«A deliberação dos sócios a que se refere o art.º 242.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais deve ocorrer no prazo de 90 dias a contar da data em que os respectivos gerentes tiveram conhecimento dos factos que fundamentam a exclusão de sócio. Por sua vez, a acção de exclusão deve ser proposta, no prazo de 90 dias, a contar da data dessa deliberação. Caduca o direito da sociedade, caso não seja cumprido algum daqueles prazos.»
Acordam no Pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça I-RELATÓRIO AVICAutocarros e Viagens Irmãos Cunha, L.da intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum contra:
AA, BB e CC, todos melhor identificados nos autos, pedindo a exclusão judicial de sócio de cada um dos RR. e invocando, como fundamento, o comportamento gravemente desleal e perturbador do funcionamento da sociedade A. por parte dos RR., seus sócios, comportamento esse causador de instabilidade e de prejuízos para com a sociedade Autora.
Alegou, para tanto, que é uma sociedade comercial por quotas, que tem como actividade a exploração da agência de viagens AVIC e da Quinta 1 (...), sendo os RR., seus sócios. Foi convocada e realizada uma assembleia geral da Autora, no dia 21-09-2022, em que “foi deliberada a exclusão dos RR.”, bem como a propositura da presente acção judicial, uma vez que os RR., em comunhão de esforços com DD, familiar daqueles e concorrente directo da A., têm agido de forma desleal, de máfé e contra os interesses da A. e em benefício da concorrência.
Com tais propósitos, os Réus moveram contra a Autora os processos judiciais n.º 734/18.3T8VCT (inquérito judicial), n.º 2212/19.4T8VCT (anulação de deliberações sociais) e n.º 2437/20.0T8VCT (anulação de deliberações judiciais), o que tem prejudicado a vida da A., por via da instabilidade que lhe traz e das despesas em que, permanentemente, tem de incorrer para impedir os intentos dos RR..
Os Réus contestaram, invocando a prescrição do pretenso direito invocado pela Autora, pedindo a consequente absolvição do pedido.
Foi exercido o contraditório, na audiência prévia, pugnando a A. pela improcedência de tal excepção, defendendo que os RR. agem de forma reiterada, continuada e permanente e, por outro lado, que deve ter-se em conta o prazo ordinário de prescrição de 20 anos do artigo 309.º do CC ou, no mínimo, deve atender-se ao prazo de 5 anos previsto no artigo 174.º do CSC..
Entendendo-se que os autos permitiam conhecer de imediato tal exceção perentória, proferiu-se saneador-sentença com o seguinte dispositivo:
“julga-se procedente a invocada exceção perentória, declarando-se prescrito o direito da Autora a requerer a exclusão dos Réus de sócios, pelo que se absolvem estes últimos do respetivo pedido”.
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Inconformada com tal decisão, interpôs a Autora recurso per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça (cf. artigo 678.º do CPC), visando a revogação do saneador-sentença recorrido e a sua substituição por decisão que julgue improcedente a invocada excepção da prescrição e que, em consequência, determine o prosseguimento dos autos.
Admitida a revista, foi, em 16-01-2024, proferido acórdão por este Supremo Tribunal de Justiça que deliberou negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Deste acórdão, a Autora suscitou a respetiva reforma, arguiu nulidades e apresentou reclamação do despacho que admitiu a revista per saltum, tendo sido proferido acórdão por este Supremo Tribunal de Justiça a indeferir todo o requerido, em 06/03/2024, o qual transitou em julgado em 21-03-2024.
Não resignada, veio a sociedade Autora, por requerimento datado de 2-05-2024, interpor recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, invocando contradição entre a solução normativa acolhida no Acórdão do STJ de 16-01-2024, proferido nos autos e a solução adoptada no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 07-10-2003, proferido no âmbito do Processo 03A3231, que indica como acórdãofundamento do recurso extraordinário que interpõe.
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Para o efeito, a Autora/ Recorrente apresenta as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente é, desde 21.04.2017 uma sociedade comercial por quotas, da qual são sócios, além de outros, os Recorridos com as participações:
CC detém € 10,00, o que corresponde a 0,002 % do capital;
BB detém € 15.000,00, o que corresponde a 3,01 % do capital;
AA detém € 1.975,00, o que corresponde a 0,4 % do capital.
2-Nos termos da Acta da Assembleia Geral de sócios da Recorrente realizada aos 31.05.2022, na qual estiveram presentes ou representados os sócios detentores de 82,975 % do capital social a que se seguiu a Acta da Assembleia Geral de sócios da Recorrente realizada aos 21.09.2022, foram votadas e aprovadas, com votos representativos de 82,97 % das participações/capital social, as deliberações de exclusão dos sócios aqui Recorridos, bem como a propositura da competente acção judicial.
3-Em cumprimento daquela deliberação societária, veio a Recorrente intentar a acção para exclusão judicial dos sócios AA, BB e CC, tendo a petição inicial dado entrada aos 20.12.2022.
4-Sendo o pedido a exclusão judicial de sócio de cada um dos Recorridos, e sendo invocado, como fundamento, o comportamento gravemente desleal e perturbador, para o funcionamento da sociedade Recorrente, por parte dos Recorridos, seus sócios, comportamento esse causador de instabilidade e de prejuízos para com a sociedade.
5-Os fundamentos foram vertidos na deliberação social e na petição inicial.
6-Na audiência prévia, pugnou pela improcedência da exceção, defendendo que os Recorridos agem de forma reiterada, continuada e permanente e, por outro lado, que deve ter-se em conta o prazo ordinário de prescrição de 20 anos do artigo 309.º do CC, ou, no mínimo deve atender-se ao prazo de 5 anos previsto no artigo 174.º do CSC.
7-Na primeira instância, foi proferido saneador sentença o qual julgou procedente a excepção deduzida.
8-Não se conformando com a referida decisão, a Recorrente intentou recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça.
9-Este Venerando Supremo Tribunal viria a proferir o Acórdão recorrido sumariamente no seguinte sentido:
“I-Por aplicação analógica do artigo 186.º/2 do CSC (analogia legis), a deliberação prevista no artigo 242.º/2 do CSC (a deliberação que dá azo à propositura da ação de exclusão com fundamento na cláusula geral de exclusão do artigo 242.º/1 do CSC) deve ser tomada no prazo de 90 dias, a contar do conhecimento por algum dos gerentes dos factos que fundam/permitem a exclusão.
IIApós o que, por analogia iuris, a ação de exclusão de sócio, prevista no artigo 242.º/1 do CSC, deve ser proposta no prazo de 90 dias contados da deliberação (que, nos termos do artigo 242.º/2 do CSC, determinou que a sociedade devia proceder à propositura de tal ação de exclusão judicial de sócio).
IIITemos pois-quanto ao prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sóciosnão um, mas dois prazos:
um primeiro prazo de 90 dias, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão, prazo esse a contar do conhecimento dos factos (que geram a exclusão) por algum dos gerentes; um primeiro prazo de 90 dias, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão, prazo esse a contar do conhecimento dos factos (que geram a exclusão) por algum dos gerentes; e um segundo prazo, também de 90 dias, para proceder à propositura da ação de exclusão judicial de sócio, prazo esse a contar da deliberação que determinou a propositura da ação de exclusão.
IVPrazos esses que, não sendo exercidos tempestivamente, farão o direito de exclusão caducar”
[...]
“…a revista tem que ser negada:
os RR foram bem absolvidos do pedido por o invocado pretenso direito de excluir os três RR, ter sido exercido fora de prazo pela A., o que, porém aconteceu por se verificar a excepção perentória de caducidade… Nos termos expostos nega-se a revista. Custas da presente revista pela A./recorrente”.
19-Esta decisão (já transitada) está em oposição com o acórdão-fundamento-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 07.10.2003, no âmbito do processo 03A323, disponível in www.dgsi.pt já transitado em julgado, no domínio da mesma legislação (Código das Sociedades Comerciaisartigo 242.º e Código Civil) e sobre a mesma questão fundamental de direito (natureza, prazo e contagem de prazo para a exclusão de sócio na sociedade por quotas) e cuja cópia se junta.
20-A lei, designadamente no artigo 242.º do CSC, não alude a qualquer prazo, nada diz quanto a eventual prazo de que a sociedade por quotas dispõe para exercer o direito de excluir o sócio, situação, que gera insegurança e incerteza jurídica, e tem gerado posições diversas tanto na doutrina como na jurisprudência.
21-É matéria onde não há jurisprudência uniformizada.
22-E há jurisprudência deste Venerando Tribunal, sobre a mesma questão e ao abrigo da mesma lei, em sentidos diversos e opostos, aliás, no próprio Acórdão recorrido se diz de forma cristalina “…discordamos da generalidade da jurisprudência das Relações e deste Supremo”.
23-O Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento estão em oposição e ambos estão transitados em julgado.
24-A virtude da uniformização de jurisprudência nesta questão é a de permitir pacificar e clarificar uma matéria que é da maior utilidade prática e que não se compadece com a situação de incerteza e insegurança jurídica a que está votada.
25-As situações materiais litigiosas são, de um ponto de vista jurídiconormativo, análogas ou equiparáveis, porquanto as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico, em ambas as situações, são semelhantes no seu núcleo essencial, refletindo uma clara oposição de julgados.
26-O acórdãorecorrido encontra-se em clara contradição com o acórdãofundamento que, sobre a mesma questão fundamental de direito, baseada em similar núcleo de facto e sob a égide do mesmo quadro normativo, foi antagonicamente decidida.
