termos do artigo 11.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 102.º-B da Lei 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, de ora em diante LTC), recurso para o Tribunal Constitucional daquela decisão, invocando que ela incorre num lapso matemático que, por si só, implica a exclusão injustificada deste grupo cívico e que acolhe, na interpretação dos resultados da verificação administrativa de natureza estatística efectuada ao universo das subscrições e correspondentes assinaturas apostas quanto ao grupo em causa, um não justificado formalismo oposto e prevalecente ao princípio democrático e ao direito de participação na vida pública, consagrados nos artigos 2.º e 48.º da Constituição.

O recorrente começa por referir que a CNE utilizou um universo de assinaturas de dimensão inferior à real, introduzindo na sua análise um erro matemático de base adequado a comprometer de imediato, como comprometeu, a sua aceitação como grupo cívico. Indica, a este propósito, que a CNE assumiu que as subscrições por si apresentadas foram no número de 6590, conforme constava de um mapa resumo em folha de cálculo anexa ao conjunto de folhas de assinaturas entregues, apesar de o número efectivo de assinaturas apresentadas ter sido bastante superior (7108), tendo o recorrente excluído da contagem 518 assinaturas, que, no seu entendimento, não seriam de validar. No seu entender, a fazer incidir a verificação administrativa à amostra mínima de 100 assinaturas de que resultou o registo de 37 ocorrências, sobre o universo de subscrições agora reclamado, o resultado da extrapolação seria de 4478 assinaturas e o limite superior do intervalo de confiança largamente superior a 5000 assinaturas, o que determinaria a inscrição do grupo ora recorrente, circunstância que revelaria a utilidade do conhecimento do presente recurso.

Contesta, por outro lado, a metodologia utilizada na verificação levada a cabo pela CNE, quer por se desconhecer o critério de selecção da amostra elegida, quer por a validação estatística a que se procedeu ter por base uma variável subjectiva (a verificação da autenticidade das assinaturas) e não objectiva, o que determinaria a possibilidade da ocorrência de falsos negativos. Problema que apenas poderia ser evitado, no seu entender, através de verificações sujeitas a contraditório, desde logo quanto às subscrições em crise e invalidadas constantes da amostra recolhida e verificada. Em acréscimo, argumenta que a utilização exclusiva de métodos indirectos (como a amostragem) para a confirmação da veracidade da afirmação dos grupos deveria ser excluída, quer pela margem de erro que lhes está associada, que poderia levar à privação do exercício de direitos por erros inerentes à metodologia, quer por as conclusões baseadas sobre métodos indirectos jamais poderem prevalecer sobre as conclusões directas, devendo apenas ser utilizadas na ausência de métodos directos ou quando comprovem as conclusões por estes obtidas. Entendimento este que, no seu entender, não seria estranho a posições anteriormente assumidas pela própria CNE.

Finalmente, sustenta poderem ter sido incorrectamente relevadas nas irregularidades detectadas as situações de dúvida por semelhança ou dissemelhança, ou poderem ter sido indevidamente considerados ou identificados os requisitos essenciais a observar em matéria de regularidade da constituição e inscrição de grupos, como teria já sido reconhecido pela jurisprudência deste Tribunal. A este propósito, contesta a invalidação de subscrições, pela CNE, por falta de nome completo, em termos que no seu entender contrariariam a posição assumida pelo Tribunal no seu Acórdão 608/98, de 21 de Outubro. E, sublinhando o seu desconhecimento dos critérios utilizados pela CNE e pela DSIC, sustenta que, bastando menos três ocorrências para que resultassem válidas e regulares, por efeito do processo de extrapolação, mais de 5000 assinaturas, com a consequente aceitação da inscrição da recorrente, seria inequívoca, também por este motivo, a utilidade do conhecimento do presente recurso, devendo ser escrutinadas as dúvidas da CNE quanto aos elementos essenciais e da DSIC quanto à regularidade das assinaturas, havendo todas as irregularidades verificadas de ser detectáveis pelo homem médio à luz de todos os dados do processo, sob pena de prevalência do formalismo sobre a vontade de todos os que, em nome do princípio democrático, pretendem participar num processo político da maior importância.

E conclui reafirmando o essencial da argumentação anteriormente expendida e salientando que a não aceitação do grupo de cidadãos recorrente resulta de um lapso matemático de base e do registo de ocorrências que aquele não pôde analisar, factores independentes mas que, cada um de per si, permitiriam a sua aceitação.

3 - Por o entender possível e necessário, o ora relator solicitou à CNE, nos termos do artigo 102.º-B, n.º 4, da LTC que fossem enviados ao Tribunal os originais das folhas de subscrição do grupo de cidadãos eleitores designado "Diz Que Não" donde constassem as assinaturas correspondentes às 29 irregularidades detectadas pela DSIC e às 5 irregularidades detectadas pela CNE; que se diligenciasse no sentido quer de ser indicado ao Tribunal o critério utilizado por aquele organismo para a avaliação da autenticidade das assinaturas, quer da remessa das cópias dos verbetes utilizados pela DSIC para controlo da autenticidade das assinaturas; e, posteriormente, que fosse remetida ao Tribunal cópia do requerimento de inscrição e denominação do grupo de cidadãos "Diz Que Não".

A CNE transmitiu ao Tribunal Constitucional, nesse mesmo dia, a documentação solicitada.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 4 - Como decorre do relatado, a deliberação da CNE foi comunicada à comissão executiva do grupo de cidadãos "Diz Que Não", por telecópia em 19 de Janeiro de 2007. E o recurso interposto em nome do grupo de eleitores Plataforma "Diz Que Não", apresentado à CNE, foi interposto para o Tribunal Constitucional no dia 22 de Janeiro seguinte, o 1.º dia útil (os dias 20 e 21 foram, respectivamente, um sábado e um domingo) posterior àquele, após o ora recorrente ter entretanto (ainda em 19 de Janeiro) pretendido obter e parcialmente obtido (em 22 de Janeiro, pouco depois das 11 horas) da CNE determinados elementos em ordem à elaboração do recurso (fls. 14 a 19).

Deste modo, o presente recurso, interposto ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B, n.º 1, da LTC, é tempestivo, tendo em conta o que estabelece o n.º 2 do mesmo artigo da mesma lei, que fixa para tal efeito o prazo de um dia.

5 - Também não ocorrem problemas de legitimidade que possam impedir o conhecimento do recurso. Na verdade, e mau grado ser sistematicamente referido na documentação da CNE sob a denominação "Diz Que Não" (ofício de remessa do processo a este Tribunal e fls. 1, 2, 4, 6, 7, 15 e 16) e ter utilizado a mesma designação no ofício em que solicitou esclarecimentos à CNE em 22 de Janeiro, o grupo de cidadãos eleitores ora recorrente, Plataforma "Diz Que Não", solicitou a sua inscrição à CNE sob esta última designação para participação no esclarecimento da questão submetida ao referendo nacional de 11 de Fevereiro. Por outro lado, a signatária do recurso, Ana Maria Líbano Monteiro, surge identificada nos elementos juntos ao processo pela CNE por iniciativa do ora relator como mandatária nacional do referido grupo de cidadãos eleitores.

Tanto basta, sendo indisputável que a deliberação da CNE ora em apreço afecta interesses legítimos do grupo de cidadãos eleitores recorrente, na medida em que impede a sua participação no processo de esclarecimento conducente ao referendo de 11 de Fevereiro próximo, para que seja reconhecida a sua legitimidade para a interposição do presente recurso.

6 - Poderia ainda questionar-se se os termos em que o recorrente configura o presente recurso respeitam o ónus de alegação dos vícios e ilegalidades que afectam a decisão recorrida. Na verdade, é certo que o ora recorrente não identifica quais as assinaturas (ou sequer o número destas) que em seu entender (e contrariamente ao decidido pela CNE) hão-de ser tidas por válidas, limitando-se a referir: que duas ocorrências de subscrições invalidadas por falta de nome completo e duas invalidadas por falta de assinatura o não deveriam ter sido, a ter sido seguida a orientação definida por este Tribunal no seu Acórdão 608/98, de 21 de Outubro; a recordar que bastariam menos três ocorrências para que resultassem válidas e regulares, por efeito do processo de extrapolação, mais de 5000 assinaturas, com o resultado de por esse facto dever ser aceite a sua inscrição; e a suscitar, a partir do número elevado, e para si inverosímil, de irregularidades detectadas, dúvidas quanto ao critério utilizado pela DSIC na verificação administrativa. De todo o modo, é certo igualmente que a recorrente pretende que a idêntico resultado se deveria chegar, a revelar-se procedente a sua argumentação, a propósito do lapso matemático de base que imputa à CNE (e traduzido na desconsideração do que chama de universo real de subscrições).

Nestes termos, conclui-se haver utilidade no conhecimento do recurso, na medida em que o acolhimento das teses do recorrente poderá conduzir à procedência da pretensão que faz valer perante este Tribunal.

7 - Incumbe pois ao Tribunal Constitucional decidir se a deliberação impugnada se baseia num erro matemático quanto à definição do universo real das subscrições, se, como pretende o recorrente, não é admissível a exclusão de grupos de cidadãos eleitores apenas pela simples utilização de métodos indirectos (como a simples verificação administrativa com o recurso a uma amostragem) e se as irregularidades apontadas na decisão da CNE impedem o preenchimento dos requisitos legais de forma previstos, conjugadamente, nos artigos 41.º, n.º 3, e 17.º, n.os 1 e 2, da LORR.

8 - Quanto à primeira daquelas questões, sustenta o recorrente que a CNE considerou um universo real de 6590 subscrições, e não as 7108 inicialmente apresentadas, tendo assim deixado totalmente de lado outras 518 assinaturas que o próprio recorrente havia excluído da contagem. E sustenta ter assim a CNE ocorrido num erro (um "erro matemático de base"), e um erro susceptível de comprometer de imediato a aceitação do recorrente como grupo de cidadãos eleitores. Para o efeito, alega que, assumindo como correcto o resultado da verificação administrativa à amostra mínima de 100 assinaturas considerada, e aplicando os mesmos critérios de análise estatística ao número total de assinaturas efectivamente entregue, obter-se-ia um resultado de extrapolação diverso (4478 assinaturas e não 4152) e um UIC (limite superior do intervalo de segurança) seguramente superior a 5000 assinaturas, o que conduziria à plena satisfação dos critérios necessários à inscrição da recorrente.

A argumentação da recorrente deve ter-se por improcedente. Na verdade, se o próprio grupo de eleitores em questão considerou determinadas assinaturas como não válidas não se vê como censurar à CNE a circunstância de, completamente, as haver desconsiderado no quadro do controlo que é chamada a levar a cabo. Por um lado, porque há que não esquecer que o exercício de controlo a que a CNE procede não constitui um fim em si, apresentando-se pelo contrário direccionado à verificação do preenchimento, por parte das subscrições apresentadas, de determinado conjunto de requisitos legais, tidos por indispensáveis à garantia das necessárias lealdade e genuinidade da participação dos grupos de eleitores no processo referendário. Nestes termos, não se concebe que sentido teria considerar incluída no universo relevante uma parcela que de todo (no entender do próprio recorrente) não preenchia aqueles requisitos. Afigura-se seguro que, a ser assim, e a serem utilizados os métodos directos que a recorrente considera essenciais num processo deste tipo, tais subscrições não poderiam deixar de se revelar igualmente como irregulares. Por outro lado, a argumentação do recorrente revela-se contraditória, uma vez que supõe que, a incluir-se no universo um determinado número de subscrições inválidas, o número de ocorrências detectado numa amostragem de 100 se manteria inalterado, o que se não pode assumir como certo, sendo aliás dificilmente verosímil. Por último, a assumir-se a lógica do recorrente, a inclusão destas 518 subscrições no universo a que se refere a amostra não poderia ter outra consequência que a de perturbar a avaliação que se pretende levar a cabo por este método indirecto. Com efeito, a aleatoriedade que a sua aplicação não deixa de encerrar e lhe é inerente seria susceptível de desfigurar os próprios resultados da amostragem, na exacta medida em que levaria à aplicação do método numa perspectiva já consabidamente viciada, comprometendo o objectivo desta metodologia que, embora num contexto de redução da realidade, sempre visa a sua reprodução de forma fidedigna.

Nestes termos, não se vislumbra nem fundamento nem sentido em censurar à CNE a opção que a este respeito ela acabou por perfilhar, desconsiderando elementos que à partida eram tidos por inválidos e cuja possibilidade de interferência no resultado de uma avaliação de tipo indirecto sempre se deveria ter por ilegítima, em razão desde logo da sua referida viciação (ademais, como se disse, à partida reconhecida pelo recorrente).

9 - Num segundo momento, considera a recorrente, para além de entender necessária a indicação do critério de selecção da amostra elegida, que a metodologia proposta (que utiliza uma amostragem) só poderia fazer sentido em presença de variáveis de verificação objectiva, e não já, como no caso, de verificação subjectiva. A desconsideração deste condicionalismo traduzir-se-ia, no seu entender, por poder gerar o aparecimento de falsos negativos, possibilidade a que seria indiferente a extensão da amostra, visto ela permanecer constante, atenta a natureza subjectiva da verificação. Em particular, a recorrente contesta a utilização, pela CNE, em alternativa à verificação directa e exaustiva de todas as candidaturas, de técnicas de amostragem, quando ela for utilizada para excluir um direito de participação. E refere que a própria CNE, na sua prática anterior, tem continuado a utilizar os métodos de verificação directa, sublinhando que as exigências postas a este propósito por aquele organismo em matéria de constituição e inscrição de grupos apenas têm sido objecto de confirmação jurisprudencial no que se não refere aos requisitos essenciais desta.

Importa salientar, a este propósito, que é a própria LORR que, no seu artigo 17.º, n.º 2 (aplicável em matéria de forma de constituição dos grupos de cidadãos eleitores por força do artigo 41.º, n.º 3, do mesmo diploma), prevê a possibilidade de solicitar aos serviços competentes da Administração Pública a verificação administrativa, por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da identificação dos subscritores (da iniciativa popular referendária como da constituição dos grupos de cidadãos eleitores). Verificação cuja legalidade já foi de resto reconhecida por este Tribunal, no seu citado Acórdão 608/98, de 21 de Outubro.

Como quer que seja, o certo é que a recorrente suscita também a questão da incorrecta detecção de irregularidades (ou de indevida consideração ou detecção de situações de falta dos requisitos essenciais da validade das subscrições) por parte da CNE a partir do número alegadamente elevado de irregularidades detectadas em situações de dúvida por semelhança ou dissemelhança (37 em 100). E esta argumentação, bem vistas as coisas, não contende já com a possibilidade de aplicação da metodologia da amostragem para identificação dos casos de recusa, mas com os termos em que foi concretamente realizada a verificação administrativa em causa.

Nestes termos, a questão a decidir desde logo é a de saber se o procedimento seguido pela CNE para concluir pela existência das 37 irregularidades está em consonância com os requisitos legais, tal como têm sido entendidos pela jurisprudência deste Tribunal.

10 - A este propósito, e quanto às ocorrências detectadas pela DSIC, o recorrente reafirma a ignorância, em que se encontraria, do critério seguido pelas entidades encarregues da verificação, e a circunstância de o facto de bastarem menos três ocorrências para que resultassem válidas e regulares, por efeito do processo de extrapolação, mais de 5000 assinaturas, com o resultado de a sua inscrição ter de ser em tal caso aceite.

Ora, a consulta dos elementos enviados pela CNE, e que serviram de suporte à verificação administrativa por esta efectuada, permite concluir que, de entre as 29 subscrições recusadas pela DSIC seguramente que 11, pelo menos, contêm a assinatura do cidadão eleitor proponente tal qual consta do verbete de requisição do bilhete de identidade respectivo no lugar dedicado à inscrição do nome completo deste.

Como se afirmou no referido Acórdão 608/98, de 21 de Outubro, deste Tribunal, se "a lei exige que constem do requerimento de constituição do grupo de cidadãos eleitores as respectivas assinaturas, como requisitos legais destinados à expressão da clara vontade de tais cidadãos de constituírem o grupo e da sua efectiva identificação" o certo é que "não consta dos requisitos legais destinados a assegurar a realização dos objectivos anteriormente referidos a indicação do lugar da assinatura ou do nome completo, podendo, claramente, valer como assinatura aquilo que for designado por nome completo [...] Decisivo é que a subscrição integre a assinatura do cidadão proponente, de forma adequada à prova da sua autenticidade e à identificação do subscritor pelos serviços competentes da Administração Pública. Por conseguinte, a subscrição deve compreender, em princípio, a assinatura constante do bilhete de identidade.".

No caso em apreço, repete-se, em todos os casos referidos há efectivamente uma assinatura semelhante (segundo o critério do observador médio não especialista, que, de acordo com a CNE, é o utilizado por ela própria e pelo Serviço de Identificação Civil) à assinatura constante do verbete de requisição do bilhete de identidade. Ainda que tal assinatura esteja aposta no local previsto para a utilização do nome completo, se se tivesse, segundo o critério do observador médio não especialista em grafologia, efectuado o confronto com as palavras indicadas no lugar previsto para o nome completo, ter-se-ia concluído pela semelhança das assinaturas.

É o que ocorre, no mínimo e seguramente, com as seguintes situações:

Luís Filipe Coelho Torres, fl. 49, l. 1;

Zelinda Narciso Castanheira, fl. 513, l. 3;

José António Paulos, fl. 20, l. 3;

Maria Luísa Andrade Dias, fl. 178, l. 13;

Ana da Silva Oliveira, fl. 492, l. 10;

Maria da Conceição Pardal, fl. 223, l. 16;

Carlos Manuel Palma, fl. 122, l. 4;

Maria Leonor da Silva Marques, fl. 47, l. 6;

Maria Antónia Vieira, fl. 511, l. 12;

Diamantino dos Santos, fl. 39, l. 3;

Eduardo Adelino Guarda, fl. 100, l. 8.

De modo semelhante ao que se verificou ocorrer na situação analisada no referido Acórdão 608/98, de 21 de Outubro, deste Tribunal, é pois o próprio critério utilizado na confirmação das assinaturas que fornece resultados contraditórios aos da deliberação da CNE. Com efeito, e como também aí se afirmou, o observador médio não recusaria, de acordo com os dados do processo, a autenticidade das assinaturas de pelo menos 11 dos 29 signatários precedentemente referidos se tomasse em consideração a indicação dos nomes. "E é de recusar, nesta matéria, em nome do próprio princípio democrático (artigo 2.º da Constituição) a prevalência absoluta do formalismo de um formulário não oficial sobre uma vontade que não pode deixar de se tomar [...] como autêntica e inequivocamente expressa", ainda nas palavras do Acórdão 608/98.

Assim, o Tribunal Constitucional há-de concluir pela invalidade da deliberação da CNE de 18 de Janeiro de 2007, no que se refere pelo menos àquelas 11 das 29 assinaturas consideradas dissemelhantes das constantes nos verbetes de requisição do bilhete de identidade. Projectando a validade desse número de assinaturas na fórmula matemática utilizada para calcular a repercussão da amostragem no universo total das assinaturas, conclui-se que se atinge o resultado da extrapolação de 4877, sendo que o respectivo limite superior do intervalo de confiança sempre ultrapassará claramente o número de 5000 subscrições válidas legalmente exigido.

Torna-se assim dispensável apreciar a possibilidade de aplicação de métodos indirectos à exclusão de grupos de cidadãos eleitores. E torna-se igualmente dispensável considerar se outras subscrições, para além das indicadas, seriam ainda susceptíveis de validação de acordo com o critério exposto (designadamente aquelas em que o nome foi abreviado em algum dos seus componentes ou reduzido por eliminação de parte dos seus elementos), bem como se quanto aos outros quatro casos de irregularidades detectadas directamente pela CNE, mas contestadas pelo recorrente, se deve concluir de igual modo. Por si só, a conclusão de que não são inválidas 11 das 37 subscrições anteriormente mencionadas basta para satisfazer o requisito numérico previsto no artigo 41.º, n.º 1, da LORR e determinar a procedência do recurso.

III - Decisão. - 11 - Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao recurso interposto da deliberação da CNE de 18 de Janeiro de 2007, relativa à não inscrição do grupo de cidadãos Plataforma "Diz Que Não", determinando, consequentemente, que se proceda à inscrição daquele grupo de cidadãos eleitores, em conformidade com o disposto no artigo 41.º, n.º 1, da Lei 15-A/98, de 3 de Abril.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2007. - Rui Manuel Moura Ramos - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Gil Galvão - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Paulo Mota Pinto - Maria Helena Brito - Mário José de Araújo Torres - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Vítor Gomes - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1543358.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-04-03 - Lei 15-A/98 - Assembleia da República

    Aprova a Lei Orgânica do Regime do Referendo.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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