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Acórdão 162/95, de 8 de Maio

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Sumário

COM BASE EM VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS, 18, NUMERO 3, 53 E 168, NUMERO 1, ALÍNEA B), DA LEI FUNDAMENTAL, DECLARA-SE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, A INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS CONSTANTES DA ALÍNEA C) DO NUMERO 1 DO ARTIGO 4 DO DECRETO LEI 137/85, DE 3 DE MAIO, (EXTINCAO POR CADUCIDADE DE TODOS OS CONTRATOS DE TRABALHO EM QUE SEJA PARTE A CTM, COMPANHIA PORTUGUESA DE TRANSPORTES MARÍTIMOS, NO ÂMBITO DA EXTINÇÃO DESSA EMPRESA) E DA ALÍNEA C) DO NUMERO 1 DO ARTIGO 4 DO DECRETO LEI 138/85, DA MESMA DATA, (EXTINCAO POR CADUCIDADE DE TODOS OS CONTRATOS DE TRABALHO EM QUE SEJA PARTE A CNN, COMPANHIA NACIONAL DE NAVEGAÇÃO, NO ÂMBITO DA EXTINÇÃO DA MESMA). (PROCESSOS 206/94 E 214/94)

Texto do documento

Acórdão n.° 162/95 - Processos números 206/94 e 241/94

I

1 - O procurador-geral-adjunto em exercício junto deste Tribunal veio, como representante do Ministério Público e com base nos artigos 281.°, n.° 3, da Constituição e 82.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, solicitar que este órgão de administração de justiça apreciasse e declarasse, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 137/85, de 3 de Maio, enquanto determina que a extinção da CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, E. P., implica a extinção, por caducidade, dos contratos de trabalho em que aquela empresa seja parte.

Alicerçou o requerente o seu pedido na circunstância de a dita norma ter já sido julgada inconstitucional, por violação dos artigos 18.°, n.° 3, 168.°, n.° 1, alínea b), e 53.° da lei fundamental, através dos Acórdãos números 258/92, 353/94 e 354/94, deste Tribunal.

2 - Posteriormente, apresentou novo pedido, invocando as mesmas qualidade e normas constitucional e legal, desta feita incidindo a sua solicitação no sentido de ser declarada, com força obrigatória geral, a estatuição constante da alínea c) do n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 138/85, de 3 de Maio, enquanto determina que a extinção da CNN - Companhia Nacional de Navegação, E . P., acarreta a extinção, por caducidade, dos contratos de trabalho em que essa empresa seja parte.

Este pedido suportou-se no facto de a dita norma ter já, por este Tribunal, sido explicitamente julgada inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 18.°, n.° 3, 168.°, n.° 1, alínea b), e 53.°, todos da Constituição, o que foi feito por intermédio dos Acórdãos números 81/92, 380/94 e 408/94, também deste Tribunal.

3 - Ouvido o Primeiro-Ministro, para efeitos do artigo 54.° da Lei n.° 28/82, veio ele apresentar resposta dirigida unicamente ao primeiro dos indicados pedidos.

Por despacho de 11 de Outubro de 1994, proferido de harmonia com o comando constante do n.° 1 do artigo 64.° daquela lei pelo Presidente deste Tribunal, foi determinada a incorporação dos autos que se reportavam ao segundo pedido no processo referente ao primeiro, tendo em conta que o conteúdo normativo dos preceitos em causa era, em tudo, idêntico.

4 - Embora a resposta do Primeiro-Ministro, acima aludida, se dirija à solicitação de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma, já identificada, do Decreto-Lei n.° 137/85, haverá que ter em conta, tocantemente ao segundo pedido, a argumentação ali produzida, e isso precisamente tendo em conta que aquela norma e aqueloutra do Decreto-Lei n.° 138/85 contêm idêntica prescrição, variando unicamente no respectivo universo de aplicação (a primeira dirige-se aos contratos de trabalho em que seja «parte» a CTM, enquanto a segunda visa os contratos de trabalho em que seja «parte» a CNN).

Nessa resposta, defende a entidade requerida que deve o pedido ser tido por improcedente e, assim se não entendendo, ou seja, se o Tribunal vier a declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, deveria o mesmo, tendo em atenção razões de interesse público e equidade, fixar os efeitos de tal declaração, de molde a não implicar o pagamento dos salários dos trabalhadores que seriam abrangidos pela norma em crise relativamente ao período de tempo compreendido entre a data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 137/85 e a data da declaração de inconstitucionalidade.

4.1 - Em síntese, as razões que conduziram o Primeiro-Ministro a propugnar pela improcedência do pedido podem ser alinhadas do seguinte modo:

a) Nos arestos, prolatados por este Tribunal e que fundamentou(aram) o(s) pedido(s), a(s) norma(s) em questão foi(foram) julgada(s) inconstitucional(ais) com base na consideração de que ela(s), necessariamente, importava(m) a extinção dos contratos de trabalho em que fosse(m) contraente(s) a CTM (e a CNN), sem que aos respectivos trabalhadores fosse conferido o direito a qualquer indemnização, o que redundava numa alteração ao ordenamento jurídico vigente à data da edição do(s) diploma(s) em que tal(tais) norma(s) se inseria(m), já que o regime constante de tal ordenamento, ou seja, aquele que resultou da alteração introduzida no Decreto-Lei n.° 372-A/75, de 16 de Julho, pelo Decreto-Lei n.° 84/76, de 28 de Janeiro, prescrevia que o encerramento de uma empresa tinha deixado de provocar a caducidade dos contratos de trabalho que a vinculavam, passando unicamente a consentir que a entidade patronal desencadeasse o processo de despedimento colectivo;

b) Na sequência dessa postura, conclui-se nos ditos arestos que a(s) norma(s) em causa inovou(aram) quanto ao falado regime - que se insere em matéria de «direitos, liberdades e garantias» -, pelo que, integrando-se tal(tais) norma(s) em diploma(s) emitido(s) pelo Governo, que, então e para tal fim, se não encontrava munido da adequada credencial parlamentar, era(m) a(s) mesma(s) de considerar como organicamente inconstitucional(ais), e isto para além de se não revestir(em) ela(s) do carácter de generalidade e abstracção que, nos termos da lei fundamental, deve ser exigido às leis restritivas daqueles direitos, liberdades e garantias;

c) Não deviam subsistir dúvidas de que, em face «da forte tutela que o ordenamento oferece à posição do trabalhador, nomeadamente em matéria de estabilidade do vínculo laboral», devia ser considerada como «expressão dessa realidade» «a configuração de casos de impossibilitação lícita da prestação laboral por motivo não imputável ao trabalhador como um dano que o constitui na titularidade de um direito de indemnização», como sucede nos casos de despedimento colectivo e de extinção do posto de trabalho;

d) Daí que, perante aquela forte tutela, se devesse «concluir que, mesmo no caso de caducidade do contrato de trabalho, decorrente de vicissitudes situadas na órbita da empresa, isto é, na esfera normal de risco da actividade empresarial», ocorriam ou podiam ocorrer «danos ressarcíveis»;

e) Precisamente por isso é que a legislação laboral portuguesa sempre previu «terem os trabalhadores direito a indemnização nos casos de caducidade dos respectivos contratos de trabalho em virtude de encerramento da empresa», como se prescreveu «na Lei n.° 1952, de 10 de Março de 1937, no Decreto-Lei n.° 47 032, de 27 de Maio de 1966, no Decreto-Lei n.° 49 408, de 24 de Novembro de 1969, e no Decreto-Lei n.° 372-A/75, de 16 de Julho (pelo menos até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 84/76, de 28 de Janeiro)», e igualmente hoje ocorre em face das disposições do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro;

f) Simplesmente - e nesse ponto que residiu a incorrecção das decisões tiradas pelo Tribunal Constitucional - nas mesmas partiu-se de «permissas erróneas»;

g) É que, em primeiro lugar, nos acórdãos que assim decidiram partiu-se do princípio de que, após a alteração do Decreto-Lei n.° 372-A/75 efectuada pelo Decreto-Lei n.° 84/76, «se introduziu uma radical alteração do direito» até então vigente, «no que respeita aos efeitos do encerramento da empresa nos contratos de trabalho e, subsequentemente, quanto ao direito dos trabalhadores a indemnização em caso de cessação dos respectivos contratos de trabalho provocada por encerramento definitivo da empresa»; e, em segundo lugar, teve-se como certa, embora não «expressamente afirmada», a «asserção de que a caducidade do contrato de trabalho não pode dar origem a ressarcimento dos danos a que eventualmente dê causa»;

h) Todavia, nada permitia interpretar a(s) norma(s) sindicada(s) no sentido de ela(s) «negar[em] aos trabalhadores o direito à indemnização pela cessação do contrato de trabalho»;

i) Na realidade, pesasse «embora o sobressalto causado pela confusão terminológica provocada pela entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 84/76», mesmo após essa vigência e até ao início da do Decreto-Lei n.° 64-A/89, deveria considerar-se que não estava proscrita «(porque seria impossível fazê-lo) a caducidade, enquanto forma de ineficácia do contrato de trabalho, motivada pela extinção da empresa, independentemente da vontade do seu titular, ou impedir a ressarcibilidade de danos provocados por esses casos de caducidade não recondutíveis aos esquemas de despedimento colectivo introduzidos» por aquele Decreto-Lei n.° 84/76, cujo objectivo foi o de «disciplinar minuciosamente a hipótese de encerramento da empresa decidida pelo empregador, sujeitando-a aos mecanismos complexos e à bateria de garantias formais do despedimento colectivo»;

j) Assim sendo, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 84/76, resultou uma «lacuna» - a não previsão da caducidade dos contratos de trabalho derivada da extinção da empresa não imputável à vontade do empregador - cuja integração só poderia ser feita «na linha da tradição legislativa anterior» e que era, justamente, a de, de um lado, aceitar-se a existência dessa caducidade naqueles casos e, de outro, a ressarcibilidade dos danos advindos para os trabalhadores em consequência da caducidade dos respectivos contratos de trabalho;

l) Ora, se a extinção da CTM (e CNN) devia, «de forma indubitável, ser qualificada como uma hipótese de caducidade» já que derivava do «princípio da incindibilidade entre o contrato de trabalho e a[s] empresa[s]» e que o encerramento desta(s) implicava «o inelutável efeito extintivo das relações laborais» - e se tal extinção resultou «imediata e automaticamente de facto jurídico estranho à vontade de qualquer das partes», por isso que foi determinada «por acto legislativo do Governo», então a(s) estatuição(ões) determinada(s) pela(s) norma(s) sob censura em nada inovou(aram) relativamente ao regime então vigente, que, impondo a integração da assinalada lacuna, admitia a caducidade dos contratos laborais em caso de extinção de empresa não imputável ao empregador, com a consequente ressarcibilidade dos danos causados aos trabalhadores pela referida caducidade;

m) Por consequência, deveria(am) a(s) norma(s) em apreço ser interpretada(s) deste jeito, em conformidade com a Constituição;

4.2 - No que tange à já acima focada pretensão deduzida pelo Primeiro-Ministro, no sentido de utilizar este Tribunal a faculdade consagrada no n.° 4 do artigo 282.° do diploma básico, refere o mesmo que, na hipótese de vir a ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, isso implicaria que os contratos de trabalho abrangidos pela(s) norma(s) em causa se devessem considerar eficazes, o que consequenciava o desencadeamento, para a respectiva cessação, «do mecanismo adequado previsto no ordenamento, nomeadamente o despedimento colectivo», o que conduziria «a situações de manifesto enriquecimento, jurídica e socialmente» injustificadas, assim ocorresse «a necessidade de pagamento, não apenas da indemnização», «mas dos salários relativos ao período de tempo entretanto ocorrido, ou seja, cerca de 10 anos», o que não seria desejável por razões de interesse público e de equidade.

II

1 - É o seguinte o teor dos normativos ora em apreciação:

Art. 4.° - 1 - A extinção da CTM implica:

a) ......................................................................................................................

b) ......................................................................................................................

c) A extinção por caducidade de todos os contratos de trabalho em que seja parte a CTM, com excepção dos outorgados com pessoal de mar embarcado, os quais se extinguirão imediatamente após o respectivo desembarque no porto nacional de destino, sem prejuízo do direito aos salários e outras remunerações em dívida à data da extinção do contrato de que se trate;

2 - ......................................................................................................................

3 - .......................................................................................................................

4 - ......................................................................................................................

Art. 4.° - 1 - A extinção da CNN implica:

a) ......................................................................................................................

b) ......................................................................................................................

c) A extinção por caducidade de todos os contratos de trabalho em que seja parte a CNN, com excepção dos outorgados com pessoal de mar embarcado, os quais se extinguirão imediatamente após o respectivo desembarque no porto nacional de destino, sem prejuízo do direito aos salários e outras remunerações em dívida à data da extinção do contrato de que se trate;

2 - ......................................................................................................................

3 - ......................................................................................................................

4 - ......................................................................................................................

Poderá dizer-se que nos Acórdãos lavrados por este Tribunal e que suportaram os formulados pedidos - que, recorde-se, tomaram, quanto ao primeiro, os números 258/92 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Novembro de 1992), 353/94 (publicado nos mesmos jornal oficial e série, de 6 de Setembro de 1994) e 354/94 (este ainda inédito), e, quanto ao segundo, os números 81/92 (publicado no Diário da República, de 18 de Agosto de 1992), 380/94 e 408/94 (ambos ainda inéditos) - foi, em súmula, perfilhado (e em alguns por maioria) o seguinte entendimento:

Que das normas agora sub iudicio resultava que, por força da extinção das empresas públicas CTM e CNN, eram de considerar extintos, «sem necessidade de qualquer processo ou outra formalidade, todos os contratos de trabalho celebrados» por essas empresas «com os seus trabalhadores, cessando, em consequência, qualquer obrigação» das mesmas «para com eles (salvo, naturalmente, a obrigação de lhes» pagarem «os salários já vencidos») (estão aqui utilizadas em itálico as palavras do Acórdão n.° 353/94);

Nos termos da lei geral em vigor ao tempo da edição dos Decretos-Leis números 137/85 e 138/85 - ou seja, nos termos constantes do artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 372-A/75, de 16 de Julho, após ter sido, pelo Decreto-Lei n.° 84/76, de 28 de Janeiro, revogado o seu artigo 29.° -, a caducidade do contrato de trabalho, decorrente do encerramento de uma empresa, não conferia aos trabalhadores o direito a receber qualquer indemnização, por isso que tal encerramento apenas passou «a consentir que a entidade patronal desencadeasse o processo próprio do despedimento colectivo» que impunha a conferência de indemnização aos «trabalhadores que viram os seus contratos de trabalho cessar» (idem);

Efectivamente, ainda que se admitisse que aquele artigo 8.° não esgotava «em absoluto os casos de caducidade do contrato de trabalho, ainda assim as possibilidades de agenciar outros» eram «reduzidas», porquanto, de uma parte, esses casos teriam «de caber dentro dos casos definidos "nos termos gerais de direito', e», de outra, «tendo em conta o seu regime gravoso para o trabalhador, a caducidade» devia «ser excepcional» e, porque atentatória da «regra geral de estabilidade do emprego», constitucionalmente consagrada, não seria «lícito o recurso à analogia para alargar o seu regime a situações não previstas na lei», até porque nenhuma existia de onde decorresse a atribuição, à extinção de uma empresa, da «caducidade dos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores», sendo certo que os diplomas cujas normas ora se encontram em crise não podiam ser considerados como uma dessas leis, já que eles foram os próprios criadores do evento extintivo e, simultaneamente, os atribuidores do efeito da caducidade (em itálico palavras do Acórdão n.° 81/92);

Apresentava, no mínimo, «algumas dificuldades» sustentar que a extinção dos contratos de trabalho decorrente da extinção da empresa empregadora se enquadrava no conceito de «impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho e de a empresa o receber», usado na alínea b) do n.° 1 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 372-A/75, como causa de caducidade do contrato, pois, para além da circunstância de a previsão de o encerramento da empresa como causa de caducidade do contrato de trabalho, tal como constava da norma do n.° 2 do artigo 29.° da primitiva versão daquele diploma, ter deixado de vigorar com a revogação operada pelo Decreto-Lei n.° 84/76, a verificação da aludida «impossibilidade» pressupunha «que ambos os contraentes a» conheciam ou deviam conhecer (do Acórdão n.° 353/94);

Poderia, desta sorte, dizer-se que o ordenamento jurídico nacional, aquando da edição dos diplomas onde se inserem as normas sub specie, não previa como forma directa de extinção dos contratos de trabalho o encerramento definitivo da empresa empregadora e, sendo assim, tais normas vieram, alterando a regulamentação geral anterior e regendo de forma inovatória, a consagrar essa nova forma de extinção, sem prever o pagamento de qualquer indemnização aos trabalhadores da CTM e CNN, sendo que tão-só para estes se dirigiam as estatuições nelas ínsitas;

Por intermédio do artigo 53.° da Constituição garante-se aos trabalhadores a estabilidade no emprego, visto que este não só é uma forma «de angariação de meios para prover ao seu sustento e ao da sua família, como uma ocasião capaz de lhe permitir a sua realização pessoal através do seu trabalho», ao que acresce que, extinguindo-se o contrato de trabalho por causa não imputável ao trabalhador, dada a afectação dos «interesses ligados à estabilidade do vínculo laboral», sempre seria imposto pelo princípio de justiça, que deflui da ideia de Estado de direito, que seja o mesmo trabalhador indemnizado pela perda do seu posto de trabalho (em itálico, expressões do Acórdão n.° 353/94), razões pelas quais era de concluir pelo ferimento daquela disposição da lei fundamental;

Sendo a matéria em causa inserível nos «direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores» e, consequentemente, estando «integrada no âmbito específico da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, só sendo susceptível de ser regulada mediante lei geral e abstracta» (do Acórdão n.° 258/90), e ponderando que o Governo se não encontrava munido de adequada credencial parlamentar para editar os normativos em causa constantes dos Decretos-Leis números 137/85 e 138/85, igualmente haveria de concluir-se pela ofensa dos artigos 18.°, n.° 3, e 168.°, n.° 1, alínea b), do diploma básico;

2 - A argumentação acima sintetizada - que foi, de um modo geral, carreada aos arestos já mencionados e, bem assim, em alguns outros entretanto lavrados neste Tribunal - é questionada pelo Primeiro-Ministro nos moldes que, também acima, se deixaram delineados.

Todavia, entende o Tribunal que tal argumentação não é, no que ora releva, ou seja, na apreciação da compatibilidade constitucional das normas em questão - e só destas - susceptível de ser posta em causa pelas considerações que se extraem da resposta do Primeiro-Ministro.

2.1 - Na verdade, não podendo desde logo afirmar-se que seja de todo em todo incurial uma interpretação segundo a qual o ordenamento jurídico vigente em Maio de 1985, no que tange ao regime de cessação do contrato individual de trabalho, não impedia que o mero encerramento da empresa empregadora desse lugar à caducidade das relações laborais com os respectivos trabalhadores e, operada esta, o «direito» a eles serem indemnizados, já que o que o Decreto-Lei n.° 84/76 verdadeiramente veio a consagrar foi, e tão-somente, uma disciplina minuciosa das hipóteses de encerramento da empresa decidida pelo empregador, não impedindo isso a ressarcibilidade dos danos causados pela perda do vínculo laboral, dois aspectos são, porém, inquestionáveis. O primeiro reside em tal interpretação se dirigir, obviamente, ao dito ordenamento e não às normas em apreciação, sendo que o respectivo teor literal se apresenta, em face do teor literal das demais normas daquele ordenamento (máxime o que se consagrava no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 372-A/75 e após ter sido revogado pelo Decreto-Lei n.° 84/76 o seu artigo 29.°), manifestamente diverso.

Sequentemente, não se poderá propugnar por uma admissibilidade de interpretação das normas em causa em conformidade com a Constituição, já que o que, então e em verdade, estaria em apreço seria uma interpretação conforme à lei fundamental, não daquelas normas, mas, isso sim, do ordenamento geral regente da cessação do contrato de trabalho, o que, como é claro, não é objecto do vertente processo.

O segundo aspecto, que se não pode escamotear e ao qual deve ser sensível este Tribunal, é que inúmeras foram as decisões judiciais (o que, aliás, é facilmente constatado pelos recursos de fiscalização concreta já decididos por este órgão de administração de justiça) e as posições assumidas por vários operadores do direito, nas quais se fizeram uma interpretação e aplicação das normas em apreço no sentido de instituírem uma forma de cessação dos contratos de trabalho não prevista no ordenamento jurídico então em vigor - a caducidade derivada do encerramento da empresa empregadora -, cessação essa da qual, mesmo não sendo imputável à entidade empregadora, não derivava o «direito» de indemnização para os trabalhadores por ela abrangidos . E, mesmo nos casos submetidos à apreciação dos tribunais em que estes tomaram decisões no sentido de, não obstante terem as normas constantes dos Decretos-Leis números 137/85 e 138/85 estabelecido a caducidade imediata dos contratos de trabalho que ligavam as CTM e CNN aos seus trabalhadores, deverem estes ter direito a receber uma indemnização (v., verbi gratia, o Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de Julho de 1991 e a anotação levada a efeito por Bernardo da Gama Lobo Xavier e António Nunes de Carvalho na Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXXIV, VII, da 2.ª série, números 1 e 2, 67 e seguintes), o que é certo é que não foi por via interpretativa do que directamente se consagrava naquelas normas que se chegou às decisões de imposição indemnizatória, mas sim por se ter adoptado o entendimento de que da lei geral que ao tempo regia os despedimentos (recte, os casos de cessação dos contratos de trabalho) não resultava que a caducidade era «incompatível com o direito de indemnizar»;

trataram-se, ao fim e ao resto, de decisões interpretativas do regime jurídico geral e não, directamente, das normas ora em questão.

Em face do exposto, continua a entender-se que as normas em causa, consignando uma nova causa de extinção do contrato individual de trabalho e, do mesmo passo, ao não preverem o «direito» dos trabalhadores das CTM e CNN que perderam o seu posto de trabalho, em consequência da extinção daquelas empresas, a perceberem qualquer indemnização, violam o direito à segurança no emprego estabelecido no artigo 53.° da Constituição, além de, dispondo elas unicamente para aqueles trabalhadores e estatuindo sobre matéria de «direitos, liberdades e garantias» sem que o Governo dispusesse de autorização legislativa, igualmente violarem os artigos 18.°, n.° 3, e 168.°, n.° 1, alínea b), do mesmo diploma fundamental.

III

1 - Como se referiu já, o Primeiro-Ministro, na sua resposta, defendeu que, na hipótese de este Tribunal vir a declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas em causa, razões de interesse público e equidade imporiam que os efeitos da inconstitucionalidade fossem fixados de sorte a não implicar o pagamento dos salários que seriam devidos aos trabalhadores abrangidos por aquelas normas, no que tange ao período de tempo decorrido entre a entrada em vigor dos Decretos-Leis números 137/85 e 138/85 e a data da declaração de inconstitucionalidade.

Vejamos se poderá proceder uma tal perspectiva.

2 - O raciocínio que conduz à consideração da invalidade constitucional das normas sub specie, acima sumulado, funda-se não só na circunstância de as mesmas não prescreverem o «direito» dos trabalhadores das CTM e CNN a perceberem uma indemnização em consequência da cessação dos seus postos de trabalho advinda da extinção daquelas empresas, mas também no facto de esses normativos terem vindo a consagrar uma nova forma de cessação da relação laboral não prevista no ordenamento jurídico em vigor à data da edição dos diplomas onde se inseriam as referidas normas.

É que se considerou que se extrai do artigo 53.° da Constituição o «direito à segurança no emprego» - emprego que, além do mais, é um instrumento de realização pessoal do trabalhador, que tem, ele próprio, «direito ao trabalho».

Ora, seja qual for a solução que porventura seja dada aos efeitos da declaranda inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, quanto à manutenção ou não manutenção dos contratos de trabalho em que as empresas extintas pelos Decretos-Leis números 137/85 e 138/85 foram outorgantes - questão que cumprirá aos tribunais judiciais decidir - o que é certo é que este Tribunal não vislumbra a existência, de fortes razões de interesse público, equidade ou segurança que aconselhem a limitação de efeitos no sentido propugnado pelo Primeiro-Ministro.

IV

Neste contexto, com base em violação dos artigos, 18.°, n.° 3, 53.° e 168.°, n.° 1, alínea b), da lei fundamental, declara-se, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes da alínea c) do n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 137/85, de 3 de Maio, e da alínea c) do n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 138/85, da mesma data.

Lisboa, 28 de Março de 1995. - Bravo Serra (relator) (com declaração de voto junta) - Armindo Ribeiro Mendes - Antero Alves Monteiro Dinis - Maria Fernanda Palma - José de Sousa e Brito - Luís Nunes de Almeida - Maria da Assunção Esteves - Alberto Tavares da Costa - Guilherme da Fonseca - Fernando Alves Correia (com declaração de voto idêntica à do Ex.mo Conselheiro Relator) - Messias Bento (com declaração de voto idêntica à do Ex.mo Conselheiro Bravo Serra) - Vítor Nunes de Almeida (vencido, conforme declaração que junto) - José Manuel Cardoso da Costa.

Declaração de voto

Tenho para mim que da declaração de inconstitucionalidade - ora operada pelo acórdão de que a presente declaração faz parte integrante - unicamente poderá resultar a obrigação de aos trabalhadores das extintas empresas públicas CTM e CNN (que, em virtude de tal extinção, viram cessados os contratos de trabalho que a elas os vinculavam) ser pago um quantitativo indemnizatório de montante idêntico àquele que perceberiam caso tivesse sido adoptado o procedimento do despedimento colectivo.

A isso conduzem, de facto, razões de justiça.

Na realidade, em virtude da cessação dos respectivos contratos, deixaram os aludidos trabalhadores de prestar o seu labor às empresas públicas extintas pelos diplomas onde se inserem as normas em apreço, razão pela qual se depara como justo e se anteolha como razoável que, no cálculo da indemnização, se não computem quaisquer compensações fundadas directamente numa contrapartida de um trabalho que, de modo efectivo, não foi prestado.

De outro lado, no meu modo de ver, residindo a razão porventura mais saliente que conduziu ao juízo de inconstitucionalidade na circunstância de as normas em crise, ao prescreverem a caducidade dos contratos de trabalho, não terem estatuído que aos respectivos trabalhadores fosse conferida uma indemnização semelhante àquela que lhes seria devida caso houvesse lugar a um despedimento colectivo (que era o instrumento legal a que na época haveria de lançar mão), torna-se para mim claro que, se tais normas tivessem disposto nesse sentido, não seriam elas passivas da censura jurídico-constitucional que sofreram. E, nessa hipótese, nítido seria que a indemnização haveria de ter um conteúdo em tudo semelhante ao que seria devido por aqueles casos e cujo cômputo se afigura justo.

A estas razões de justiça há que aditar uma outra que se prende com a própria segurança.

Efectivamente, podendo-se pôr a hipótese de virem a ser perfilhados entendimentos (tenha-se em conta o discurso argumentativo utilizado pelo Primeiro-Ministro para fundamentar o pedido de limitação de efeitos) de harmonia com os quais na indemnização se haviam ainda de considerar compensações de outro tipo, um tal posicionamento, levado à prática, redundaria decerto no surgimento de situações que, embora substancialmente idênticas, sofreriam divergente solução, o que é algo que se deverá evitar por razões de segurança.

Perante este circunstacionalismo, penso que as razões de justiça e de segurança que deixei alinhadas deveriam conduzir o Tribunal a limitar os efeitos da presente declaração, por forma a ficar claro que a inconstitucionalidade ora declarada tem como efeito reconhecer aos trabalhadores das extintas empresas públicas CTM e CNN o direito de receberem indemnização idêntica à que lhes teria sido paga se tivessem sido adoptado o processo de despedimento colectivo.

Bravo Serra.

Declaração de voto

Discordei do entendimento da maioria pelas razões que constam da declaração de voto que formulei a propósito do Acórdão n.° 81/92 e que dou aqui por reproduzidas (cf. Diário da República, 2.ª série, de 18 de Agosto de 1992). Consciente da sua pertinência, limito-me a retomá-las agora de forma sucinta e com a convicção de que a solução que então defendi sobre a questão de constitucionalidade que vem posta ao Tribunal se impõe com a força da evidência.

Na verdade, com a extinção das duas empresas públicas CTM e CNN, gerou-se uma situação em tudo semelhante, do ponto de vista da subsistência das relações laborais, àquela que ocorre com a perda de objecto da actividade de qualquer empresa, seja ela ou não seja uma pessoa colectiva. É patente que, com a extinção, cessa a personalidade jurídica da entidade empregadora, que, quanto à CTM e à CNN, continou a existir apenas na dimensão restrita e muito sui generis que permitiu a uma entidade terceira - a comissão liquidatária - proceder à liquidação dos respectivos patrimónios.

Não oferecendo dúvidas a legitimidade constitucional da extinção, as consequências que da mesma derivaram para as referidas empresas públicas, enquanto tais, foram necessariamente a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de os trabalhadores prestarem o seu trabalho e de as empresas o receberem. Tanto é dizer que as normas questionadas não inovaram relativamente ao preceituado na alínea b) do n.° 1 do artigo 8.° da lei dos despedimentos. Tanto é dizer que a cessação dos contratos de trabalho não tem aqui qualquer espécie de autonomia e não passa da execução da decisão de extinguir as empresas. Com a introdução, neste caso, da figura da «caducidade» dos contratos de trabalho, o legislador não visou mais do que qualificar, com mera eficácia doutrinal, uma causa de extinção dos contratos de trabalho.

Do exposto resulta, para mim de forma clara, que não é admissível, no caso, a violação dos artigos 18.°, n.° 3, 53.° e 168.°, alínea b), da Constituição.

Na verdade, a situação real e concreta de extinção da empresa não cabe no campo da aplicação do referido artigo 53.°, visto que a garantia da proibição do despedimento sem justa causa pressupõe a continuação da existência da entidade empregadora. Só assim poderá esta voltar a receber o trabalhador e ou indemnizá-lo pelo ilícito praticado.

Afastando-se deste entendimento, a tese que fez maioria no acórdão decidiu declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do artigo 4.°, n.° 1, alínea c), dos Decretos-Leis números 137/85 e 138/85, ambos de 3 de Maio, sem efectuar qualquer restrição de efeitos. Tendo ficado também vencido quanto a este aspecto, adiro, nesta parte, ao conteúdo do voto de vencido do relator conselheiro Bravo Serra, pois não me parece legítimo que, por força da declaração de inconstitucionalidade em causa, aos trabalhadores da CTM e CNN possam vir a ser reconhecidos mais direitos do que os que resultariam de ser aplicada ao caso doutrina idêntica à que se poderia extrair das normas que ao tempo regulavam a matéria de indemnização por despedimento colectivo motivado pelo encerramento da empresa, como mais explicitamente decorre da referida declaração de voto e está na linha do pensamento subjacente ao primeiro dos acórdãos que sobre esta questão este Tribunal proferiu (o Acórdão n.° 81/92, citado).

Vítor Nunes de Almeida

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1995/05/08/plain-66091.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/66091.dre.pdf .

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