Resolução do Conselho de Ministros n.º 99/99
O estatuto jurídico dos jogos a dinheiro é semelhante na generalidade dos países, sendo totalmente proibida a exploração não titulada de jogos que consistam na angariação de apostas em dinheiro. Apenas casuisticamente os Estados autorizam a entidades privadas a exploração de jogos de fortuna ou azar, reservando para si a exploração das chamadas lotarias e lotos do Estado. A exploração de jogo sem uma autorização específica é severamente sancionada, quer através do direito penal primário quer através do direito de mera ordenação social.
Por outro lado, tem-se entendido que na regulamentação dos jogos a dinheiro, máxime das lotarias e apostas mútuas, são totalmente justificadas as restrições à livre circulação de bens e serviços de jogo a dinheiro por razões imperiosas de interesse geral, tais como a protecção dos consumidores, a prevenção da delinquência, a protecção da moralidade pública, a limitação da procura dos jogos a dinheiro, a prevenção de consequências individuais e sociais nefastas, como a ruína dos patrimónios individuais e familiares.
Acresce que a total afectação dos lucros ao financiamento de actividades sociais e de interesse geral justifica que seja o nível estadual o mais adequado para providenciar que as lotarias e outros jogos não sejam organizados tendo em vista o estrito lucro pessoal, para evitar o estímulo da procura descontrolada no sector dos jogos a dinheiro e para prevenir os delitos a esta associados, garantindo, do mesmo passo, aos participantes nos jogos legais um tratamento de total rigor, transparência e segurança jurídica.
Não obstante, proliferaram os apelos à participação em jogos de sorte ilegais, o enriquecimento de alguns à custa da exploração do jogo ilegal e da credulidade dos concidadãos, seja em jogos de lotarias e apostas mútuas ilegais, de bingos e de casinos clandestinos ou de slot-machines com prémios avultados em dinheiro, elevando-se deste modo o risco de aumento dos fenómenos ilícitos associados ao jogo, tais como o jogo compulsivo, a falsificação de títulos de jogo por apostadores viciados e até o branqueamento de capitais, entre outras condutas.
Além disso, a canalização para o jogo ilegal dos montantes que os cidadãos estão dispostos a aplicar em jogo significa que se está a fazer reverter ilegalmente para proveito privado o que de outra forma reverteria para a comunidade social, nomeadamente para IPSS, pagamento de pensões, bombeiros, desporto escolar, bolsas de estudo a alunos carenciados, cidadãos com deficiência, idosos, combate à toxicodependência, à sida, etc.
De facto, os beneficiários dos lucros dos jogos sociais do Estado, através da sua actividade de promoção humana e social, fazem reverter a favor do todo social o que foi perdido pelos jogadores, pelo que a angariação de apostas para os jogos sociais constitui angariação de fundos que são receitas públicas, uma vez que, feitas em nome e por conta do Estado, se destinam a financiar a realização dos fins e tarefas sociais do Estado que, de outro modo, teriam de ser financiadas pelos impostos dos contribuintes.
O desenvolvimento de cada vez mais complexas e diversificadas manifestações de jogo ilegal, e os efeitos sociais nefastos a este associado, fazem ressaltar de modo particularmente sensível a necessidade de adaptação das estruturas e entidades envolvidas no combate ao jogo ilegal, seja ao nível das autoridades administrativas com competência para a aplicação de coimas, seja ao nível das autoridades policiais, na perspectiva do reforço da eficácia das medidas.
Neste contexto, afigura-se indispensável a definição de instrumentos de colaboração envolvendo de forma integrada todas as entidades que estão directa ou indirectamente implicadas no combate ao jogo ilegal e clandestino, ao mesmo tempo que a especificidade do tema aliada à dispersão da regulamentação por vários diplomas legais aconselham um acompanhamento particular por parte dos órgãos do Estado, bem como a reflexão, em profundidade, sobre as diversas vertentes do regime jurídico a que está sujeita a exploração do jogo a dinheiro em Portugal.
Com a presente resolução o Governo assume a especial importância do combate ao jogo ilegal e estabelece os mecanismos adequados à natureza e relevância do problema, seja através de medidas preventivas, seja através da melhoria da operacionalidade dos respectivos instrumentos sancionatórios, seja mediante a reflexão sobre o respectivo regime legal, procurando ainda um maior envolvimento e sensibilização dos restantes agentes do processo e da população em geral para a importância social do fenómeno.
Assim, ao abrigo da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu:
1 - É criado o Programa Operacional de Combate ao Jogo Ilegal (POCJI).
2 - O POCJI envolve a execução das seguintes medidas:
2.1 - Na área da prevenção:
a) Desenvolvimento de acções de sensibilização junto das diversas entidades envolvidas no problema do jogo ilegal;
b) Desenvolvimento de um programa de sensibilização e formação específica das autoridades com competência sancionatória sobre a matéria;
c) Estudo de eventuais alterações legislativas, no sentido da adopção de medidas desincentivadoras da prática do jogo ilegal.
2.2 - Na área do reforço da eficácia das medidas repressivas do jogo ilegal:
a) Criação de equipas multissectoriais de investigação, designadas por equipas especiais de investigação;
b) Implementação de centros de controlo e depósito de material apreendido;
c) Apresentação de propostas tendo em vista a melhoria da eficácia dos instrumentos utilizados no combate ao jogo ilegal ou a criação de outros que se revelem necessários.
3 - Implementação do POCJI:
3.1 - Equipas especiais de investigação:
a) As equipas especiais de investigação são constituídas por elementos das forças de segurança e por elementos da Inspecção-Geral de Jogos, sendo aqueles nomeados pelo respectivo membro do Governo, sob proposta dos comandantes ou directores respectivos, após solicitação da Inspecção-Geral de Jogos, devendo a sua concreta composição estar definida até 1 de Agosto de 1999.
b) Caberá à Inspecção-Geral de Jogos a coordenação das equipas especiais de investigação.
c) Podem ainda ser chamados a colaborar com as equipas especiais de investigação peritos e técnicos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, sempre que tal seja necessário.
d) Os vencimentos dos elementos que constituem as equipas especiais de investigação ou que com estas colaborem continuarão a ser assegurados pelo serviço de origem, competindo à Inspecção-Geral de Jogos o abono de eventuais ajudas de custo, bem como de suplementos que venham a existir, nos mesmos termos que são devidos ao seu corpo inspectivo.
e) A todo o tempo, por iniciativa da Inspecção-Geral de Jogos ou a requerimento do elemento nomeado, poderá cessar a sua colaboração nas equipas especiais de investigação.
f) Os elementos que, nos termos previstos na presente resolução, desempenhem funções nas equipas especiais de investigação não perderão qualquer direito que já detenham no serviço de origem.
g) As equipas especiais de investigação funcionarão pelo período inicial de Setembro de 1999 a Setembro de 2000.
h) Será criado um cartão para identificação dos membros das equipas especiais de investigação, conforme modelo a aprovar por portaria do Ministro da Economia.
i) O apoio administrativo às equipas especiais de investigação é assegurado pela Inspecção-Geral de Jogos.
3.2 - Formação específica:
a) Será assegurada aos elementos das equipas especiais de investigação formação de qualidade, profunda e extensiva, a qual permitirá dotar as equipas de elementos preparados para o eficiente desempenho das tarefas de que sejam incumbidos.
b) A formação será assegurada, nas respectivas áreas, pelas diversas entidades representadas na Comissão para o Estudo e Acompanhamento no Combate ao Jogo Ilegal.
c) As acções formativas terão início no mês de Agosto de 1999.
3.3 - Centros de controlo e depósito de material apreendido:
a) É criado um centro de controlo e depósito de material apreendido, funcionando num espaço especificamente destinado para o efeito pela Inspecção-Geral de Jogos, que ficará igualmente responsável pela sua gestão.
b) No referido centro, que deverá ter as dimensões e natureza adequadas ao respectivo fim, poderão ser depositados os materiais apreendidos nas acções de combate ao jogo ilegal, ficando o material às ordens dos tribunais ou das autoridades administrativas competentes.
c) No centro fica ainda instalado um laboratório técnico de apoio às actividades das equipas especiais de investigação, de molde a fazer frente à contínua sofisticação dos meios empregues na exploração do jogo ilícito.
d) As instalações do centro deverão estar em condições de funcionamento a partir de 1 de Setembro de 1999, designadamente quanto à respectiva segurança a assegurar pelos meios a disponibilizar para o efeito pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
3.4 - Comissão para o Estudo e Acompanhamento do Combate ao Jogo Ilegal:
a) É criada a Comissão para o Estudo e Acompanhamento do Combate ao Jogo Ilegal (CEACJI).
b) A CEACJI é constituída pelos seguintes membros:
Um representante do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, que presidirá;
Um representante do Ministério das Finanças;
Um representante do Ministério da Administração Interna;
Um representante do Ministério da Justiça;
Um representante do Ministério da Economia;
Um representante do Ministério da Saúde;
Um representante da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
c) A CEACJI tem as seguintes competências:
Promover a formação e o acompanhamento das equipas especiais de investigação;
Apresentar propostas visando a melhoria da eficácia das medidas de combate ao jogo ilegal;
Promover a colaboração e articulação do desenvolvimento do POCJI com a Unidade de Coordenação da Luta contra a Evasão e a Fraude Fiscal e Aduaneira (UCLEFA);
Proceder à avaliação trimestral das actividades das equipas e à avaliação geral das actividades, bem como dos resultados obtidos;
Entregar, até final de Setembro de 2000, aos membros do Governo representados na Comissão um relatório da actividade das equipas, no qual constará, obrigatoriamente, uma recomendação quanto ao prosseguimento das actividades, eventuais alterações a operar ou cessação das actividades.
d) A CEACJI reunirá trimestralmente, de forma ordinária, ou extraordinariamente, a pedido de qualquer membro, dirigido ao presidente da Comissão.
4 - Financiamento:
4.1 - As despesas globais do projecto serão satisfeitas pelo orçamento da Inspecção-Geral de Jogos.
4.2 - Não estão abrangidos pelas despesas globais referidas no ponto anterior os seguintes encargos:
a) Eventuais encargos com o pagamento dos formadores e respectivo material de apoio, que serão assegurados nos termos da alínea b) do ponto 3.2;
b) Encargos com os vencimentos dos agentes policiais envolvidos nas equipas especiais de investigação, que serão assegurados nos termos da alínea d) do ponto 3.1;
c) Encargos com a segurança dos centros de controlo e depósito de material apreendido, assegurados de acordo com o previsto na alínea d) do ponto 3.3 da presente resolução.
5 - Duração. - O POCJI extinguir-se-á automaticamente em 30 de Setembro do ano 2000, salvo se o contrário for decidido por despacho conjunto dos membros do Governo representados na CEACJI, na sequência da ponderação sobre o respectivo relatório de avaliação.
6 - Disposições finais e transitórias:
6.1 - Sem prejuízo do disposto no ponto anterior, os centros de controlo e depósito de material apreendido, bem como a respectiva segurança, continuarão a ser geridos nos termos previstos na presente resolução, até que as entidades competentes decidam do destino do material apreendido.
6.2 - Aos elementos das forças de segurança envolvidos nos trabalhos preparatórios de constituição das equipas especiais de investigação aplica-se, desde 18 de Janeiro de 1999, com as necessárias adaptações, o regime previsto nesta resolução para os elementos das referidas equipas.
Presidência do Conselho de Ministros, 12 de Agosto de 1999. - O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.