27-Os factos e as soluções jurídicas encontradas em ambos os acórdãos resumem-se ao seguinte:
[...]
28-A solução do Acórdão recorrido é manifestamente contraditória e contrária e viola o disposto nos artigos 186.º, 242.º do CSC e 10.º do CC.
29-Não se podendo criar por via do artigo 10.º do CC uma solução que o próprio legislador não quis, ao não dizer que aplica o regime do artigo 186.º do CSC às sociedades por quotas, e ao exigir a estas o que não exige aquelas.
30-O que se visa com o presente recurso é que seja uniformizada jurisprudência em conformidade com o foi decidido no acórdãofundamento, isto é, que em conformidade com o que foi decidido no acórdãofundamento e com acima alegado, isto é, que:
“o prazo para a exclusão de sócio numa sociedade por quotas (artigo 242.º do CSC) segue o regime do prazo ordinário de prescrição de 20 anos. Na verdade não há omissão, e a solução não carece de aplicação do regime do artigo 10.º do CSC
» mesmo por via de caso análogo, ou pela via do artigo 10.º, n.º 3 do CC, jamais seria um prazo de 90 dias, mas sim o prazo de 5 anos
» a contagem do prazo inicia-se com a deliberação de exclusão
» os apontados casos análogos no acórdão recorrido, não são análogos
» o(s) comportamentos relevantes do sócio que justificam a exclusão judicial do sócio podem revestir várias modalidades:
um único ato isolado que justifique; um único ato isolado que justifique; ou uma sucessão de atos/condutas idênticas ou distintas (facto complexo).
» o inicio da contagem do prazo deverá ter em consideração a natureza do facto em causa (facto isolado ou complexo)
» a caducidade é um facto extintivo cujo ónus da prova recai sobre o Réu.
31-O acórdãofundamento e o acórdãorecorrido assentam num núcleo factual semelhante e, enquanto que o acórdãorecorrido entendeu que o regime do artigo 242.º do CSC é omisso quanto ao prazo, natureza do prazo e contagem do prazo, considerando que é um prazo de caducidade e aplicando por via do artigo 10.º, n.º 3 do CC, o prazo de 90 dias, tanto para a deliberação como para a acção judicial de exclusão, e colocando o primeiro prazo a contar da data do conhecimento pelo gerente e sem distinguir quanto a factos continuados, simples ou complexos e o segundo prazo a contar da deliberação, já o acórdãofundamento não concebe que a situação se reconduza a omissão legislativa, nem à aplicação do regime do artigo 10.º do CC, e considera que o legislador pretendeu (ao não distinguir onde noutros casos distinguiu) que se aplique à exclusão de sócio numa sociedade comercial por quotas o prazo geral ordinário de prescrição e que a contagem do prazo inicia com a deliberação. Mais considerando que as situações como as que são apontadas no Acórdão recorrido não são casos análogos e como tal não podem ser aplicadas por via do artigo 10.º do CC, nem se trata de prazo de caducidade, nem o prazo de 90 dias é o aplicável nem a sua contagem inicia nos termos do acórdão recorrido.
32-Mesmo por via de caso análogo, ou pela via do artigo 10.º, n.º 3 do CC, jamais seria um prazo de 90 dias, quanto muito e pelos motivos supra alegados, o prazo de 5 anos.
33-O(s) comportamentos relevantes do sócio que justificam a exclusão judicial do sócio podem revestir várias modalidades:
um único ato isolado que justifique; um único ato isolado que justifique; ou uma sucessão de atos/condutas idênticas ou distintas (facto complexo) e o início da contagem do prazo deverá ter em consideração a natureza do facto em causa (facto isolado ou complexo), nesse caso, iniciando-se apenas quando cessar o comportamento, sendo a caducidade um facto extintivo cujo ónus da prova recai sobre o Réu.
34-Entende a Recorrente que a jurisprudência deve ser uniformizada e, estando em causa as circunstâncias patentes, quer no acórdãorecorrido, quer no acórdãofundamento, a decisão deve passar:
-pela tempestividade da deliberação e da interposição da ação de exclusão judicial de sócio,-não há omissão e a solução não carece de aplicação do regime do artigo 10.º do CSC-o prazo para a exclusão de sócio numa sociedade por quotas (artigo 242.º do CSC) segue o regime do prazo ordinário de prescrição de 20 anos.-mesmo por via de caso análogo, ou pela via do artigo 10.º, n.º 3 do CC, jamais seria um prazo de 90 dias, quanto muito, e pelos motivos alegados, o prazo de 5 anosos apontados casos análogos no acórdão recorrido, não são análogos e como tal não são aplicáveis como solução no âmbito do artigo 10.º do CC.-a contagem do prazo inicia-se com a deliberação de exclusão.
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Os Réus CC, AA e BB, ora recorridos, contraalegaram, concordando com a admissibilidade do presente recurso extraordinário, admissibilidade, porém, circunscrita à questão do prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios, nos termos do artigo 242.º do CSC; e pugnando pela fixação de jurisprudência de acordo como o acórdão recorrido e, em consequência, pela sua confirmação.
Para tanto, o recorrido CC apresentou as seguintes conclusões:
“I. O Acórdão recorrido fez a correta interpretação do direito.
II. A Ré fundamenta que existiu na sentença que pretende revogada, errada apreciação da matéria de facto, no sentido que, segundo expõe, o “Tribunal “a quo” errou, pois, os fundamentos ocorreram há mais de 90 dias, e, aliás, os mesmos persistem, são permanentes e continuados até aos dias de hoje (conclusão 2).
III. Ou seja, pretende o recorrente que seja reapreciada a matéria de facto, inadmissível num Recurso para Uniformização de Jurisprudência.
IV. Na petição inicial a Autora não alegou o que em sede de recurso vem alegar, pois não articulou quaisquer factos ou até conclusões no sentido que os mesmos persistem, são permanentes e continuados até aos dias de hoje.
V. Entre nós vigora o princípio da estabilidade da instância-cf. artigo 260.º do CPC-sendo que, após a citação do Réu, a mesma deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
VI. Não tendo os RR. feito qualquer confissão nesta (e noutras) matéria, aliás, totalmente impugnada por eles, deve considerar-se não escrita ou rejeitada a possibilidade do conhecimento da alegação destempada que a conduta dos Réus/Recorridos persistem, são permanentes e continuados até aos dias de hoje.
VIII. A jurisprudência dos últimos anos vem decidindo exatamente no sentido do Acórdão recorrido, tendo reposto a jurisprudência do Ac. do STJ 11.11.1997, para a qual a aplicação do prazo ordinário de prescrição, de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), deve ter-se como liminarmente rejeitada, por ser de todo incompatível com as exigências de celeridade que são próprias do direito comercial, sendo de 90 dias o prazo entre a data do conhecimento dos factos e da deliberação da exclusão e o mesmo prazo entre esta e data da (presumida) citação para ação de exclusãocfr entre outros o Ac. TRG de 25/05/2016, processo 3160/13.7TBBRG.G1, o Ac. TRC de de 12/07/2022, processo 2999/21.4T8CBR-A.C1, o Ac. TRP de 14/12/2022, processo 5367/20.1T8VNG-A.P1 e quanto à doutrina no mesmo sentido, segue CAROLINA CUNHA, Código das Sociedades Comerciais em Comentário. (coord. Jorge M. Coutinho de Abreu), Vol. III, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2016, p. 579 e s.
XIX. Resulta da matéria provada que a) entre a data documentalmente provada por ata do conhecimento dos factos pela A. (31 de maio de 2022) até à data da deliberação de exclusão (21 de setembro de 2022) decorreram mais de 90 dias, exatamente 113 dias;
XX. Ou seja, o alegado direito da A. encontra-se precludido pelo esgotamento do prazo entre a data do conhecimento dos factos e da deliberação da exclusão.”.
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Por sua vez, os recorridos AA e BB apresentaram as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso tem por base as alegações apresentadas pela Recorrente, para uniformização de jurisprudência, considerando a invocada oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, entre o Acórdão recorrido (de 16 de janeiro de 2024) e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de outubro de 2003, no âmbito do processo 03A323, enquanto Acórdão fundamento.
II. Em síntese, pretende a Recorrente com o presente recurso a uniformização da jurisprudência em conformidade com o que decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão fundamento, no sentido de o prazo para a exclusão judicial de sócio numa sociedade por quotas, ao abrigo do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante, “CSC”), seguir o regime do prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil (doravante, “CC”).
III. Sucede que esta configura apenas uma tentativa por parte da Recorrente de modificar contra legem uma decisão transitada em julgado, quanto a aspetos que ou não configuram sequer matéria de direito ou não são objeto de qualquer conflito jurisprudencial.
IV. Designadamente, pretende a Recorrente que o alegado comportamento dos sócios ora Recorridos seja configurado como um facto continuado, o que havia já tentado no âmbito do recurso per saltum e que foi peremptoriamente negado pelo Tribunal, uma vez que tal facto não foi alegado (e muito menos provado) em sede própria. Foi, por outro lado, alegado e provado pelos Réus ora Recorridos, em sede de contestação, justamente o contrário, isto é, que não só não praticaram quaisquer factos ilícitos, desleais ou gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade, mas também que, mesmo que o tivessem feito, estes comportamentos não eram de qualquer forma reiterados ou continuados.
V. Por outro lado, a Recorrente invoca questões de direito que, não sendo objeto de qualquer oposição entre os dois acórdãos, extravasam completamente o âmbito deste recurso e devem ser, por isso mesmo, desconsideradas.
