Jurisprudência 4/2001
Processo 197/00 - 1.ª Secção
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - O Banco Pinto & Sotto Mayor intentou acção de condenação, na forma de processo ordinário, contra Viriato Rebelo Leite de Castro e mulher, Maria da Conceição Ferreira Leite de Castro, António Luís Borges de Moura e mulher, Maria do Nascimento Esteves Borges de Moura, e José António Valério Mesquita de Oliveira e mulher, Maria Berta Rebelo Leite de Castro Mesquita de Oliveira, pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 8515390$30, de capital, e 778995$70, de juros de mora vencidos, bem como os vincendos, até integral liquidação.
Alega, para o efeito, em síntese, que os réus são fiadores da sociedade KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., tendo esta obtido financiamentos junto do autor, no montante global de 8445000$00, que não foram pagos, devendo ainda a quantia de 60390$30, respeitante a pagamentos efectuados pelo autor em benefício daquela sociedade.
Contestando, os réus deduziram o incidente de chamamento à demanda da devedora KERANGOL e concluíram no sentido da sua absolvição do pedido, porque, por um lado, a fiança é nula e, por outro, sempre estaria extinta, já que os réus tinham, entretanto, cedido as quotas que possuíam na referida sociedade.
A chamada também contestou, concluindo, igualmente, pela sua absolvição do pedido por, alegadamente, o autor, sem motivo justificativo, não ter aceite as propostas e prestações que lhe foram oferecidas, não concedendo qualquer cooperação com vista à liquidação do invocado débito.
Respondeu o autor, que concluiu como na petição inicial.
Proferido despacho saneador, com elaboração de especificação e questionário, e realizada a audiência de julgamento, foi, em 26 de Novembro de 1996, proferida sentença, que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou os réus fiadores e a ré sociedade a pagarem ao autor as quantias pedidas - cf. fls. 219-227.
No entanto, no julgamento do recurso que, inconformados, os réus fiadores interpuseram, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 19 de Outubro de 1999, decidiu conceder provimento à apelação e revogou a sentença recorrida na parte em que condenou os réus fiadores, julgando a acção improcedente quanto a eles e absolvendo-os do pedido - cf. fls. 272-284.
Agora, por sua vez, inconformado, traz o Banco autor a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:
1.ª A matéria perguntada no quesito 15.º está ajustada aos factos alegados e antes questionados, não resulta desta qualquer questão de direito ou necessidade de recurso a norma legal para interpretar e apurar a verdade de facto, se os réus devem ou não aqueles montantes;
2.ª Sendo certa e reconhecida a dificultosíssima distinção entre questão de facto e questão de direito, a matéria contida no quesito 15.º trata de factos alegados pelo autor e que importava apurar, surge no contexto e sequência de outros factos existentes e entre si relacionados e não comporta matéria de direito nos termos em que vem mencionada no artigo 646.º do Código de Processo Civil;
3.ª A fiança de obrigações futuras, como negócio jurídico que é, só não será válida se estas forem indetermináveis, a fiança dos autos, sendo o seu objecto indeterminado, não implica nulidade, ele é perfeitamente determinável, não só por critérios determinados pelas partes e pela própria actividade da afiançada, mas também o seria com recurso aos critérios supletivos previstos no artigo 400.º do Código Civil;
4.ª A prestação é indeterminada, mas determinável quando não se saiba no momento anterior qual o seu teor mas exista um critério para proceder à sua determinação e do texto da fiança em questão resulta manifesto o critério para a determinação das obrigações, «designadamente as provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários»;
5.ª O objecto da fiança subscrita era posteriormente determinável com o vencimento dos títulos ali mencionados, além de a sua determinabilidade resultar do facto de se tratar de fiança prestada a instituição bancária para garantir obrigações de uma sociedade comercial, restringindo-se essas responsabilidades afiançadas às resultantes ou provenientes do exercício da sua actividade, tornado-as também esta circunstância perfeitamente determináveis;
6.ª A fiança junta aos autos refere expressamente as obrigações provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças e aceites bancários, referidos estão os títulos que baseiam as obrigações futuras, pelo que, ainda que indeterminadas no momento da assunção da garantia, as obrigações são facilmente determináveis, logo, a fiança não é nula;
7.ª A dívida pedida nos autos é precisamente a que resulta dos títulos mencionados na fiança que os réus subscreveram e que eles conheciam e aceitaram livremente, renunciando mesmo a todo o benefício, prazo ou direito que de qualquer modo pudesse limitar, restringir ou anular as obrigações assumidas;
8.ª Os réus subscreveram a fiança, não sabendo naquela data o montante exacto pelo qual poderiam vir a responder, sabiam que esse montante resultaria das responsabilidades assumidas pela sociedade afiançada e no âmbito da sua actividade, ficando obrigados a pagar essas responsabilidades da sociedade, se esta o não fizesse;
9.ª Os réus, sabendo tudo isso, aceitaram os termos da fiança propostos pela autora enquanto e porque lhes servia e convinha, não podem vir agora invocar a sua nulidade com o argumento de que o seu objecto não era determinável, quando na verdade o era, sendo certo que eles não eram obrigados a prestar tal fiança, fizeram-no de sua livre vontade, aceitando-a tal como foi proposta, isto partindo-se do princípio de que estavam a agir de boa fé;
10.ª Não se trata efectivamente de um negócio jurídico de objecto indeterminável, as obrigações das sociedades para com os bancos no exercício da sua actividade são sempre determináveis, sendo as responsabilidades dos fiadores iguais ao débito da sociedade para com o banco, é o pagamento dessas dívidas que está a ser pedido;
11.ª Não só a actividade comercial da afiançada é por si restritiva das suas obrigações para com a recorrente financiadora, como da própria fiança decorrem os critérios que determinam o seu objecto;
12.ª O fiador fica pessoalmente obrigado perante o credor a satisfazer o seu crédito e da fiança prestada pelos réus não decorre qualquer qualificação ou condição que limite a garantia prestada, pelo contrário, de forma expressa, os fiadores renunciaram a todo o benefício ou direito que de qualquer modo pudesse limitar, restringir ou anular as obrigações assumidas;
13.ª A fiança, como garantia pessoal que é, mantém-se, independentemente da qualidade do fiador, até à sua extinção, dependendo esta da aceitação do credor - e a autora como credora nunca aceitou a extinção de tal garantia, dado que esta é uma segurança para o credor que não pode perder sem o seu consentimento;
14.ª A transmissão singular de dívidas pode ocorrer por contrato entre o antigo e o novo devedor, ou entre o novo devedor e o credor, mas em qualquer dos casos tem de haver ratificação do titular activo da obrigação e carece do seu consentimento expresso, o que não sucedeu no caso dos autos; o ora recorrente em nenhuma circunstância aceitou a desvinculação de qualquer dos réus ou a extinção da fiança, sendo esta perfeitamente válida e eficaz em relação a todos os fiadores que a subscreveram;
15.ª Face à manifesta contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos antes citados, ocorrendo a possibilidade de vencimento de uma solução jurídica em oposição com a jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, impõe-se que o julgamento do presente recurso seja alargado e se faça com a intervenção do plenário das secções cíveis;
16.ª O douto acórdão em recurso terá assim violado os artigos 280.º, n.º 1, 627.º, 628.º, n.º 2, 654.º e 400.º, todos do Código Civil.
