Resolução do Conselho de Ministros n.º 87/98
Tal como qualquer outra actividade humana, as diversas formas de produção alimentar acabam por, de um modo ou outro, afectar o ambiente; e se é verdade que, em certos casos, os efeitos poderão ser benéficos, outros há em que as transformações operadas não são compatíveis com a preservação a largo prazo dos ecossistemas.
A crise generalizada a que se vem assistindo nestes anos 90 nos pesqueiros tradicionais dos diversos oceanos é o exemplo mais evidente de quanto os reflexos de uma actividade desenvolvida para além de limites sustentáveis pode gerar situações de perturbação extrema, com reflexos profundamente negativos em termos sociais e económicos, pondo em causa a estabilidade e o potencial de progresso das comunidades piscatórias, com relevo para as mais dependentes da exploração dos oceanos e mares e dos seus recursos.
À beira de um novo século, o final dos anos 90 aparece-nos como o momento propício para uma reflexão séria sobre os desafios a enfrentar no futuro a longo prazo, um dos quais resulta de uma consciência cada vez mais ampla da necessidade de se proceder a uma revisão profunda das relações entre a humanidade e a natureza, retirando-se as necessárias lições do que, por décadas, foram concepções, modelos e práticas de desenvolvimento que, assentes numa perspectiva economicista estreita, acabaram, a prazo, por se revelar ecologicamente insustentáveis e, por isso mesmo, desastrosas tanto do ponto de vista social como económico.
A pressão demográfica, aliada a crescentes necessidades alimentares, não se compadece com um sistema produtivo que assenta, há milénios, na apanha, pesca e caça de recursos aquáticos os mais diversos. As últimas décadas mostram-no de modo irrefutável: porque praticamente se atingiu o limite sustentável, o contributo da pesca tem vindo a decrescer comparativamente com o da aquicultura, tanto de águas doces como salobras e marinhas.
Todas as perspectivas de largo prazo apontam, sem hesitação, para a continuidade deste processo, prevendo-se que, gradualmente, a aquicultura venha a ter uma relevância cada vez maior na produção alimentar.
Apesar de a aquicultura estar ainda numa fase relativamente incipiente há que ter consciência plena de como tem sido rápido o desenvolvimento dos conhecimentos neste domínio.
Em Portugal, como em muitos outros países, a produção aquícola tem uma longa tradição, embora assente em técnicas simples de maneio.
Foi, porém, nos finais do século XIX que surgiu o primeiro diploma regulador da actividade e já nos anos 30 os seus reflexos podiam ser observados na produção de ostra portuguesa, espécie de qualidade, que se exportava largamente, tendo-se atingido, nessa altura, as 13000 t.
Se, por algum tempo e até ao final da década de 50, a ostreicultura, a truticultura e, em parte, a ciprinicultura tiveram uma expressão significativa, a verdade é que o período que se prolonga até à actualidade não conheceu um progresso sensível - ainda que se tenham dado passos positivos no sentido de uma modernização, de um melhor conhecimento tecnológico e científico, de um esboço de ordenamento e de um enquadramento jurídico.
Importa assim que, sem mais delongas, se faça um esforço no sentido de criar condições que permitam abrir novas perspectivas para o futuro da aquicultura em Portugal, sabendo-se que este sector terá uma cada vez maior importância estratégica para o desenvolvimento sustentável do País; impõem-no a procura, em tempo útil, de alternativas à produção de proteínas animais destinadas ao consumo alimentar (reduzindo-se a dependência externa) e o estabelecimento de condições que permitam um melhor uso dos potenciais oferecidos pela rede hídrica continental e pela orla costeira, com a consequente abertura a novas soluções de emprego e qualificação profissional.
Neste contexto, é igualmente desejável promover a harmonização entre a preservação dos recursos e a da qualidade ambiental, por um lado, e o aproveitamento do ponto de vista lúdico e económico, por outro - tendo em conta as soluções que melhor se ajustem às condições naturais das diferentes regiões ou locais e sem perder de vista, no que se refere às águas interiores, a eventualidade de se desenvolverem sistemas integrados de produção.
O Governo tem plena consciência de que sobre ele recai a responsabilidade histórica de abrir caminho nessa última fronteira que são os oceanos e mares, por um lado, mas também o aproveitamento optimizado e diversificado das potencialidades da rede hídrica continental portuguesa, por outro.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Governo resolve estabelecer as seguintes orientações para o desenvolvimento da aquicultura enquanto sector com importância estratégica para uma política de desenvolvimento sustentável em Portugal:
a) Promover a coordenação da investigação aplicada dirigida não apenas ao fomento da aquicultura mas também à inovação e ao apoio técnico e científico nesse domínio.
b) Avançar com o ordenamento da rede hídrica continental e orla costeira, tendo em vista a definição de áreas propícias ao desenvolvimento da aquicultura, através de uma carta das zonas aptas para os diferentes tipos de produção, compatibilizando os diversos interesses em eventual confronto quanto ao uso da água e dos seus recursos.
c) Estimular e melhorar a produção, incluindo a que se destine a assegurar o povoamento ou repovoamento das nossas águas, de modo a revitalizar e ou consolidar as unidades produtivas existentes e a apoiar selectivamente novos projectos (incluindo em offshore), optimizando, em termos ecologicamente sustentáveis e sem dano para a qualidade ambiental, a rentabilidade das áreas destinadas à aquicultura.
d) Fomentar a investigação aplicada em domínios fundamentais como sejam a genética e o melhoramento animal, a fisiologia, a etologia, a alimentação e o tratamento das águas como condição para a garantia de impactes compatíveis com a qualidade do ambiente.
e) Criar condições experimentais que permitam desenvolver a investigação aplicada em condições comparáveis com as da aquicultura comercial, através da implantação de unidades piloto em zonas estratégicas, com vista ao aperfeiçoamento dos sistemas de produção, à melhoria da qualidade dos efluentes e ao desenvolvimento de novas tecnologias.
f) Proceder à revisão dos sistemas de apoio financeiro ao sector de modo a transformá-los num sistema mais eficiente de intervenção, através de programas integrados.
g) Rever e aperfeiçoar o quadro jurídico de modo a torná-lo um instrumento efectivo ao serviço do desenvolvimento da aquicultura.
h) Estimular a conjugação de esforços entre os diversos departamentos ministeriais e destes com as universidades, reforçando-se o relacionamento entre os Ministérios do Ambiente e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.
Presidência do Conselho de Ministros, 26 de Fevereiro de 1998. - O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.