Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 8/2015/M
Proposta de lei à Assembleia da República
Criação do Observatório da Criança
Recentes indicadores sociais confirmam a crescente e indisfarçável gravidade dos problemas da pobreza junto das crianças no nosso País. Os mais atuais estudos sobre a pobreza na Europa confirmam que Portugal consta entre os países onde o risco de pobreza infantil é mais elevado. Outros estudos, nomeadamente da UNICEF, revelam que centenas de milhares de crianças portuguesas estão na pobreza. Revelam ainda os estudos que Portugal é um dos países em que este indicador está em crescimento.
Os processos de transformação socioeconómica em contexto de globalização de economia são, por sua natureza, altamente seletivos e geradores de mecanismos de marginalização de pessoas e grupos que, pelas suas características, oferecem menor capacidade adaptativa às novas exigências da produção e do mercado.
Existem grupos sociais particularmente vulneráveis. Nas situações de elevada propensão à vulnerabilidade económica e social, quando se trata da Criança, existem razões de acrescida vulnerabilidade. Como se diz num dos relatórios da UNICEF, «chegou a hora, também, de começar a lidar com as necessidades e os direitos das crianças como uma finalidade e um meio de progresso em si mesmo, e não como meros subprodutos do progresso».
A pobreza infantil é uma realidade que reclama a nossa atenção e empenhamento. A pobreza infantil é um reflexo da precariedade económica que atinge as famílias. Mas é, fundamentalmente, um produto da economia e da sociedade, estando ligada a pobreza aos fatores económicos e políticos, muito mais relevantes do que as características individuais dos pobres.
A pobreza infantil e a exiguidade dos dados disponíveis para o profundo conhecimento do problema revela-nos, também, que os diversos organismos, os poderes públicos e as instituições sociais não deram a atenção adequada à análise das situações e suas causas.
Para que sejam apontadas algumas coordenadas para uma política global para a infância, de defesa do bem-estar infantil e de erradicação da pobreza, é necessário um diagnóstico atualizado e permanente da situação das crianças pobres no nosso País.
Uma pesquisa sobre as causas da pobreza, quando circunscritos ao universo da infância, permite, com maior clareza, não só avaliar a incidência da pobreza num grupo social particularmente vulnerável, mas - e sobretudo - revela nexos causais. A análise acerca das causas da pluriformidade da pobreza infantil permitirá um adequado combate e prevenção deste problema social.
Uma análise permanente da pobreza infantil em Portugal, o estudo da sua extensão e suas principais características, a compreensão, em profundidade, da forma como a pobreza infantil existe e é gerada no nosso País, conduzirá a intervenções adequadas e a medidas capazes de travarem a reprodução da pobreza.
A necessidade de criação do Observatório da Criança está, desde logo, patente na insuficiência de dados, em alguns casos a inexistência, quanto às situações das crianças pobres e tendo em conta as especificidades da situação nacional. Por isso, o Observatório da Criança deverá ser considerado como prioritário para o desenvolvimento humano e social, e como forma de atender às crianças privadas de direitos fundamentais.
A criação do Observatório da Criança dará corpo a uma das responsabilidades do Estado nos seus deveres de solidariedade ativa e propositiva face aos problemas da Criança e tudo quanto se reporta à exigência de acompanhamento, análise e definição de medidas adequadas à evolução de fenómenos sociais.
A perspetivação do Observatório da Criança não será indiferente ao papel do Estado naqueles que são os seus deveres de contribuir para que se criem as condições de autonomia económica e social e a efetivação de direitos.
A criação de um Observatório da Criança é perfeitamente justificada, pois assim poderemos realizar um continuado acompanhamento dos processos de evolução social, estudar o impacto social para as crianças de algumas políticas e avaliar as consequências das opções de desenvolvimento. Deverá congregar as diferentes instituições, movimentos e parceiros sociais, favorecer a sistematização de um diálogo e de articulação interinstitucional, assim como a concertação de estratégias que permitam rentabilizar os recursos já existentes e apresentar novas soluções para os problemas sociais da Infância.
Assim:
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, nos termos no disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 227.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da RAM, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de junho, com as alterações introduzidas pelas Leis 130/99, de 21 de agosto e 12/2000, de 21 de junho, apresenta à Assembleia da República a seguinte Proposta de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
Com o presente diploma é criado o Observatório da Criança, como estrutura independente e sem personalidade jurídica, com os objetivos de acompanhar a atividade na defesa dos direitos da criança em Portugal e os problemas de violação dos direitos fundamentais, com particular destaque para a pobreza infantil, e de promover a defesa dos direitos da criança.
Artigo 2.º
Funções
O Observatório da Criança tem por funções:
a) Caracterizar e analisar a extensão e profundidade da violação dos direitos humanos no contexto da Infância;
b) Monitorizar a evolução das desigualdades sociais, dos problemas da pobreza e da exclusão social e seus impactos para a Infância;
c) Analisar as causas e fatores da multidimensionalidade da pobreza, promovendo um olhar sobre a pobreza infantil;
d) Propor medidas de promoção do desenvolvimento com coesão económica e social e de afirmação de uma cultura dos direitos da Criança;
e) Acompanhar os impactos e a eficácia das políticas sociais implementadas em Portugal e suas repercussões para a situação social da Criança;
f) Dar pareceres sobre as políticas do Governo nesta matéria mediante prévia consulta;
g) Definir indicadores específicos para a caracterização dos universos das crianças excluídas socialmente;
h) Proceder ao tratamento de dados e indicadores sociais enviados pelos serviços da Administração Pública;
i) Colaborar com as entidades públicas e privadas competentes na promoção das crianças excluídas socialmente;
j) Formular propostas de promoção da integração das crianças excluídas socialmente, designadamente com vista à promoção de oportunidades iguais ao nível da escolaridade na educação para a saúde e acompanhamento das famílias mais carenciadas, na promoção de melhores condições habitacionais e quanto à proteção às famílias;
k) Elaborar e publicar informações, estudos e relatórios;
l) Apresentar anualmente, até 31 de dezembro, um relatório sobre a situação social da Infância e, em especial, relativa à integração das crianças excluídas socialmente.
Artigo 3.º
Composição
O Observatório da Criança é composto pelas seguintes entidades:
a) Um representante do Instituto da Segurança Social, I. P.;
b) Um representante da ANMP - Associação Nacional de Municípios Portugueses;
c) Três representantes das Instituições Particulares de Solidariedade Social;
d) Um representante da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens;
e) Um representante de cada uma das centrais sindicais;
f) Um representante da Sociedade Portuguesa de Pediatria;
g) Um representante da CNASTI - Confederação Nacional de Ação Sobre Trabalho Infantil;
h) Um representante do IAC - Instituto de Apoio à Criança;
i) Um representante das Associações de Solidariedade Social;
j) Cinco personalidades de reconhecido mérito com trabalho desenvolvido sobre a situação social da Infância, indicadas pela Assembleia da República;
k) Dois representantes de cada uma das regiões autónomas, nomeados, um pelo respetivo Governo Regional e outro pela respetiva Assembleia Legislativa.
Artigo 4.º
Direção
1 - O Observatório da Criança elege, de entre os seus elementos, uma Direção composta por um presidente e dois vogais.
2 - A Direção elabora, no prazo de 60 dias após a sua instalação, o respetivo regulamento interno.
3 - Os membros da Direção não recebem qualquer remuneração adicional decorrente do assumir destas funções.
Artigo 5.º
Tutela
O Observatório da Criança funciona em instalações próprias, sob tutela do Ministério responsável pelas políticas sociais, que lhe deverá atribuir os meios físicos, humanos e financeiros necessários ao seu funcionamento e incluí-lo no respetivo orçamento.
Artigo 6.º
Instalação
O Observatório da Criança será instalado 90 dias após a entrada em vigor do presente diploma.
Artigo 7.º
Regulamentação
O Governo regulamentará o presente diploma no prazo de 60 dias após a sua publicação.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor após a publicação do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.
Aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 22 de julho de 2015.
O Presidente da Assembleia Legislativa, José Lino Tranquada Gomes.