Em conformidade com o exposto, pede-se a revogação do acórdão recorrido na parte em que é desfavorável ao recorrente, «proferindo-se acórdão obrigatório que assegure a uniformidade da jurisprudência e que confirme a douta sentença da 1.ª instância».
Contra-alegando, os réus fiadores vêm pugnar pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - A) Na sentença da 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1.º Os réus maridos constituíram entre si uma sociedade denominada KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., conforme escritura lavrada no dia 2 de Janeiro de 1979, de fl. 13 a fl. 16 do livro de notas A-213, do 20.º Cartório Notarial de Lisboa [alínea A) da especificação];
2.º A referida sociedade tinha e tem por objecto o fabrico de cerâmica artística de índole regional e visava na sua actividade, essencialmente, o mercado externo [alínea B) da especificação];
3.º A sociedade adquiriu as suas instalações fabris, sitas na Estrada da Foz, e iniciou a sua actividade voltada para a exportação [alínea C) da especificação];
4.º Os réus maridos, únicos sócios da KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., para o início e desenvolvimento das suas actividades, solicitaram apoio ao Banco autor, o que lhes foi prestado [alínea D) da especificação];
5.º Os réus maridos e a sociedade KERANGOL foram apoiados pelo Banco autor na aquisição de material e tecnologia necessários à laboração da fábrica e ao arranque e desenvolvimento da mesma [alínea E) da especificação];
6.º O Banco autor solicitou, assim, aos réus maridos e à sociedade KERANGOL a constituição de uma hipoteca sobre as instalações fabris para garantia das verbas adiantadas [alínea F) da especificação];
7.º A sociedade KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., evoluiu muito rapidamente na sua vertente exportadora, de tal modo que se tornou necessária a realização das obras e trabalhos de ampliação de instalações e desenvolvimento de linhas de montagem, para acompanhar os pedidos crescentes de clientes estrangeiros [alínea G) da especificação];
8.º O Banco autor, em finais de 1979, exigiu aos réus a prestação da ora alegada fiança em causa, sob pena de paralisar todo o movimento bancário da firma [alínea H) da especificação];
9.º O Banco autor era a única instituição bancária com quem sempre tinham trabalhado e a quem já haviam prestado garantias, manifestas na já referida hipoteca sobre as instalações [alínea I) da especificação];
10.º Por escritura pública lavrada em 29 de Outubro de 1984, de fl. 65 v.º a fl. 68 v.º, do livro de notas n.º 288-B, do 20.º Cartório Notarial de Lisboa, os ora réus Viriato Rebelo Leite de Castro e Maria da Conceição Ferreira Leite de Castro cederam a quota de valor nominal de 250000$00 à própria sociedade KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., deixando de ter com esta e a qualquer título qualquer relação [alínea J) da especificação];
11.º Em 20 de Agosto de 1984, em assembleia geral extraordinária da já referida sociedade KERANGOL, fora dito pelo ora réu Viriato Leite de Castro «pretender ceder à sociedade a quota que nela detém» e «fazendo com que por essa cessão cessem para si quaisquer responsabilidades emergentes de garantias, quaisquer que hajam para si prestadas à sociedade (ver nota 1), nomeadamente avales e fianças» [alínea L) da especificação];
12.º Os réus Viriato Leite de Castro e mulher, Maria da Conceição F. Leite de Castro, na escritura de cessão de quota já aludida dispuseram «que a partir da data da presente escritura a sociedade assume toda a responsabilidade pelas garantias prestadas pelo cedente a favor da mesma sociedade por qualquer forma, inclusive por meio de avales e fianças» [alínea M) da especificação];
13.º O Banco autor foi imediatamente informado de que o réu Viriato Leite de Castro não era sócio da firma KERANGOL e de que esta assumirá todas as responsabilidades pelas garantias prestadas, por qualquer forma [alínea N) da especificação];
14.º Em 10 de Janeiro de 1985, na sequência dos factos constantes dos artigos anteriores, o Banco autor enviou para a sede da firma KERANGOL uma carta solicitando a subscrição de novo «modelo O-11», a fim de ser assinado pela firma e sócios e KEARNGOL, na qualidade de sócia da própria firma [alínea O) da especificação];
15.º A alegada garantia ora em causa fora «prestada» por exigência do Banco autor, face aos empréstimos iniciais avançados por este para aquisição, desenvolvimento e ampliação de instalações e processos fabris, bem como para suporte das primeiras operações de exportação da fábrica [alínea P) da especificação];
16.º Em Janeiro de 1985, a firma KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., que cumprira escrupulosamente todos os seus compromissos para com o Banco autor, nada devia a este [alínea Q) da especificação];
17.º Os empréstimos que deram origem à hipoteca sobre as instalações e ao ora em causa «modelo O-11» estavam pagos, pelo que a referida hipoteca foi devidamente cancelada [alínea R) da especificação];
18.º Em 17 de Janeiro de 1985, a firma KERANGOL, representada pelos sócios e ora réus António Borges de Moura e José António Mesquita de Oliveira, escreveu uma carta ao Banco autor informando que, estando «liquidado o empréstimo concedido a esta firma e que dera origem ao modelo O-11 [...] informamos que de futuro e sempre que necessário os sócios desta firma darão o aval pontualmente em todos os casos em que lhes seja solicitado. Consideramos pois sem efeito o modelo 11, agradecendo a sua devolução» [alínea S) da especificação];
19.º Em 12 de Junho de 1985, entre a firma KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., representada pelos ora réus e então sócios António Borges de Moura e José António Mesquita de Oliveira, e o Banco autor foi «ajustado e reciprocamente aceite» um «contrato de abertura de crédito a médio/longo prazo» [alínea T) da especificação];
20.º Na cláusula 7.ª do referido contrato ficou estipulado que o «cumprimento das responsabilidades emergentes deste contrato pela cliente fica especialmente garantido por: livrança a entregar nesta data com o valor e a data do vencimento em branco, subscrita pela cliente, com aval à subscritora por António Luís Borges de Moura [...] Maria do Nascimento Esteves do Nascimento Borges de Moura [...] José António Valério Mesquita de Oliveira e [...] Maria Berta Rebelo Leite de Castro Mesquita de Oliveira [...]» [alínea U) da especificação];
21.º A carta de 16 de Janeiro de 1986, onde é feita referência a uma carta datada de 7 de Março de 1985, em princípio de teor semelhante, não foi recebida nem pela firma KERANGOL nem por qualquer sócio, ora réu [alínea V) da especificação];
22.º Em 27 de Outubro de 1986, por escritura pública, os ora réus António Luís Borges de Moura e mulher, Maria do Nascimento Esteves do Nascimento Borges de Moura, e José António Valério Mesquita de Oliveira e mulher, Berta R. Leite de Castro Mesquita de Oliveira, cederam as suas quotas na firma KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., às sociedades IMOVEZ - Sociedade Imobiliária do Vez, Lda., e INSTRUMED - Sociedade de Equipamentos Médico-Cirúrgicos, Lda., desligando-se completamente da referida firma [alínea X) da especificação];
23.º No próprio dia 27 de Outubro de 1986, havia, com efeito, reunido a assembleia geral extraordinária da sociedade KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., na qual foi deliberado que «a partir da presente data e depois de outorgada a respectiva escritura de cessão de quotas, a sociedade assume toda a responsabilidade pelas garantias prestadas pelos cedentes José António Valério Mesquita de Oliveira e António Luís Borges de Moura, a favor da sociedade KERANGOL, por qualquer forma, inclusive por meio de avales e fianças» [alínea Z) da especificação];