VI. Em concreto, reporta-se a Recorrente à questão de saber qual o momento em que se inicia o prazo (seja ele qual for) para o exercício do direito potestativo de exclusão judicial de sócio pela sociedade, nos casos em que o comportamento do sócio que o motiva configura um facto continuado.
VII. Nem nos autos nos quais foi proferido o Acórdão recorrido nem nos do Acórdão fundamento está em causa a prática de um facto continuado, sendo que, como é evidente, nenhum deles decide sobre o prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios quando o comportamento que a fundamenta configura um facto continuado.
VIII. E muito menos se trata, logicamente, de uma questão em relação à qual se encontrem os dois acórdãos em oposição, motivo pelo qual tal discussão não cabe aqui.
IX. De qualquer forma, e uma vez esgotadas todas as vias de recurso ordinário, não poderá o Tribunal pronunciar-se sobre se no caso está em causa um facto complexo e continuado, como pretende, ilegitimamente, a Recorrente, não podendo servir a presente instância (como não serve) de paliativo ou remédio para o que a Recorrente não fez em sede própria.
X. Seja como for, ficou já definitivamente assente, e com autoridade de caso julgado, o momento em que os gerentes da Autora tiveram conhecimento da ocorrência dos pressupostos do direito potestativo de exclusão judicial de sócio, traduzindo a ata da Assembleia Geral de 31 de maio de 2022 justamente o juízo de valor, por parte dos gerentes, sobre a(s) alegada(s) conduta(s) dos sócios aqui Recorridos, que fundaram, conforme alegado na petição inicial, a acção de exclusão judicial de sócios apresentada pela Recorrente nestes autos.
XI. De facto, torna-se evidente que o presente recurso não é mais do que (mais) um artifício utilizado pela Recorrente para reverter e ver modificada a decisão, transitada em julgado, quanto à matéria de facto, decisão que não merece, em todo o caso, qualquer censura.
XII. Acresce que a Recorrente admite e defende ainda a aplicabilidade do prazo de caducidade de 5 anos, previsto no artigo 174.º, n.º 1, do CSC, ao aludido direito de exclusão judicial de sócio. Contudo, nenhum dos dois acórdãos em apreço se pronuncia sobre a aplicabilidade do mesmo, motivo pelo qual também esta questão de direito deve ser totalmente desconsiderada.
XIII. Sempre se diga, de qualquer forma, que não é razoável crer que tivesse a Autora, como vem agora alegar, legitimidade para, em completa ignorância do prazo prescrito para o exercício do direito, “[esperar] por alguns desenvolvimentos futuros” ou “[aguardar] para ver se ocorre a prática de mais atos, de modo que do somatório resulte, com maior certeza, o preenchimento da cláusula geral do artigo 242.º”, sob pena de prolongarmos ad aeternum os prazos previstos para o exercício de um direito, em claro prejuízo, desde logo da segurança e certeza jurídicas.
XIV. Posto isto, e devendo ser o presente recurso expurgado das referidas questões, o cerne da questão de direito que foi efectivamente decidida em oposição pelos acórdãos em causa é o prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios, nos termos do artigo 242.º do CSC, considerando que a lei não alude a qualquer prazo.
XV. Por um lado, o Acórdão fundamento, despido de qualquer amparo doutrinal ou jurisprudencial, decide no sentido de ser aplicável o prazo geral ordinário de 20 anos, prescrito no artigo 309.º do Código Civil, contando-se tal prazo a partir da deliberação tomada pela sociedade para o efeito. Relativamente a este acórdão, importa ressalvar que o mesmo data de 07.10.2003, tendo, desde então, decorridos mais de 20 anos de produção jurisprudencial e doutrinal sobre esta matéria, sobrevivendo a posição neste aresto defendida, como adiante adensaremos, orgulhosamente só.
XVI. A Recorrente defende, na senda do Acórdão fundamento, que não há nenhuma situação de vazio normativo que careça de ser preenchida por analogia, o que, de resto, e como adiante melhor se verá, contraria, além do Acórdão recorrido, a vasta doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria.
XVII. Por outro lado, o Acórdão recorrido, no pressuposto da existência de uma lacuna, decide pelo recurso à analogia (legis e iuris) e pela existência não de um, mas de dois prazos a que está sujeito o exercício do direito de exclusão judicial de sócio nas sociedades por quotas:
um primeiro prazo a contar do conhecimento dos factos pelos gerentes da sociedade (para a tomada da deliberação pela sociedade) e outro a contar da deliberação (para a instauração da respectiva acção judicial).
XVIII. Em suma, no douto aresto do Supremo Tribunal de Justiça foi considerado que o direito da Autora, aqui Recorrente, tinha caducado uma vez que a deliberação para intentar a ação de exclusão judicial de sócios contra os Réus, aqui Recorridos, havia sido adotada decorridos (bem) mais que 90 dias após o conhecimento dos factos que a motivavam. Concluiu assim o douto Acórdão no sentido de negar a revista “por o invocado/pretenso direito de excluir os três RR. ter sido exercido fora de prazo pela A., o que, porém, aconteceu por se verificar a exceção perentória de caducidade (e não, como se sentenciou, a exceção perentória de prescrição), não tendo existido nenhum obstáculo processual para operar a respectiva convolação jurídica.
XIX. Importa sublinhar que o Acórdão fundamento apenas se pronuncia quanto à (não) aplicação analógica da norma do artigo 254.º, n.º 6, do CSC ao prazo para o exercício do direito de exclusão judicial de sócio previsto no artigo 242.º do mesmo Código. E, na verdade, não há oposição entre os acórdãos relativamente a essa questão, uma vez que também o Acórdão recorrido decide pela não aplicação analógica do disposto no artigo 254.º, n.º 6, do CSC ao direito de exclusão de sócio.
XX. São muito breves e pouco sedimentadas as considerações tecidas no Acórdão fundamento relativamente ao prazo aplicável ao exercício do direito de exclusão judicial de sócio. No Acórdão fundamento, o Tribunal, sem problematizar densificadamente a questão, limitou-se a decidir pela aplicação do prazo geral ordinário prescrito no artigo 309.º do CC, após afastar a aplicação analógica do prazo previsto no artigo 254.º, n.º 6, do CSC.
XXI. Entendeu o Tribunal que o disposto no artigo 254.º, n.º 6 não é analogicamente aplicável, uma vez que o direito de exclusão judicial de sócio previsto no artigo 242.º do CSC pertence à sociedade e não aos sócios, como no caso do artigo 254.º, n.º 6, do CSC, e considerando que o sócio, sobre o qual pende uma deliberação de exclusão da sociedade por via judicial, pode exonerar-se da mesma (cf. artigo 240.º, n.º 1, alínea b), do CSC), quando a sociedade não promover a sua exclusão judicial.
XXII. Segundo doutrina e jurisprudência adiante citadas, tal argumentação não será suficiente para afastar a aplicação analógica da mesma norma, ainda que o Tribunal, no Acórdão recorrido, também não tenha preferido essa aplicação analógica.
XXIII. De facto, o Tribunal entende que, por ser um direito que apenas a sociedade (e não os sócios) pode exercer, necessariamente por via de uma deliberação, (i) o prazo para o exercício desse direito só poderá começar a correr a partir dessa mesma deliberação, e, atendendo a essa mesma característica, (ii) não será de aplicar analogicamente o prazo previsto no artigo 254.º, n.º 6, do CSC.
XXIV. Porém, e desde logo quanto à primeira parte, crê-se ter o Tribunal incorrido num erro, uma vez que, ao assumir que o prazo para o exercício do direito de exclusão judicial de sócio só se inicia com a deliberação da sociedade nesse sentido, está a admitir e a permitir que, na prática, o direito possa ser exercido a todo o tempo, ad aeternum, uma vez que só a deliberação da sociedade nesse sentido faria iniciar o prazo de prescrição (no entendimento daquele Tribunal) do direito.
XXV. De acordo com a tese seguida no Acórdão fundamento, uma sociedade poderia ainda exercer o direito de exclusão judicial de sócio volvidos, por exemplo, 30 anos do conhecimento pela sociedade dos factos que fundamentam essa exclusão, nos termos do artigo 242.º do CSC, o que, evidentemente, prejudicaria e, mais, anularia por completo a existência de um prazo para o exercício do direito.
XXVI. Não é, pois, razoável crer que o Tribunal defende que, começando o prazo a correr apenas com a deliberação da sociedade para a exclusão judicial de sócio, não é aplicável nenhum prazo de prescrição ou caducidade para a tomada daquela deliberação, possibilitando-se, na prática, o exercício do direito a todo o tempo, bastando que a instauração da ação, face à deliberação tomada, seja tempestiva.
XXVII. Tal tese contraria os valores da certeza e da segurança jurídicas, assim como, mais concretamente, a regra geral estabelecida no artigo 298.º do CC, que determina que todos os direitos, como regra, devem ser exercidos dentro de certo prazo (à excepção dos direitos indisponíveis ou declarados imprescritíveis, que não é manifestamente o caso). É igualmente incompatível com o complexo normativo que é o Código das Sociedades Comerciais, onde se integram normas como as ínsitas nos artigos 186.º, n.º 2, e 254.º, n.º 6 do CSC, como adiante se explorará.
XXVIII. De resto, a regra fixada no artigo 306.º, n.º 1, do CC, quanto à prescrição, e a regra estipulada no artigo 329.º do CC, quanto à caducidade, são claras no sentido de o prazo respectivo começar a correr no momento em que o direito puder ser exercido, isto é, a partir do momento em que o seu titular tem conhecimento dos factos que o fundamentam.
