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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 15/2025, de 10 de Novembro

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Sumário

São nulas por violação de norma legal imperativa cláusulas de uma convenção coletiva que prevejam categorias inferiores na admissão para os contratados a termo.

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/2025

Processo 8882/20.3T8LSB.L1.S1

Acordam no Pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça em julgamento ampliado de revista, Relatório Acordam no Pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça em julgamento ampliado de revista, Relatório AA, BB, CC, DD e EE intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra Transportes Aéreos Portugueses, S. A., formulando os seguintes pedidos (retificados por requerimento de 11.05.2020):

“Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá deverá a presente ação ser julgada procedente e consequentemente:

a) Ser considerado nula a justificação aposta ao contrato de trabalho dos Autores, e serem os mesmos considerados como contratos de trabalho sem termo, nos termos do artigo 147.º/1, a), b) e c) do Código do Trabalho;

b) Ser declarado ilícito o despedimento de cada um dos Autores, conforme artigo 381.º, c), do CT, por não ter sido precedido de processo disciplinar, em consequência ser a Ré condenada a:

I-Reintegrar os Autores no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada a 19 de Abril de 2018, ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme n.os 1 e 3 da cláusula 4.ª e n.os 1 e 2 da cláusula 5.ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393.º/2, b), do CT;

II-A pagar aos Autores as retribuições, incluindo subsídios de natal e de férias, que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393.º, n.º 2, a) do CT;

III-A pagar aos Autores a ajuda de custo complementar, que é parte integrante do seu salário base (Cl.1.ª e 4.ª, RRRGS), que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393.º, do CT, e que deverá ser calculada de acordo com a Cláusula 5.ª do RRRGS;

IV-Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389.º/1, a) do CPC, que se estima no valor de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros).

V-Seja a Ré condenada a pagar aos Autores a diferença no valor da ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389.º/1, a) do CPC, cujo valor deverá ser determinado individualmente e que só será definível após a Ré fornecer os dados relativos ao número total de dias que cada um dos Autores prestou de serviço efetivo, ao longo do período em que mantiveram o vínculo laboral.

VI-Seja a Ré condenada a pagar indemnização por danos não patrimoniais nos seguintes termos:

a) Às Autoras AA, DD e BB em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €2.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré;

b) À Autora EE, atendendo ao facto de esta se encontrar grávida e não ter sido efetuada atempadamente comunicação à CITE, nos termos do artigo 144.º/3, do CT em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €3.000,00 acrescidos de mora desde a data da citação da R.;

c) À Autora CC, atendendo ao facto de a Ré ter incumprido com os seus deveres legais junto da CITE, nos termos do artigo 144.º/3 do CT, e por ter despedido trabalhadora em gozo de licença parental, em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €3.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré.

Subsidiariamente, se não se entender que estamos perante um despedimento individual, mas sim um despedimento coletivo, a) Ser considerado nula a justificação aposta ao contrato de trabalho dos Autores, e serem os mesmos considerados como contratos de trabalho sem termo, nos termos do artigo 147.º/1, a), b) e c) do Código do Trabalho Subsidiariamente, se não se entender que estamos perante um despedimento individual, mas sim um despedimento coletivo, a) Ser considerado nula a justificação aposta ao contrato de trabalho dos Autores, e serem os mesmos considerados como contratos de trabalho sem termo, nos termos do artigo 147.º/1, a), b) e c) do Código do Trabalho;

b) Ser declarado ilícito o despedimento coletivo dos Autores por incumprimento das formalidades exigidas pela lei (359.º e Ss.), conforme artigos 381, C) e 383.º, do CT e, em consequência ser a Ré condenada a:

I-Reintegrar os Autores no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada a 19 de Abril de 2018, ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme n.os 1 e 3 da cláusula 4.ª e n.os 1 e 2 da cláusula 5.ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393.º/2, b), do CT;

II-A pagar aos Autores as retribuições, incluindo subsídios de natal e de férias, que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393.º, do CT;

III-A pagar aos Autores a ajuda de custo complementar, que é parte integrante do seu salário base (Cl.1.ª e 4.ª, RRRGS), que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393.º, do CT, e que deverá ser calculada de acordo com a Cláusula 5.ª do RRRGS;

IV-Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389.º/1, a) do CPC, que se estima no valor de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros).

V-Seja a Ré condenada a pagar aos Autores a diferença no valor da ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389.º/1, a) do CPC, cujo valor deverá ser determinado individualmente, e que só será definível após a Ré fornecer os dados relativos ao número total de dias que cada um dos Autores prestou de serviço efetivo, ao longo do período em que mantiveram o vínculo laboral.

VI-Seja a Ré condenada a pagar indemnização por danos não patrimoniais nos seguintes termos:

d) Às Autoras AA, DD e BB em valor a arbitrar pelo tribunal, mas nunca inferior a €2.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré.;

e) À Autora EE, atendendo ao facto de esta se encontrar... e não ter sido efetuada atempadamente comunicação à CITE, nos termos do artigo 144.º/3, do CT em valor a arbitrar pelo tribunal, mas nunca inferior a €3.000,00 acrescidos de mora desde a data da citação da R.;

f) À Autora CC, atendendo ao facto de a Ré ter incumprido com os seus deveres legais junto da CITE, nos termos do artigo 144.º/3 do CT, e por ter despedido trabalhadora em gozo de licença parental, em valor a arbitrar pelo tribunal, mas nunca inferior a €3.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré.”

Citada, a Ré contestou.

Por despacho de 18.01.2021, o Tribunal de 1.ª Instância convidou as Autoras a aperfeiçoar a petição inicial.

As Autoras responderam ao convite, tendo ainda eliminado os pedidos subsidiários e alterado o ponto b. IV e V nos seguintes termos:

“b. Ser declarado ilícito o despedimento de cada um dos Autores, conforme artigo 381.º, c) e ss. do CT, por não ter sido precedido de processo disciplinar, nem integrar qualquer uma das formas lícitas de resolução do contrato e, em consequência ser a Ré condenada a:

[...]

IV-Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de salário base, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho, nos termos do artigo 389.º/1, a) do CPC que, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:

a) À Autora AA o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;

b) À Autora BB o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;

c) À Autora CC o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;

d) À Autora DD o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;

e) À Autora EE o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;

V-Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho e até ao final da relação laboral, nos termos do artigo 389.º/1, a) do CPC, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:

a) À Autora AA o valor de € 11.346,36 (onze mil trezentos e quarenta e seis euros e trinta e seis cêntimos) ilíquidos;

b) À Autora BB o valor de de € 14.224,06 (catorze mil duzentos e vinte e quatro euros e seis cêntimos) ilíquidos;

c) À Autora CC o valor de € 8.920,87 (nove mil novecentos e vinte euros e oitenta cêntimos) ilíquidos;

d) À Autora DD o valor de € 14.347,39 (catorze mil trezentos e quarenta e sete euros e trinta e nove cêntimos) ilíquidos;

e) À Autora EE o valor de € 10.236,39 (dez mil duzentos e trinta e seis euros e trinta e nove cêntimos) ilíquidos;

A Ré respondeu à matéria do aperfeiçoamento.

Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento.

Em 14.02.2022, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) declaro a nulidade da cláusula de termo aposta nos contratos de trabalho celebrados entre as AA. e a R. e, por conseguinte, considero sem termo os respetivos contratos de trabalho;

b) declaro ilícito o despedimento dos AA. promovido pela R., condenando-a:

§.1.-A reintegrar as AA. no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

§.2.-A pagar as AA., desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da presente sentença, o valor das retribuições e do vencimento de senioridade, em cada momento em vigor, acrescidos da retribuição especial PNC, nos termos sobreditos, sem prejuízo das deduções a que aludem as alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 390.º, do CT, e quanto à retribuição especial, da eventual superveniência de períodos de indisponibilidade da(s) trabalhador(as), sendo que a retribuição global, assim apurada, abrange a remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tudo conforme se vier a liquidar em incidente próprio, sendo que os juros de mora devidos, à taxa supletiva legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;

c) absolvo a R. quanto ao demais pedido pelas AA. contra si.”

A Autoras e a Ré interpuseram recursos de apelação.

Por acórdão de 15.12.2022, os Juízes do Tribunal da Relação acordaram em:

“a) quanto à impugnação de decisão da matéria de facto de:

i) na apelação das autoras:

-não admitir a junção dos documentos com a apelação, determinar que o mesmo seja devolvido às apelantes e condenálas em multa, que se fixa em 1,5 (uma e meia) UC (artigos 443.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais).-eliminar o facto n.º 61;

ii) na apelação da ré:

-Alterar o facto provado n.º 12, ficando assim:

“12. As rotas de Wide Body são realizadas por aviões de 2 corredoresmodelos de avião de maior dimensão, que na frota da R. correspondem a Airbus A330 LR, com exceção da rota...-... que é realizada um por Airbus A 321 desde o final de 2018/início de 2019”

;

-Alterar, ex officio, o facto provado 15, ficando assim:

“15. Faz este avião (A321LR) a rota transatlântica referida no facto 12”.-Alterar o facto provado n.º 31, ficando assim:

“31. Até porque dos A321 LR previstos entrar na frota da ré, o primeiro só chegou em Abril/Maio de 2019 e os restantes mais tarde”

;

-Aditar este facto aos provados:

“46-A A viabilidade económica de novas rotas é acurada pela ré num período de pelo menos 2 anos”

;

b) relativamente às questões jurídicas:

i) na apelação das autoras:

-negar provimento à apelação e manter a sentença recorrida;

ii) na apelação da ré:

-alterar a sentença no que concerne à condenação desta a pagar às apeladas autoras a prestação retributiva especial de modo a que apenas abranja 6 dias de disponibilidade destas sem que fossem incluídas em escala em cada mês do ano de 2021, ficando depois suspenso o direito até ao dia 31-12-2024 ou, se anterior, na data de entrada em vigor da revisão integral do acordo de empresa, prevista na cláusula 8.ª, na sequência da sua publicação no Boletim do Trabalho e Emprego, apurando se o mesmo em liquidação de sentença, mas excluindo a sua retribuição do subsídio de Natal;

-no mais, manter a sentença recorrida.”

As Autoras vieram interpor recurso de revista excecional.

O seu recurso apresenta as seguintes Conclusões:

A. Os Autores/Recorridos/Recorrentes (AA.) vêm, ao abrigo do disposto dos artigos 80.º/1, 81.º/1 e 2, 83.º/1 e 83.º-A/1 do CPT e 672.º/1, c) do CPT, aplicável ex vi artigo 1.º/2 do CPT, interpor Recurso de Revista Excecional da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo 8882/20.3T8LSB.L1, que correu inicialmente termos no J6 do Juízo de Trabalho de..., Tribunal Judicial da Comarca de....

B. Os Acs. já transitados em julgado em contradição com aquele que aqui se recorre são os Acs. proferidos pela Relação de Lisboa nos Processos n.º 10317/20.2T8LSB-A de 24/11/2021 e Proc. N.º 15121/20.5T8LSB de 29/06/2022, e pelo STJ no processo 968/12.4TTLSB.L1.S1, os quais verificaram que apenas os tripulantes contratados a termo poderiam ocupar a categoria de CAB Início e CAB 0, obrigando a R. a reintegrar os Autores desses processos como CAB 1 desde o início da relação laboral.

C. Os AA. impugnam a decisão proferida sobre a matéria de Direito.

D. Os AA. pretendem revogar a decisão a quo na parte em que não reconheceu que estes, em virtude de agora verem os seus contratos considerados como contratos sem termo desde o início da relação laboral, deveriam também ter ocupado a categoria de CAB 1 desde tal data, devendo a R. ser condenada ao pagamento de retroativos a título de vencimento base e ajuda de custo complementar.

E. Tal entendimento resulta da leitura das Clª 4.ª/3 do Anexo ao Acordo de EmpresaRegulamento da carreira profissional de tripulante de cabina (RCPTC)-que regeu a relação laboral dos AA. com a R., publicado em BTE 8/2006-Regulamento da carreira professional de tripulante de cabina (RCPTC)-estipula:

“3-Os tripulantes de cabina contratados a termo (CAB início e CAB 0), enquanto se mantiverem nesta situação, apenas serão afectos a equipamento NB.” Sublinhado e negritos nossos e Clª 5.ª/1 desse anexo estipula que:

“1-A evolução salarial processa-se de acordo com os seguintes escalões:

CAB início a CAB 0 (contratados a termo);

” Sublinhado e negritos nossos, bem como da tabela constante a Clª5.º/2, a linha CAB 1, de onde esta é a única que usa o vocábulo “Até”. Ainda, de acordo com a Clª 5.º/4:

“4-A evolução salarial terá lugar, salvo verificação das seguintes situações:

a) Existência de sanções disciplinares que não sejam repreensões no período de permanência no escalão possuído;

b) Pendência de processos disciplinares;

c) Ocorrência de motive justificativo em contrário relacionado com exercício ou conduta profissional, desde que expresso e fundamentado por escrito.”.

F. É por demais clara a letra desses dispositivos no sentido de que apenas os Tripulantes contratados a termo podem ocupar as categorias de CAB Início e CAB 0, caso contrário, sentido algum faria ter tal sido estipulado. Note-se, que, o decurso do tempo entre CAB Início até CAB 1 são 3 anos, o mesmo tempo que, ao abrigo do Código do Trabalho Aplicável a essa data, duraria no máximo a contratação a termo. Em caso algum poderia um contratado a termo ter a categoria de CAB 1. Deste forma, o único motivo para a inclusão de tais menções nessas cláusulas apenas pode significar que apenas os contratados a termo podem ocupar as categorias de CAB início e CAB 0.

G. Atendendo-se ainda, por último, ao elemento histórico, o AE anterior ao que regeu a relação laboral dos AA. com a R. (AE 1994 com as alterações introduzidas em 1997, publicado no BTE 40/1197), estipulava preto no branco que os tripulantes com a “Efetivação” passavam à categoria CAB 1, conforme melhor alegado e demonstrado nas alegações, bem como a CLª3.ª/8.ª do AE de 1994, publicado no BTE 23/1994, no Anexo Regulamento da Carreira profissional do PNC, a Clª 3.ª/8 já nos dizia “Existirá um escalão de CAB 0 para efeitos exclusivamente remuneratórios, aplicável aos tripulantes contratados a termo e enquanto se mantiverem nesta situação, sendo eliminado para todos os demais efeitos, nomeadamente de evolução na carreira e de antiguidade.”, demonstrando que sempre foi esta a prática da R.

H. Tendo o presente processo como consequência que os contratos dos AA. sejam considerados como contratos sem termo desde o início da relação laboral, se, só apenas os tripulantes contratados a termo podem ocupar as categorias de CAB Início e CAB 0, então os AA. teriam que ter sido tripulantes da categoria CAB 1 desde o início da relação laboral.

I. Tendo sido estabelecidos usos nesta matéria, conforme melhor alegado supra, tendo a R. apenas deixado de cumprir, sem acordo revogatório, com os mesmos a partir de 2018, quando o exceo FF se apercebeu que não aproveitaria da poupança que se traduzia no facto dos contratados a termo serem os únicos tripulantes que poderiam ser integrados nas categorias de CAB Início e CAB 0. Isto fruto das inúmeras promoções antecipadas de tripulantes laboral aos quadros NW/WB, antes de decorridos 3 anos desde o início da relação, o que, de acordo com o AE em vigor, implicava a atribuição de contrato por tempo indeterminado aos tripulantes promovidos a esses quadros.

J. Tudo sem prejuízo do melhor alegado em sede de alegações supra.

K. Concluindo, deverá a sentença ser revogada nesta parte e ser substituída por outra que condene a R:

a:

““Reintegrar as Autoras no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada a de Abril de 2018, ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme n.os 1 e 3 da cláusula 4.ª e n.os 1 e 2 da cláusula 5.ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393.º/2 do CT.

b) pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de salário base, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho, nos termos do artigo 389.º/1, a) do CPC que, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:

-À Autora AA o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;

-À Autora BB o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;

-À Autora CC o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;

-À Autora DD o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;

-À Autora EE o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;

V-Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho e até ao final da relação laboral, nos termos do artigo 389.º/1, a) do CPC, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário,, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:

-À Autora AA o valor de € 11.346,36 (onze mil trezentos e quarenta e seis euros e trinta e seis cêntimos) ilíquidos;

-À Autora BB o valor de € 14.224,06 (catorze mil duzentos e vinte e quatro euros e seis cêntimos) ilíquidos;

-À Autora CC o valor de € 8.920,87 (nove mil novecentos e vinte euros e oitenta cêntimos) ilíquidos;

-À Autora DD o valor de € 14.347,39 (catorze mil trezentos e quarenta e sete euros e trinta e nove cêntimos) ilíquidos;

-À Autora EE o valor de € 10.236,39 (dez mil duzentos e trinta e seis euros e trinta e nove cêntimos) ilíquidos

A Ré contraalegou.

Por requerimento de 22.02.2023, as Autoras vieram invocar o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil e requerer que o “recurso, além do fundamento na alínea c) do artigo 672.º/1, seja também a subir nos termos das suas alíneas a) e b)” e que “a Revista, além de excecional, seja recebida para julgamento ampliado nos termos do artigo 686.º/2 do Código de Processo Civil”.

Por requerimento de 14.04.2023 e declaração eletrónica de adesão, a Autora BB e a Ré apresentaram transação.

Por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa foi homologada a transação entre a Autora BB e a TAPTransportes Aéreos Portugueses, S. A., pelo que o presente recurso apenas prossegue em relação às demais Recorrentes AA, CC, DD e EE.

Por despacho de 19.06.2023, o Tribunal da Relação admitiu o recurso de revista (normal). No que concerne à revista excecional, o Tribunal da Relação relegou para o Supremo Tribunal de Justiça a apreciação dos respetivos pressupostos.

Por Acórdão da Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC junto desta Secção Social admitiu-se a revista excecional.

O pedido de julgamento ampliado desta revista foi apreciado e deferido por Sua Ex.ª o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que tem a competência exclusiva, à luz do disposto no artigo 686.º n.º 1, para decidir a referida questão.

O Ministério Público emitiu Parecer no seguinte sentido:

«

A situação de conversão dos contratos de trabalho a termo dos tripulantes de cabine em contratos de trabalho por tempo indeterminado desde o início, não implica que tais trabalhadores sejam classificados desde essa data na categoria profissional de CAB 1, constante no Regulamento da Carreira Profissional de Tripulante de Cabine previsto no Anexo ao AE publicado no BTE n.º 8, de 28.06.2006.

»

Tanto os Recorrentes como a Recorrida responderam ao Parecer.

Fundamentação De Facto “1. As AA. e a R. celebraram entre si um contrato de trabalho a termo certo com data de início a 20/04/2018, com a duração de 12 meses, com o seguinte teor:

‘acordam, livremente e de boafé, na celebração do presente contrato de trabalho a termo certo, o qual se rege pelo disposto nas cláusulas seguintes:

Cláusula 1.ª (Objecto e funções) A TAP admite o(a) Trabalhador(a), ao seu serviço e este obriga-se a prestarlhe a sua actividade com a categoria profissional de (AB-Comissário/Assistente de Bordo, cuja caracterização é a seguinte:

‘É o tripulante, devidamente qualificado pela entidade aeronáutica nacional ou pela empresa, que colabora directamente com o chefe de cabina, por forma que seja prestada assistência aos passageiros e à tripulação, assegurando o cumprimento das normas de segurança, a fim de lhes garantir conforto e segurança durante o voo, segundo as normas e rotinas estabelecidas e tendo em conta os meios disponíveis a bordo. A responsabilidade inerente ao exercício das funções de CAB abrange ainda:

A verificação dos itens de segurança, de acordo com a respectiva checklist, bem como o cumprimento dos procedimentos de segurança respeitantes ao avião e aos seus ocupantes, com vista a assegurar o salvamento destes em caso de emergência;

É responsável, perante o chefe de cabina, pelo cumprimento da checklist pre-flight;

Nas escalas sem representação da empresa, quando necessário, colabora com o chefe de cabina nas diligências adequadas ao alojamento e à alimentação convenientes dos passageiros e tripulantes;

É directamente responsável perante o chefe de cabina pelo serviço executado.

Cláusula 2.ª (Prazo e Justificação) O presente contrato a termo certo é celebrado pelo prazo de 12 (doze) meses, com início em 20 de Abril de 2018 e termo em 19 de Abril de 2019, podendo ser renovado por períodos iguais ou diferentes nos termos legais.

O Trabalhador(a), é admitido nos termos do n.º 2 da alínea f) do Artigo 140 do Código do Trabalho, justificando-se a aposição de um termo ao presente contrato de trabalho pelo acréscimo temporário da actividade na Área Operacional/Operações de Voo, decorrente da abertura de novas rotas/linhas. cuja rentabilidade/estabilidade vai determinar o reajustamento da frota TAP (afectação do tipo de avião a cada linha) e a consequente definição do quadro de tripulantes (PNC-Pessoal Navegante Comercial) à operação global TAP.

Cláusula 3.ª (Retribuição) Como contrapartida do trabalho prestado. a TAP pagará ao Trabalhador(a), a remuneração base ilíquida mensal constante da tabela salarial em vigor à data da assinatura do presente contrato, acrescida dos valores convencionalmente regulamentados nos termos do A.E. TAP/SNPVAC ― Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, para a categoria profissional de CAB ― Comissário/Assistente de Bordo.

Cláusula 4.ª (Duração e horário de trabalho) O trabalho será prestado em regime de tempo completo, segundo planeamento a definir pela TAP, adequado à categoria profissional para que o Trabalhador(a), é contratado, e em conformidade com o A.E. TAP/SNPVAC, e legislação específica aplicável.

Cláusula 5.ª (Local de trabalho e deslocações) O local de trabalho do Trabalhador(a), será aquele que lhe for indicado pela TAP, tendo como base....

O Trabalhador(a), obriga-se ainda a realizar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional necessárias para a execução das suas funções.

(...)

Cláusula 9.ª (Denúncia para não renovação) O presente contrato caduca no termo do prazo inicial estipulado ou de cada uma das suas renovações, desde que qualquer um dos Outorgantes comunique ao outro a vontade de não renovar no prazo legal, por escrito, em documento entregue pessoalmente ou em carta expedida com aviso de receção.

(...)

Cláusula 12.ª (Legislação e foro aplicável) No omisso, o presente contrato rege-se em tudo quanto for compatível pelo A.E. TAP/SNPVAC e subsidiariamente pelas disposições constantes do Código do Trabalho e demais legislação complementar.

Para dirimir qualquer conflito. emergente entre as partes outorgantes do presente contrato, é estipulado, com renúncia a qualquer outro, o Tribunal de Trabalho de....

O presente contrato de trabalho a termo certo é outorgado em duplicado, destinando-se um exemplar a cada uma das partes.

..., 20 de Abril de 2018

2-Tais contratos foram renovados a 19/04/2019 por mais 12 meses, através da celebração de ‘Contrato de Trabalho a Termo-1.ª Renovação’, com o seguinte teor:

(...)

Cláusula 1.ª (Prazo e Justificação) 1-A TAP e o(a) Trabalhador(a) acordam na 1.ª Renovação pelo prazo de 12 (doze meses do Contrato a GG, iniciado em 20 de Abril de 2018, produzindo-se os respetivos efeitos de 20 de Abril/19 a 19 de Abril/20.

2-Justifica-se a presente renovação pela subsistência dos fundamentos invocados no contrato que ora se renova, na parte que diz respeito ao acréscimo temporário, de atividade na Área Operacional/Operações de Voo, decorrente dia abertura de novas rotas/linhas cuja rentabilidade/estabilidade vai determinar o reajustamento da frota TAP (afetação do tipo de avião a cada Linha) e a consequente definição do quadro de tripulantes PNCPessoal Navegante Comercial) operação global TAP [...]

3-Com o surto de COVID-19, a R. solicitou aos seus trabalhadores que aderissem a licenças sem vencimento por longos períodos, como forma de assegurar a sua viabilidade financeira no futuro, tendo algumas das presentes aderido a tal apelo.

4-Algumas das aqui AA. estavam dispostas ao sacrifício que seria para si estarem até 6 meses de licença sem vencimento, para assegurar a continuidade da R.

5-Após a R. ter proposto as licenças sem vencimento, com o acordo no gozo dessa licença sem vencimento, como foi o caso das AA. CC e DD (Docs. 16 e 17), a R. procedeu de seguida à cessação dos contratos de trabalho.

6-Nesses dois casos, das AA. CC e DD, a R. concedeu a licença sem vencimento no dia 20 de Março de 2020 e a missiva a dar conta da não renovação do seu contrato de trabalho encontra-se datada de 18 de Março de 2020.

7-A A. EE encontrava-se... ao momento dos factos e sem prestar atividade por se encontrar de licença atribuída pela R.

8-A A. CC encontrava-se na situação de licença especial para assistência a filho no período de 20 a 29 de Março de 2020 (10 dias) aquando da comunicação da não renovação do contrato, remetida a 18/03/2020; e na data da cessação do contrato a A. estava na situação de licença sem retribuição, iniciada a 01/04/2020, cf. email que lhe foi remetido a 20/03/2020.

9-A cessação dos contratos dos AA. foi comunicada por carta registada enviada 18/03/2020, com o seguinte teor:

Ex.mo(a) Sr(a).

Por este meio fica V. Exa. expressamente notificado(a). nos termos do n.º 1 do artigo 344.º do Código do Trabalho, que o contrato individual de trabalho a termo certo, outorgado no passado dia 20 de abril de 2019, caducará no próximo dia 19 de abril de 2020, data a partir da qual se extinguirá o presente vínculo laboral.

Para além dos créditos salariais que lhe são devidos, ser-lhe-á paga uma compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo, nos termos previstos no Código do Trabalho.

Para qualquer assunto, nomeadamente obtenção de Certificado de Trabalho e documentos destinados a fins Oficiais, devolução dos instrumentos de trabalho e prova da devolução de fardamento, deverá dirigir-se a partir do 1.º dia útil a contar do termo do contrato à Gestão Administrativa, 2.º andar, sala 231 do Edif. 25.

Lamentando a situação, justificável no âmbito do Plano Contingência coronavírus Covid-19 em curso na Empresa, desejamoslhe as maiores felicidades pessoais e profissionais.

A TAP Air Portugal agradece a colaboração prestada por V. Exa. Com os nossos cumprimentos, subscrevemonos atenciosamente, ..., 18 de Março de 2020.

10-Sendo que no caso destes AA. a carta foi enviada por registo simples e não por registo com aviso de recepção.

11-A Aeronave A321LR, aeronave Narrow Body, tem capacidade transatlântica.

12-As rotas de Wide Body são realizadas por aviões de 2 corredoresmodelos de avião de maior dimensão, que na frota da R. correspondem a Airbus A330 LR, com exceção da rota...-... que é realizada um por Airbus A 321 desde o final de 2018/início de 2019 (Alterado pelo Tribunal da Relação).

13-Os AA. fazem parte do quadro Narrow Body cujas rotas são realizadas por aviões de um só corredor/menor dimensão, na frota da R., família A320, composta por A319, A320, A321 e A321 Long Range (LR).

14-A R. fez um grande investimento, entre outros aviões Narrow Body, em aviões A321 LR.

15-Faz este avião (A321LR) a rota transatlântica referida no facto 12 (Alterado pelo Tribunal da Relação).

16-Estas rotas podem também vir a ser operadas por A330.

17-A R. vem adquirindo novas aeronaves.

18-Bem como contratando centenas de tripulantes de cabine sob contratos a termo.

19-Tendo tal crescimento da operação da R. se verificado de forma mais acentuada com a entrada de capital privado na empresa da R. em 2015/2016.

20-E cujos representantes traçaram plano de crescimento, renovação e modernização de frota e operação.

21-A flutuação do número de rotas na aviação é um fator típico e próprio deste ramo.

22-Os AA. têm um grande sentido de pertença à companhia aérea.

23-O fim dos seus contratos foi recebido com angústia da sua parte.

24-Tendo causado em todos stress emocional, um sentimento de frustração e injustiça.

25-No dia 20 de Março de 2020 a R. havia concedido à A. CC licença sem vencimento (com duração de 1 de Abril 2020 até ao dia 31 de Agosto de 2020), e para a qual esta se voluntariou, por forma a ajudar a R. nessa fase difícil.

26-O que criou na A. CC revolta e confusão.

27-A R. encetou um plano de contingência em função da paralisação total da sua atividade, do qual faziam parte várias medidas a que legalmente podiam recorrer, desde o lay off à caducidade dos contratos a termo (aplicável ao PNC como ao pessoal de terra), passando por medidas que dependem do acordo dos trabalhadores, como sejam as licenças sem retribuição (cf. docs. n.os 6, 7 e 8 que se juntam e dão por reproduzidos).

28-A R., à data daquela paralisação, não encerrou nenhuma das suas rotas, antes deixou nas datas referidas de voar para qualquer destino.

29-Muitos dos anúncios das novas rotas foram feitos antes de Março/Abril de 2020.

30-A possibilidade de fazer voos de longo curso com aviões A321 LR, depende de procura comercial e de um número de aeronaves disponíveis.

31-Até porque dos A321 LR previstos entrar na frota da ré, o primeiro só chegou em Abril/Maio de 2019 e os restantes mais tarde (Alterado pelo Tribunal da Relação).

32-Os A330, especialmente vocacionados para os voos de longo curso, têm maior capacidade de passageiros e carga do que os A321 LR.

33-Entre Abril de 2018 e Dezembro de 2018, enquanto ainda ocupavam a categoria de CAB Início, auferiram o vencimento base de € 608,00 ilíquidos.

34-Entre Janeiro de 2019 e Setembro de 2019, enquanto ainda ocupavam a categoria de CAB Início, auferiram o vencimento base de € 614,00 ilíquidos.

35-Em Outubro de 2019, já na categoria de CAB 0 auferiram o vencimento base de € 768,00 ilíquidos.

36-Entre Janeiro de 2020 e Abril de 2020, quando já ocupavam a categoria de CAB 0, auferiram o vencimento base de € 770,00 ilíquidos.

37-A R. dedica-se ao transporte aéreo de passageiros, carga e correio.

38-A dimensão e tipo de atividade a que a R. se dedica não é constante, i.e., o número de voos a realizar e os passageiros transportados em cada momento está dependente de diversos fatores, variando, entre outros, consoante a época do ano, os eventos existentes, o tipo de frota utilizada, as rotas que se iniciam ou cessam e, em geral, os planos comerciais de exploração.

39-Atentas as funções exercidas pelos Comissários e Assistentes de Bordo (CABs), o número de tripulantes depende desde logo do tipo de equipamentos afetos à operação, às rotas operadas e os voos previstos/realizados.

40-Vigora na R. um regime de composição de tripulação, variando o número de tripulantes de equipamento para equipamento (avião).

41-Assim, as necessidades de tripulantes variam conforme a rota venha a ser operada.

42-Essas necessidades em função das expectativas têm que estar verificadas ab initio, ou seja, se inicialmente está previsto operar com um equipamento maior (e com mais tripulantes), tem que se dotar o quadro de PNC (Pessoal Navegante de Cabina) de tripulantes suficientes para tal.

43-O plano de exploração (v.g. em termos de número de passageiros) pode não se concretizar, e obrigar, por exemplo, a passar a operar com um equipamento com menos capacidade e, consequentemente, com menos tripulantes, sobretudo, quando estão em causa novas rotas.

44-Acresce que a R. não pode socorrer-se de imediato de tripulantes se verificar que aumentaram as suas necessidades, uma vez que os tripulantes de cabina são sujeitos a um plano de formação de várias semanas.

45-Acrescem as movimentações de tripulantes nos quadros de tripulantes e o regime de preenchimento desse quadro (NB/WB e NW).

46-O lançamento de novas rotas pela R. tem por base estudos de mercado, e inicia-se sempre com períodos de experiência, uma vez que as expectativas podem não se concretizar, dependendo sempre do grau de adesão dos passageiros e de fatores externos que a R. não domina, v.g., acontecimentos políticos, novas companhias a voar para aquele destino, ou até acontecimentos mais ou menos fortuitos que afetam a atividade de forma decisiva em períodos mais ou menos longos.

46-A. A viabilidade económica de novas rotas é acurada pela ré num período de pelo menos 2 anos (Aditado pelo Tribunal da Relação).

47-Assim, durante o período da contratação dos AA. estavam a decorrer os períodos de consolidação, decorrentes da abertura das seguintes novas linhas, operadas pela R. a partir de...:

.../.../..., em Junho de 2016-Equipamentos WB;

.../.../..., em Julho de 2016-Equipamentos WB;

.../.../..., em Dezembro de 2016-Equipamento A319/20/21;

.../.../..., em Junho de 2017-Equipamento E90/5 A319/20/21;

.../..., em Junho de 2017-Equipamento WB;

.../.../..., em Junho de 2017-Equipamento E90/5 A319/20/221;

.../.../..., em Julho de 2017-Equipamento A319/20;

.../.../..., em Julho de 2017-Equipamento A319/20;

.../.../..., em Julho de 2017-Equipamento E90/5 A319/20/21;

.../.../..., em Julho de 2017-Equipamento A319/20;

.../.../..., em Julho de 2017-Equipamento A319/20.

48-Para além das referidas rotas, operadas pela TAP, abriram outras a partir de...:

.../.../..., em Julho de 2016;

.../.../..., em Junho de 2017;

.../..., Outubro de 2017;

.../.../... em Outubro de 2017, .../.../..., em Junho de 2018, operadas pela P..., e então também nalguns casos pela O....

49-Para além daquelas, foram abertas, ainda, as seguintes novas rotas, a partir de...:

...-..., em Março de 2019-Equipamentos A321-LR

...-..., em Março de 2019-Equipamentos E90/5 A319/20/21

...-..., em Março de 2019-Equipamentos E90/5 A319/20/21

...-..., em Junho de 2019-Equipamentos WB

...-..., em Junho de 2019-Equipamento WB

...-..., em Junho de 2019-Equipamento WB

...-..., em Junho de 2019-Equipamentos E90/5 A319/20/21

...-..., em Junho de 2019-Equipamentos E90/5 A319/20/21

...-..., em Julho de 2019, Equipamentos A319/20/21

...-..., em Setembro de 2019-Equipamentos A319/20/21

50-Aquelas rotas tiveram o seu primeiro voo e encerraram ou mantiveram-se activas conforme quadro que segue:

A imagem não se encontra disponível.

51-A R. encerrou as seguintes rotas já abertas:

...-.../..., em Fevereiro de 2016 (que continuou apenas como...-.)-Equipamentos EB

...-.../..., em Março de 2016 (que continuou apenas como...-.)-Equipamento A319/20/21

...-.../..., em Março de 2016-Equipamentos WB

...-..., em Maio de 2016-Equipamento WB

...-..., em Outubro de 2017-Equipamentos E90/5 A319/20/21

...-..., em Novembro de 2019-Equipamentos Embraer, A320/Fam

...-..., em Fevereiro de 2019-Equipamento A320/Fam

...-..., em Novembro de 2019-Equipamento Embraer, A320/Fam

...-...-..., em Outubro de 2019-Equipamentos A320/Fam

...-..., em Novembro de 2019-Equipamento A320/Fam

52-Foram ainda encerradas rotas operadas pela P...:

...-..., em Outubro de 2018-Equipamento AT7

...-..., em Outubro de 2018-Equipamento AT7

...-..., em Outubro de 2019-Equipamento Embraer

...-..., em Janeiro de 2020-Equipamento ATR

53-Para o período de Inverno 2018/2019, face ao período de Inverno 2017/2018, a R. planeou mais 37 frequências semanais, para o período de Verão 2019, face ao Verão de 2018, a R. planeou mais 48 frequências semanais, mas já para o período de Inverno 2019/2020, a empresa tinha planeado menos 32 frequências semanais.

54-Há um ratio de tripulações por e para cada avião:

cerca de 7.

55-Isto significa que, devido à diferença entre os equipamentos narrow body onde os AA. iam operar, a composição das tripulações decorrente do regime do AE TAP/SNPVAC, pode variar entre uma tripulação tipo de 1 Chefe de Cabina e 3 Comissários /Assistentes de Bordo (CABs), no caso do avião A319, até 1 Chefe de Cabina e 5 Comissários/Assistentes de Bordo, no caso do avião A321.

56-Podendo mesmo já no decurso da operação mudar o equipamento utilizado.

57-Em função da rota e do número de frequências de voo, pode haver necessidades de diferentes da utilização do número de tripulantes envolvidos na operação.

58-Para além dos quadros de Comissários e Assistentes de Bordo Narrow Body (NB) e Wide Body (WB)-alocados, respetivamente, ao médio e ao longo cursoexiste um quadro de Narrow Wide composto por tripulantes qualificados em equipamentos de médio e longo curso, e que se caracteriza, no essencial, pela possibilidade destes tripulantes, pertencentes aos equipamentos de NB (médio curso), estarem aptos a prestar serviço no longo curso.

59-O número de aviões ao seu serviço da R. tem vindo efetivamente a crescer.

60-Estavam em vigor na R. as seguintes tabelas salariais:

vencimentos base

2018:

CAB Início € 608,00 CAB I € 966,00 2019:

CAB Início € 614,00 CAB I € 975,00 2020:

CAB Início € 635,00 CAB I € 978,00.

61-A prestação denominada ‘ajuda de custo complementar PNC’, também denominada de per diem, destina-se a cobrir despesas em que o tripulante incorra por estar fora, inerentes à deslocação, o seu pagamento depende da efetiva realização do serviço de voo e corresponde a um valor fixo diário indexado à respetiva categoria.

62-A fim de auferir esta prestação, o tripulante não tem que apresentar à R. qualquer documento comprovativo da despesa em que haja incorrido.

63-Com a Pandemia COVID-19, a nível internacional, a R. suspendeu/reduziu a sua atividade, pelo menos, a partir de Março de 2020.

64-A R. comunicou à CITE a intenção de não renovar o contrato de trabalho a termo da A. EE, por email de 23/03/2020”.

De Direito A questão que se discute no presente recurso é a de determinar as consequências da conversão de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado por força da invocação pelo empregador de uma motivação que não era justificação suficiente, da perspetiva legal, para a aposição de um termo resolutivo ao contrato de trabalho. Sendo ilícita a contratação a termo, os trabalhadores têm direito a que seja reposta a situação em que estariam se desde o início da relação contratual tivesse sido assumido que a sua relação contratual era por tempo indeterminado. A este propósito importa, desde logo, determinar qual teria sido a sua qualificação em termos de categoria, a qual, de resto, nos termos da contratação coletiva aplicável, está associada a uma certa retribuição.

Sublinhe-se que esta questão já foi tratada, relativamente ao mesmo empregador e à mesma contratação coletiva, em Acórdão anterior deste Supremo Tribunal de Justiça. Referimonos ao Acórdão proferido a 16-06-2016, no processo 968/12.4TTLSB.L1.S1 (Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso). No referido Acórdão afirma-se o seguinte:

“Estabelecem a cláusulas 4.ª e 5.ª do Regulamento da Carreira Profissional de Tripulante de Cabina anexo ao Acordo de Empresa celebrado entre a TAP/SNPVAC, publicado no BTE n.º 8/2006, de 28.2:

“Cláusula 4.ª

Admissão e evolução na carreira profissional 1-Os tripulantes de cabina são admitidos na categoria profissional de comissário/assistente de bordo (CAB), no quadro de narrow body.

2-A evolução dos tripulantes de cabina na respectiva carreira profissional efectivar-se-á pelas seguintes categorias profissionais:

Comissário/assistente de bordo;

Chefe de cabina;

Supervisor de cabina;

[...]

3-Os tripulantes de cabina contratados a termo (CAB início e CAB 0), enquanto se mantiverem nesta situação, apenas serão afectos a equipamento NB.

4-Os C/Cs aos quais seja facultado prestar serviços de voo exclusivamente em equipamentos NB e que pretendam evoluir na carreira profissional para S/C só poderão ter essa evolução, verificadas as condições e os requisitos gerais estabelecidos neste regulamento, após um período mínimo de 18 meses de prestação de serviços nos equipamentos NW.

Cláusula 5.ª Evolução salarial 1-A evolução salarial processa-se de acordo com os seguintes escalões:

CAB início a CAB 0 (contratados a termo);

CABde I a V;

C/C-de I a III;

S/C-de I a III.

2-A evolução salarial, nos escalões indicados, terá lugar de acordo com os seguintes períodos de permanência, sem prejuízo do disposto nos números seguintes:

Categoria Anuidades CAB 0... 18 meses de CAB início.

CAB I... Até 18 meses de CAB 0.

CAB II... Três anuidades de CAB I.

CAB III... Três anuidades de CAB II.

CAB IV... Três anuidades de CAB III.

CABV... Três anuidades de CAB IV.

C/C II... Quatro anuidades de C/C I.

C/C III... Quatro anuidades de C/C II.

S/C II... Quatro anuidades de S/C I.

S/C III... Quatro anuidades de S/C II.

3-Para os efeitos do número anterior, as anuidades são contadas nos termos da cláusula 17.a (

«

Exercício efectivo de função

»

) do acordo de empresa.

4-A evolução salarial terá lugar, salvo verificação das seguintes situações:

a) Existência de sanções disciplinares que não sejam repreensões no período de permanência no escalão possuído;

b) Pendência de processos disciplinares;

c) Ocorrência de motivo justificativo em contrário relacionado com exercício ou conduta profissional, desde que expresso e fundamentado por escrito.

5-No caso previsto na alínea b) do n.º 4, a evolução salarial só não se efectivará enquanto não estiver concluído o processo disciplinar e se dele resultar a aplicação de sanção disciplinar que não seja repreensão; se do processo disciplinar resultar sanção de repreensão ou ausência de sanção, a evolução será efectivada com efeitos a partir da data em que devia ter tido lugar.

6-No caso previsto na alínea c) do n.º 4, o motivo invocado será comunicado, em documento escrito, ao tripulante, que o poderá contestar e dele recorrer; a impugnação será apreciada por uma comissão constituída nos termos da cláusula 10.ª (

«

Comissão de avaliação

»

), e, se for considerada procedente, a evolução será efectivada com efeitos a partir da data em que devia ter tido lugar.

7-Ocorrendo qualquer motivo impeditivo da evolução salarial, ao abrigo do n.º 4, a mesma terá lugar no ano imediatamente seguinte, salvo se ocorrer, então, o mesmo ou outro motivo impeditivo; a inexistência de motivos impeditivos será referenciada a um número de anos, seguidos ou interpolados, correspondente à permanência mínima no escalão possuído.

8-Os tripulantes contratados como CAB 0 até à data da assinatura deste acordo manter-se-ão como CAB 0, por um período máximo de três anos, para efeitos exclusivamente remuneratórios, sendo eliminado para todos os demais efeitos, nomeadamente de evolução na carreira e de antiguidade, contando todo o tempo de antiguidade e categoria na posição de CAB 0 para os efeitos de anuidades e integração nos níveis salariais.

Como se vê dos n.os 1 e 3 da cláusula 4.ª e n.os 1 e 2 da cláusula 5.ª, apenas os tripulantes de cabine contratados a termo são classificados nas categorias CAB início e CAB 0, sendo os tripulantes com contrato por tempo indeterminados integrados na categoria CAB I.” (sublinhado nosso) Este Acórdão concluiu, seguidamente, que um trabalhador contratado a termo, mas cujo contrato se converteu em contrato sem termo por não existir motivo válido para a existência do termo deveria para efeitos da sua evolução salarial ser considerado como tendo sido admitido pela CAB 1.

Em primeiro lugar, concorda-se inteiramente com o Acórdão referido quando este destaca a associação entre as CAB início e CAB 0 e a contratação a termo. Tal resulta inequivocamente da letra das cláusulas 4.ª n.º 3 e 5.ª n.º 1. Devendo a parte normativa da convenção coletiva ser interpretada recorrendo aos mesmos critérios hermenêuticos a que se lança mão para interpretar a lei, a letra da cláusula assume uma importância determinante, como ponto de partida e limite da interpretação, carecendo, em princípio, de relevância o modo como a cláusula foi interpretada pelas partes da convenção coletiva (ao contrário do que sucederia na interpretação de um contrato em que se pode atender ao modo como o contrato foi executado). Da letra das cláusulas decorre, sem margem para dúvidas, que as categorias CAB início e CAB 0 foram concebidas para contratados a termo e determinam a sua evolução salarial.

Mas, assim sendo, tais cláusulas ao preverem uma categoria de admissão para contratados a termo com retribuições menos elevadas e uma evolução/progressão salarial mais longa, violam diretamente o princípio da igualdade de tratamento entre trabalhadores contratados a termo e trabalhadores contratados por tempo indeterminado.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça tem, reiteradamente, afirmado que este princípio corresponde a um princípio fundamental do Direito da União Europeia1 que não deve ser interpretado restritivamente e que não pode ser violado nem sequer por convenção coletiva2. Trata-se, desde logo, de um princípio consagrado no artigo 4.º n.º 1 do AcordoQuadro CES, UNICE e CEEP relativo ao contrato de trabalho a termo, anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho de 28 de junho de 1999:

“No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objectivas justificarem um tratamento diferente” 3.

A lei portuguesa transpôs o referido princípio. Com efeito, o princípio da igualdade de tratamento estava consagrado no artigo 136.º do Código do Trabalho de 20034, tal como está hoje consagrado no artigo 146.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2009, e, por força da interpretação conforme, há que atribuir a este preceito natureza imperativa.

Assim, há que concluir pela nulidade, por violação de norma legal imperativa, das cláusulas que previam categorias inferiores na admissão para os contratados a termo, com a consequência de que os Recorrentes, tal como já foi decidido em situação similar pelo mencionado Acórdão de 16-06-2016, se devem considerar para efeitos de evolução salarial, como tendo sido admitidos com a CAB 1.

Decisão:

Concedida a revista, condenando-se a Ré a integrar as Autoras nos seus postos de trabalho como tendo sido admitidas desde o início da respetiva relação contratual com a categoria CAB 1, processando-se a partir daí a evolução na categoria em conformidade com o Acordo de Empresa e condenando-se igualmente a TAP a pagar às Autoras todas as diferenças salariais devidas quer a título de salário base, quer de ajudas de custo, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus respetivos contratos de trabalho, montantes que deverão ser calculados pelas instâncias, sem prejuízo da eventual necessidade de um incidente de liquidação.

Custas pela Recorrida.

Remeta-se certidão para publicação na 1.ª série do Diário da República (artigo 687.º, n.º 5 do Código do Processo Civil) Lisboa, 11 de dezembro de 2024 Júlio Manuel Vieira Gomes (relator) Domingos José de Morais José Eduardo Miranda Santos Sapateiro Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira Mário Belo Morgado 1-Acórdão do Tribunal de Justiça (2.ª Secção) de 22 de dezembro de 2010, processos apensos C-444/09 e C-456/09, Rosa María Gavieiro Gavieiro e Ana María Iglesias Torres contra Consellería de Educación e Ordenación Universitaria de la Xunta de Galicia, n.º 41:

“tendo em conta a importância dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, que se contam entre os princípios gerais do direito da União, deve ser reconhecido um alcance geral às disposições previstas pela Directiva 1999/70 e pelo acordoquadro a fim de garantir aos trabalhadores contratados a termo as mesmas vantagens que são reservadas aos trabalhadores permanentes em situação comparável, salvo se razões objectivas justificarem um tratamento diferente, pois constituem normas do direito social da União que revestem especial importância e das quais deve beneficiar cada trabalhador enquanto prescrições mínimas de protecção”.

2-Como se pode ler no Acórdão do TJ (Grande Secção) de 20 de fevereiro de 2024, C-715/20, K.L. contra X sp.z.o.o., n.º 58, “segundo jurisprudência constante, o conceito de

«

razões objetivas

»

, na aceção do artigo 4.º, n.º 1, do acordoquadro, deve ser entendido no sentido de que não permite justificar uma diferença de tratamento entre os trabalhadores contratados a termo e os trabalhadores contratados sem termo, pelo facto de esta diferença estar prevista numa norma nacional geral e abstrata, como uma lei ou uma convenção coletiva (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2023, Lufthansa CityLine, C-660/20, EU:

C:

2023:

789, n.º 57 e jurisprudência referida)”.

3-Cfr., também, o n.º 4:

“O período de qualificação de serviço relativo a condições particulares de trabalho, deverá ser o mesmo para os contratados sem termo e para os trabalhadores contratados a termo, salvo quando razões objectivas justifiquem que sejam considerados diferentes períodos de qualificação”.

4-“O trabalhador contratado a termo tem os mesmos direitos e está adstrito aos mesmos deveres do trabalhador permanente numa situação comparável, salvo se razões objectivas justificarem um tratamento diferenciado”

*

Acórdão proferido sobre o pedido de reforma apresentado pela TAPTransportes Aéreos Portugueses, S. A., relativamente ao acórdão 8882/20.3T8LSB, de 12-03-2025 Processo 8882/20.3T8LSB.L1.S1 Acordam em Conferência no Pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, TAPTransportes Aéreos Portugueses, S. A. veio arguir e requerer a nulidade e a reforma do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido a 11.12.2024, ao abrigo do disposto nos artigos 613.º n.º 2, 615.º n.º 1 e n.º 4, 616.º n.º 2, 666.º e 685.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho.

As Autoras, AA e Outras, vieram exercer o seu contraditório. Vieram, ainda, pedir que a Ré e Reclamante fosse condenada como litigante de má fé nos termos do artigo 547.º n.º 2 do Código de Processo Civil e “condenada ao pagamento de multa nunca inferior a 100UC e ao pagamento de indemnização às AA pelos gastos por estas incorridos, que não são ainda determináveis ao dia de hoje”.

A Reclamante respondeu.

Começando a análise pelo pedido de reforma do Acórdão este funda-se na alegada existência de “erro grosseiro, evidente e incontroverso” (n.º 207 da Reclamação) que decorreria da “aplicação claramente incorreta dos cânones hermenêuticos previstos no artigo 9.º do CC” (n.º 211), já que o AUJ recorreu exclusivamente ao elemento literal e “é pacífico e inequívoco que o intérpreteaplicador tem um dever de esgotar todos os critérios interpretativos que estejam ao seu alcance, mesmo que o elemento literal aparentemente pareça apontar num único sentido” (n.º 218 da Reclamação).

Respondendo dir-se-á que, como ensina BAPTISTA MACHADO, o texto é o ponto de partida da interpretação, cabendolhe uma função negativa, a de “eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou pelo menos uma correspondência ou ressonância nas palavras da lei”, mas também uma função positiva, que é, desde logo a seguinte:

“se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma”. É precisamente o que sucede aqui com a “CAB 0 (contratos a termo”):

resulta do teor literal da norma, sem necessidade de mais indagações, que se trata de uma categoria para contratados a termo1.

Não se deve, por conseguinte, recorrer aos outros cânones hermenêuticos para, no limite, ter o escrito como não escrito.

Improcede, pois, o pedido de reforma.

O Acórdão objeto da presente Reclamação começa por definir assim o seu objeto:

“A questão que se discute no presente recurso é a de determinar as consequências da conversão de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado por força da invocação pelo empregador de uma motivação que não era justificação suficiente, da perspetiva legal, para a aposição de um termo resolutivo ao contrato de trabalho. Sendo ilícita a contratação a termo, os trabalhadores têm direito a que seja reposta a situação em que estariam se desde o início da relação contratual tivesse sido assumido que a sua relação contratual era por tempo indeterminado. A este propósito importa, desde logo, determinar qual teria sido a sua qualificação em termos de categoria, a qual, de resto, nos termos da contratação coletiva aplicável, está associada a uma certa retribuição.”

E é precisamente a esta questão que se dá a resposta:

“Concedida a revista, condenando-se a Ré a integrar as Autoras nos seus postos de trabalho como tendo sido admitidas desde o início da respetiva relação contratual com a categoria CAB 1, processando-se a partir daí a evolução na categoria em conformidade com o Acordo de Empresa e condenando-se igualmente a TAP a pagar às Autoras todas as diferenças salariais devidas quer a título de salário base, quer de ajudas de custo, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus respetivos contratos de trabalho, montantes que deverão ser calculados pelas instâncias, sem prejuízo da eventual necessidade de um incidente de liquidação”.

Como se vê, o Tribunal não se alheou da resposta à questão que lhe foi colocada, como pretende a Reclamante (n.º 169 da Reclamação; cf. também o n.º 20 Como se vê, o Tribunal não se alheou da resposta à questão que lhe foi colocada, como pretende a Reclamante (n.º 169 da Reclamação; cf. também o n.º 20:

“O Tribunal demitiu-se [...] do seu dever de resolver o conflito jurisprudencial que lhe foi trazido pelas Partes, proferindo uma decisão distinta da concreta questão que lhe foi submetida”) e respondeulhe expressamente decidindo que as Autoras devem ser tratadas (inclusive para efeitos retributivos) como tendo sido admitidas desde o inicio da respetiva relação contratual na categoria CAB 1.

Para decidir qual deveria ser a qualificação a atribuir às Autoras na sequência do facto ilícito de que foram vítimas, o Tribunal não podia deixar de interpretar o acordo de empresa e as cláusulas respeitantes à categoria e à carreira, tal como tinham feito as instâncias quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento. E não estaria, decerto, impedido de o fazer por estar prevista no Código de Processo de Trabalho uma ação de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho (artigos 183.º e seguintes do CPT). Aliás, ao exercer o contraditório que foi aberto, para evitar decisões surpresa a respeito da (então eventual) decisão sobre a nulidade das cláusulas da convenção coletiva, a ora Reclamante afirma expressamente que “constitui o objeto principal do presente processo a interpretação das Cláusulas 4.ª e 5.ª do Regulamento da Carreira Profissional de Tripulante de Cabina (“RCPTC”), anexo ao Acordo de Empresa celebrado entre a TAP e o SNPVAC, publicado na 1.ª série do Boletim do Trabalho e do Emprego (“BTE”) n.º 8 de 28.02.2006 (“AE”)” (n.º 1 da resposta).

Ora, caso o labor interpretativo do Tribunal conduza, como conduziu, à verificação de que uma cláusula da convenção viola norma legal imperativa não está o Tribunal impedido de declarar a nulidade dessa mesma cláusula, tanto mais que a nulidade é de conhecimento oficioso para os Tribunais.

O facto de a lei prever uma ação para que qualquer interessado obter por exemplo a anulação de uma cláusula de uma convenção, não afasta que um Tribunal possa declarar a nulidade de uma cláusula quando tal é instrumental para decidir da questão que lhe foi colocada, a saber qual a categoria a atribuir às Autoras. Não houve, pois, nesta matéria, qualquer excesso de pronuncia pelo Tribunal, contrariamente ao que se pretende na Reclamação.

O Tribunal chegou à conclusão de que “da letra das cláusulas decorre, sem margem para dúvidas, que as categorias CAB início e CAB 0 foram concebidas para contratados a termo e determinam a sua evolução salarial”. Trata-se de uma interpretação, não havendo que confundir o plano do direito e o plano dos factos.

Não colhe, por isso mesmo, o argumento esgrimido na Reclamação de que o Tribunal teria aditado um novo facto à matéria provada em contradição com a matéria de facto provada nas instâncias (n.º 147 da Reclamação). E isto porque o Tribunal da Relação deu como não provado ser prática da Recorrida integrar todos os trabalhadores contratados por tempo indeterminado na categoria CAB-1 (n.º 145 da Reclamação).

Em primeiro lugar, sublinhe-se que de um facto não provado não pode inferir-se o oposto. Mas, e sobretudo, afirma-se no Acórdão recorrido:

“Devendo a parte normativa da convenção coletiva ser interpretada recorrendo aos mesmos critérios hermenêuticos a que se lança mão para interpretar a lei, a letra da cláusula assume uma importância determinante, como ponto de partida e limite da interpretação, carecendo, em princípio, de relevância o modo como a cláusula foi interpretada pelas partes da convenção coletiva (ao contrário do que sucederia na interpretação de um contrato em que se pode atender ao modo como o contrato foi executado)”.

Ou seja, ao interpretar as cláusulas como criando categorias para contratados a termo não se está a fazer qualquer asserção no domínio dos factos provados e não se está a afirmar o facto de que só contratados a termo tenham integrado estas categorias.

As cláusulas 4.º n.º 3-ao referir-se a “[o]s tripulantes de cabina contratados a termo (CAB início e CAB 0)-e 5.ª n.º 1 (“CAB início a CAB 0 (contratados a termo)” foram criadas, concebidas para contratados a termo e tal conclusão não é afastada mesmo que porventura alguns contratados sem termo tenham sido contratados com esta categoria. E sublinhe-se que não está em jogo qualquer “assunção factual sobre a motivação das partes” (n.º 151), mas apenas um modo de exprimir que tais categorias eram categorias para contratados a termo, pelo que não há aqui nem qualquer excesso de pronúncia, nem violação do juízo de facto operado pelas instâncias.

A Reclamante invoca também uma nulidade por omissão de pronúncia que resultaria deste Tribunal não ter procedido a um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça.

Como se pode ler, por exemplo, no parágrafo 33 do Acórdão do Tribunal de Justiça proferido a 6 de outubro de 2021, no processo C-561/19, Consorzio Italian Management, Catanis Multiservizi SpA contra Rete Ferroviaria Italiana SpA, “segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno só pode ser isento desta obrigação quando tenha constatado que a questão suscitada não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa foi já objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correta interpretação do direito da União se impõe com tal evidência que não dá lugar a nenhuma dúvida razoável”.

Por seu turno, no parágrafo 41 do Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça a 9 de setembro de 2015, processo C-160/14, BB e o., contra Estado Português pode ler-se que “a simples existência de decisões contraditórias proferidas por outros órgãos jurisdicionais nacionais não pode constituir um elemento determinante, suscetível de impor a obrigação enunciada no artigo 267.º, terceiro parágrafo, TFUE”, acrescentando-se no parágrafo 42 “o órgão jurisdicional de última instância pode entender, não obstante uma interpretação determinada de uma disposição do direito da União efetuada por órgãos jurisdicionais inferiores, que a interpretação que se propõe dar à referida disposição, diferente da que foi feita por aqueles órgãos jurisdicionais, se impõe sem dar lugar a qualquer dúvida razoável”. Como é sabido, não era o caso na situação concreta decidida por este Acórdão já que as dúvidas jurisprudenciais incidiam sobre um conceito de direito europeu-a transmissão de unidade económicaaltamente controverso, não apenas na jurisprudência nacional, mas também na jurisprudência de outros Estados Membros.

E no caso vertente? Interpretadas as cláusulas da convenção e apurado o seu sentido que flui diretamente da sua letra há que concluir que as mesmas violam norma legal imperativa que consagra o princípio da igualdade entre contratados a termo e contratados sem termo.

Tal norma representa a transposição de um princípio do direito europeu que o Tribunal de Justiça teve já ocasião de afirmar que é um princípio fundamental da ordem jurídica europeia, princípio que não deve ser interpretado restritivamente, não se justificando a sua violação por esta ter sido realizada por uma convenção coletiva. Estas conclusões são pacíficas ao nível do direito europeu, não se vislumbrando a seu propósito qualquer necessidade de um reenvio.

Acresce que a controvérsia na jurisprudência nacional a que a Reclamante faz referência não respeita ao direito europeu, mas à interpretação da convenção coletiva e às consequências da ilicitude do termo invocado pelo empregador na contratação a termo com a consequente conversão ope legis dos contratos a termo em contratos sem termo.

Não faria decerto qualquer sentido fazer um reenvio prejudicial sobre a interpretação das convenções coletivas em Portugal ou sobre as consequências no nosso direito interno da violação de uma norma legal imperativa por uma convenção coletiva.

E é disso que se trata aqui:

as Diretivas, segundo o entendimento dominante e tradicional, não têm aplicação direta e imediata nas relações entre particulares, sendo necessária a sua transposição pelos Estados Membros acompanhada de medidas eficazes de reação à sua violação.

No nosso ordenamento, no caso dos autos, temos uma cláusula de um acordo de empresa que viola uma norma legal imperativa. Já segundo as regras do direito civil tal cláusula seria nulapor força do princípio da conservação dos negócios jurídicos e porque não há quaisquer indícios de que as partes da convenção não a desejassem celebrar sem a referida cláusula manter-se-ia o restante clausulado.

Em direito do trabalho a solução é similar, sendo que no caso de a cláusula representar uma discriminação a lei vai mesmo mais longe, como se dirá infra.

Em suma, e como se pode ler por exemplo no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido no processo 1560/11.6TVLSB.L1.S1-A de 11-05-2017 (Relator Conselheiro Pinto de Almeida), publicado no Diário da República, 1.ª série, de 06-07-2017, pp. 3400-3411, “[a]s cláusulas dessas convenções [as convenções coletivas]que contrariem normas imperativas são nulas, por contrárias à lei, nos termos do art. 280.º do CC; sendo nulas, essas cláusulas não vinculam trabalhadores e empregadoras abrangidos por elas, não produzindo efeitos”.

É, pois, desnecessário, fazer qualquer reenvio ao Tribunal de Justiça e não se verifica qualquer omissão de pronúncia.

Sublinhe-se, também, que se torna desnecessário lançar mão do princípio da interpretação conforme. Em todo o caso, tendo em atenção que o princípio da igualdade de tratamento dos contratados a termo é um princípio fundamental do direito da União, tal conduziria a que se justificasse uma interpretação que conduzisse a uma sanção particularmente eficaz como sucede, precisamente, com a nulidade da cláusula da convenção coletiva violadora de tal princípio.

A Reclamante invoca, igualmente, a prolação de uma decisão surpresa (números 173 e seguintes da Reclamação), afirmando que “o conteúdo do despacho de 15.10.2024 não permitia [...] às Partes antever o real e efetivo alcance do que viria a ser mais tarde considerado no Acórdão, condicionando, deste modo, o seu exercício ao contraditório, pois em nenhum momento foi explicitamente indicado que o Tribunal iria, em sede de decisão final proferir Acórdão no sentido de desconsiderar as categorias CAB início e CAB 0 do plano de carreira” (n.º 178), o que acarretaria, igualmente, a nulidade do Acórdão à luz do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

O teor do despacho mencionado era o seguinte:

“Para garantir o contraditório e evitar “decisões surpresa” dá-se às Partes a possibilidade de no prazo de dez dias se pronunciarem sobre a seguinte questão:

A cláusula 5.º do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina em anexo ao AE entre a TAPAir Portugal, S. A., e o SNPVAC Sind. Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, publicado no BTE n.º 8, de 28.06.2006, no segmento em que se refere a CAB início a CAB 0 para contratados a termo parece violar o artigo 4.º n.º 1 do AcordoQuadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo que faz parte integrante da Diretiva 1999/70/CE.

O princípio de que os contratados a termo não devem, só por esse facto, ser tratados de modo menos favorável que os contratados sem termo constitui, segundo a jurisprudência do TJUE um princípio de direito social da União que não pode ser interpretado de modo restritivo (ver entre outros, Acórdão do TJUE proferido no processo C-677/16, n.º 41), sendo que a mera previsão em convenção coletiva da diferença de tratamento não é razão objetiva para essa diferença (n.º 56). A ser exata esta asserção a referida cláusula seria nula neste segmento.

Notifique-se às Partes.

15 de outubro de 2024”.

Antes de mais, sublinhe-se que qualquer jurista português conhece, ou deve conhecer, as potenciais consequências de uma declaração de nulidade.

Mas da leitura da resposta da Reclamante ao abrigo do contraditório que foi aberto pelo referido despacho, verifica-se que a Reclamante não só não foi prejudicada no seu direito de defesa, como efetivamente o exerceu, compreendendo perfeitamente o que podia estar em jogo.

Assim, pode ler-se na resposta que:

“A ser declarada a nulidade-o que não se concede e que apenas por cautela de patrocínio se equaciona-a mesma apenas poderá reportar-se ao segmento “contratados a termo”, acolhida no n.º 3 da Cláusula 5.ª do RCTPC, anexo ao AE de 2006” (n.º 17) e “[q]ualquer extensão do âmbito da nulidade, que extravase e, por absurdo, pretenda associar um tal vício à previsão dos escalões CABInício e CAB-0 acarretaria inevitavelmente a nulidade de toda a Cláusula e conduziria a resultados absurdos, contrários à autonomia negocial coletiva e injustamente penosos, porquanto esta jamais teria sido concluída sem a previsão de tais níveis salariais, ficando, por conseguinte, comprometida toda a sua coerência, consistência e unidade” (n.º 18).

Aliás, no douto Parecer do IDT junto aos autos pela Reclamante-e cuja junção se admitiu, apesar da oposição das Autoras, por estar ainda em causa o direito de defesa e o contraditório, e cujo conteúdo presumimos que a Reclamante conhece-, discute-se precisamente as consequências da nulidade, defendendo que “uma eventual nulidade parcial da norma não pode passar, pura e simplesmente, pela declaração de nulidade da cláusula 5.ª n.º 1, na sua globalidade ou na parte em que fala dos escalões CAB início e CAB 0, passando a existir, apenas, níveis e escalões salariais que se iniciam no escalão CAB 1, com supressão dos escalões CAB início e CAB 0” (n.º 53 do Parecer).

Ou seja, o que não se poderia prever face ao despacho, assim comprometendo o exercício do direito de defesa, foi expressamente previsto, tendo a Reclamante exercido na plenitude o seu contraditório.

A Reclamante invoca, depois, a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 136.º do Código do Trabalho de 2003 e do artigo 146.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 como legitimação para a modificação do sentido fundamental da Cláusula 5.ª n.º 1 do RCPTC anexo ao AE (cf. números 189 e ss. da Reclamação). O Tribunal teria criado uma nova cláusula do AE onde passariam a existir oito categorias em vez das dez previstas, “iniciando-se o plano de carreira na categoria CAB 1” (número 190). Tal seria “inconstitucional, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, da autonomia negocial coletiva e do direito fundamental da Recorrida à livre iniciativa económica, consagrados nos artigos 18.º, 56.º n.º 3 e 61.º n.º 1 da Constituição” (número 205 da Reclamação).

No caso dos autos, temos uma cláusula de um acordo de empresa que viola uma norma legal imperativa. Já segundo as regras do direito civil tal cláusula seria nula e por força do princípio da conservação dos negócios jurídicos e porque não há quaisquer indícios de que as partes da convenção não a desejassem celebrar sem a referida cláusula manter-se-ia o restante clausulado. Recorde-se, aliás, que o nosso Código do Trabalho de 2009 vai substancialmente mais longe:

no artigo 26.º prevê-se expressamente a substituição ope legis de disposição do IRCT contrário ao princípio da igualdade e da não discriminação por outra que não opere essa discriminação, solução legal que não se aplica apenas à igualdade de género, mas também a outros fatores de discriminação (artigo 26.º, n.º 3).

A autonomia negocial coletiva, constitucionalmente consagrada, não é ilimitada e não pode pôr em causa princípios fundamentais e normas legais imperativas.

Acresce que-o que a Reclamante nunca tem em consideraçãoque a atuação da Reclamante não consubstanciou, como pretende, o exercício da livre iniciativa económica nos limites da lei (números 201 a 203).

Com efeito, toda a questão em discussão no presente recurso surgiu na sequência da contratação a termo ilícita por falta de motivo justificador considerado bastante pela lei-o que não vemos como é que tal conduta possa ser qualificada de exercício da livre iniciativa económica nos termos da lei…-sendo que os trabalhadores têm direito a que seja reposta a situação em que estariam se desde o início da relação contratual tivesse sido assumido que a sua relação contratual era por tempo indeterminado. E também não se vislumbra em que é que a introdução no acordo de empresa de uma cláusula discriminatória dos contratados a termo corresponde ao “livre exercício da iniciativa económica nos termos da lei”.

Conclui-se, destarte, que o Acórdão objeto da presente Reclamação não padece de qualquer nulidade.

Na sua resposta as Autoras sublinham, certeiramente, que uma Reclamação não é um novo recurso e não se afigura o meio processualmente adequado e tempestivo para invocar questões de constitucionalidade que se traduziriam não em nulidades, mas em erros de julgamento.

Pedem, ainda, a condenação da Reclamante como litigante de má fé, invocando, desde logo, que a presente Reclamação é um expediente dilatório. Embora se deva reconhecer que um dos argumentos esgrimidos na Reclamação não é eticamente correto-a saber, a alegada “decisão surpresa” que teria prejudicado o exercício do direito de defesa e o contraditório quando é possível verificar que a Reclamante compreendeu perfeitamente o sentido da questão que lhe era colocada e exerceu plenamente o contraditórionão há elementos que permitam concluir que a Reclamante agiu dolosamente ou com negligência grosseira, pelo que não há que condenar a Reclamante como litigante de má fé.

Decisão:

Acorda-se em indeferir o pedido de reforma e a reclamação.

Indefere-se, igualmente, o pedido de condenação da Reclamante como litigante de má fé.

Custas pela Reclamante.

Remeta-se certidão para publicação na 1.ª série do Diário da República (artigo 687.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).

Lisboa, 12 de março de 2025 Júlio Manuel Vieira Gomes (relator) Domingos José de Morais José Eduardo Miranda Santos Sapateiro Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira Mário Belo Morgado 1-BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, p. 182.

119739364

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/6340429.dre.pdf .

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