24.º O Banco autor foi de imediato informado, tendo-lhe sido entregue fotocópia da aludida escritura, bem como da acta da assembleia geral extraordinária [alínea A1) da especificação];
25.º Em reunião ocorrida em Lisboa, em finais do ano transacto, na delegação e instalações da Avenida de Fontes Pereira de Melo, em que estiveram presentes os ora réus José António Mesquita de Oliveira e Viriato Rebelo Leite de Castro e o funcionário do Banco autor Rui Reis, foi por este expressamente reconhecido que o Banco autor possuía no seu dossier documentos e informações comprovativos de que os réus não eram sócios nem tinham qualquer interesse na firma KERANGOL desde há muito [alínea B1) da especificação];
26.º O Banco autor reconheceu sempre expressamente que os réus alegados fiadores o eram na qualidade de únicos sócios e interessados da KERANGOL [alínea C1) da especificação];
27.º O Banco autor, na verdade, ao solicitar a subscrição de «novo modelo O-11» foi claro e explícito ao indicar que este devia ser assinado «pela firma e sócios» e KERANGOL, na qualidade de sócia da própria firma [alínea D1) da especificação];
28.º As importâncias ora reclamadas correspondem a alegadas operações de financiamento ocorridas entre Março e Agosto de 1987, entre o Banco autor e a firma KERANGOL [alínea E1) da especificação];
29.º A sociedade KERANGOL, Lda., é titular da conta de depósitos à ordem n.º 19136.5, aberta na agência do Banco autor sita nas Caldas da Rainha [alínea F1) da especificação];
30.º A ré KERANGOL e o autor acordaram em diversas operações de financiamento à sua actividade exportadora, uma vez que KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., se dedica ao fabrico de loiça regional das Caldas da Rainha para exportação [alínea G1) da especificação];
31.º A KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., ao solicitar os referidos financiamentos, fê-lo, como é, aliás, prática corrente nas actividades de exportação, visando liquidar as referidas importâncias através da realização das referidas operações de exportação pelo autor [alínea H1) da especificação];
32.º Por termo de fiança de 9 de Janeiro de 1980, os réus constituíram-se, solidariamente, perante o autor, como fiadores e principais pagadores de todas as importâncias que a sociedade KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., devesse ou viesse a dever ao autor, fosse de que origem fosse, designadamente as provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários, em que a referida sociedade interviesse, em qualquer qualidade, fossem ou não prestadas e contivessem ou não a cláusula «sem despesas» (resposta ao quesito 1.º);
33.º Comprometeram-se ainda os réus, solidariamente, na qualidade de fiadores e principais pagadores, a reembolsar o autor, no prazo de oito dias, depois de para tal terem sido avisados pelo autor por carta registada de todas as importâncias que lhe sejam ou viessem a ser devidas, de quaisquer responsabilidades e da importância de quaisquer letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários (resposta ao quesito 2.º);
34.º Os réus renunciaram a todo o benefício, prazo ou direito, que de qualquer modo pudesse limitar, restringir ou anular as obrigações assumidas (resposta ao quesito 3.º);
35.º A sociedade KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., em 25 de Março, 12 de Abril, 29 de Abril, 12 de Maio, 25 de Maio e 3 de Junho de 1987, apresentou ao Banco as propostas de desconto (resposta ao quesito 4.º);
36.º Estas propostas foram entregues pela referida sociedade ao Banco autor, acompanhadas dos títulos de câmbio, tudo no montante global de 8455000$00 (resposta ao quesito 5.º);
37.º A sociedade subscritora declarou, nomeadamente, que assumia inteira responsabilidade pelo pronto reembolso dos montantes dos títulos de câmbio ali descritos (resposta ao quesito 6.º);
38.º A referida sociedade declarou também que autorizava o Banco a cobrar, além de todos os encargos, juros às taxas a que as operações bancárias tinham sido efectivadas, acrescidos da sobretaxa legal em vigor (resposta ao quesito 7.º);
39.º O Banco autor aprovou os financiamentos referidos nas propostas (resposta ao quesito 8.º);
40.º Após a aprovação destas operações de desconto, o Banco autor creditou a identificada conta de depósitos à ordem pelos valores dos referidos financiamentos (resposta ao quesito 9.º);
41.º Os valores assim creditados foram levantados posteriormente pela referida sociedade e utilizados em seu proveito (resposta ao quesito 10.º);
42.º A sociedade não pagou nas datas dos vencimentos, nem posteriormente, o valor total de 8455000$00, que lhe foram mutuados pelo Banco autor (resposta ao quesito 11.º);
43.º A referida conta de depósitos à ordem n.º 19136.5, aberta, em nome da sociedade Kerangol, Lda., na agência do Banco autor nas Caldas da Rainha, apresentava os saldos devedores de 57490$30 e de 2900$00, em 28 de Agosto e 25 de Setembro de 1987, respectivamente (resposta ao quesito 12.º);
44.º Tais saldos devedores foram provenientes de diversos pagamentos efectuados pelo autor em benefício da sociedade, tudo no montante de 60390$30 (resposta ao quesito 13.º);
45.º A referida conta de depósitos à ordem apresentava-se saldada, mas apenas por exigências contabilísticas, pois a referida sociedade nada pagou ao autor (resposta ao quesito 14.º);
46.º Os réus devem à autora os seguintes montantes em capital:
a) 8455000$00;
b) 60390$30 (resposta ao quesito 15.º) (ver nota 2);
47.º O autor dirigiu-se aos réus por cartas registadas de 19 de Novembro de 1987, avisando-os de que deveriam pagar-lhe, no prazo de oito dias, as importâncias em dívida (resposta ao quesito 16.º);
48.º O Banco autor, ao conceder novo empréstimo, solicitou «aval à livrança» dos então sócios e esposas, na sequência da carta de 17 de Janeiro de 1985 (resposta ao quesito 18.º);
49.º Os ora réus subscreveram a fiança em causa (resposta ao quesito 19.º);
50.º O Banco autor exigiu a referida e alegada fiança aos réus, sabendo que estes eram sócios e interessados na KERANGOL (resposta ao quesito 20.º);
51.º Em 29 de Outubro de 1984, os réus cederam as suas quotas que detinham na KERANGOL (resposta ao quesito 23.º);
52.º Nas datas referidas na resposta ao quesito 4.º, os primitivos réus já tinham cedido as suas quotas (resposta ao quesito 24.º);
53.º O autor tinha conhecimento da cessão de quotas por lhe ter sido devidamente comunicada (resposta ao quesito 25.º);
54.º A ré KERANGOL apresentou ao autor um plano de liquidação dos seus débitos em 27 de Novembro do ano transacto (resposta ao quesito 28.º);
55.º O autor não aceitou o plano de liquidação apresentado pela KERANGOL (resposta ao quesito 30.º);
56.º O Banco estaria na disposição de libertar os réus Viriato Castro e Maria Castro da fiança no caso de subscrição de novo modelo O-11 (resposta ao quesito 31.º);
57.º Tal não veio a acontecer, pelo que o termo de fiança inicialmente prestado se manteve em vigor (resposta ao quesito 32.º) (ver nota 3);
58.º Os réus, em 19 de Fevereiro de 1988, lavraram termo de extinção da fiança (resposta ao quesito 33.º);
59.º O cumprimento das responsabilidades emergentes do contrato de abertura de crédito a médio/longo prazo, celebrado em 12 de Junho de 1985, ficou, como os réus reconhecem, especialmente garantido por uma livrança de caução, independente da manutenção da fiança (resposta ao quesito 34.º) (ver nota 4);
60.º Na situação anterior, a fiança coexistiu com a hipoteca (resposta ao quesito 35.º);
61.º E apesar da insistência do Banco na sua carta de 16 de Janeiro de 1986, pelo menos os 3.º, 4.º, 5.º e 6.º réus continuaram a recusar a subscrição de novo modelo O-11 (resposta ao quesito 36.º);
62.º A conta de depósitos à ordem da KERANGOL apresentava o saldo devedor de 60390$30 após todos os movimentos a débito e a crédito efectuados por aquela (resposta ao quesito 37.º).
B) No julgamento da antecedente apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa, na parcial procedência do recurso, e tendo presente o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, decidiu que se têm por não escritas, por envolverem questões de direito, as respostas do tribunal colectivo ao quesito 15.º (ver nota 5) e à última parte dos quesitos 32.º (ver nota 6) e 34.º (ver nota 7).
Como em seguida se vai ver, o Banco, ora recorrente, apenas se insurge, na presente revista, quanto à decisão de se considerar como não escrita a resposta ao quesito 15.º, conformando-se com o decidido relativamente aos quesitos 32.º e 34.º, pelo que os factos correspondentes acima elencados - factos 57.º e 59.º - devem ler-se com as alterações determinadas pelo tribunal a quo, ou seja, com a eliminação dos segmentos finais, tal como se refere nas notas 6 e 7.
III - Sendo certo que o âmbito objectivo dos recursos é determinado pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), são as seguintes as questões que cumpre apreciar:
a) Saber se deve ter-se por não escrita a resposta ao quesito 15.º, em virtude de conter matéria de direito;
b) Saber se a fiança dos autos é nula, por indeterminabilidade do seu objecto;
c) Saber se, no caso de ser válida, ocorreu a respectiva extinção.
Vejamos, pois, pela referida ordem.
1 - No quesito 15.º perguntava-se o seguinte:
Os réus devem ao autor os seguintes montantes em capital:
a) 8455000$00;
b) 60390$30?
No acórdão recorrido entendeu-se que se tratava manifestamente de um quesito que envolve matéria de direito e, consequentemente, deu-se por não escrita a correspondente resposta de «provado», ao abrigo do n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil.
Não conformado com esta decisão, o recorrente tenta justificar a sua discordância argumentando, designadamente, com o carácter árduo e fluido da distinção entre matéria de facto e matéria de direito - cf. conclusões 1.ª e 2.ª
É verdade que o julgamento de facto incumbe às instâncias, designadamente à 2.ª, que, nesta matéria, é a última. No entanto, saber se a matéria perguntada em determinado quesito deve ser considerada de facto ou de direito constitui matéria de direito, logo, situada dentro dos poderes do Supremo.
Ou seja, o que está em causa é a apreciação da questão (jurídica) que consiste em saber se determinado quesito versa sobre matéria de facto ou de direito (ver nota 8) ou se tem por objecto um «facto material» ou um «facto jurídico».
Como se sabe, o juiz, ao organizar o questionário, deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos: deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos.
Desenvolvendo este princípio, escreve Alberto dos Reis que «o questionário serve, em primeira linha, para fixar o quadro dentro do qual se há-de produzir a prova e que esta só pode ter por objecto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória».
Voltando à concreta questão levantada no presente recurso, temos como seguro não fazer sentido chamar à ribalta a dificuldade em distinguir matéria de facto e matéria de direito.
Com efeito, acolhendo-nos à tese do autor/recorrente, em face dos termos em que o referido quesito 15.º foi redigido, e tendo presente a resposta de «provado», que lhe foi dada, teríamos a acção resolvida com um único quesito. Na lógica daquela tese, não seriam necessários mais quesitos nem mais provas, pois ficava, assim, desde logo, decidido que os réus eram devedores ao autor daquelas importâncias.
Saber se alguém «deve» alguma coisa a outrem é eminentemente uma questão de direito, implicando o apuramento de factos que consubstanciem a constituição de uma obrigação, a sua subsistência e exigibilidade e o seu não cumprimento.
Só depois de factualmente se apurar a existência do crédito e da correspondente obrigação, bem como da sua exigibilidade, é que se pode concluir, mediante formulação de um juízo jurídico-normativo, que determinada pessoa «deve» determinada quantia a outra.
Ora, levar ao questionário a questão de saber se A deve x a B, equivale a ignorar os factos que, uma vez apurados, permitiriam, ou não, chegar a uma tal conclusão jurídica.
Como explica Alberto dos Reis, «a função jurisdicional do tribunal colectivo é declarar quais os factos que julga ou não provados, de entre os mencionados no questionário. Mas como os factos susceptíveis de ser provados são os factos materiais, segue-se que os quesitos hão-de ser redigidos de modo que se pergunte ao tribunal colectivo se estão provados tais e tais factos materiais, e não se estão provados tais e tais factos jurídicos» (ver nota 9).
Bem andou, pois, nesta matéria, o acórdão recorrido. Improcedem, assim, as conclusões 1.ª e 2.ª
2 - Passemos agora à apreciação da questão que consiste em apurar da validade da fiança prestada pelos aludidos réus perante o Banco autor, titulada pelo termo a fl. 6.
Trata-se justamente da questão fundamental de direito conflituante, proferida no domínio da mesma legislação, cuja uniformização jurisprudencial foi decidido ser conveniente assegurar.
O Tribunal da Relação de Lisboa, contrariando a decisão da 1.ª instância, considerou-a nula por indeterminabilidade do seu objecto - artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que se indiquem sem outra referência.
Tratando-se, embora, de solução que corresponde a jurisprudência largamente predominante deste Supremo Tribunal, existe também jurisprudência em sentido oposto, como é exemplificado através dos acórdãos a cuja junção o recorrente procedeu - cf. o parecer do magistrado do Ministério Público a fls. 390 e seguintes.
2.1 - O artigo 280.º, n.º 1, considera nulo o negócio cujo objecto seja indeterminável. Quer isto dizer que o objecto do negócio pode ser indeterminado - o que não pode ser é indeterminável.
E, como explica Menezes Cordeiro, a prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor mas, não obstante, exista um critério para proceder à determinação.
Pelo contrário, a prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder à determinação (ver nota 10).
Caso este em que a obrigação é nula.
Uma aparente conflitualidade se desenha, porém, entre as previsões do n.º 1 do artigo 280.º e do n.º 1 do artigo 400.º, segundo a qual: «A determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados.»
E se a determinação não puder ser feita, sê-lo-á pelo tribunal, segundo o n.º 2 do mesmo artigo.
Tomado nos seus termos literais, este preceito inutilizaria o artigo 280.º, n.º 1, na medida em que nunca haveria prestações indetermináveis, uma vez que nunca faltariam nem a equidade nem o tribunal para proceder à determinação.
Mas, como adverte o autor que ora se acompanha, não pode ser assim. Com efeito, de acordo com a lógica ínsita ao Código Civil, o artigo 400.º deve ser interpretado em concordância com o artigo 280.º, preceito da parte geral.
Ou seja: só se põe o problema da determinação da prestação nos termos do artigo 400.º se a obrigação não for nula por força do artigo 280.º
Explicitando: a determinação da prestação por alguma das partes ou por terceiro só pode ser pactuada se houver um critério a que essas entidades devam obedecer. Seria, assim, seguramente nulo o contrato pelo qual uma pessoa se obrigasse a pagar a outra o que esta quiser.
Os critérios podem ser mais ou menos vagos: não podem é, ad nutum, deixar tudo ao arbítrio de uma parte ou de terceiro. O tribunal, quando chamado a intervir, vai actuar dentro desses critérios e, aí, usar da equidade. Quando não encontrar quaisquer critérios objectivos de determinação, deverá, ex officio, declarar a nulidade da obrigação, por força do artigo 280.º, n.º 1.
Segundo Antunes Varela, a prestação necessita de ser determinável - ou seja, concretizável no seu conteúdo -, mas nem o artigo 280.º nem o artigo 400.º exigem que ela seja determinada no momento da sua constituição, embora não se prescinda de que seja nessa altura determinável, que possa ser concretizada, de harmonia com os critérios estipulados pelas partes ou fixados na lei (ver nota 11).
2.2 - As considerações formuladas no número anterior são aplicáveis à fiança. É certo que a lei admite a fiança por débitos futuros - artigo 628.º, n.º 2.
Como observa Menezes Cordeiro, admitir que uma pessoa possa declarar-se fiadora por todos os débitos que um terceiro tenha ou possa vir a ter é tão indeterminado e indeterminável como a hipótese de alguém se obrigar a pagar a outra, sem limite, o que esta (ou terceiro) quiser.
A necessidade de, aquando da fiança por débitos futuros, se consignar um critério objectivo e limitativo de determinação corresponde a uma natural função moderadora do ordenamento, presente, por exemplo, na limitação das taxas de juro (ver nota 12).
Nas palavras de Vaz Serra, o fiador não pode e não deve correr o risco de se expor à ruína por efeito da imprudência com que o credor consentiu na dívida principal e o devedor na multiplicação dos seus débitos só porque lhes tenha garantido o pagamento (ver nota 13).
Decorre do que se expôs que os citados artigos 280.º e 400.º devem ser interpretados, quanto à determinabilidade do objecto da fiança, no sentido de que têm de ser fixados critérios objectivos que permitam no futuro avaliar o conteúdo da prestação de forma que o fiador possa, ab initio, conhecer os limites da sua obrigação ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento.
Como escreveu Vaz Serra, podendo a fiança ser prestada para garantia de obrigação futura, é, todavia, de exigir que, no momento dessa prestação, seja determinado o título de que a obrigação futura poderá ou deverá resultar ou, ao menos, como há-de ele ser determinado, pois, de contrário, o objecto da fiança não seria determinado nem determinável e ela seria, portanto, nula. «A obrigação do fiador fica, porque a obrigação principal é futura [...], em estado provisório de pendência, dependendo da obrigação principal (ver nota 14).»
No sector bancário, o problema de uma fiança geral de conteúdo indeterminável coloca problemas acrescidos. Como refere Menezes Cordeiro, a doutrina tem rejeitado a hipótese de «relações bancárias complexas» cobertas por um «contrato bancário geral» (ver nota 15).
2.3 - Em face da amplitude dos termos utilizados no aludido documento a fl. 6, fácil é constatar que se está na presença de uma «fiança» criada e generalizada pela prática bancária, vulgarmente designada «fiança geral», também, por vezes, qualificada «fiança omnibus» (ver nota 16), que surgiu com a finalidade de garantir, através de um terceiro - o fiador - o reembolso dos financiamentos e de outros movimentos de capital feitos pelos bancos em benefício dos seus clientes (ver nota 17).
Não está obviamente em causa a circunstância de as obrigações garantidas poderem ser obrigações futuras, o que, já se disse, é expressamente consentido por lei - artigo 628.º, n.º 2.
Como se pode ler no sumário de um acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, «não obsta à prestação da fiança o facto de ser futura a obrigação do devedor (artigo 628.º, n.º 2), mas o objecto da fiança há-de ser determinável, dado que o artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil fere de nulidade o negócio jurídico cujo objecto seja indeterminável» (ver nota 18).
Ou, dando mais um passo, pode dizer-se que «a fiança geral, também designada por fiança omnibus (ver nota 19), apenas é válida se o objecto da garantia for determinado ou determinável no momento da formação da fiança, o que se compreende, pois que, nos termos do artigo 280.º do Código Civil, a determinabilidade do objecto é um requisito essencial de qualquer negócio» (ver nota 20).
Pode, assim, com segurança, afirmar-se que a fiança pode ser garante de obrigações futuras, devendo, contudo, o seu objecto ser em todo o caso determinável (ver nota 21). Ou, por outras palavras, «a fiança de obrigações futuras é nula se o seu objecto não for determinável, isto é, concretizável no seu conteúdo» (ver nota 22).
No Acórdão desde Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1999, revista n.º 1263/98, 1.ª Secção, entendeu-se, a propósito, o seguinte: «No momento da constituição da obrigação deve ser determinado o título donde a obrigação futura poderá ou deverá derivar, ou, pelo menos, saber-se como há-de ser o mesmo determinado. A não ser possível essa determinação, então poderia de facto gerar-se a nulidade (artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil) (ver nota 23)».
Pode, pois, dizer-se, com o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1998, revista n.º 531/97, já citado, que a fiança geral, também conhecida por fiança omnibus, apenas é válida se o objecto da garantia for determinado ou determinável no momento da formação da fiança, o que bem se compreende, uma vez que, nos termos do artigo 280.º, n.º 1, a determinabilidade do objecto é um requisito essencial de validade de qualquer negócio e, portanto, também da fiança.
Na fiança geral há que distinguir duas situações: a relativa a obrigações já constituídas e a respeitante a obrigações futuras.
Tratando-se de débitos já existentes ao tempo da constituição da fiança - situação sem interesse para a economia do caso sub judice -, «mesmo que os títulos não estejam identificados, a fiança é válida, pois é palpável que não será nula por indeterminabilidade do objecto a fiança que, independentemente da identificação dos títulos de constituição, garanta todos os direitos de crédito que A tenha, por exemplo, sobre B» (ver nota 24).
Se, no entanto, a fiança (geral ou omnibus) visa a garantia de obrigações futuras, é mister que, sob pena de nulidade, no momento da sua prestação, se indique o título de onde tais obrigações poderão ou deverão resultar, ou, ao menos, o(s) critério(s) claro(s) para a sua determinação (ver nota 25). Ou, por outras palavras, tal fiança é nula quando o fiador garante todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito permitida, de qualquer fonte ou natureza (ver nota 26).
A fiança a que, por simplicidade (cf. supra, nota (ver nota 16), chamámos «fiança geral» ou «fiança omnibus» tem, assim, por objecto os direitos de crédito que visa garantir - nos termos do artigo 628.º -, tanto se podendo referir a obrigações já constituídas como a obrigações futuras, e caracteriza-se por apresentar um conteúdo genérico, muito amplo, com variável grau de determinabilidade, suscitando fortes dúvidas a conclusão acerca da sua validade justamente por vincular quem a presta de forma quase ilimitada, ou, pelo menos, subsistindo dificuldades para a definição dos limites da determinabilidade do seu objecto (ver nota 27).
Ora, o problema da determinabilidade, ou não, do objecto das obrigações futuras, isto é, da prestação debitória da fiança geral relativa a obrigações futuras, passa pela interpretação do termo constitutivo da garantia (ver nota 28).
Ou seja, no caso sub judice pela interpretação do documento a fl. 6.
Recorde-se o que se disse supra acerca da determinabilidade do objecto da fiança - n.º 2.1.
A determinabilidade da fiança deve existir logo no momento da sua constituição, no documento em que é estipulada, sob pena de se esvaziar de conteúdo o artigo 280.º quando exige que seja determinável. Tendo em vista o estabelecimento de critérios objectivos de determinação, para além da natureza da dívida ou operação bancária, do destino das quantias colocadas à disposição do cliente do Banco e da estipulação de um prazo, a fixação de um limite máximo do valor a garantir (tecto ou plafond) surge como a maior garantia de protecção contra a leviandade ou excesso de voluntarismo na assunção de responsabilidades por parte dos obrigados (ver nota 29).
3 - Iluminados pelas posições doutrinárias e jurisprudenciais recenseadas nos números antecedentes, torna-se mais fácil e segura a tarefa de interpretação do instrumento de fiança constante dos autos, a fim de averiguar se, in casu, a prestação debitória da fiança era, ou não, determinável.
Como vimos, é no momento de prestação da fiança que se deve determinar o título de onde a obrigação futura pode resultar, ou, pelo menos, saber-se como deverá ser determinado.
No instrumento da fiança em causa, elaborado a partir do aludido «modelo O-11», amplamente usado pelo Banco autor, refere-se expressamente que os respectivos prestadores se constituem solidariamente «fiadores e principais pagadores de todas as importâncias que a firma KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda. [...] deva ou venha a dever ao Banco Pinto & Sotto Mayor [...], bem como por qualquer responsabilidade que a firma tenha ou venha a ter no Banco citado, seja por que origem for, designadamente as provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários em que a referida firma intervenha em qualquer qualidade, sejam ou não protestadas e contenham ou não a cláusula 'sem despesas'».
3.1 - Poder-se-ia, numa abordagem imediatista, dizer que seriam justamente os títulos dos descontos aqueles de que a doutrina faz depender a determinabilidade das obrigações futuras (letras, extractos de facturas, livranças ou aceites bancários), pelo que, assim sendo, estaria garantida a validade da fiança.
Entendimento que corresponde à tese sustentada pelo recorrente, segundo a qual, uma vez que «a fiança junta aos autos refere expressamente as obrigações provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças e aceites bancários, referidos estão os títulos que baseiam as obrigações futuras, pelo que, ainda que indeterminados no momento da assunção da garantia, as obrigações são facilmente determináveis». Motivo por que a fiança não seria nula - cf. conclusão 6.ª
No entanto, a referência genérica à responsabilidade proveniente «do desconto de letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários em que a referida firma intervenha» não pode ser isolada de todas as referências que a antecedem ou se lhe seguem, ou seja, de todo o contexto semântico envolvente.
Assim:
a) Os prestadores da fiança constituem-se responsáveis perante o recorrente por qualquer responsabilidade que a firma tenha ou venha a ter no Banco citado;
b) Seja qual for a sua origem, designadamente as provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários em que a referida firma intervenha em qualquer qualidade.
A consideração do alcance das expressões em itálico, bem como a natureza exemplificativa da responsabilidade proveniente do desconto de letras, evidenciada pela utilização do advérbio «designadamente», contribui para a indeterminabilidade do objecto da fiança em apreço.
Assim se explica que o pedido formulado pelo Banco autor, na presente acção, tenha incluído a condenação solidária dos recorridos a pagar-lhe não só as quantias produto dos descontos bancários mas também a correspondente ao saldo devedor da conta de depósitos à ordem (ver nota 30).
Como se observou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro findo, já referido, «afinal de contas, aqueles negócios cambiários fazem o dia-a-dia de uma instituição bancária, pelo que, sem uma concretização adicional, como, por exemplo, a menção da finalidade da dívida futura, a sua localização no tempo, ou outra, continuaria o fiador sujeito a um risco de difícil e imprevisível avaliação, à inteira mercê do afiançado e do beneficiário da fiança, constituído numa obrigação ilimitada».
Sujeição tanto maior quanto é certo que, no referido instrumento de fiança, os respectivos prestadores declararam renunciar «a todo o benefício, prazo ou direito que de qualquer modo possa limitar, restringir ou anular as obrigações assumidas» - cf. fl. 6 v.º
Sendo que a consequente ausência de limites à garantia prestada poderia mesmo ser havida, a se, como nula, por contrária à ordem pública - artigo 280.º, n.º 2. Trata-se, no entanto, de problema que agora não importa desenvolver, dado o contexto mais amplo em que a problemática se coloca.
A fim de obviar a tal situação, de intolerável capitis deminutio, necessário seria que fosse convencionado um critério operativo passível de conduzir à efectiva determinação da responsabilidade dos fiadores.
Assim, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1997, processo 260/97, 1.ª Secção, que se indica a título exemplificativo, entendeu-se o seguinte: «É válida a fiança de obrigações futuras, resultantes de uma multiplicidade de negócios jurídicos, contanto que, no respectivo contrato, se estabeleça o limite máximo do montante a garantir, bem como o prazo de validade da fiança, isto é, um limite quantitativo da responsabilidade assumida pelo fiador e um limite temporal de validade da fiança no futuro.»
Improcede, assim, a suposta determinabilidade pelos títulos (ver nota 31).
3.2 - Nem se diga, como pretende o Banco recorrente, que a determinabilidade da fiança resultaria do facto «de se tratar de fiança prestada a instituição bancária para garantir obrigações de uma sociedade comercial, restringindo-se essas responsabilidades afiançadas às resultantes ou provenientes do exercício da sua actividade, tornando-as também esta circunstância perfeitamente determináveis» - cf. conclusão 5.ª
Ou seja, por outras palavras: a garantia de todo o «exercício da actividade comercial da sociedade» representaria a finalidade ou o objectivo da fiança concedida, devendo ser essa destinação teleológica a constituir o critério que, com eventual recurso à equidade, permitiria fixar o conteúdo das obrigações afiançadas.
Importa, pois, responder à questão de saber se será válida a fiança por, alegadamente, ser possível sustentar, ao menos em sede hermenêutica, que os respectivos prestadores pretenderam garantir a actividade comercial da sociedade afiançada e por, alegadamente também, ser esse um critério viável para, com recurso à equidade, determinar o objecto da fiança em crise.
Ora, a resposta não pode deixar de ser negativa.
Na verdade, a garantia por fiança da actividade comercial da sociedade teria inevitavelmente, no caso concreto, um conteúdo indeterminável, por, além do mais, não poder deixar de envolver sempre a responsabilidade de um conjunto de programas e iniciativas empresariais ou de relações complexas de negócios e em face da inexistência de uma qualquer forma de controlo, por parte dos fiadores, da actividade comercial da sociedade.
Como se escreveu, para situação similar, no já referido Acórdão de 24 de Fevereiro de 1999, recurso n.º 180/98, «dada a amplitude das relações em causa, através dela (garantia por fiança), os fiadores obrigar-se-iam ilimitadamente correndo um risco de difícil avaliação, ficando inteiramente à mercê do Banco credor».
Poder-se-ia dizer que, para fazer algum sentido, o ponto central deste «critério» - actividade comercial da sociedade - consistiria em saber se teria, ou não, existido alguma forma de controlo, pelo fiador, da actividade comercial da sociedade, admitindo-se a sua razoável invocação limitada aos casos em que o fiador, por desempenhar, v. g., funções de gerente, poderia influir no desenvolvimento da actividade comercial da sociedade.
Ou seja: a actividade económica da sociedade apenas poderia delimitar - e contribuir para determinar - o objecto da fiança, na exacta medida em que os fiadores houvessem influído, ou tivessem podido influir, naquela actividade (ver nota 32).
Mas, não se verificando esse condicionalismo, o fiador fica sujeito ao arbítrio de terceiros.
É o que acontece no caso dos autos.
Com efeito, no caso sub judice, a declaração da fiança é de 9 de Janeiro de 1980, datando os invocados débitos da sociedade KERANGOL de mais de sete anos depois, quando os ora recorridos já tinham cedido as suas quotas.
Improcede, por tudo quanto se expôs, a alegada determinabilidade da fiança em virtude do exercício da actividade comercial da sociedade.
Importa, assim, concluir, em face do teor do referido «termo», que é difícil conceber um objecto de fiança mais amplo, vago e indeterminável, inexistindo qualquer critério minimamente operativo para lograr a respectiva determinação.
Deste modo, a fiança dos autos é nula, nos termos do artigo 280.º, n.º 1, por ser indeterminável o seu objecto (ver nota 33).
Não merece, por isso, também quanto a este ponto, qualquer censura o acórdão recorrido.
Improcedem, pois, as conclusões 3.ª a 11.ª, não ocorrendo a violação das disposições legais indicadas na conclusão 16.ª
4 - Atenta a solução dada à questão da nulidade da fiança, fica prejudicada a decisão da terceira questão, relativa à sua eventual extinção - cf. o artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Desnecessárias se tornam, portanto, quaisquer considerações a tal respeito (conclusões 13.ª e 14.ª).
Atento o exposto:
a) Nega-se a revista;
b) Uniformiza-se a jurisprudência pela seguinte forma:
É nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha.
Custas pelo recorrente.
(nota 1) Sic, a fl. 170 v.º
(nota 2) Sem prejuízo do que se refere infra, ponto II, B).
(nota 3) Sem prejuízo do que se refere infra, ponto II, B).
(nota 4) Sem prejuízo do que se refere infra, ponto II, B).
(nota 5) Cf. supra n.º 46 da matéria de facto.
(nota 6) Cf. supra n.º 57 da matéria de facto, abrangendo o segmento final do seguinte teor: «pelo que o termo de fiança inicialmente prestado se manteve em vigor».
(nota 7) Cf. supra n.º 59 da matéria de facto, com referência ao segmento final, que se transcreve: «independente da manutenção da fiança».
(nota 8) Como ensina Alberto dos Reis, é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; questão de direito é tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei - cf. Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 1950, pp. 206 e 207.
(nota 9) Cf. ob. cit., pp. 210 e 211.
(nota 10) Cf., do citado autor, que agora acompanhamos, Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, t. III, p. 61.
(nota 11) Cf. Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª ed., p. 762. V. também Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., p. 258.
(nota 12) Cf. ob. cit. na nota 1, p. 62.
(nota 13) Cf. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, p. 261.
(nota 14) Cf. «Fiança e figuras análogas», Boletim do Ministério da Justiça, n.º 71, p. 60, e Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, p. 259.
(nota 15) Cf., neste sentido, Menezes Cordeiro, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 357, pp. 42 e segs. Segundo o autor, a relação bancária complexa deve ser reconduzida às dimensões que lhe competem. Trata-se de um expediente linguístico que visa exprimir sequências de actos e negócios jurídicos celebrados entre o banqueiro e o seu cliente, mas que não dispensa o estudo analítico, caso a caso, do seu conteúdo. Apenas em concreto se poderá dizer se determinada relação bancária compreende uma ou várias obrigações e qual o seu teor - loc. cit., p. 45.
(nota 16) Embora não se ignore haver quem distinga as duas figuras. Assim, Calvão da Silva distingue entre «fiança geral» e «fiança omnibus»: a primeira - «prestada para todas as obrigações do devedor principal resultantes de um qualquer título ou causa, de operações económicas de qualquer género ou espécie, inclusive ilícito»; a segunda - com origem na prática bancária como aquela - «que se estende às obrigações decorridas ou a decorrer de certa ou certas relações de negócios». Para este autor «haverá na fiança omnibus a necessária determinabilidade [...] ainda que prestada para todas as obrigações actuais e futuras do devedor principal nascentes de certos e determinados tipos ou categorias de actividades por ele desenvolvidas».
Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1997, processo 500/97, 1.ª Secção, faz a referida distinção, ao considerar que, «ao contrário da fiança geral, é válida a fiança omnibus, prestada para todas as obrigações, actuais e futuras, do devedor principal nascentes de certos e determinados tipos ou categorias de actividades por ele desenvolvidas, pois se refere o conteúdo que as dívidas principais podem assumir nos futuros negócios do garantido com o beneficiário da garantia» (ponto IV do sumário).
Em outras sedes, no entanto, as designadas «fiança geral» e «fiança omnibus» são tratadas como conceitos sinónimos. É, v. g., o caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1998, revista n.º 531/97, 2.ª Secção.
Importa, todavia, agora, mais do que proceder a uma digressão teórica de contornos terminológicos, surpreender, nos concretos termos da fiança sub juditio, os elementos que habilitem a responder à questão de saber se o respectivo objecto é, ou não, determinável. Secundário será, portanto, proceder à sua qualificação como «geral» ou «omnibus».
(nota 17) Cf., v. g., o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 1999, revista n.º 131/99, 2.ª Secção.
(nota 18) Cf. o Acórdão de 3 de Fevereiro de 1999, revista n.º 1005/98, 2.ª Secção.
(nota 19) Sem prejuízo do que se deixou consignado supra na nota 16.
(nota 20) Cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1999, revista n.º 180/98, 2.ª Secção.
(nota 21) Neste sentido, entre outros que se poderiam indicar, v. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1998, revista n.º 531/97, 2.ª Secção (ponto I do sumário).
(nota 22) Cf. o já citado Acórdão de 14 de Janeiro de 1997, processo 500/96 (ponto III do sumário).
(nota 23) Neste sentido, cf., na doutrina, Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, p. 255, e Menezes Cordeiro, loc. cit. V. também a seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: Acórdão de 18 de Março de 1997, processo 514/96, 2.ª Secção; Acórdão de 22 de Novembro de 1995, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 451, p. 281; Acórdão de 18 de Junho de 1996, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 458, p. 281, e Acórdão de 17 de Junho de 1998, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VI, t. II, p. 114.
(nota 24) Cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1999, revista n.º 180/98, 2.ª Secção.
(nota 25) Cf. o já referido Acórdão de 1 de Outubro de 1998.
(nota 26) Cf. o citado Acórdão de 24 de Fevereiro de 1999.
(nota 27) Cf. o já citado Acórdão de 29 de Abril de 1999, revista n.º 131/99.
(nota 28) Cf., neste sentido, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1997, processo 841/97, 1.ª Secção, e de 13 de Fevereiro de 1999, revista n.º 1005/98, 2.ª Secção.
(nota 29) Cf., citando Vaz Serra, o já mencionado Acórdão de 29 de Abril de 1999, processo 131/99. Porém, no sentido da desnecessidade de fixação do limite máximo, cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1997, processo 260/97, 1.ª Secção.
(nota 30) Já no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1996, processo 17/96, 2.ª Secção, se concluíra, em face de um documento de prestação de fiança que referia alguns tipos de títulos, tais como descontos de letras, livranças e aceites bancários, que, não obstante, «trata-se aí tão-somente de uma indicação de índole exemplificativa que, longe de restringir, tem o intuito de ampliar e reforçar, quanto a todas as formas de responsabilidade legalmente admissíveis, o leque de responsabilidades dos fiadores».
(nota 31) Bem diversa era a situação analisada no âmbito do Acórdão de 27 de Junho de 2000, proferido no recurso de revista n.º 445/2000, razão por que aí se concluiu no sentido da validade do termo de fiança e pela consequente determinabilidade do respectivo objecto. É que, nesse caso, estava perfeitamente determinado, no termo da fiança, o título de que a obrigação futura poderia resultar. Na verdade, constava do instrumento de prestação de fiança que as obrigações futuras garantidas seriam as que surgissem em consequência dos fornecimentos de mercadorias que à afiançada viessem a ser feitos pela autora e inerentes encargos - tais como despesas bancárias ou de transportes, juros, protestos -, que, de qualquer forma, viessem a onerar «o preço dos referidos fornecimentos».
(nota 32) Foi justamente uma situação desta natureza - exercício das funções de gerência da sociedade por parte dos fiadores - que foi apreciada por um dos acórdãos juntos pelo recorrente com as alegações da presente revista - cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Dezembro de 1998, recurso n.º 6160/98, 1.ª Secção - fls. 313 e seguintes. Também no âmbito do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 2000, processo 445/2000, 1.ª Secção, já citado, ocorria uma situação idêntica.
(nota 33) Além dos já citados, v. também, consagrando solução idêntica à que agora se adopta, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 1999, processo 742/99, 1.ª Secção.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2001. - Garcia Marques Torres Paulo - Roger Lopes - Pais de Sousa - Miranda Gusmão - Moitinho de Almeida - Sousa Inês (vencido, em parte, e apenas quanto aos termos da uniformização, conforme a declaração de voto que junto) - Afonso de Melo - Aragão Seia - Fernandes Magalhães - Nascimento Costa (acompanha a declaração de voto do conselheiro Sousa Inês) - Lopes Pinto (entendo que a declaração do conselheiro Sousa Inês está contemplada no texto deste acórdão e se incluiu na doutrina formulada) - Tomé de Carvalho - Ribeiro Coelho (revendo a posição seguida em processo anterior) - Silva Paixão - Ferreira Ramos - Pinto Monteiro - Dionísio Correia (acompanhando a declaração de voto do conselheiro Sousa Inês) - Noronha Nascimento - Ferreira de Almeida - Neves Ribeiro - Lemos Triunfante - Silva Graça - Armando Lourenço - Moura Cruz - Barata Figueira - Abílio Vasconcelos - Duarte Soares - Sousa Dinis - Simões Freire - Óscar Catroga - Azevedo Ramos - Silva Salazar - Reis Figueira - Boavida Barros.
Declaração de voto
A fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todos os débitos que o devedor afiançado venha a dever ao credor beneficiário, qualquer que seja a sua origem, designadamente os provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários, não tem, forçosamente, objecto indeterminável, vale dizer que nem sempre é nula à luz do disposto no artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil.
O objecto de tal fiança é indeterminado, mas determinável, se, no momento em que é prestada, se encontrar estabelecido um concreto programa negocial (ver nota 1) entre o credor beneficiário e o devedor afiançado, programa esse conhecido e querido pelo fiador concedente (ver nota 2), e a obrigação que o credor vier a invocar como garantida pela fiança fizer parte desse programa, desta sorte servindo o dito programa como critério de determinação do objecto da fiança.
Por isto, só em função de cada obrigação e interpretação do negócio é que será possível alcançar se determinada fiança geral é nula, por indeterminabilidade do seu objecto.
Acontecerá, até, muitas vezes, que uma concreta fiança geral seja válida como garantia de uma determinada obrigação (ver nota 3) e não de outra.
A fiança geral apenas é nula como garantia de obrigação cujo conteúdo seja impossível concretizar de harmonia com o critério estabelecido pelas partes ao tempo da concessão daquela, ou pela lei, não o sendo em absoluto.
A nulidade não decorre do carácter geral da fiança, mas sim da indeterminabilidade do seu objecto, e é restrita às obrigações em relação às quais esta indeterminabilidade se verifique.
Isto posto, pelo que toca à espécie em julgamento, votei que se negasse a revista por não resultar que as obrigações cujo cumprimento vem pedido aos recorridos façam parte do objecto da fiança concedida pelos recorridos mais de sete anos antes.
(nota 1) Programa negocial este cuja efectivação pode ter como condição, precisamente, a concreta concessão da fiança. Esta é, aliás, uma situação corrente: o futuro credor só aceita celebrar com o futuro devedor os pretendidos contratos se o segundo lhe oferecer, como garantia, fiança prestada por determinadas pessoas.
(nota 2) É o caso, tão comum nestas situações, do fiador interessado por ser sócio de sociedade comercial que virá a ser a devedora afiançada, porventura, até, o sócio maioritário, a pessoa que domina a sociedade como coisa sua, as mais das vezes gerente ou administrador da sociedade afiançada e que em sua representação irá assumir a obrigação garantida.
(nota 3) Em regra, tratar-se-á de obrigação próxima, no tempo, da concessão da fiança. Na espécie em julgamento, poderá ser o caso dos empréstimos mencionados no facto n.º 17.º do presente acórdão.
Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês.