Resolução do Conselho de Ministros n.º 84/98
A alínea l) do n.º 3.4 da parte I do Programa do XIII Governo Constitucional estabelece como objectivo da revisão do sistema de autoridade marítima (SAM) a clarificação da articulação entre as diferentes entidades competentes no domínio das costas e águas sob jurisdição portuguesa.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 185/96, de 28 de Novembro, veio, no seu artigo 1.º, criar um grupo de trabalho interministerial tendo como objecto delimitar, definir e organizar a actividade dos departamentos de Estado com responsabilidades nos domínios das costas e das águas sob jurisdição marítima nacional, tendo em vista a redefinição de atribuições, a reestruturação interna e a reformulação do enquadramento do SAM. O preâmbulo desta resolução aponta para a criação das necessárias sinergias que compatibilizem a elevação da qualidade do serviço público prestado à comunidade, em particular aos agentes económicos, e da eficácia das acções de controlo e fiscalização com a garantia da máxima economia de meios.
Verificam-se hoje fragilidades para o exercício eficaz das atribuições cometidas ao SAM que resultam da inadequação do sistema a realidades emergentes como sejam: o alargamento progressivo da área de jurisdição confiada ao Estado costeiro (12 milhas de mar territorial, 12 milhas de zona contígua e 200 milhas de zona económica exclusiva); a redefinição dos factores de risco à fronteira externa, nomeadamente no que respeita ao controlo da imigração clandestina, ao combate à criminalidade internacional - dando-se uma ênfase particular ao tráfico de drogas e ao terrorismo -, a crescente preocupação com os problemas ambientais e com o combate à poluição; a necessidade de controlar o tráfego de mercadorias perigosas; o imperativo de gerir os recursos pesqueiros com base numa ideia de desenvolvimento sustentado; a exigência de proceder ao ordenamento do território da orla costeira; e, finalmente, a necessidade de tornar o transporte marítimo mais competitivo, com destaque para a simplificação e desburocratização de procedimentos.
O SAM, no eclectismo do seu objecto, integra um complexo de missões, nem sempre fáceis de determinar, das quais foram identificadas como mais importantes:
As desenvolvidas ao nível da busca e salvamento de pessoas e bens;
A protecção civil, com incidência no mar e faixa litoral;
A fiscalização de actividades de aproveitamento económico dos recursos vivos e não vivos;
A fiscalização de actividades lesivas do meio ambiente;
A fiscalização do património cultural, em especial do património arqueológico subaquático;
A protecção da saúde pública;
A sinalização e controlo da navegação;
A fiscalização das condições de segurança dos navios;
A definição dos ilícitos em matéria aduaneira, fiscal, económica, laboral e das actividades em matéria de investigação científica;
O registo e documentação de navios;
Assegurar a prevenção e repressão da criminalidade, nomeadamente a relacionada com o tráfico de droga, terrorismo e pirataria, e da imigração clandestina; e, por último,
A garantia da segurança pública na faixa litoral.
Em termos de estrutura orgânica assumida pelo tecido administrativo nacional, já se assistiu a diversas realidades, das quais se podem apontar, como mais marcantes, a unicidade orgânica e técnica (que funcionou desde finais do século XVIII até à extinção do Ministério da Marinha, em 1974) e a bipolarização de coordenação administrativa e técnica das actividades marítimas (com a criação do Ministério do Mar). No momento actual é imperativo que se proceda a uma avaliação do SAM, a qual deverá ter presente a disposição territorial dos seus efectivos.
Aquelas diferentes realidades orgânicas, actualmente com ampla intervenção técnica de múltiplas tutelas governativas, reflectem-se nos serviços prestados aos cidadãos, porquanto a burocratização existente dificulta a racionalização de procedimentos e a criação de mecanismos centralizados de tratamento das questões marítimas. As disfunções constatáveis entre os referidos departamentos traduzem-se, por vezes, em resultados de reduzida eficácia e eficiência relativamente ao serviço público prestado, tendo em conta a salvaguarda dos interesses do Estado e dos cidadãos em geral.
Na economia do sistema, o aproveitamento dos meios existentes torna imperativa a criação de procedimentos de transmissão de informações entre os vários departamentos envolvidos, o que constitui um pressuposto de eficácia da sua dimensão operativa. Com vista à prossecução deste objectivo, deve ser traçado um plano legislativo para o SAM, que terá de incluir a regulamentação da legislação existente, a transposição de directivas comunitárias, a introdução de emendas a convenções internacionais, bem como a sua aprovação ou ratificação.
O modelo preconizado pelo grupo de trabalho aponta para uma clarificação orgânica dos vários tipos e capacidades de intervenção, com circulação da informação recolhida pelos diversos serviços, coordenação de actividades e racionalização de meios empregues por forma a rentabilizar os recursos existentes. Assim, a solução global para o SAM passará por uma apreciação do tipo de intervenção que cada uma das entidades envolvidas nos serviços públicos ligados às actividades marítimas virá a ter, nomeadamente analisando especificamente o relacionamento entre autoridades administrativas, tutelas técnicas, entidades policiais e entidades fiscalizadoras.
A exiguidade de meios recomenda que a componente operacional do sistema seja objecto de uma rigorosa avaliação em termos de eficácia de comando, avaliação das necessidades e custos.
A definição de um novo perfil para o SAM terá de ter presente as alterações em curso ao nível de diversas políticas, as que se referem aos portos, ao combate à poluição marítima e ao ordenamento do território na orla costeira, de modo que se definam sem dúvidas nem ambiguidades os moldes em que deve ser exercida a soberania sobre os espaços marítimos confiados ao Estado Português. O SAM traduz-se numa política horizontal, pelo que as suas linhas rectoras devem ser articuladas com as restantes políticas com incidência no espaço marítimo.
Em termos de política externa, os conhecimentos adquiridos em matéria de fiscalização podem ser exportados, nomeadamente para os países africanos de língua oficial portuguesa, e o capital de experiência adquirido poderá possibilitar a instalação em Portugal de uma instituição, comunitária ou internacional, que centralize informação e proceda à formação de quadros nestas áreas.
A reorganização do SAM deve ser vista como parte integrante de uma estratégia do Estado Português para um reforço do conhecimento e da protecção dos oceanos. Nesta vertente, deve atender-se ao facto de 1998 ser o Ano Internacional dos Oceanos e de se realizar em Portugal a EXPO 98, exposição mundial subordinada ao tema «Os oceanos, um património para o futuro», com a participação de mais de 130 países, promovendo-se a adequada articulação entre o sistema e um evento único em Portugal, com ganhos garantidos em termos de experiência e de difusão científica e cultural.
O grupo de trabalho que até agora funcionou e que procedeu já à completa análise da situação actual, identificando melhorias a introduzir no curto prazo, deverá ver o seu mandato prorrogado, para que se possa verificar um completo acompanhamento do processo de reformulação do SAM.
Na sequência da Lei Orgânica do XIII Governo, a tutela do grupo de trabalho passa do Ministro da Presidência para o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu:
1 - Ratificar a metodologia seguida pelo grupo de trabalho, que se traduz nas seguintes linhas de orientação quanto ao SAM:
a) Clarificar e diluir as zonas conflituais de competência, tendo em vista a eliminação de vazios administrativos e legais;
b) Privilegiar, no imediato, as acções que se prendam com a melhoria da eficiência e eficácia de actuação dos departamentos envolvidos, em especial nas áreas de coordenação do controlo e vigilância;
c) Proceder ao levantamento dos sistemas geradores de informação, já existentes e em projecto, com identificação das possibilidades de partilha da mesma;
d) Avaliação do impacte financeiro dos resultados das acções projectadas e desencadeadas.
2 - Determinar, no âmbito de cada departamento e no prazo de 60 dias a contar da publicação da presente resolução, a enumeração das actividades em curso dentro das orientações definidas, no âmbito do grupo de trabalho, acompanhada da respectiva calendarização e avaliação das actividades já desenvolvidas.
3 - Determinar igualmente que no prazo referido no número anterior devem ser apresentadas pelo grupo de trabalho propostas devidamente calendarizadas das seguintes acções de cooperação interdepartamental:
a) Ligação dos centros operacionais;
b) Protocolo de utilização dos meios aéreos em missões de serviço público;
c) Protocolo de utilização de meios navais em missões de serviço público, considerando a diversidade de tarefas e a repartição de custos;
d) Protocolos relativos à circulação e partilha de informações;
e) Protocolos relativos às acções de formação;
f) Racionalização de procedimentos administrativos e de utilização de infra-estruturas;
g) Concentração de dados e informatização relativa ao registo de navios;
h) Caracterização e aquisição do sistema de controlo de tráfego marítimo (VTS, vessel traffic service);
i) Caracterização e aquisição de meios navais a utilizar predominantemente em missões de serviço público;
j) Caracterização, aquisição ou utilização de um navio preferencialmente em missões de combate à poluição.
4 - Redefinir as atribuições, proceder à reestruturação interna e à reformulação do enquadramento orgânico do SAM, para isso mandatando o grupo de trabalho, para, num prazo não superior a quatro meses:
a) Garantir a coordenação das acções de cooperação interdepartamental;
b) Avaliar e calendarizar as acções interdepartamentais que impliquem aumento de despesa, identificando fontes de financiamento;
c) Apresentar o projecto legislativo de organização do SAM;
d) Apresentar as propostas legislativas de interacção dos departamentos do Estado.
5 - Prorrogar por quatro meses o mandato do grupo de trabalho constituído pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 185/96, de 28 de Novembro, prorrogável por despacho do Secretário de Estado da Presidência de Conselho de Ministros.
6 - O grupo de trabalho referido no número anterior passa a ter a seguinte composição:
a) Um representante do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, que assumirá as funções de presidente;
b) Quatro representantes dos órgãos integrantes do Ministério da Defesa Nacional (sendo um da Marinha, um da Força Aérea, um do SAM e um dos órgãos e serviços centrais do Ministério da Defesa Nacional);
c) Um representante do Ministério das Finanças;
d) Dois representantes do Ministério da Administração Interna;
e) Dois representantes do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território;
f) Dois representantes do Ministério da Justiça;
g) Um representante do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas;
h) Um representante do Ministério da Saúde;
i) Um representante do Ministério do Ambiente;
j) Um representante do Ministério da Cultura.
7 - Na dependência do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros funcionará uma assessoria do grupo de trabalho, que integrará o máximo de dois peritos.
8 - As despesas com o funcionamento do grupo, com os peritos e com o respectivo secretariado ficam a cargo do Gabinete do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Presidência do Conselho de Ministros, 26 de Fevereiro de 1998. - O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.