Resolução do Conselho de Ministros n.º 133/97
O capítulo «Ciência e tecnologia» do Programa do Governo sublinha a necessidade de reforçar as instituições científicas e valorizar a actividade de investigação científica, nomeadamente «reformando a actual matriz dos laboratórios do Estado [...] em condições de maior eficiência, identificação e ligação aos utilizadores, concentração e actualização das missões de investigação, certificação e difusão científicas e tecnológicas, rejuvenescendo os seus quadros onde necessário e dotando esses organismos de órgãos de avaliação e acompanhamento eficazes».
Em consequência, o Conselho de Ministros aprovou, na sua reunião de 28 de Dezembro de 1995, a Resolução 5/96, que incumbe o Ministro da Ciência e da Tecnologia de «desencadear em estreita cooperação com os ministros que tutelam as várias instituições públicas de investigação científica e tecnológica as acções necessárias a uma aprofundada e independente avaliação do sector público de investigação, socorrendo-se da colaboração de especialistas e organizações científicas e tecnológicas nacionais, estrangeiras e internacionais» e «desencadear as acções necessárias à obtenção das propostas das reformas institucionais e orgânicas que melhor se adeqúem às recomendações que resultem da avaliação referida e promover a colaboração na elaboração e discussão dessas propostas, através de uma adequada metodologia, da comunidade científica e tecnológica nacionais e dos actores sociais relevantes».
No cumprimento do Programa do Governo, o Ministro da Ciência e da Tecnologia promoveu, em 1996, numa 1.ª fase, a avaliação de todas as unidades de investigação financiadas de forma plurianual pelo Estado, quer de índole privada, quer situadas no âmbito das instituições de ensino superior. Essa avaliação independente e internacional foi objecto de ampla divulgação e debate e constituiu uma etapa decisiva na certificação internacional de uma parte importante do sistema científico nacional.
No seguimento do mandato que lhe foi conferido pela citada resolução do Conselho de Ministros, o Ministério da Ciência e da Tecnologia promoveu ainda, em 1996, e 1997, a avaliação, numa 1.ª fase, dos seguintes laboratórios do Estado:
Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial - INETI;
Instituto Tecnológico e Nuclear - ITN;
Instituto de Investigação Científica Tropical - IICT;
Instituto de Investigação das Pescas e do Mar - IPIMAR;
Instituto Hidrográfico - IH;
Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge - INSA;
Instituto Nacional de Investigação Agrária - INIA;
Instituto Geológico e Mineiro - IGM;
Laboratório Nacional de Engenharia Civil - LNEC.
Esta avaliação levada a cabo por grupos de especialistas internacionais escolhidos, de forma independente, por um Comité Internacional de Referência, foi acompanhada por comités nacionais englobando personalidades de diversos sectores relevantes e pelos próprios laboratórios avaliados cujos responsáveis, assim como os respectivos funcionários, foram convidados a pronunciar-se sobre os relatórios de avaliação.
Cada grupo internacional de avaliação, para além da análise do laboratório em avaliação, visitou também, nalguns casos, outras instituições científicas e tecnológicas, a fim de obter uma visão de conjunto do sistema de ciência e tecnologia (C&T;) nacional, bem como das interacções e sinergias existentes, ou a estabelecer, entre os diferentes actores deste sistema e o mundo exterior (clientes, empresas, utilizadores e a comunidade nacional e internacional).
Nesta avaliação dos laboratórios do Estado, era mandato específico dos avaliadores:
Verificar a existência de uma definição clara das missões confiadas a cada laboratório, a sua pertinência e a adequação dos seus estatutos às missões atribuídas; avaliar as suas estruturas internas, os seus modos de funcionamento e a sua capacidade de definir uma política de C&T; a longo prazo (órgãos de decisão, de aconselhamento e de gestão; sistemas de financiamento, planificação e avaliação; escolha das prioridades, papel da tutela versus papel da autonomia; etc.); avaliar, particularmente, se o seu estatuto permite uma gestão de C&T; eficaz e uma utilização optimizada dos recursos disponíveis;
Apreciar a política de pessoal;
Examinar as interacções e sinergias que conseguiram estabelecer com outros sectores do sistema de C&T; (ensino superior, empresas industriais, instituições privadas sem fins lucrativos, etc.);
Analisar os equilíbrios entre: i) actividades de investigação e desenvolvimento (I&D;) estatutárias e sob contrato (no que diz respeito a este ponto, analisar a política adoptada em matéria de propriedade intelectual); e ii) actividades de I&D; e outras actividades de C&T; (vulgarização, valorização, informação e difusão dos resultados; normalização, certificação, metrologia e controlo de qualidade; serviços prestados a clientes, utilizadores e à colectividade, etc.);
Identificar as novas necessidades do sector de actividade em causa e as de outros sectores e outros actores/clientes/utilizadores potenciais;
Estudar os meios utilizados para facilitar a cooperação internacional em C&T;, nomeadamente com os países da CPLP, assim como no quadro europeu;
Formular as recomendações resultantes desta análise e, neste quadro, propor, eventualmente: i) novos mecanismos institucionais e novos procedimentos em matéria de organização e funcionamento; ii) uma redefinição das suas missões e novas orientações em C&T; e iii) novos modos de cooperação e novos métodos de transferência de resultados da I&D; ao mundo exterior.
Os relatórios de cada grupo de avaliação foram sujeitos a parecer escrito da respectiva Comissão Nacional de Acompanhamento e do próprio laboratório (através dos seus responsáveis e funcionários, individual ou colectivamente), e esses pareceres foram comunicados aos avaliadores.
Por fim, coube ao Comité Internacional de Referência, que acompanhou todos os passos deste processo, definir a metodologia utilizada e escolher os grupos de avaliadores internacionais, assim como validar a avaliação, elaborando sobre ela uma análise e recomendações próprias.
É a totalidade dos documentos produzidos neste processo - onde se exprime a independência da avaliação, o direito de crítica e de contribuição dos avaliados, e a responsabilidade de consultar individualidades de outros sectores na sociedade portuguesa - que hoje está disponível e é tornada pública.
O Conselho de Ministros sublinha e endossa as palavras do Comité Internacional quando este afirma, no termo do seu trabalho: «O desejo do Comité é ver o sistema português dos laboratórios do Estado contribuir eficazmente para a ciência e a tecnologia do seu próprio país, da Europa e a um nível global». Chama ainda a atenção para as recomendações gerais do Comité:
«O conceito de laboratórios do Estado não perdeu a validade, mas torna-se necessária uma clarificação do lugar que estes ocupam entre o mundo académico já estabelecido e um sector industrial emergente: os laboratórios do Estado deveriam ser centros de excelência, oferecendo competências específicas e infra-estruturas especializadas, quer ao Governo, quer ao sector privado.»
«A avaliação da qualidade científica da produção dos laboratórios do Estado não constituiu o objectivo prioritário do trabalho do Comité Internacional de Aconselhamento, no entanto o Comité é de opinião que, exceptuando alguns casos, a qualidade científica não é o principal obstáculo a um futuro desenvolvimento dos laboratórios do Estado. Muito mais significativa é a questão da relevância do seu trabalho.»
«A missão dos laboratórios do Estado em termos do seu contributo para a realização das políticas portuguesas deveria ser mais bem definida, especificando o seu papel na eliminação dos obstáculos entre as suas actividades e as necessidades concretas da economia portuguesa.»
«Uma vez especificados o lugar e a missão dos laboratórios do Estado, seria de considerar alguns reajustamentos das interfaces entre estes laboratórios, com vista a uma definição mais clara do trabalho de cada laboratório, evitando igualmente o desperdício da duplicação. Deveriam ser fomentada das novas inter-relações entre os laboratórios.»
«Tendo em conta a concentração excepcionalmente elevada, na Região de Lisboa e Vale do Tejo, das actividades dos laboratórios do Estado, deveria implementar-se uma política de descentralização, com o objectivo de facilitar a missão de transferência tecnológica para a economia e a sociedade, mantendo simultaneamente a massa crítica para o desenvolvimento da C&T.;»
«A estrutura interna dos laboratórios do Estado precisa de uma revisão profunda. A nova estrutura deveria responder à especificidade de cada laboratório e à sua missão, uma vez redefinida.»
«Os recursos humanos são uma componente essencial para o funcionamento dos laboratórios do Estado. O rejuvenescimento dos meios humanos parece constituir uma necessidade premente, aproveitando-se a oportunidade para introduzir competências relevantes para a futura missão dos laboratórios. Deveria fomentar-se a mobilidade para a actividade económica e seria recomendável adoptar um sistema de prémios, destinado a estimular o cumprimento dos objectivos propostos.»
«As actuais regras administrativas e financeiras constituem um pesado fardo, que reduz a eficiência dos laboratórios do Estado. Torna-se necessário adaptá-las às exigências da modernidade. A este respeito, as palavras chave são mais autonomia e mais descentralização.»
Terminada assim esta fase de avaliação dos laboratórios do Estado, urge agora preparar as medidas legislativas, programáticas e orientadoras que permitam desencadear as reformas institucionais e orgânicas a que se refere a Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/96 já mencionada.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 202.º da Constituição, o Conselho de Ministros determina o seguinte:
1 - Tornar públicos os resultados da avaliação, com a publicação de toda a documentação relevante.
2 - Adoptar - no seguimento das recomendações do Comité Internacional de Referência da avaliação dos laboratórios do Estado - as seguintes orientações, cujos princípios devem balizar as reformas e as medidas a tomar:
a) Rever a política de recursos humanos, rejuvenescendo efectivos de pessoal e clarificando os respectivos estatutos, introduzindo formas contratuais adaptadas às funções a desempenhar e promovendo activamente a mobilidade de pessoal dentro do sistema científico e tecnológico e com o sistema produtivo;
b) Prever o descongelamento progressivo de novas admissões para os quadros de pessoal dos laboratórios e, quando apropriado, o recurso à figura do contrato individual de trabalho, permitindo assim a injecção de sangue novo, a que se associará o recrutamento, por períodos limitados e não renováveis, de bolseiros e de pessoal especialmente contratado para projectos e programas determinados;
c) Prever um crescimento progressivo dos orçamentos directamente ligados à requalificação das actividades científicas e técnicas, designadamente no que diz respeito, nalguns laboratórios, à actualização de bibliografia científica, à renovação do suporte informático com ligação às diferentes redes internacionais, à acreditação dos laboratórios e à reparação do seu património;
d) Criar as condições para uma mais clara definição das missões específicas de cada um dos laboratórios, designadamente em matéria de transferência de tecnologia e de conhecimento e em matéria de suporte científico e técnico à construção e acompanhamento de políticas sectoriais;
e) Desenvolver programas de previsão tecnológica no seio dos laboratórios do Estado, assim como estudos sócio-económicos, orientados, designadamente, em matéria de impacte da difusão tecnológica em matéria de emprego;
f) Rever as estruturas deliberativas e de aconselhamento, nomeadamente através da definição de órgãos científicos, de gestão e consultivos que permitam uma maior responsabilização científica e técnica, um envolvimento acrescido e institucionalizado dos ministérios relevantes, assim como uma intervenção efectiva de representantes de empresas e de outras organizações;
g) Descentralizar e responsabilizar a gestão interna adequando as regras administrativas e financeiras que regem a actividade dos laboratórios do Estado às exigências de uma gestão moderna e eficaz e promover a prática regular de avaliações internas e externas dentro de cada laboratório, de modo a permitir maior transparência, melhor divulgação dos resultados das suas actividades científicas e tecnológicas e a verificação do cumprimento de metas e objectivos;
h) Rever a implantação regional dos laboratórios do Estado e preparar, neste contexto, a institucionalização de novas instituições públicas de investigação;
i) Fomentar a cooperação institucionalizada (mobilidade de pessoal, programas conjuntos, utilização partilhada de equipamento e infra-estruturas, criação de redes e de laboratórios associados), em particular entre laboratórios do Estado com estabelecimentos de ensino superior, com empresas e outras organizações;
j) Desenvolver mecanismos de transferência de resultados e de conhecimentos para clientes e outros utilizadores e reforçar ligações com empresas;
l) Criar um enquadramento adequado ao exercício dos direitos de propriedade intelectual em matéria científica e técnica nas instituições públicas de investigação, de modo a estimular o uso da C&T; relevante pelas actividades económicas e a valorizar os benefícios dos investigadores e das instituições nos direitos de exploração das patentes.
3 - Mandatar o Ministro da Ciência e da Tecnologia para preparar, até ao final de 1997, tendo em vista as análises e pareceres já produzidos e as orientações acima adoptadas, as seguintes reformas legislativas:
a) Revisão da lei sobre a investigação científica e desenvolvimento tecnológico;
b) Revisão do Estatuto da Carreira de Investigação Científica;
c) Revisão do Estatuto do Bolseiro;
d) Preparação de lei sobre as instituições públicas de ciência e tecnologia.
4 - Mandatar os ministros da tutela de cada laboratório do Estado para, em conjunto com o Ministro da Ciência e da Tecnologia, prepararem propostas detalhadas de reforma da estrutura, organização, funcionamento e de definição das missões de cada um dos laboratórios envolvidos no presente exercício de avaliação, procedendo às consultas apropriadas.
5 - Mandatar o Ministro da Ciência e da Tecnologia para apresentar ao Conselho de Ministros um programa de medidas urgentes, designadamente em matéria de descongelamento progressivo de admissões de pessoal investigador, numa base competitiva e exigente, da contratação a termo certo de pessoal para programas e projectos determinados, da constituição de equipas de projecto dotadas de autonomia e flexibilidade em áreas chave com envolvimento directo dos sectores económicos relevantes e do seu modelo de financiamento.
Presidência do Conselho de Ministros, 17 de Julho de 1997. - O Primeiro-Ministro, em exercício, António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino.