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Assento 7/2000, de 7 de Março

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Sumário

Não é enquadrável na previsão da alínea e) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal a conduta do agente que, em ordem à subtracção de coisa alheia, se introduz em veículo automóvel através do rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada no interior daquele veículo. (Proc nº 410/99)

Texto do documento

Assento 7/2000
Processo 410/99, 5.ª Secção. - Acordam na Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça:

Do acórdão proferido por este Supremo Tribunal, em 24 de Novembro de 1998, nos autos de recurso penal n.º 856/98 (cf. fls. 33 e segs.), interpôs recurso extraordinário de fixação de jurisprudência o identificado arguido José Artur Hontivermos Martins Cabrita, ao abrigo do disposto no artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Tal recurso, baseou-o nos fundamentos que a sintetizar se passam:
O acórdão recorrido interpretou o artigo 204.º, n.º 2, alínea e), em conjugação com o artigo 202.º, alínea b), do Código Penal como «abrangendo no arrombamento o lugar fechado ainda que não dependente de casa».

Tal acórdão encontra-se, porém, em oposição com o Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça proferido em 8 de Novembro de 1998 (cf. fls. 14 e segs.), o qual interpretou o artigo 204.º, n.º 2, alínea d), do Código Penal no sentido de que o arrombamento abrange exclusivamente a casa ou lugar fechado dela dependente.

Mostra-se integrado nos presentes autos o texto do acórdão recorrido (cf. fls. 33 e segs.), bem como o da decisão de aclaração prolatada a seu respeito (cf. fls. 3 e segs.), deles constando também o do acórdão fundamento (cf. fls. 14 e segs.).

Ambos os arestos transitaram em julgado, como se certifica no processo (cf. fls. 2 e 2 v.º, quanto ao acórdão recorrido, e fl. 14, quanto ao acórdão fundamento).

O recurso foi tempestivamente interposto (artigo 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e detém o recorrente legitimidade para o interpor (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

E decidido foi, preenchidos se tendo mostrado os requisitos formais e objectivos deste recurso extraordinário, considerar como configurada a oposição de julgados (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), conforme acórdão preliminar proferido nestes autos (cf. fls. 45 e segs.).

Justificado o prosseguimento do recurso, teve lugar o cumprimento do estipulado nos n.os 1 e 2 do artigo 442.º do Código de Processo Penal (cf. fls. 54 e 55) e, posteriormente, a correcção processual constante do despacho a fls. 66 e 66 v.º

Na sua alegação a fls. 56 e seguintes, explicitou o recorrente a conclusão de que a jurisprudência a fixar deveria ter o seguinte sentido:

«O conceito 'outro espaço fechado' dentro da previsão da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal só opera se tiver alguma semelhança com habitação, estabelecimento comercial ou industrial, pelo que arredada ficou a inclusão da noção de veículo automóvel no referido conceito legal.» (Cf. fl. 64.)

Por seu turno, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, como remate da sua peça alegatória a fls. 67 e seguintes, formulou a seguinte conclusão quanto ao sentido a conferir à jurisprudência que se pretende ver fixada:

«Tendo em conta a designação de 'arrombamento' estabelecida pelo artigo 202.º, alínea d), do Código Penal, não é enquadrável na previsão do artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do mesmo Código a conduta do agente que, com vista à subtracção de coisa alheia, se introduz em viatura automóvel através do rompimento de dispositivo destinado a impedir o acesso ao seu interior.» (Cf. fl. 82.)

Recolhidos os vistos legais, cumpre agora decidir e a tanto se passa.
Resulta evidente que o conceito de arrombamento ficou alterado com a revisão do Código Penal levada a efeito pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março.

Na verdade:
Na versão de 1982 entendia-se como arrombamento «o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de qualquer construção que servir a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente ou de móveis destinados a guardar quaisquer objectos» (cf. artigo 298.º, n.º 1).

No vigente diploma revisto é o arrombamento definido como sendo «o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente [cf. artigo 202.º, alínea d)].

Como logo se alcança da leitura comparada de ambos os preceitos, suportou o conceito de arrombamento, na sua transposição da versão originária do Código Penal (1982) para a que ora rege, uma redução nas suas amplitude e abrangência e isto por via da eliminação do segmento que na primeira se textuava e onde se continha a expressão «ou de móveis destinados a guardar quaisquer objectos».

Perante tal reformulação normativa (ou, talvez melhor dizendo, redução previsiva), terá de convir-se, como lógica e curial consequência, que o arrombamento de veículo automóvel, no condicionalismo consignado nos acórdãos em cotejo e oposição, deixou de estar (de poder estar) contemplado no artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal revisto, sendo aliás certo que a expressão «espaço fechado» a que se reportam a alínea f) do n.º 1 do artigo 204.º deste diploma e a alínea e) do n.º 2 do mesmo normativo não poderá deixar de ser compreendida com o significado restrito de lugar dependente de casa, donde que, entendida assim, terá de ficar afastada a inclusão da noção de veículo automóvel no mencionado conceito legal actual de espaço fechado. (Cf., quanto a esta matéria e neste sentido, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 1997, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, t. I, p. 195, de 1 de Outubro de 1997, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, t. III, pp. 180 e segs., e de 15 de Dezembro de 1998, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 482, p. 85.)

Com efeito:
Não é de aceitar argumentação tendente a invalidar este entendimento, mormente se radicada na asserção de que o conceito de «casa» seria susceptível de também abranger situações como a em causa ou seja a de arrombamento de viatura automóvel.

E se é certo que não é de confinar ou restringir o conceito de «casa» ou de mera habitação, pois que na dimensão que tal conceito assume não só se devem incluir os estabelecimentos comerciais ou industriais [expressamente referidos na alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal] como, igualmente, outras realidades que, como «casa», devam ser consideradas na perspectiva daquela citada alínea (v. g., casas de arrecadação, de abrigo, de recolha de alfaias agrícolas, etc. - cf., a este respeito, o já assinalado Acórdão deste Supremo de 15 de Dezembro de 1998, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 482, mais precisamente a p. 88), não menos certo será que o sobredito conceito não consente, na ratio da sua amplitude, os veículos automóveis.

É que estes apresentam uma afectação específica a uma finalidade própria: a de transporte.

E logo esta afectação basta para repelir qualquer ponto de contacto, qualquer aproximação ou qualquer sinonimização entre veículos automóveis e o conjunto (diversificado embora) das realidades que podem (ou que possam), sem esforço ou artificial expediente, merecer integração num conceito adequado (ainda que flexível) de «casa».

Donde que, se para além do conceito de «casa», em si e na extensão que comporta de «lugar fechado dela dependente» [alínea d) do artigo 202.º do Código Penal], outras realidades se revelam aptas a consentir inclusão no âmbito da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal, é de ter por incontroverso que, salvo o devido respeito por opinião contrária, naquela alínea não entra nem pode achar guarida o veículo automóvel.

Aliás, como, lapidar e consequentemente, se enfocou no citado Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1998 «no conceito de outro espaço fechado», em conexão com a norma definitória de «arrombamento», cabem as «casas» de habitação, de estabelecimento comercial e industrial e ainda as outras casas que não podem incluir-se nessas realidades, bem como os lugares fechados delas dependentes, logo de seguida se pormenorizando que «nestes lugares fechados se incluem, por exemplo, os jardins murados e fechados anexos às 'casas'» para, enfim, se concluir que, «não sendo um veículo automóvel uma 'casa', nem lugar fechado dependente de 'casa', parece óbvio que não pode o furto nele praticado ser qualificado pela penetração no seu interior, por arrombamento» (cf. loc. cit., p. 88, sendo nosso o sublinhado).

Adjuve-se, de resto, ser a tese que se inclina a permitir a inclusão de veículo automóvel na categoria de «outro espaço fechado» a que se reporta a alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal portadora, a nosso ver, de uma analogia incriminadora ou de uma extensão interpretativa inaceitáveis por abrangerem uma situação que o legislador visivelmente não quis contemplar, uma vez que se deu ao cuidado de precisamente eliminar, na transposição para a lei vigente, o segmento («ou de móveis destinados a guardar quaisquer objectos») que no Código Penal de 1982 (artigo 298.º, n.º 1) poderia consentir que naquele sentido se entendesse.

Aliás, visível será também que o legislador reservou a qualificativa agravativa decorrente da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal para os condicionalismos em que é posto em causa o valor jurídico «casa» ou realidades congéneres ou aproximadas (valor que, directa ou indirectamente, se prende ou se liga com ou a ideia de respeito pela privacidade e pela segurança especial que a deve envolver), concedendo-lhes, assim, uma específica coloração rigorizadora da sua violação, diversa, por mais gravosa, da que confere em relação aos veículos automóveis, mesmo que esta categoria de bens se tenha transformado, nos dias de hoje, num factor utilitário importante ou num pretenso índice de afirmação social.

Deve ainda encarecer-se que, mesmo que em pura tese fosse aceitável a ideia de que um veículo automóvel, na sua função normal de transporte, entrasse na esfera previsiva da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal através da categoria «outro espaço fechado», sempre enfrentaria tal ideia a dificuldade insuperável de decorrer de um visionamento normativamente impermitido.

Com efeito, a norma definidora da alínea d) do artigo 202.º do Código Penal haveria que prevalecer, enquanto consubstanciadora de conceitos chave nas regras que traça e nos limites que estabelece sobre o que se pudesse ser levado a extrair do contexto da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º, caso este ou ainda que este autorizasse a conceptualizar o que naquele outro dispositivo se não conceptualiza.

Mas, conforme se expendeu, não é de enveredar por tal caminho: aliás, é bem de ver que a expressão «em outro espaço fechado» inserta na aludida alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal é ainda por reporte ao conceito «casa» que tem de perspectivar-se, sendo também de enfocar que aquela outra expressão «ainda que móvel», igualmente ali contida, é ao sobredito conceito «casa» que se liga, de resto abarcando o exemplo clássico da roulotte que, sendo embora veículo automóvel (ou viatura acopulada ou atrelada a veículo automóvel), é passível de não se circunscrever (ou de não se circunscrever inteiramente) à função de transporte, pois que pode funcionar, além disso, como habitação.

Refira-se ainda em apontamento complementar que, como se assinalou no mais uma vez citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1998 (local referido, p. 88), «não colhe a discrepância notada com as chaves falsas, sendo logo de questionar se 'outro espaço fechado' em conexão com as 'chaves falsas', já não com o 'escalamento' ou 'arrombamento', ainda aí se pode incluir o veículo automóvel por não parecer que possa reconduzir-se ao 'grupo valorativo' que está subjacente à alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal».

Bem se compreende, assim, com o condimento desta nota, que o referenciado aresto haja expressado a conclusão, a que aderimos, de que, «não sendo um veículo automóvel uma casa, nem lugar fechado dependente de casa», não possa o furto nele cometido ser alvo de uma qualificação agravativa ditada pela penetração no seu interior por via de arrombamento.

Em síntese conclusiva:
A expressão «espaço fechado» que consta da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal [e também referida na alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito] tem, forçosamente, de ser entendida com o restrito sentido de lugar fechado dependente de uma casa, entendimento este reforçado pelo facto de o conceito definido na alínea d) do artigo 202.º do Código haver sido alvo, relativamente ao que se estipulava no n.º 1 do artigo 298.º do Código Penal de 1982, de uma redução no seu âmbito, por virtude da supressão do segmento «ou de outros móveis destinados a guardar quaisquer objectos».

Não se avalizando, pois, como aceitável a inclusão de um veículo automóvel afecto à sua função própria de meio de transporte no actual conceito legal de espaço fechado (compreendido no sentido limitado de lugar fechado dependente de uma casa), há que assentar que o arrombamento de veículo daquele tipo deixou de estar contemplado (e de poder ser contemplado) na alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal vigente.

Por procedente se ajuíza, portanto, o alegado e concluído pelo recorrente, aliás com o proficiente sufrágio do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, apoiado este em extensa referenciação doutrinária e jurisprudencial.

Desta sorte, pelos expostos fundamentos e atento o disposto no artigo 445.º do Código de Processo Penal, entende-se que dos dois doutos acórdãos em oposição foi o apresentado como fundamento que correctamente decidiu.

Por isso, julgando-se procedente o recurso, revoga-se o aqui recorrido, fixando-se a jurisprudência seguinte:

Não é enquadrável na previsão da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal a conduta do agente que, em ordem à subtracção de coisa alheia, se introduz em veículo automóvel através do rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada no interior daquele veículo.

Não há lugar a tributação.
Transmita-se, oportunamente, a presente decisão (fornecendo-se uma sua fotocópia) ao processo 411/99 desta Secção relativamente ao qual se verifica o condicionalismo referido no n.º 3 do artigo 441.º do Código de Processo Penal.

Cumpra-se, também oportunamente, o disposto no artigo 444.º do Código de Processo Penal.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2000. - António Luís de Sequeira Oliveira Guimarães - Álvaro José Guimarães Dias - António Correia de Abranches Martins - Dionísio Manuel Dinis Alves - Sebastião Duarte de Vasconcelos da Costa Pereira - José Damião Mariano Pereira - Luís Flores Ribeiro - Hugo Afonso dos Santos Lopes - Bernardo Guimarães de Fisher Sá Nogueira - Virgílio António da Fonseca Oliveira - António Gomes Lourenço Martins - Armando Acácio Gomes Leandro - Emanuel Leonardo Dias.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/112556.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1995-03-15 - Decreto-Lei 48/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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