Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 1/2014, de 24 de Janeiro

Partilhar:

Sumário

Acórdão n.º 173 161, proferido no processo n.º 9483/2012

Texto do documento

Acórdão 1/2014

Acórdão 173.161

Proc. N.º 9483/12

Recorrente: Vida de Cristo - Parque Temático, Lda.

Recorrido: Município de Ourém

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul, em julgamento ampliado.

Vem Vida de Cristo - Parque Temático, Lda., apresentar recurso da decisão de 1.ª instância, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação do Recorrente, na ação administrativa especial interposta, na qual se pedia a declaração de nulidade, por vício de falta de fundamentação, do ato do Diretor do Departamento de Ambiente, Ordenamento do Território e Obras da Câmara Municipal de Ourém, que ordenou que se efetuassem obras de correção. Subsidiariamente pedia-se a anulação do mesmo ato por vício de preterição do direito de audiência prévia e por incorreta interpretação e aplicação do artigo 65.º do RGEU.

O DMMP junto deste TCAS, no parecer de fls. 201 e 202, vem suscitar a inadmissibilidade do recurso, por não ter havido a reclamação para a conferência, conforme artigo 27.º, n.º 2, do CPTA.

Notificadas as partes do parecer do DMMP, o Recorrente apresentou o requerimento de fls. 205 e 206, alegando que no caso não se decidiu no âmbito do artigo 27.º, n.º 1, do CPTA, mas em despacho saneador.

Dos documentos juntos aos autos resultam os seguintes factos:

1 - O Recorrente apresentou no TAF de Leiria a PI de uma ação administrativa especial, que consta de fls. 1 a 18 dos autos, que indica o valor de 30.001,00(euro).

2 - Em 30.03.2012 foi proferida a decisão de fls. 155 a 163, por juiz singular, que aqui se dá por reproduzida, na qual se julgou procedente a exceção de caducidade do direito de Ação do ora Recorrente.

3 - Com data de 16.04.2012 foram enviados às partes os ofícios a comunicar a «sentença» proferida, conforme docs. de fls. 164 a 165.

4 - Em data concretamente não apurada, foi junto aos autos o recurso de fls. 170 a 180, que aqui se dá por reproduzido, sob o qual foi aposto a lápis a inscrição ''16/5/2012", sem mais indicações.

5 - Do processo não consta nenhuma cota relativa à junção do recurso de fls. 170 a 180, designadamente relativa à forma do seu envio e respetiva data de entrada no TAF de Leiria.

6 - Em 24.05.2012, foi proferido o despacho de fls. 185, que aqui se dá por reproduzido, que admitiu o recurso interposto.

Cumpre decidir.

Determina o artigo 40.º, n.º 3, do ETAF que «nas ações administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito».

Por seu turno, estipula o artigo 27.º, n.º 1, do CPTA, que são competências do relator as que estão enumeradas nas várias alíneas daquele n.º 1, e ainda, todos os «demais poderes que lhe são conferidos» pelo CPTA.

Entre estes poderes estão, v.g, os indicados nos artigos 87.º, n.º 1, 88º a 91º do CPTA, de proferir despacho saneador, julgando de facto e de direito, de suprir exceções dilatórias, de determinar o aperfeiçoamento de articulados, de determinar a absolvição da instância, de ordenar diligências de prova ou de indeferir requerimentos para a sua produção e de ordenar a realização de uma audiência pública.

No artigo 92.º, n.º 1, do CPTA, também se indica que «concluso o processo ao relator, quando não deva ser julgado por juiz singular», só nestes casos é que haverá «lugar a vista simultânea aos juízes-adjuntos». Ou seja, lido este n.º 1 do artigo 92.º, conjugado com o artigo 27.º, n.º 1, alíneas e) e i), ambos do CPTA, farão parte das competências do juiz relator, julgar a causa nas situações em que haja transação, deserção, desistência, uma impossibilidade ou inutilidade da lide, ou quando entenda que a questão a decidir é simples. Só nas restantes situações, verificado o pressuposto do artigo 40.º, n.º 3, do ETAF, é que aquela competência não pode caber ao relator, mas antes, exigir-se-á necessariamente a formação de três juízes.

O relator do processo, o juiz a quem foi atribuído o processo em 1.ª instância, tem poderes para proferir todas as decisões que estão enumeradas no n.º 1 do artigo 27.º do CPTA, e ainda, detém todos os «demais poderes que lhe são conferidos» pelo CPTA. Aqui se incluem quer poderes para proferir simples despachos - cf. alíneas a) a d), f), g) e j) do n.º 1 do artigo 27.º, 87º, n.º 1, alíneas a), b), 2º parte. c), 88º e 90º do CPTA - quer para proferir sentenças, as decisões que julgam causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa (cf. conceito no artigo 156.º do CPC) cf. alíneas e), h), 1º parte e i), 87.º, n.º 1, alíneas a) e b), 1º parte, 89º, n.º 1 e 91º do CPTA. E de todas essas decisões cabe a reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, não obstante a referência nesse n.º 2 a «despachos».

Em síntese, o relator tem as competências legalmente previstas para tomar as decisões indicadas nos artigos 27.º, n.º 1, 87º, n.º 1 e 88º a 91º do CPTA.

No caso dos autos, o juiz relator proferiu o saneador, julgando de facto e de direito e considerou verificada a exceção de caducidade do direito de ação, determinando a absolvição do R. da instância. Fê-lo, no uso das competências que lhe estão legalmente cometidas pelo artigo 87.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPTA.

Consequentemente, nos termos dos artigos 27.º, n.º 1 e 2 e 87º, n.º 1, do CPTA, do saneador-sentença em apreço cabia reclamação para a conferência, no prazo de 10 dias, por aplicação do artigo 29.º, n.º 1, do CPTA e não diretamente recurso jurisdicional.

Tal reclamação é para a conferência do próprio tribunal de 1.ª instância.

Não obstante não se desconhecer que era prática corrente desde a reforma do contencioso administrativo a tomada de decisões por juiz singular nas ações administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, das quais se admitia o recurso de imediato, sem se exigir a reclamação para a conferência, conforme determinado no artigo 27.º, n.º 2, do CPTA, após o Acórdão do Pleno do STA n.º 420/12, de 05.06.2012 (in www.dgsi.pt), tal questão ficou clarificada, exigindo-se que se inverta a anterior prática.

No mesmo sentido, também se pronunciou o STA nos Acs. n.º 12/2013, de 19.03.2013 (onde a decisão terá sido proferida por juiz singular sem a expressa invocação do artigo 27.º n.º 1, al. i), do CPTA), n.º 542/10, de 19.10.2010, n.º 147/12, de 19.04.2012, n.º 862/06, de 10.05.2007, n.º 156/10, de 30.06.2010 ou n.º 1173/05, de 15.03.2006 e n.º 156/10, de 30.06.2010 e o TCAS no Ac. n.º 9473/12, de 21.03.2013 (estes quatro últimos acórdãos, relativos a uma decisão proferida pelo juiz relator em sede de saneador) (todos em www.dgsi.pt).

No Ac. do STA n.º 1173/05, de 15.03.2006, aqui plenamente aplicável, é entendido o seguinte: «E, no n.º 2 do artigo 27.º, ao afirmar a necessidade de reclamação para a conferência, não distinguiu entre o conteúdo dos despachos do relator, ou entre os meios processuais em que são proferidos, ou entre as vestes em que o relator age. Fê-lo indiscriminada e genericamente, escrevendo que «dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência», apenas excecionando casos que aqui nos não importam.

Não pode, pois, respeitando a unidade do sistema, e analisando o modo como o legislador exprimiu o seu pensamento, pretender-se que ele quis furtar à reclamação para a conferência quaisquer despachos do relator, para além dos que expressamente excecionou: aonde o legislador não distingue, também o intérprete não deve diferençar. A expressão «dos despachos do relator» não pode deixar de ser lida com este sentido: de todos os despachos do relator.

De resto, este artigo 27.º contém norma paralela à do artigo 700.º n.º 3 do CPC: quando a parte se considere prejudicada por um despacho do relator que não seja de mero expediente pode requerer que sobre a matéria desse despacho se pronuncie o coletivo de juízes.

[...] Numa palavra, dos despachos do relator não se recorre para o tribunal superior, reclama-se para a conferência.

Nada de tudo isto redunda em prejuízo dos princípios pro actione e da tutela jurisdicional efetiva. Pode mesmo dizer-se que esses princípios só saem honrados quando se exige que, antes de se recorrer de uma decisão singular, se reclame para uma conferência de juízes.».

Mais se indique, que o STA já se pronunciou acerca da inconstitucionalidade da exigência do artigo 27.º, n.º 2, do CPTA, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e entendeu que a mesma não era inconstitucional, mas constituía antes mais um grau de apreciação.

No Ac. n.º 420/12, de 05.06.2012, o STA, a este propósito, diz-se o seguinte: «E, como é óbvio, esta posição não viola qualquer preceito constitucional, designadamente os invocados pela recorrente, pois a reclamação para a conferência é uma forma como outra qualquer de reagir contra decisões desfavoráveis que não limita - antes acrescenta - as formas de reação.»

Assim sendo, do saneador proferido nestes autos cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, e não recurso jurisdicional.

Nos termos do citado acórdão do STA n.º 420/12, de 05.06.2012, interposto recurso da decisão que exigia reclamação para a conferência, mostrando-se reunidos os pressupostos para se poder admitir a convolação do meio processual, nomeadamente mostrando-se verificada a tempestividade na apresentação do meio de reação reclamação para a conferência, deve tal convolação ser apreciada pelo juiz relator de 1.ª instância. E se se considerar verificados aqueles pressupostos, sendo admitida a convolação, ordenar-se-á que o processo siga a forma processual adequada (cf. artigo 199.º, n.º 1, do CPC), ou seja, que passe a ser entendido como uma reclamação para a conferência (cf. também o Ac. do STA n.º 0542,'10, de 19.10.2010).

Por conseguinte, há agora que determinar a baixa dos autos ao TAF de Leiria, a fim de aí ser apreciado o requerimento de recurso apresentado, enquanto reclamação para a conferência.

Dispositivo

Pelo exposto:

- não se conhece do recurso interposto e ordena-se a baixa dos autos ao TAF de Leiria para aí ser apreciado o requerimento de fls. 170 a 180, enquanto reclamação para a conferência.

Sem custas.

Notifique.

Lisboa, 26 de setembro de 2013

Sofia David Coelho da Cunha Carlos Araújo

Cristina Santos Fonseca da Paz Teresa de Sousa

António Vasconcelos (vencido conforme declaração do Dr. Paulo Gouveia que acompanho)

Rui Pereira Carlos Araújo

Paulo Gouveia (vencido conforme declaração em anexo)

Ana Carvalho (voto vencido, conforme declaração em anexo)

VOTOS VENCIDOS

**

P. n.º 9483/12

Por razões conhecidas relacionadas com a Reforma do Contencioso Administrativo de 2002/2003, com muitos novos juízes nos novos tribunais administrativos de círculo, juízes recém-formados fora do CEJ, e com os novos tribunais administrativos de círculo a receberam muitas das competências que, antes de 1-1-2004, pertenciam às formações colegiais de juízes do mais alto tribunal da jurisdição administrativa (STA), o n.º 3 do artigo 40º do novo ETAF estabeleceu uma regra jurídica processual específica e imperativa, apenas para julgamentos em 1.ª instância em algumas das ações administrativas típicas do contencioso administrativo:

- "Nas Ações Administrativas Especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito" (vd. ainda o artigo 31.º, n.º 2, al. b), do CPTA); é uma regra muito clara e semelhante, embora não igual, à prevista nos arts. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, e 35.ª, n.º 1, do ETAF, para o STA e os TCAs, e à prevista na organização dos tribunais judiciais de recurso.

Nesse contexto e ainda no da assumida subsidiariedade do CPC (v. g. artigo 705.º), o art. 27º, n.º 1, al. i), do CPTA (cuja redação é semelhante à dos arts. 701º, n.º 1, al. c), e 705º do CPC) aplicou também, desde 1-1-2004, aos tribunais administrativos de círculo, nas Ações Administrativas típicas do contencioso administrativo de valor superior à alçada, uma regra que já funciona há várias décadas nos tribunais de recurso. Assim, a lei processual estabeleceu o seguinte para todos os tribunais administrativos de 1.ª instância; e apenas nas Ações Administrativas Especiais de valor superior à alçada:

- além dos demais poderes em competência própria do relator, ou seja, sem prejuízo dos demais poderes em competência própria que são conferidos no Código ao juiz a quem a Ação Administrativa Especial de valor superior à alçada foi distribuída (como, por exemplo, decidir os incidentes, ou o poder previsto no n.º 4 do artigo 84.º, ou os poderes previstos nas três alíneas do n.º 1 do artigo 87º do CPTA, ou ainda o poder de elaborar a base instrutória), compete ainda a este juiz, num exercício excecional de competência funcional alheia, julgar, sem os juízes adjuntos, os casos em que considere que a questão a decidir é simples.

Note-se que o CPC cit., nos seus arts. 700º e 705º, subsidiariamente aplicável na jurisdição administrativa, utiliza desde a sua versão original (1961) até ao presente o vocábulo "despacho" como incluindo as decisões do relator nos tribunais de recurso (assim: Consº A. ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil..., 3.ª ed., 2010, no comentário ao artigo 700.º, e in Recursos no Novo CPC, 2013, pp. 186 ss;

vd. ainda Ac.STJ de 14-2-95, CJ/STJ,1995, 1.º, p. 92-93; Ac.STJ de 12-10-2006, P. n.º 06B3371), tal como o veio a fazer o CPTA em 2004, no seu artigo 27.º, desta feita também para os tribunais administrativos de círculo no caso específico das Ações Administrativas Especiais de valor superior à alçada. Na verdade, ali atende-se a que há despachos de mero expediente e despachos decisórios.

Como se sabe, mais do que a natureza sumária da decisão, o que a norma prevê ali é a decisão individual do juiz sobre o objeto do processo, sem o sujeitar ao juízo imediato dos respetivos adjuntos (assim:

Consº A. ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil..., 2010, cit., p. 267, no comentário ao art. 700º, e in Recursos no Novo CPC, 2013, p. 190); quando os haja, claro; é este o caso previsto no especial n.º 3 do artigo 40º do ETAF.

Nesse contexto, o CPTA estabeleceu ainda outra regra jurídica processual:

- a de que de tais julgamentos nas Ações Administrativas Especiais de valor superior à alçada, feitos pelo juiz a quem o processo foi distribuído (relator), cabe reclamação para o órgão julgador normalmente competente, i.e., para a formação de três juízes imposta pelo novo ETAF, formação que funciona em conferência, conforme o artigo 27.º, n.º 2, do CPTA, e cuja ratio é semelhante à do artigo 700.º, n.º 3, do CPC; de tal decisão sumária ou singular não cabe recurso (assim: Consº A. ABRANTES GERALDES, in Recursos em..., 2010, cit., pp. 276-277, e doutrina e jurisprudência ali referidos, e in Recursos no Novo CPC, 2013, pp. 198 ss); afinal, o julgamento é da competência própria normal da formação de três juízes especificamente imposta pelo novo ETAF nas cit. Ações Administrativas Especiais.

Em consequência do quadro específico descrito, (i) obedecendo ao decisivo art. 9º do CC e (ii) tendo obviamente presente a experiência acumulada no processo civil, entendemos que as normas constantes do artigo 40.º, n.º 3, do ETAF e do artigo 27.º, n.º 1, al. i), e n.º 2 do CPTA, devidamente conjugadas, se referem apenas ao julgamento a final das Ações Administrativas Especiais de valor superior à alçada, previsto nos arts. 91º e 92º do CPTA. Não se referem, logicamente, aos despachos e ou decisões da "competência funcional ou intrajudicial" própria do juiz de tribunal administrativo de círculo a quem a Ação Administrativa Especial foi distribuída, como, por exemplo, a decisões de incidentes ou ao saneamento onde se conheça de exceções e ou do mérito da causa; leia-se, por isso, com atenção o n.º 1 do artigo 87º do CPTA ou a correspondente norma do CPC. Aliás, como se sabe, mesmo quando conhece do mérito, o saneador é, formalmente, sempre um despacho e não uma sentença final ("sentença final"; terminologia esta usada, não por acaso, pela generalidade da jurisprudência e da doutrina: cf. por todos ANTUNES VARELA et al., Manual de P.C., 2.ª ed., 1985, p. 663; ou J.P. REMEDIO MARQUES, Ação Declarativa..., 3.ª ed., p. 653).

É a lei processual, seja o CPTA, seja o CPC, que atribui ao juiz a quem a ação foi distribuída (neste caso presente, ao relator da formação que surgirá a final no momento dos arts. 91º e 92.º cits.) a "competência intrajudicial" própria para tudo decidir sozinho antes da fase de julgamento da Ação Administrativa Especial, nomeadamente, (i) saneando o processo, (ii) elaborando a base instrutória ou elencando os novos temas da prova, (iii) exercitando os poderes instrutórios, (iv) emitindo os despachos previstos no art. 91º do CPTA ou (v) apreciando incidentes.

Não é, portanto, a este tipo de decisões ou despachos que o art. 27º, n.º 1, al. i), e n.º 2, do CPTA, ou as normas semelhantes do CPC, se estão a referir.

Não teria qualquer razoável sentido jurídico-processual (vd. art. 9º do CC) admitir a possibilidade de emissão, em momento anterior à fase do julgamento, de um acórdão (vd. arts. 700º, al. c), e 705º do CPC, e 27º, n.º 1, al. i), e n.º 2, do CPTA) pela formação de julgamento das Ações Administrativas Especiais, a propósito do despachado ou decidido antes dessa fase pelo juiz a quem a Ação Administrativa Especial foi inicialmente distribuída em 1.ª instância. Nessas fases anteriores, no âmbito da Ação Administrativa Especial, a "competência intrajudicial" decisória é, obviamente, do juiz relator pressuposto no n.º 3 do artigo 40º do ETAF.

Assim, na cit. Acão Administrativa Especial na 1.ª instância da Jurisdição Administrativa, só há lugar a reclamação para obter a intervenção da formação de três juízes especificamente prevista no cit. art. 40º n.º 3 do ETAF quando esteja em causa o julgamento da matéria de facto e de direito da ação cit., pois só para isto ("julgamento da matéria de facto e de direito da ação administrativa especial de valor superior à alçada") a formação de três juízes cit. tem competência - vd. ainda o artigo 31.º, n.º 2, al. h), do CPTA.

Na melhor doutrina processualista administrativa, ninguém veio entender o contrário disto (cf. VIEIRA DE ANDRADE, in A Justiça Adm., MÁRIO AROSO, in Manual..., e MÁRIO AROSO/C. CADILHA, in Comentário ao CPTA, 3.ª ed.). Caso contrário, estar-se-ia a olvidar a claríssima norma imperativa do n.º 3 do artigo 40º cit. e ainda a ignorar a imperatividade e o teor real da alínea h) do n.º 1 do artigo 87º, bem como do n.º 4 do artigo 91º do CPTA, normas estas que impedem o saneador-sentença no caso normal e típico de as partes não prescindirem das alegações finais na Ação Administrativa Especial.

Entender o contrário parece-nos racionalmente inaceitável (vd. art. 9º do CC); corresponderia, afinal, a dizer que o n.º 2 do artigo 27º do CPTA seria sempre aplicável em todos e quaisquer processos previstos no CPTA:

(i) processos especiais e (ii) processos comuns,

(iii) processos urgentes e (iv) processos não urgentes,

(v) processos de valor superior à alçada do TAC e (vi) processos de valor não superior a essa alçada,

(vii) processos declarativos e (viii) processos executivos,

(ix) processos principais e (x) processos cautelares.

Ora, tal conclusão é obviamente inadmissível, sob a égide do art. 9º do CC e duma compreensão do CPTA como uma lei de processo racional que tem o consolidado processo civil (v.g., o art. 705º do CPC cit.) como lei subsidiária.

Note-se, ainda, que a figura prevista no artigo 27.º n.º 2 cit., no caso específico e único da Ação Administrativa Especial, de valor superior à alçada, em tribunal administrativo de círculo, não é logicamente adequada no julgamento de facto com base em prova não documental, já que seria obviamente impossível à formação de três juízes emitir logo acórdão sobre a "questão simples" com base em meios de prova (v.g. testemunhal) com que não pode já tomar contacto. Aliás, em tribunal administrativo de círculo e Ação Administrativa Especial de valor superior à alçada, difícil ou erradamente se poderá falar de "questão simples" nos casos de produção de prova após o saneador, ou seja com base instrutória (ou "temas da prova").

Cf., com ensinamentos úteis para o caso em apreço, sobre os vários tipos de despachos saneadores e sobre o julgamento pela sentença final:

- Consº A. ABRANTES GERALDES, in Temas..., II, 4.ª ed., 2010, pp. 119 a 157;

- ANTUNES VARELA et al., ia Manual de P.C., 2.ª ed., 1985, pp. 380 a 397, 403 ss e 426 a 433;

- P. REMEDIO MARQUES, in Acção Declarativa..., 3.ª ed., 2011, pp. 521 a 542 e 653 ss;

- ALBERTO DOS REIS, in CPC Anot., vol. III, 4.ª ed., reimp., 1985, pp. 161 ss; vol. IV [cap. IV], reimp. de 2012; e vol. V, reimp. de 2012;

- ANSELMO DE CASTRO, in DPCD, III, 1982, pp. 247 ss.

Para compreender melhor o art. 27º do CPTA, mas sem desvalorizar a clara especificidade constante do n.º 3 do artigo 40º do ETAF (vd. art. 9º do CC), cf. o cit. art. 700º do CPC e o Consº A. ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil...3.ª ed., 2010 (comentários aos arts. 700º e 705.º do CPC), e in Recursos no Novo CPC, 2013,

pp. cits.), bem como, entre muitos outros arestos de várias jurisdições, os seguintes Acórdãos:

- do STA de 19-10-2010, Pr. n.º 0542/10,

- deste TCA Sul de 27-10-2011, Pr. n.º 07670/11,

- do STA de 26-9-2012, Pr. n.º 0851/12, e

- deste TCA Sul de 24-4-2013, Pr. N.º 09372/12.

Pelo exposto, concluímos o seguinte:

I.No presente caso específico, referente a TACs, o imperativo art. 40º, n.º 3, do ETAF tem centralidade interpretativa e competencial; também são centrais, com as devidas adaptações, os arts. 700.º e 705º do CPC vigente desde a entrada em vigor do CPTA (em 1-1-2004);

II.É sob tal centralidade e ambiente sistemático que a alínea i) do n.º 1 do artigo 27º do CPTA e o n.º 2 do mesmo art. devem ser aplicados nos tribunais administrativos de 1.ª instância;

III.Os arts. 40.º, n.º 3, do ETAF e 27º n.º 1, al. i), do CPTA, devidamente conjugados e aplicados desde 1-1-2004, referem-se apenas ao caso específico do julgamento de facto e de direito que está previsto na fase processual do julgamento das Ações Administrativas Especiais de valor superior à alçada em tribunal administrativo de círculo, a que se reportam expressamente os arts. 91º e 92º do CPTA, fase de julgamento essa que é da "competência funcional ou intrajudicial" própria do colégio de três juízes imperativamente previsto no claríssimo art. 40º, n.º 3; esta competência colegial pode ser excecionalmente exercida pelo juiz a quem a Ação Administrativa Especial, de valor superior à alçada, foi distribuída, se o caso decidendo for muito simples de resolver;

IV.Neste caso, tal como ocorre no CPC para os tribunais superiores, haverá lugar a reclamação para a formação de três juízes do tribunal administrativo de círculo, antes de se recorrer, pois que aí se está em sede de exercício excecional pelo relator de uma "competência funcional ou intrajudicial" alheia, i.e. da formação de três juízes do tribunal administrativo de círculo;

V.O cit. artigo 40.º, n.º 3, do ETAF e o cit. artigo 27.º, n.º 1, al. i), do CPTA, não estão, portanto, a referir-se a todo o tipo de despachos emitidos nas Ações Administrativas Especiais de valor superior à alçada, v.g., a despachos decisórios sobre incidentes ou a despachos sobre qualquer das questões referidas nas três alíneas do n.º 1 do artigo 87.º do CPTA (como, por exemplo, a elaboração da base instrutória ou a enunciação dos temas da prova), pois este tipo de despachos é da "competência intrajudicial" própria do juiz a quem a Ação Administrativa Especial foi distribuída; ou seja, como resulta "a contrario" do n.º 3 do artigo 40º cit., tal tipo de despachos não é da "competência intrajudicial" própria da formação de três juízes cit.;

VI.O n.º 2 do artigo 27º do CPTA, que logicamente se refere apenas aos casos elencados no seu n.º 1, não tem aplicabilidade, em sede de tribunais administrativos de 1.ª instância, em todos os processos previstos no CPTA; não se aplica, por exemplo, nos Processos Cautelares, nas Ações Administrativas Especiais de valor não superior à alçada, nas Ações Administrativas Comuns e nos Processos Executivos;

VII.Assim, o colégio de três juízes do tribunal administrativo de círculo, a funcionar em conferência, referido no específico n.º 3 do artigo 40.º do ETAF, tem, corno se disse, a "competência funcional" própria ali referida, e o juiz do tribunal administrativo de círculo a quem a Ação Administrativa Especial, de valor superior à alçada, for distribuída tem as restantes "competências funcionais" decisórias previstas nas leis de processo (v.g., julgar incidentes, sanear o processo, elaborar a base instrutória), o que é, foi e teria de ser respeitado no artigo 27.º do CPTA;

VIII.Pelo que, em tribunal administrativo de círculo, no caso específico das Ações Administrativas Especiais de valor superior à alçada, cabe reclamação para a conferência contra as decisões do juiz relator que normalmente deveriam ser tomadas pelo colégio de juízes imposto no n.º 3 do artigo 40º do ETAF, à semelhança do previsto no subsidiário CPC nos arts. 700.º e 705º CPC apenas para os recursos; e apenas destas decisões nas Ações Administrativas Especiais em tribunal administrativo de círculo, sem prejuízo do regime próprio dos tribunais administrativos de recurso (vd. arts. 12º, n.º 2, e 35º, n.º 1, do ETAF).

26.9.13

a) Paulo Gouveia

Voto de vencido:

Voto vencido por entender que o artº 27.2 do CPTA quando se refere a despachos é inaplicável a despachos que decidem a causa principal ou algum incidente com a estrutura de uma causa, e que por isso passam a chamar-se Sentenças, por força do artº 152.2 CPC novo.

Acresce que por este meio me parece estar a introduzir-se um método diferente de reação perante decisões judiciais, conforme a ação seja especial ou tenha outra forma, quando o artº 27 tem carácter geral.

Lisboa, 26 de setembro de 2013

a) Paulo Carvalho

Voto de vencida:

Salvo o devido respeito, discordo da solução que fez vencimento

Resulta dos autos que foi proferido saneador-sentença ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1. do artº 87º do CPIA.

Estabelece tal preceito legal que "findos os articulados, o processo é concluso ao juiz ou relator, que profere despacho saneador quando deva: [...] b) Conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, sempre que, tendo o autor requerido sem oposição dos demandados, a dispensa de alegações finais, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, ou, ouvido o autor no prazo de 10 dias, de alguma exceção perentória;".

Tal preceito tem por epígrafe "Despacho-saneador" - e integra a Secção II, epigrafada "Saneamento, instrução e alegações do Capítulo III. "Marcha do processo".

Assim a decisão judicial de que o ora reclamante interpôs recurso jurisdicional foi proferida na fase de saneamento da causa.

Significa isto que o saneador-sentença, tal como invocado foi proferido no âmbito do disposto na alínea b). do n.º 1. do artº 87º do CPTA e não com base no artº 27º do mesmo Código.

A disposição do artº 87º não só não se confunde com o disposto na alínea i). do n.º 1, do artº 27º do CPTA, como, ao contrário do decidido com o mesmo não se assemelha.

É o próprio legislador do n.º 1, do artº 87º do CPTA, que prevê que o saneador-sentença, proferido nos termos da sua alínea b), seja proferido pelo "juiz ou relator", significando isso que a competência para o julgamento do processo em causa, em função do seu respetivo valor, quer caiba ao juiz singular, quer caiba ao tribunal em coletivo ou "formação de três juízes", nos termos do n.º 3 do artigo 40º do ETAF, sempre é do respetivo juiz titular do processo.

Por outras palavras, independentemente do valor do processo, sempre cabe ao juiz titular do processo proferir tal decisão.

Neste caso, não releva o disposto na alínea i). do n.º 1, do artigo 27º do CPTA, o qual, não só não foi indicado pelo Tribunal a quo, como não pode ter servido de base legal ao saneador-sentença proferido.

Por isso, discordo da invocação da doutrina do Acórdão uniformizador de jurisprudência do Pleno do STA n.º 0420/12 já que este incide sobre a questão de saber se a decisão proferida no quadro da invocação dos poderes conferidos pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea i) do CPTA. está sujeita a recurso jurisdicional, nos termos gerais ou a reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 27º, n.º 2 do CPTA, e não, como no caso presente, sobre decisão proferida ao abrigo da invocação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea h) do CPTA.

O saneador-sentença não foi proferido, em termos expressos ou implícitos, sob a invocação de poderes conferidos ao abrigo do artigo 27º, n.º 1, do CPTA, pelo que o caso vertido no acórdão do STA, n.º 0420/12, de 05/06/2012 não é idêntico à situação vertente.

Prevendo-se que o julgamento sobre o mérito da causa, no âmbito de ação administrativa especial, por regra, caiba à "formação de três juízes", segundo o disposto no n.º 3, do artº 40º, do ETAF, no caso em apreço a decisão foi proferida ainda na fase de saneamento da causa. em que a competência é do "juiz ou relator", ou seja, sempre do respetivo titular do processo e não mediante "formação de três juízes".

Por isso, não tem sentido assimilar as situações em causa, impondo a intervenção da "formação de três juízes" através da reclamação para a conferência, quando é o legislador que conferiu competência ao respetivo titular do processo.

Apenas das decisões proferidas por juiz singular que, nos termos da lei, devam ser apreciadas e julgadas por tribunal coletivo, caberá, sempre, reclamação para a conferência e não recurso, o que não se configura no caso presente.

Por essa mesma razão, atribuindo-se no corpo do n.º 1, do artigo 87º, do CPTA, a competência para o saneador sentença ao ".juiz ou relator", não tem sentido falar em incompetência do juiz titular do processo.

Assim sendo, contra o saneador sentença, proferido ao abrigo da invocação dos poderes previstos no artigo 87º, n.º 1, alínea b) do CPTA, cabe recurso jurisdicional, nos termos gerais e não a reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2 do artº 27º do CPTA.

Pelo que se afigura que, ao contrário do que se entendeu, a decisão recorrida era e é suscetível de recurso imediato, nos termos gerais, pelo que admitiria o recurso, verificados os seus demais pressupostos legais.

Lisboa, 26 de setembro de 2013

a) Ana Celeste Carvalho

26 de setembro de 2013. - O Juiz Desembargador Presidente, José Gomes Correia.

207537272

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1041100.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda