de 13 de Julho
1. A utilização de órgãos e tecidos humanos de origem cadavérica no tratamento de doentes é objecto de solicitação crescente, com a evolução da ciência médica.2. A transplantação clínica terapêutica situa-se numa fronteira do avanço científico, não só no respeitante à transplantação propriamente dita, como no tocante ao aperfeiçoamento das técnicas de reanimação e cuidados intensivos, por cuja aplicação se vão modificando os critérios biológicos e clínicos para o diagnóstico da morte. O conceito de morte permanece, no entanto, imutável como poucos nas construções do pensamento humano, desde que o indivíduo seja considerado no seu todo, na sua pessoa, e não órgão por órgão, tecido por tecido.
3. Assume especial relevância notar que foi claramente definida no parecer 35/52 da Procuradoria-Geral da República, de 27 de Novembro, a opinião jurídica que confere prioridade ao uso dos órgãos e tecidos para fins terapêuticos, sobre os direitos que em relação ao corpo detêm os familiares e amigos, os quais não vão além daquele que lhes assiste de prestarem aos despojos humanos honras e homenagens, em condições estritamente definidas.
4. É objectivo do presente diploma libertar o desenvolvimento dos processos clínicos de transplantação dos condicionalismos burocráticos que o têm tornado impossível e que permitem no estado actual da ciência salvar ou prolongar a vida ou a integridade física das pessoas.
5. Considera-se, portanto, oportuno e urgente fazer revogar as disposições anteriormente publicadas sobre o assunto, substituindo-as por um conjunto normativo adequado.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º A colheita no corpo de pessoa falecida de tecidos ou órgãos que sejam necessários para transplantação ou outros fins terapêuticos é permitida nos termos definidos no presente decreto-lei.
Art. 2.º Nos estabelecimentos hospitalares é autorizada a colheita de tecidos ou órgãos para aplicação directa em casos determinados ou para aprovisionamento de bancos onde sejam conservados.
Art. 3.º - 1. A colheita pode fazer-se imediatamente após a morte, a qual terá de ser certificada por dois médicos não pertencentes à equipa que a ela procede, devendo, pelo menos, um deles ter mais de cinco anos de exercício profissional.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o cirurgião e a respectiva equipa médica que procederem à colheita dos tecidos ou órgãos devem igualmente certificar a ocorrência do óbito.
Art. 4.º - 1. O facto de a morte ser processada por acidente não obsta à efectivação da colheita, devendo, contudo, o médico relatar por escrito toda e qualquer observação que possa ser útil, a fim de completar o relatório da autópsia médico-legal.
2. Quando houver suspeita de que a morte violenta resultou de acção criminosa, não deverá ter lugar a colheita de tecidos ou órgãos.
Art. 5.º Os médicos não podem proceder à colheita quando, por qualquer forma, lhes seja dado conhecimento da oposição do falecido.
Art. 6.º Não é lícito revelar à família ou herdeiros do falecido a aplicação concreta dada aos tecidos ou órgãos colhidos, nem ao beneficiário a origem dos que foram utilizados para a transplantação ou outros fins terapêuticos.
Art. 7.º Na execução das colheitas devem evitar-se mutilações ou dissecações não estritamente indispensáveis à recolha e utilização de tecidos ou órgãos, bem como as que possam prejudicar a realização da autópsia, quando a ela houver lugar.
Art. 8.º - 1. Os médicos que procederem à colheita lavrarão, em duplicado, um auto, no qual registarão a identidade do falecido, a data e hora da verificação do óbito, o nome dos médicos responsáveis e o destino dado aos órgãos ou tecidos recolhidos.
2. Os dois exemplares do auto serão assinados pelos médicos intervenientes na operação e pelo director clínico do estabelecimento onde a mesma se efectuar, ficando um exemplar arquivado e devendo o outro ser remetido à Direcção-Geral dos Hospitais para efeitos de estatística.
Art. 9.º Além da responsabilidade em que incorrem nos termos gerais de direito, os infractores deste diploma são puníveis:
a) Com a pena de prisão até dois anos, se procederem à recolha de tecidos ou órgãos sem a certificação do óbito, nos termos do artigo 3.º;
b) Com a pena de prisão até um ano, se procederem à colheita de tecidos ou órgãos no corpo de pessoa falecida com o conhecimento da sua oposição expressa;
c) Com a pena de multa até um ano, nos termos da alínea b) do artigo 63.º do Código Penal, se efectuarem alguma colheita de tecidos ou órgãos no corpo de pessoa falecida, em contravenção do preceituado no n.º 2 do artigo 4.º entendendo-se que esta se verifica quando lhes haja sido expressamente comunicada a suspeita de acção criminosa como causa da morte.
Art. 10.º - 1. São revogadas as disposições contidas no Decreto-Lei 45683, de 25 de Abril de 1964, e nas Portarias n.os 20688, de 27 de Julho de 1964, e 156/71, de 24 de Março.
2. As Portarias n.os 20799 e 20800, ambas de 10 de Setembro de 1964, e 24217, de 2 de Agosto de 1969, mantêm-se em vigor em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - José Baptista Pinheiro de Azevedo - João de Deus Pinheiro Farinha - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Promulgado em 30 de Junho de 1976.
Publique-se.O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.