XXIX. É também daí que os prazos fixados nas referidas normas do Código das Sociedades Comerciais (artigo 186.º, n.º 2, e 254.º, n.º 6) se iniciam com o conhecimento pela sociedade dos factos que permitem o exercício do direito.
XXX. São, aliás, unânimes as vozes sobre esta matéria pugnando pelo início do prazo com o conhecimento pelos gerentes da sociedade dos factos que fundamentam a exclusão judicial de sócio nas sociedades por quotas, e não se vê como poderia ser diferente no caso da exclusão judicial de sócio nas sociedades por quotas.
XXXI. A este respeito, e no que às sociedades por quotas concerne, importa referir que nos termos do n.º 3 do artigo 248.º do CSC, “a convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes”, impendendo, por esta via, sobre os gerentes, uma obrigação de convocar assembleia geral de sócios sempre que haja uma obrigação legal para tal ou sempre que tenham conhecimento de factos que devam ser sujeitos a deliberação dos sócios, o que é exatamente o que ocorre verificados determinados fundamentos que possam consubstanciar a exclusão judicial de determinado sócio. Por outro lado, sempre se diga que, verificada a inércia da gerência na convocação de uma assembleia geral para este efeito, a convocação pode ser solicitada por qualquer sócio, em virtude da conjugação do disposto no n.º 2 do artigo 248.º e no n.º 2 do artigo 375.º, todos do CSC.
XXXII. Em todo o caso, esta discussão acaba por ser irrelevante no caso sub judice, uma vez que, em sede própria, os Recorridos alegaram e demonstraram factualmente, que tanto os sócios como os gerentes da Recorrente, há muito (há bem mais que 90 dias) conheciam (se é que se pode falar sobre o conhecimento de factos inexistentes) os factos que utilizaram como fundamento para a presente acção de exclusão judicial de sócio.
XXXIII. Considerando a argumentação tecida no Acórdão fundamento (no sentido de não ser analogicamente aplicável o disposto no artigo 254.º, n.º 6, do CSC pelo facto de, neste caso, o direito em causa pertencer à sociedade e não aos sócios), parece, sempre ressalvado o devido respeito, que aquele Tribunal esqueceu o lugar paralelo que reside no artigo 186.º, n.º 2, do CSC, em que o direito de exclusão de sócio também pertence à sociedade (e não aos sócios) e pode ser exercido, repisa-se, “nos 90 dias seguintes àquele em que algum dos gerentes tomou conhecimento do facto que permite a exclusão”.
XXXIV. De todo o modo, e como o Acórdão fundamento só se pronuncia sobre a eventual aplicação analógica do artigo 254.º, n.º 6, do CSC, não se pode sequer dar por assente que aquele Tribunal considera, em oposição ao Acórdão recorrido, não ser analogicamente aplicável à hipótese em apreço o prazo previsto no artigo 186.º, n.º 2, do CSC.
XXXV. Já relativamente ao Acórdão recorrido, o Tribunal defende a existência não de um, mas de dois prazos de que uma sociedade por quotas dispõe para proceder à exclusão de sócios, discorrendo, por um lado, sobre a tempestividade da deliberação do órgão deliberativo interno sobre a propositura da acção de exclusão judicial e, por outro, sobre a tempestividade da subsequente propositura da acção de exclusão social.
XXXVI. Conforme decidiu o Tribunal no Acórdão recorrido, estamos perante uma omissão legal, uma vez que a existência de um prazo para exercer o direito de exclusão judicial de sócio por uma sociedade por quotas é algo que é naturalmente exigido pela ordem jurídica, atenta a teleologia e coerência do sistema normativo, sobretudo considerando que existem lugares paralelos, como o supramencionado artigo 186.º, n.º 2, do CSC.
XXXVII. Seria totalmente incongruente com a ratio do complexo normativo que o direito de exclusão de sócio pelas sociedades em nome coletivo estivesse sujeito a um prazo específico e já não o mesmo direito de exclusão de sócio pelas sociedades por quotas, além de, não sendo este um direito indisponível nem declarado imprescritível, valer a regra geral, no sentido de todos os direitos deverem ser exercidos dentro de certo prazo (cf. artigo 298.º do CC).
XXXVIII. Assim, uma vez que o direito em causa está sujeito por natureza a caducidade e a lei não estabelece qualquer prazo para o seu exercício, e interpretando o sistema normativo que é o Código das Sociedades Comerciais de forma integrada, torna-se evidente, como concluiu o douto Tribunal, que se está perante uma patente lacuna legal, e que não pretendeu o legislador que ao caso fosse aplicado o prazo geral ordinário previsto no artigo 309.º do CC, de 20 anos.
XXXIX. Posto isto, no Acórdão recorrido, o Tribunal decidiu, e crê-se que bem, no sentido de, por aplicação analógica do artigo 186.º, n.º 2, do CSC, a deliberação prevista no artigo 242.º, n.º 2, do CSC dever ser tomada no prazo de 90 dias a contar do conhecimento por algum dos gerentes dos factos que fundam a exclusão.
XL. O Acórdão recorrido discorre aprofundadamente sobre a analogia existente entre as normas, sendo que, no entendimento do Tribunal, que inteiramente se subscreve, estamos em ambos os casos perante a exclusão de sócios, perante o exercício do direito potestativo extintivo do qual é titular a sociedade, exercício que supõe um ato de livre vontade que, só por si, nuns casos, ou integrado por uma decisão judicial, noutros casos, produz um efeito jurídico que inelutavelmente se impõe ao sócio excluído.
XLI. Além disso, em ambos os casos estão em causa, conforme bem descreveu o Tribunal, condutas dos sócios passíveis de um juízo de desvalor, que tornam inexigível que a sociedade continue a suportar a permanência do sócio no seu seio e que o decurso do tempo só faz agravar (o que motivou a consagração pelo legislador do curto prazo de 90 dias para a sociedade manifestar a sua vontade de exercer o direito potestativo de exclusão).
XLII. Adiantou ainda o Tribunal, no Acórdão recorrido, que o princípio de não deixar protelar situações de incerteza, que o decurso do tempo só faz agravar é um princípio que está patente na norma do artigo 242.º do CSC, mas também noutras hipóteses em que identicamente estão em causa comportamentos que de algum modo podem colocar em crise o funcionamento da sociedade e a prossecução do fim social, para as quais o legislador fixou um prazo de 90 para a sociedade manifestar a sua vontade (isto é, as hipóteses previstas nos artigos 234.º, n.º 2, 241.º, n.º 2, e 254.º, n.º 6, todos do CSC).
XLIII. Apesar de o Tribunal concordar com a fixação do prazo de 90 dias para a adoção da deliberação e apesar de o referido princípio estar também presente nas referidas normas, entendeu que a melhor analogia é encontrada, quanto ao direito de exclusão judicial de sócio nas sociedades por quotas, no artigo 186.º, n.º 2 do CSC.
XLIV. De facto, tal como escrutinou e deixou bem claro o Tribunal, no douto Acórdão recorrido, a estrutura dos direitos previstos nas duas normas jurídicas, assim como os interesses que estas visam proteger, são muito semelhantes, e não só justificam a aplicação analógica da referida norma, como a exigem, por uma questão de coerência e unidade do sistema jurídico.
XLV. O facto de (i) um direito ser exercido no âmbito de uma sociedade por quotas e outro no âmbito de uma sociedade em nome coletivo, e bem assim de (ii) o exercício de um deles pressupor a instauração de uma acção judicial não configuram diferenças substanciais que justifiquem, considerada a lacuna legal, uma solução diversa para cada uma das hipóteses.
XLVI. Em concreto, nunca seria de defender, como pretende a Recorrente, que a natureza do direito de exclusão judicial de sócio, por exigir, além da deliberação social, a propositura de uma acção judicial, justifica de per si um prazo totalmente diferente, desproporcionalmente alargado, como se a necessidade de instauração de uma acção judicial tornasse inviável a consideração desse prazo para o exercício do direito, sobretudo quando a deliberação da sociedade tem já necessariamente de incluir os fundamentos sobre os quais sustentará a ulterior acção judicial, sob pena de não ser esta legítima. Tal como decidiu o Tribunal no Acórdão recorrido, “a fixação de um prazo limitado para intentar a exclusão judicial não colocará sequer especiais dificuldades à sociedade (uma vez que o objeto da ação já está ponderado/delimitado na deliberação prévia)”.
XLVII. De todo em todo, não será a forma de exercer o direito ou razões de pura conveniência que ditam o seu prazo, mas o enquadramento teleológico da norma, a ratio do sistema normativo e as exigências de celeridade do tráfego jurídico que orientam o Direito Comercial e Societário.
XLVIII. Contudo, e como se verá adiante, a significativa maioria da doutrina e jurisprudência defende que as restantes normas são também suscetíveis de aplicação analógica.
XLIX. Por outro lado, e quanto ao prazo para a propositura da respectiva acção judicial, o Tribunal, no Acórdão recorrido, decidiu no sentido de já não ser analogicamente aplicável o disposto no artigo 186.º, n.º 2, do CSC. No seu douto entendimento, tal acção deve ser proposta no igual prazo de 90 dias contados da deliberação que determinou a propositura da acção, mas agora por analogia iuris.
L. Face à inexistência de norma analogicamente aplicável, elaborou o Tribunal, nos termos do artigo 10.º, n.º 3 do CC, dentro do espírito do sistema, a norma ad hoc aplicável, ou seja, a regra geral e abstrata que contemple o tipo de casos em que se integra o caso omisso.
LI. Conforme melhor decidiu o Tribunal no Acórdão recorrido, essa norma terá de se inspirar do que se extrai dos vários casos regulados e de corresponder à aplicação de um princípio geral não expresso, sendo que “perpassa por todo o espírito do sistema e por todos os casos regulados uma aversão em relação ao protelamento de situações de incerteza”.
LII. É esse princípio que subjaz aos curtos prazos de 90 dias fixados nos artigos 184.º, n.º 5, 185.º, n.º 3, 186.º, n.º 2, 234.º, n.º 2, 240.º, n.º 3 e 254.º, n.º 6, do CSC, que impõe igualmente a fixação de um curto lapso de tempo entre a deliberação prevista no artigo 242.º, n.º 2, do CSC e a propositura da ação deliberada, e que afasta de todo que a sociedade não tenha prazo para intentar a exclusão judicial.
LIII. É dessa forma que o Acórdão recorrido conclui (posição que não merece censura) que a exclusão judicial de sócio prevista no artigo 242.º, n.º 1, do CSC deve ser proposta no prazo de 90 dias contados da deliberação que, nos termos do artigo 242.º, n.º 2 do CSC, determinou que a sociedade devia proceder à propositura de tal ação de exclusão judicial de sócio.
LIV. Assim, segundo o Acórdão recorrido, quanto ao prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios, temos não um, mas dois prazos:
um primeiro prazo de 90 dias, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão, prazo esse a contar do conhecimento dos factos (que geram a exclusão) por algum dos gerentes; um primeiro prazo de 90 dias, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão, prazo esse a contar do conhecimento dos factos (que geram a exclusão) por algum dos gerentes; e um segundo prazo, também de 90 dias, para proceder à propositura da ação de exclusão judicial de sócio, prazo esse a contar da deliberação que determinou a propositura da ação de exclusão.
LV. Quando o Tribunal, no Acórdão recorrido, escreve “[discordar] da generalidade da jurisprudência das Relações e deste Supremo” refere-se exclusivamente ao facto de entender que a extinção do direito de exclusão judicial de sócio previsto no artigo 242.º do CSC se dá por caducidade e não por prescrição, como veremos que a generalidade da jurisprudência defende. Não está o Tribunal a admitir não ser pacífica ou discordar da maioria da jurisprudência quanto ao prazo para o exercício do direito de exclusão judicial de sócio, como insinua a Recorrente, mas apenas da consequência do exercício intempestivo desse direito.
LVI. De resto, são pacíficas a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido da não aplicação ao aludido direito do prazo de prescrição geral ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º do CC.
LVII. Entende-se que o mesmo deve ser rejeitado por ser, além de incompatível com as exigências de celeridade do tráfego jurídico típicas do Direito Comercial e Societário (conforme decidiu o Tribunal em Primeira Instância), incompatível com o aludido princípio (não deixar protelar situações de incerteza, que o decurso do tempo só faz agravar), que funda designadamente a norma do artigo 242.º do CSC, nos termos melhor descritos no Acórdão recorrido.
LVIII. Se no direito de exclusão judicial de sócio, previsto no artigo 242.º do CSC, está em causa, como tem de estar, um comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, que tenha causado ou possa vir a causar à sociedade prejuízos relevantes, e visando esta norma a proteção da integridade da sociedade, não é concebível, nem mesmo credível, que a mesma sociedade, a partir do momento em que conhece os factos, continue passivamente a permitir a presença do sócio na vida societária, e possa vir a tolerar uma situação dessas (grave e causadora ou susceptível de causar prejuízos, reitera-se) durante anos! LIX. O prazo curto analogicamente aplicável pelo Acórdão recorrido nos termos referidos justifica-se plenamente se se tiver em conta que, se a sociedade consegue continuar a conviver com o sócio apesar do seu comportamento, isso não pode deixar de significar que o mesmo não é sentido como suficientemente grave para pôr em causa a sua permanência na sociedade. Por outro lado, estes prazos têm, genericamente, como função, não deixar protelar situações de incerteza, que o decurso do tempo só faz agravar.
LX. A verdade é que apenas o Acórdão fundamento, que data de 2003, defende a aplicação do prazo geral ordinário de 20 anos, prescrito no artigo 309.º do CC, não se podendo ignorar a multiplicidade de acórdãos proferidos nos últimos 20 anos em sentido totalmente oposto, sufragando, tal como a Sentença e o Acórdão recorrido, a aplicação analógica do disposto nos artigos 186.º, n.º 2 ou 254.º, n.º 6 do CSC e revelando à saciedade que aquela decisão de 2003 não firmou jurisprudência e que, pelo contrário, se estabeleceu uma sólida opinião doutrinal e jurisprudencial em sentido oposto.
LXI. Por outro lado, os únicos elementos, além do Acórdão fundamento, que a Recorrente invoca para sustentar a tese que pugna são duas referências doutrinais, sendo que um dos Autores que refere se limita a aderir ao mencionado acórdão sem sequer mencionar a jurisprudência e doutrina discordantes, e o outro se limita, sem justificação adicional, a adiantar que o prazo prescricional é o do artigo 174.º, n.º 1, do CSC.
LXII. Nos termos já melhor expostos em sede de Contestação, a nossa jurisprudência é rica em pronúncias sobre o tema em apreço, sendo praticamente unânime, por um ou por outro fundamento, em referir que é de 90 (noventa) dias o prazo para a sociedade proceder à exclusão judicial de sócio a contar do conhecimento dos factos pela sociedade, considerando alguns tribunais que a prescrição ocorre quando a deliberação de intentar a acção de exclusão judicial de sócio não é adoptada no prazo de 90 (noventa) dias a contar do conhecimento pela sociedade do facto que motiva a exclusão e a acção judicial não é intentada também no prazo de 90 (noventa) dias a contar dessa deliberação (tese seguida no Acórdão recorrido), e outros que a prescrição ocorre quando a acção de exclusão judicial de sócio não é intentada dentro do prazo de 90 (noventa) dias a contar do conhecimento pela sociedade do facto que motiva a exclusão.
LXIII. Por um lado, a propósito da tese de que o direito da sociedade em excluir judicialmente o sócio prescreve se a aludida deliberação não for adotada no prazo de 90 (noventa) dias a contar do conhecimento dos factos que a motivam, veja-se os supracitados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.1997 (processo 97A138), do Tribunal da Relação de Évora de 18.10.2012 (processo 2992/11.5TBSTB-A.E1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.03.2016 (processo 2837/13.1TBLRA-A.C1) e de 07.12.2022 (processo 2999/21.4T8CBR-A.C1) e do Tribunal da Relação do Porto de 07.13.2021 (processo 4019/19.0T8STS-A.P1).
LXIV. Por outro lado, defendendo a posição de que o direito da sociedade em excluir judicialmente o sócio prescreve se a acção judicial de exclusão dos sócios não for intentada dentro do prazo de 90 (noventa) dias a contar do conhecimento dos factos que a motivam, veja-se a posição adotada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2002 (processo 03A323), do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.25.2016 (processo 3160/13.7TBBRG.G1), do Tribunal da Relação de Évora de 10.18.2012 (processo 2292/11.5TBSTB-A.E1) e do Tribunal da Relação do Porto de 12.14.2022 (processo 5367/20.1T8VNGA.P1).
LXV. Apesar de divergências quanto ao regime análogo aplicável ou ao modo de contagem do prazo aplicável ao direito de exclusão judicial de sócio, a jurisprudência existente é praticamente unânime (sendo a única voz dissonante que se conhece, na jurisprudência, a do acórdão fundamento do presente recurso) quanto à não aplicação do prazo geral ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º do CC, e à existência de uma lacuna legal devendo o seu preenchimento ser realizado mediante recurso à analogia.
LXVI. Não poderá o silêncio do legislador ser valorado num sentido que ignore o contexto sistemático, teleológico e actualista da norma e despreze a exigência de igualdade que funda o recurso à analogia, retirando da não previsão de um prazo prescricional na norma do artigo 242.º do CSC a aplicação sem mais dos prazos gerais ordinários, previstos quer no CC, quer no CSC.
LXVII. Muito menos se admite esta conclusão quando há casos considerados análogos no mesmo Código, como as normas do artigo 186.º, n.º 2, 234.º, n.º 2 e 254.º, n.º 6, do CSC. Em especial, tanto no caso do artigo 186.º, n.º 2, assim como no caso do artigo 242.º do CSC, está em causa, sob a luz do aludido princípio, o direito próprio da sociedade de excluir um sócio com justa causa, isto é, um comportamento de um sócio grave e censurável, atentatório dos interesses da sociedade e susceptível de lhe causar prejuízo, e o direito da sociedade a, com esse fundamento, excluílo.
LXVIII. Segundo a doutrina e jurisprudência supracitadas (posição que não merece censura), em todos aqueles casos, está em causa um enquadramento e um conflito de interesses muito semelhante, que justifica por inteiro, desde logo por exigências de coerência normativa e justiça relativa, a mesma solução legal por parte do legislador.
LXIX. E, repisa-se, as diferenças que estes casos comportam (sob pena de constituírem casos verdadeiramente idênticos e não análogos), não sendo significativas e não afectando o igual enquadramento valorativo e teleológico das normas, não afastarão a sua caracterização como casos análogos.
LXX. Nem seria plausível acreditar que, a título de exemplo, tenha o legislador previsto o prazo de 90 (noventa) dias a contar do conhecimento dos factos para ser adoptada a deliberação de exclusão de sócio nas sociedades em nome colectivo e um prazo dezenas de vezes superior, de 5 ou de 20 anos a contar do conhecimento dos factos, para se proceder à exclusão de sócio nas sociedades por quotas! LXXI. Em prol da certeza e segurança do comércio e da estabilidade das relações e posições jurídicas, da mesma forma que a lei prevê a prescrição do direito de exclusão de sócio no prazo de 90 dias a contar do conhecimento dos factos para as sociedades em nome colectivo (artigo 186.º, n.º 2, do CSC), deve entender-se, logo por esta via, que há igualmente, por aplicação analógica dos referidos regimes, prescrição do direito de exclusão judicial de sócio de sociedade por quotas no prazo de 90 dias a contar do conhecimento dos factos ou comportamentos fundamentadores.
LXXII. De qualquer forma, o que é evidente e praticamente unânime é a não aplicação, pelos motivos expostos, do prazo geral ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º do CC, ao exercício do direito de exclusão judicial de sócio nas sociedades por quotas.
LXXIII. Por todo o exposto, não será de admitir a tese seguida no Acórdão fundamento ou a argumentação da Recorrente, devendo improceder integralmente a pretensão de uniformizar jurisprudência nesse sentido. “ * Por despacho proferido em 20-06-2024, foi o mencionado recurso admitido, nos termos e ao abrigo dos artigos 688.º, n.º 1 e 692.º, n.º 1, ambos do CPC, circunscrito, porém, em termos de objecto, ao prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios, nos termos do artigo 242.º do CSC, por se ter considerado existir uma contradição sobre a referida questão, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento invocado pela recorrente.
*
IIADMISSIBILIDDE DO RECURSO
Como é sabido, o despacho do Relator não vincula o Pleno das Secções Cíveis, pelo que importa aferir da admissibilidade do presente Recurso Extraordinário para Fixação de Jurisprudência (cf. artigo 692.º, n.º 4, do CPC) 2.
Importa, pois, aferir se o presente recurso extraordinário será de admitir.
Como ensina Abrantes Geraldes “a natureza extraordinária do recurso e o facto de visar a impugnação de um acórdão do Supremo impõe, naturalmente, que se deva ser rigoroso tanto no cumprimento dos requisitos materiais e formais, como na verificação desse cumprimento. A natureza “extraordinária” do recurso justifica que seja reservado para situações que inequivocamente preencham os pressupostos legais, com especial destaque para a verificação de uma verdadeira contradição jurídica essencial e para a demonstração do acórdão fundamento.” 3 Ora, dispõe o artigo 688.º, n.os 1, 2 e 3 do CPC, que 1-As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. 2-Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito. 3-O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.”
Da leitura da disposição legal supracitada decorre, assim, que a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) Contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão do Supremo, relativamente à mesma questão fundamental de direito;
b) Carácter essencial ou fundamental da questão de direito no tocante à qual se manifesta a divergência;
c) Identidade substantiva do quadro normativo em que se insere a questão;
d) Trânsito em julgado tanto do acórdão anterior como do acórdão recorrido, presumindo-se o trânsito do primeiro; e
e) O acórdão recorrido não estar em harmonia com jurisprudência anteriormente uniformizada pelo Supremo.
Como tem sido entendido de forma uniforme pelo STJ, a divergência de entendimento sobre a questão fundamental de direito deve assumir-se como essencial para a solução do caso concreto, configurando a ratio decidendi de ambos os acórdãos em confronto, não sendo de relevar a apreciação dispensada a questões meramente conexas, nem considerações que se assumam, na economia da decisão, como laterais (obiter dictum). A este propósito, o STJ tem vindo a entender, igualmente, que a admissibilidade do recurso extraordinário em análise pressupõe sempre a identidade do núcleo factual essencial4 considerado em ambas as decisões em confronto, exigindo-se, outrossim, que as decisões em confronto assumam posições diametralmente opostas.
No mesmo sentido, e a mero título de exemplo, vejam-se os Acórdãos do STJ de 06-10-2021 (Recurso para uniformização de jurisprudência 2622/19.7T8VNF-B.G1.S1-A), de 06-10-2020 (Recurso para uniformização de jurisprudência 765/16.8T8AVR.P1.S1-A), de 14-01-2020, (Recurso para Uniformização de Jurisprudência 5633/11.7TBVNG.P2-A.S1-A), de 28-03-2019 (Recurso para uniformização de jurisprudência 60/13.4TBCUB.E1.S1-A), de 29-01-2019 (Recurso para uniformização de jurisprudência 2303/01.8TVLSB.L2.S1-A) e de 10-01-2019 (Recurso para uniformização de jurisprudência 1522/13.9TBGMR.G1.S2-A).
No caso dos autos, a recorrente identifica a questão essencial relativamente à qual entende haver razões para uniformização de jurisprudência, a qual diz respeito a saber qual o prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão judicial de sócios, prevista no artigo 242.º do CSC.
Atendendo a que a exclusão prevista no normativo acabado de indicar, pese embora efetuada por via judicial, depende, porém, de uma prévia deliberação social, que tem por objeto a propositura da ação, coloca-se, desde logo e em primeiro lugar, a questão de saber qual o prazo para intentar essa ação de exclusão com fundamento na cláusula geral do artigo 242.º, n.º 1 do CSC, norma que não alude a qualquer prazo.
Sobre esta mesma questão essencial de direito, o acórdão recorrido entendeu existir uma lacuna legal e que, por aplicação analógica do artigo 186.º, n.º 2 do CSC (analogia legis), a deliberação prevista no artigo 242., n.º 2 do CSC deve ser tomada no prazo de 90 dias, a contar do conhecimento por algum dos gerentes dos factos que fundamentam a exclusão; e que, após tal deliberação, por analogia iuris, a ação de exclusão de sócio, prevista no artigo 242.º, n.º 1 do CSC, deve ser proposta no prazo de 90 dias contados da deliberação.
Diferentemente, o acórdão fundamento concluiu “que a sociedade não está obrigada a obedecer a qualquer prazo especial para o exercício do seu direito de exclusão de sócio. Terá de ter em conta tão só o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artº. 309.º do C. Civil [...]”
; sendo que “[...] o início do prazo para o exercício do direito de exclusão de sócio deve contar-se a partir da data da deliberação social.”.
Perante o exposto, é evidente a existência de conflito jurisprudencial entre a questão de direito a que se fez referência, a qual se assume, de resto, como fundamental na economia das decisões em confronto, tendo sido a resposta dada a tal questão determinante para o desfecho de ambos os pleitos.
Ao que ficou dito acresce que se verifica, in casu, identidade do quadro normativo em que a discussão se inscreveinterpretação a conferir ao artigo 242.º, n.º 1 do CSC-, sendo o quadro factual similar.
Porém, atendendo ao invocado pelos recorridos e assinalado no despacho liminar de admissão do recurso, a contradição invocada deve circunscrever-se ao prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios, nos termos do artigo 242.º do CSC, não havendo qualquer contradição/oposição quanto às demais questões invocadas pela recorrente. Como, e bem, referem os recorridos, nenhum dos arestos em confronto aborda a questão de saber se o comportamento dos sócios consubstancia um facto continuado, devendo, por isso, esta circunstância ser desatendida na delimitação do objecto do presente recurso, conforme consta aliás do despacho de admissão deste recurso.
Poderá ainda suscitar-se a questão da delimitação do âmbito da contradição/oposição de julgados, sendo certo que o acórdão fundamento se debruça apenas sobre o prazo de que dispõe a sociedade para a propositura da acção, com vista ao exercício do direito de exclusão de sócio, após a data da deliberação social que aprovou a instauração da acção. Não aborda a questão de saber qual o prazo de que dispõe a sociedade para proceder a tal deliberação. Contudo, afigura-se que essa circunstância não deve prejudicar a delimitação feita quanto ao objecto do recurso, visto que, tal como mais à frente melhor se evidenciará, “o prazo de que dispõe uma sociedade de quotas para proceder à exclusão de sócios”, nos termos do disposto no artigo 242.º do CSC, desdobra-se, necessária e logicamente em “dois prazos”.
Por fim, no que diz respeito às condições gerais de admissibilidade de recurso, cumpre assinalar que não se mostram verificados quaisquer obstáculos à admissibilidade do mesmo (cf. artigo 692.º do CPC).
Assim, tudo visto, acompanha-se a decisão de admissão de recurso anteriormente proferida.
IIIOS FACTOS
A factualidade dada como assente, provinda das instâncias é a seguinte:
a) A Autora é, desde 21.04.2017, uma sociedade comercial por quotas, da qual são sócios, além de outros, os Réus com as seguintes participações:
CC detém € 10,00, o que corresponde a 0,002 % do capital;
BB detém € 15.000,00, o que corresponde a 3,01 % do capital;
AA detém € 1.975,00, o que corresponde a 0,4 % do capital.
b) Nos termos da Ata da Assembleia Geral de sócios da Autora realizada aos 31.05.2022, na qual estiveram presentes ou representados os sócios detentores de 82,975 % do capital social, ficou expresso:
«
Tomou novamente a palavra o Presidente da Mesa da Assembleia Geral para instar o sócio e também gerente EE a fazer uma apreciação, a título meramente informativo, sobre as ações judiciais instauradas contra a empresa nos últimos anos.
Tomou então a palavra o sócio e gerente EE para informar os sócios que entre 2018 e 2020 foram movidos contra a empresa os seguintes processos judiciais, esclarecendo que foram todos julgados a favor da AVIC:
*734/18.3T8VCT-inquérito judicial-*2212/19.4T8VCT-anulação de deliberações sociais-*2437/20.0T8VCT-anulação de deliberações judiciais.
Foi então interrompido pelo sócio FF para pedir à gerência mais esclarecimentos sobre o tema dessas ações e a pessoa ou pessoais que as instauraram.
Em resposta a essa interpelação, e continuando com a informação que vinha prestando, o sócio EE esclareceu que nessas ações judiciais, muito embora, formalmente, o autor seja sempre o mesmo sócio CC que detém uma quota de 10 € (dez euros) que corresponde a 0,002 % do capital. Sendo que essa quota de 10 € lhe adveio, não por compra, mas por doação da sua Mãe, percebe-se que os seus dois irmãosAA e BB fazem parte de uma estratégia de atuação conjunta, em que, um deles figura como Autor (e não figuram os três como Autores) para que os outros dois sejam “testemunhas”, mas na verdade, fazem os três parte de um todo e de uma atuação conjunta, circunstâncias que os Juízos disso já se têm apercebido nos diversos julgamentos havidos.
Também nos julgamentos tem-se percebido a lealdade e ligação com grande proximidade da Mãe (ex-sócia) e dos seus três filhos para com DD, que detém empresas concorrentes da AVIC-a saber agência de viagens A…e a quinta 2.
Aliás, percebe-se que os ditos três irmãos sócios andam sempre e repetidamente, sob o falso pretexto de um pretenso direito à informação, a tentar obter informações e documentação que uma vez nas suas mãos, rapidamente podem chegar às mãos do referido concorrente.
Sendo de todos sabida e conhecida a fixação que esse concorrente tem com a empresa AVIC.
No processo de inquérito judicial já referido, o Tribunal percebeu a relação dos referidos três sócios entre eles e com o dito concorrente e reconheceu à gerência o direito de não responder a determinadas questões e pedidos de informação, por causa do risco de essas informações/documentos, uma vez na posse de tais sócios poderem ir parar às mãos do referido concorrente.
O sócio FF tomou novamente a palavra para exortar a empresa a tomar todas as cautelas adequadas a prevenir os riscos derivados dos factos acabados de enunciar.
Pediu a palavra o sócio BB para questionar o sócio EE a fim de esclarecer se a informação que prestou foi em seu nome pessoal, da empresa ou da gerência, uma vez que as mesmas contêm declarações que considera insultuosas e nas quais não se revê, respondendo o sócio EE que tinha agido em nome da gerência
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c) Nos termos da Ata da Assembleia Geral de sócios da Autora realizada aos 21.09.2022, foram votadas e aprovadas, com votos representativos de 82,97 % das participações/capital social, as deliberações de exclusão dos sócios Réus, bem como a propositura da competente ação judicial.
d) Em cumprimento das deliberações em sujeito, veio a Autora intentar a presente ação para exclusão judicial dos sócios AA, BB e CC, tendo a petição inicial dado entrada aos 20.12.2022 e tendo aqueles sido citados, respetivamente, aos 04.01.2023, 03.02.2023 e 07.03.2023.
IV-O DIREITO
Conforme já delimitado no despacho de recebimento deste recurso de uniformização de jurisprudência a questão fundamental de direito que constitui o objeto do presente recurso assenta em saber qual o prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para propor a ação de exclusão de sócios com fundamento no artigo 242.º, n.º 1 do CSC.
Porém, como a propositura de tal acção pressupõe a deliberação prévia dos sócios, nos termos do artigo 242.º n.º 2 do CSC, impõe-se necessariamente a análise da questão de saber qual o prazo de que disporá a sociedade para proceder a tal deliberação.
1-Enquadramento sucinto da questão
A presente acção incide sobre a problemática da exclusão judicial de sócios de uma sociedade por quotas.
Dispõe o artigo 242.º, n.º 1, do CSC, que “pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causarlhe prejuízos relevantes.”.
Determina, por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito legal, que “a proposição da ação de exclusão deve ser deliberada pelos sócios, que poderão nomear representantes especiais para esse efeito.”.
O artigo 242.º do CSC respeita à exclusão de sócio, que, por assentar numa cláusula geral da lei, não se concretiza por mera deliberação dos sócios, como sucede nos casos de exclusão com base em lei específica ou com base nos estatutos (cf. artigo 241.º).
No caso sob escrutínio, uma vez que o fundamento alegado para a exclusão dos réus como sócios da sociedade autora corresponde à cláusula legal genérica de exclusão de sócio contida no artigo 242.º, n.º 1 do CSC, estamos perante uma situação em que a exclusão do sócio ocorre necessariamente por via judicial.
Pese embora a pretendida exclusão seja operada por via judicial, deverá existir prévia deliberação societária no sentido da propositura da acção, conforme se extrai expressamente do n.º 2 do artigo 242.º do CSC.
Segundo Raúl Ventura5, a deliberação prevista no n.º 2 do artigo 242.º do CSC “tem por objeto a proposição da acção e háde basear-se em factos enquadrados no artigo 242.º, n.º 1. Não basta alegar, como fundamento da deliberação, de modo genérico, “comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade”, devendo ser especificados os factos que podem receber tal qualificação [...]”.
Os normativos acabados de citar não prevêem, porém, qualquer prazo, quer para a deliberação social que decide da propositura da ação judicial, quer para a efectiva entrada da acção em juízo, após a referida deliberação social.
Todavia, da ausência de um normativo que fixe um prazo de prescrição ou de caducidade para o exercício do direito ou da falta de convenção das partes a tal respeito não deriva, necessariamente, que o direito de deliberar e propor acção, com vista à exclusão de sócio, possam ser exercidos sem dependência de qualquer prazo.
Mal se compreenderia que um qualquer direito pudesse ser acionado sem qualquer limite temporal. Daí que seja a própria lei a prever um princípio geral de prescritibilidade dos direitos (cf. artigo 298.º, n.º 1 do CC). Já quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição (n.º 2 do mesmo dispositivo legal).
No conspecto doutrinário, o entendimento consolidado é o de que a prescrição é um instituto geral com aplicabilidade a todos os direitos que a lei não exclua ou que a lei ou a vontade das partes não submetam ao regime da caducidade. 6 A este propósito, Rodrigues Bastos anota precisamente que “a prescrição tem o fim social de eliminar o estado de incerteza resultante da falta de exercício de um direito em prazo preestabelecido” 7.
Por sua vez, Carolina Cunha8 defende que “do ponto de vista da estrutura, o direito de exclusão de sócio, se apresenta como um direito potestativo extintivo, do qual é titular a sociedade. O seu exercício supõe um acto livre de vontadevontade formada no seio do órgão deliberativo interno, que é a colectividade de sócios e expressa através de uma deliberação (cf. o artigo 246.º, n.º 1, alínea d) e 186.º, n.º 2) ou integrado por uma decisão judicial (cf. artigo 242.º, n.º 1 e 186.º, n.º 3) produz um efeito jurídico que inelutavelmente se impõe ao sujeito passivo, isto é, ao sócio excluído.”.
2-A solução do acórdão recorrido
Feito este enquadramento teórico e revertendo o foco para o caso concreto sob apreciação, vejamos, igualmente de forma sucinta, como o acórdão recorrido abordou e solucionou a questão:
O acórdão recorrido defendeu existir uma verdadeira omissão normativa que “constitui uma patente lacuna jurídica, na medida em que a questão da existência de um prazo para exercer o direito de excluir o sócio é algo que é exigido pela ordem jurídica.”
Acrescentou que “a leiatenta a teleologia e coerência do complexo normativonão pode deixar de conter um prazo para uma sociedade por quotas exercer o direito de excluir um seu sócio; aliás, a lei contém um tal prazo em relação ao caso paralelo da exclusão do sócio nas sociedades em nome coletivo (cf. art.º186.º n.º 2 do CSC) e a ordem jurídica, salvo quanto aos direitos indisponíveis e aos direitos declarados imprescritíveis, estabelece, “como regra”, que todos os direitos devem ser exercidos dentro de certo prazo (cf. artigo 298.º do C. Civil) e não que os mesmos possam ser exercidos sem qualquer limite temporal.”.
Entendendo estar perante uma patente lacuna legal, o acórdão recorrido afastou, por sua vez, a solução propugnada no acórdão fundamentoaplicabilidade ao caso, do prazo geral ordinário de 20 anos (do artigo 309.º do CC) e decidiu recorrer a normas que regulam hipóteses afins do caso omisso em apreço, como é o caso da hipótese regulada no artigo 186.º, n.º 2 do CSC, em que, a propósito da exclusão de sócio nas sociedades em nome coletivo, se estabelece que a exclusão deve ser deliberada “nos 90 dias seguintes àquele em que algum dos gerentes tomou conhecimento do facto que permite a exclusão”.
Prosseguindo em tal raciocínio, escreve o acórdão recorrido:
“Estamos em ambos os casosna hipótese prevista em tal artigo 186.º/2 do CSC e no nosso caso, previsto no art. 242.º do CSCperante a exclusão de sócios, perante o exercício do direito potestativo extintivo do qual é titular a sociedade, exercício que supõe um ato de livre vontadevontade formada no seio do órgão deliberativo interno que é a coletividade de sócios e expressa através de uma deliberação (cf. art. 246.º/1/c)-que, só por si, nuns casos, ou integrado por uma decisão judicial, noutros casos, produz um efeito jurídico (a perda de qualidade de sócio, ou seja, a extinção da relação jurídica que permanentemente liga o sócio à sociedade) que inelutavelmente se impõe ao sujeito passivo, isto é, ao sócio excluído.
Sendo que em ambos os casoscomo nos outros casos de exclusão de sócios previstos no CSC, como são os casos dos arts. 186.º/3 e 241.º-o reconhecimento do direito potestativo de exclusão do sócio exprime, verificando-se os casos previstos na lei e/ou no contrato, a prevalência atribuída (no conflito de interesses que opõe o interesse do sócio em permanecer na sociedade ao interesse da sociedade em afastar o sócio) ao interesse da sociedade em detrimento do interesse do sócio.”.
Conclui, dizendo que “terá sido por istopor estarem em causa comportamentos que perturbam a vida e convivência societárias, por estarem em causa comportamentos que geram situações de incerteza e que o decurso do tempo só faz agravarque o legislador estabeleceu, no referido artigo 186.º/2 do CSC, um curto prazo de 90 dias para a sociedade manifestar a sua vontade de exercer o direito potestativo de exclusão”.
Por sua vez, quanto ao prazo que deve decorrer entre a tomada de deliberação societária e a efetiva propositura da ação judicial, o acórdão recorrido vai mais longe e propugna que “perpassa por todo o “espírito do sistema” e por todos os casos regulados uma “aversão” em relação ao protelamento de situações de incerteza:
as tomadas de posição da sociedade e dos sócios-a vontade de amortizar, de se exonerar, de excluir e de destituirtêm que ser tomadas rapidamente, num prazo repetidamente fixado em 90 dias (cf. 184.º/5, 185.º/3, 186.º/2, 234.º/2, 240.º/3 e 254.º/6, todos do CSC)”.
É com base nesta argumentação, que o acórdão recorrido conclui “Temos, pois, quanto ao prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sóciosnão um, mas dois prazos:
um primeiro prazo de 90 dias, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão, prazo esse a contar do conhecimento dos factos (que geram a exclusão) por algum dos gerentes; um primeiro prazo de 90 dias, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão, prazo esse a contar do conhecimento dos factos (que geram a exclusão) por algum dos gerentes; e um segundo prazo, também de 90 dias, para proceder à propositura da ação de exclusão judicial de sócio, prazo esse a contar da deliberação que determinou a propositura da ação de exclusão.
Prazos estes que, não sendo exercidos tempestivamente, farão o direito de exclusão caducar, ou seja, o direito de exclusão de sócio, ultrapassados tais prazos, não se extingue por prescrição (no que, com todo o respeito, discordamos da generalidade da jurisprudência das Relações e deste Supremo) mas sim por caducidade.”
3-A solução do acórdão fundamento
Diferentemente, defendeu o acórdão fundamento9 o seguinte:
“Só a sociedade, após deliberação dos sócios, em Assembleia Geral, tem o direito de, por ser judicial, propor a exclusão de um sócio.
Por esse motivo, o conhecimento anterior pelos sócios ou sócio de factos, que consubstanciem comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade praticados por um outro sócio, não lhes dá legitimidade para isolada ou conjuntamente intentarem a referida acção.
O direito à exclusão de um sócio pertence, pois, à sociedade e não aos sócios.
O mesmo não se diga no caso da destituição do gerente, com justa causa, uma vez que, neste contexto, qualquer sócio a pode requerer intentando acção contra a sociedade, nos termos conjugados dos artigos. 254.º, n.os 1 e 5 e 257.º, n.º 1, do C.S. Comerciais.
É nesta perspectiva que se tem de entender o disposto no n.º 6 do artigo 254.º deste Código, que diz:
“Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente, ou em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados no início dessa actividade.”
Efectivamente, podendo o sócio ou sócios, por si intentarem acção de distribuição10 de gerente sempre se teria de encontrar um prazo de tempo razoável para o exercício do direito respectivo, a fim de tornar clara, transparente e eficaz a gerência da sociedade.
Será que este prazo de 90 dias fixado no n.º 6 do artº. 254.º da C. S. Comerciais, para o exercício do direito da destituição do gerente, pode ser aplicado para o exercício do direito de exclusão de sócio? É nosso entendimento que não.
Desde logo, porque os sócios, isolada ou conjuntamente, não têm legitimidade para a propositura desta acção, embora possam ter conhecimento de factos que possibilitassem tal propositura antes da deliberação social.
O direito de exclusão judicial do sócio pertence à sociedade e não aos sócios.
Depois, porque o sócio, sobre o qual pende uma deliberação de exclusão da sociedade por via judicial, pode exonerar-se da mesma, nos termos do disposto na alínea b), n.º 1, artº. 240.º do C. S. Comerciais, ou seja, quando a sociedade não promover a sua exclusão judicial.
Quer isto dizer, que a sociedade não está obrigada a obedecer a qualquer prazo especial para o exercício do seu direito de exclusão de sócio.
E, assim, conclui que a sociedade “terá de ter em conta tão só o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no art.º309.º do CC [...]”.
4-Do entendimento jurisprudencial
Vejamos, de seguida, a jurisprudência que se tem vindo a pronunciar sobre o tema, sem preocupação de elenco exaustivo, mas tão só exemplificativo de alguma diversidade no tratamento do tema.
1-No sentido propugnado pelo acórdão recorrido:
a) Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça O Acórdão do STJ de 11-11-199711 decidiu que “I-Em sociedade por quotas, o direito de exclusão judicial de sócio por comportamento desleal, previsto no artigo 242 números 1 e 2 do CSC, em que se inclui o de indemnização pelos respectivos danos, está sujeito ao prazo de prescrição de 90 dias, a contar do conhecimento, pelos sócios, do facto que serve de fundamento à exclusão, por aplicação analógica do disposto nos artigos 186 n.º 2 e 254 n.º 6 do citado Código (seu artigo 2.º).
IIInvocada a prescrição por aquele a quem aproveita, o seu conhecimento judicial pode basear-se em norma jurídica ou prazo prescricional diversos dos alegados (artigos 303.º do CC e 664.º do CPC).”
O prazo considerado no acórdão, aplicado por analogia, corresponde ao entendimento defendido no acórdão recorrido, contudo o mesmo é qualificado como prazo de prescrição ao invés de caducidade, como no acórdão recorrido.
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No acórdão de 05-05-201512, além de outras questões, diversas daquelas que para aqui importam directamente, foi tratada a questão da “prescrição do direito de exclusão do sócio”, concluindo-se que, no caso, não se verificava a prescrição. Contudo, ali se pode ler que:
“A lei exige o prazo de 90 dias para o caso de os factossituação que possam engolfar realidades factuais que possam conduzir à exclusão de algum dos sócios serem do conhecimento dos gerentescf. n.º 2 do artigo 186.º do Código das Sociedades Comerciais.”
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No acórdão datado de 31-05-202313, também a propósito do prazo a aplicar ao direito de exclusão do sócio, escreve-se o seguinte “quanto ao prazo de que dispõe a sociedade para exercer o direito de excluir o sócio (deliberando a exclusão ou adotando a deliberação que dá azo à propositura da ação judicial), a lei é omissa, porém, deve entender-se, “por aplicação analógica do art. 241.º e sua remissão para o art. 234.º/2 do CSC, que a sociedade terá 90 dias, a contar do conhecimento dos factos por algum dos gerentes, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão”
; sendo que a inobservância de tal prazo faz caducar o direito da sociedade a excluir o sócio.”
b) Jurisprudência dos Tribunais da Relação No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-02-202214 decidiu-se igualmente que “o prazo de prescrição para exercício judicial pela sociedade do direito de exclusão de sócio, é de 90 dias a contar do conhecimento do facto ou comportamento fundamentador, por aplicação analógica do disposto nos artigos. 241.º e 234.º”, remetendo para o decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18-10-2012.
Também no acórdão do mesmo Tribunal de 14-12-202215 se seguiu o mesmo entendimento de que “o prazo de prescrição para exercício judicial pela sociedade do direito de exclusão de sócio, é de 90 dias a contar do conhecimento do facto ou comportamento fundamentador, por aplicação analógica do disposto nos arts. 241.º e 234.º”.
O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-202216 decide também que “Para o exercício do direito de exclusão judicial de sócio a que se reporta o artigo 242.º do CSC, por meio de deliberação societária, determinante da propositura da ação judicial correspondente, é de aplicar, por analogia, o prazo de 90 dias a que se referem os arts. 241.º, n.º 2, e 234.º, n.º 2, do CSC.” E ainda considerando que as sociedades “enquanto pessoas coletivas, só podem agir (e conhecer e querer) por meio dos titulares dos seus órgãos, quando a lei determina o prazo para o exercício de qualquer direito por aquelas, faz reportar o início da sua contagem ao tempo do conhecimento dos factos em causa pelos respetivos sócios ou gerentes.”
No Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão de 25-05-201617, seguiu-se igual entendimento, segundo o qual “nas sociedades por quotas o prazo para o exercício judicial pela sociedade do direito de exclusão de sócio é de 90 dias a contar do conhecimento dos factos ou do termo da cessação da conduta infractora, por aplicação analógica do disposto das normas dos artigos 234.º, n.º 2, e 241.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais.”
No Tribunal da Relação de Lisboa, o recente acórdão de 19-12-202418 considerou “[...] ser de 90 dias o prazo para o exercício do direito de exclusão de sócio. