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Acórdão DD2, de 22 de Novembro

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Sumário

Não configura conflito a resolver pelas relações ou pelo Supremo a recusa do tribunal deprecado em cumprir carta precatória expedida por outro tribunal para inquirição de testemunhas em processo por transgressão (sumaríssimo), com fundamento em que a lei não autoriza tal acto ou diligência (Proc.º 41876 - Pleno).

Texto do documento

Acórdão
Processo 41876 - Pleno
1 - O Sr. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça vem interpor recurso extraordinário do Acórdão de 28 de Novembro de 1990, proferido no recurso n.º 41417.

Alegou que esse acórdão está em oposição com o Acórdão de 18 de Outubro de 1989, proferido no recurso n.º 40191.

Em conferência foi decidido que o recurso deve prosseguir, porquanto se verifica que se trata de acórdãos deste Tribunal, proferidos no domínio da mesma legislação, que não admitem recurso ordinário, e, por outro lado, que estão em oposição um com o outro.

No Acórdão de 18 de Outubro de 1989 foi decidido que a recusa de cumprimento de uma deprecada, ordenada em processo de transgressão (sumaríssimo), para inquirições e declarações, com o fundamento de que a lei não autoriza tal acto ou diligência nessa forma de processo, configura um conflito de entendimento e de decisão, que tem de ser dirimido pelo Supremo Tribunal de Justiça, por aplicação do artigo 121.º do Código de Processo Civil.

No Acórdão de 28 de Novembro de 1990 foi decidido que não existe qualquer conflito, porquanto a decisão do juiz deprecante foi cumprida - passagem da deprecada - e o despacho do juiz deprecado transitou em julgado, não sendo eles contraditórios, e que não é caso de dois tribunais se estarem a julgar incompetentes para conhecer da mesma questão.

2 - Corridos os vistos, cumpre decidir.
Escreveu-se no Acórdão de 18 de Outubro que «a situação em causa configura um conflito de entendimento e de decisão que tem de ser dirimido por este Supremo».

E, na verdade, ao pensar-se na situação que o despacho do juiz do tribunal deprecado criou, é louvável que se procure a decisão desta questão na necessidade de a resolver.

E a melhor forma - e única para as situações já criadas - é precisamente pela tentativa de utilização do preceituado no artigo 121.º do Código de Processo Civil , que manda aplicar os artigos 117.º a 120.º «a quaisquer outros conflitos que devam ser resolvidos pelas relações ou pelo Supremo».

Daqui resulta que a decisão agora a proferir tenha de partir, quase necessariamente, da consideração de três aspectos: existir mesmo a necessidade invocada, que apenas desta forma tenha de ser decidida; legitimidade de utilização do artigo 121.º do Código de Processo Civil a esta situação; a situação criada configurar efectivamente um conflito.

3 - Começando por este útlimo aspecto, logo teremos por responder afoitamente pela negativa.

Como se diz no Acórdão de 28 de Novembro, não existe tal conflito, porquanto, desde logo, o tribunal deprecado não devolve a competência que lhe é atribuída, antes a aceita implicitamente.

Na definição do artigo 115.º do Código de Processo Civil, não se verifica, neste caso, qualquer conflito de jurisdição ou de competência, porquanto se trata de tribunais da mesma espécie e não é a mesma questão a colocada a ambos (cf. Prof. José Alberto dos Reis, Comentário, I, pp. 104 e 105).

A questão é a de cumprimento de uma deprecada e a competência para o acto não está a ser recusada ou devolvida pelo tribunal deprecado a qualquer outra autoridade que entenda ser a competente para o efeito.

A «questão» apenas existiria a nível de tribunais deprecados, porquanto nunca ao tribunal deprecante pode ser atribuída a competência para o acto.

Falha, pois, o requisito de nos encontrarmos perante a mesma «questão».
O tribunal deprecado, como ensina o mesmo mestre (2.º vol., p. 289), em princípio, tem de cumprir a carta. «A sua atitude em face da solicitação contida na carta é, como já dissemos, a de rigorosa e estrita conformidade: inclina-se perante o pedido que lhe é feito e dá-lhe satisfação [...] o juízo deprecado é obrigado a dar cumprimento à carta. Regra terminante e peremptória.»

Conforme o artigo 184.º, o tribunal apenas pode deixar de cumprir a carta «se não tiver competência ou se a requisição for para acto proibido por lei».

No primeiro caso - falta de competência - rege o artigo 177.º, n.º 4, ou seja, a deprecada deve ser enviada para o tribunal que haja de a cumprir.

O conflito, portanto, no caso de negação da própria competência, está bem caracterizado e, conforme a própria lei, apenas pode surgir entre tribunais deprecados.

Ora, no caso que nos interessa, o juiz deprecado aceita a sua competência, mas apenas entende que o acto não é permitido por lei.

Portanto, a questão posta aos dois tribunais não é a mesma; e, até, ambos os tribunais estão de acordo em que o tribunal deprecado, aquele tribunal deprecado, será mesmo o competente para cumprir a deprecada, se a lei permitir a sua expedição. O tribunal deprecado aceita a sua competência para o acto, mas apenas entende que este não é permitido por lei.

4 - Também duvidamos que o Código de Processo Civil possa ser utilizado subsidiariamente nesta matéria, já que não existe caso omisso.

Efectivamente, esta matéria está completamente regulada e regulamentada nos artigos 34.º a 36.º do Código de Processo Penal actual em termos que não permitem o recurso à lei processual civil.

Nestes preceitos é dada a noção de conflito e regulada a tramitação da sua solução de forma bastante completa.

Esta regulamentação é até inovadora em relação à lei processual anterior, onde, também curiosamente, apenas se falava em competência do Supremo para conhecer de conflitos de jurisdição e competência (artigo 36.º, n.º 4).

Por outro lado, nada existe a indiciar que possa competir ao Supremo a decisão de outros conflitos - que seriam os previstos no artigo 121.º do Código de Processo Civil -, dado que o artigo 11.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal e o artigo 28.º, n.º 2, alíneas e) e f), da Lei Orgânica apenas debitam competência à Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer de conflitos de competência e de jurisdição, que, evidentemente, não são os «outros» conflitos referidos no artigo 121.º do Código de Processo Civil.

Portanto, não existe caso omisso que tenha de levar à utilização supletiva do Código de Processo Civil; é sabido que o actual Código de Processo Penal procurou regulamentar de forma completa as questões processuais; a lei é clara em referir que os conflitos a resolver pelo Supremo são apenas os de jurisdição e de competência; neste caso, não estamos perante qualquer destas hipóteses.

5 - É certo que noutros casos de recusa de cumprimento de deprecadas o Supremo tem vindo a aceitar a existência de conflito e a dirimi-lo: Acórdãos de 30 de Junho de 1971 e de 21 de Janeiro de 1987, in Boletim, 208.º,p. 118, e 363.º, p. 400.

E, por exemplo, no Acórdão de 11 de Junho de 1981 (Boletim, 308.º, p. 152) entendeu que, havendo necessidade de resolver um conflito para se sair de impasse ou de paralisia da relação processual penal, que revelam bem a existência de conflito, se pode utilizar o artigo 121.º do Código de Processo Penal. «O artigo 121.º e suas alíneas revelam bem a preocupação do legislador na resolução de conflitos, mesmo dos não declarados, como acontece nos casos de conflitos latentes ou implícitos aí previstos.»

Porém, apesar disso, não podemos aceitar essas posições, neste caso, pelas razões apontadas.

E até porque a situação pode ser sempre desbloqueada e solucionada sem ser por este meio.

Em primeiro lugar, porque nada impede que o acto seja de novo deprecado, se o processo ainda não estiver findo.

Em segundo lugar, porque o nosso sistema jurídico contém meios próprios e adequados para que a situação seja sempre solucionada.

Efectivamente, conforme o artigo 3.º, alínea b), da Lei Orgânica do Ministério Público e o artigo 48.º do Código de Processo Penal, ao Ministério Público compete exercer a acção penal e promover o processo penal; por isso lhe compete interpor recursos - artigo 53.º, alínea d).

Assim, quer o Ministério Público, quer o defensor do arguido, quer o assistente, se o houver, que tenham requerido a expedição de deprecada têm legitimidade para reagir contra o seu não cumprimento no juízo deprecado mediante a interposição de recurso do despacho que recusou tal cumprimento.

Por isso mesmo, nunca se poderá entender verificada uma situação de conflito que apenas pelo recurso ao artigo 121.º do Código de Processo Civil possa ser resolvido.

Mesmo no caso de a expedição da deprecada ter sido feita a requerimento do Ministério Público, é de considerar que é sempre possível, por meio de directivas, ordens ou instruções, a que se refere o artigo 8.º, alínea c), da Lei Orgânica do Ministério Público, fazer que o respectivo magistrado junto do Tribunal deprecado reaja tempestivamente contra a recusa de cumprimento das deprecadas, se se entender que é caso disso.

Esta será a solução mais curial para este impasse, sem mobilização do Supremo Tribunal de Justiça, que apenas deve ser utilizado nos casos que o mereçam.

6 - Portanto, não estamos perante caso de devolução de competência, nem da mesma questão a interessar dois tribunais diferentes; não estamos perante conflito de jurisdição ou de competência, únicos que compete decidir à Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça; não estamos perante questão que apenas por decisão de conflito possa ser resolvida.

Por estas razões, mantém-se a decisão impugnada e fixa-se jurisprudência pela forma seguinte:

Não configura conflito a resolver pelas relações ou pelo Supremo a recusa do tribunal deprecado em cumprir carta precatória expedida por outro tribunal para inquirição de testemunhas em processo por transgressão (sumaríssimo), com fundamento em que a lei não autoriza tal acto ou diligência.

Sem tributação.
Cumpra o artigo 444.º do Código de Processo Penal.
Lisboa, 16 de Outubro de 1991. - Armando Pinto Bastos - António Cerqueira Vahia - Agostinho Pereira dos Santos - Bernardo Guimarães Sá Nogueira - Victor Manuel Lopes Sá Pereira - Luís Vaz de Sequeira - José Saraiva - Fernando Lopes de Melo - José Alfredo Soares Manso Preto - Manuel da Rosa Ferreira Dias - José Henriques Ferreira Vidigal - Fernando Ferreira de Sousa Sequeira - Manuel Lopes Maia Gonçalves - José Alexandre Lucena e Valle.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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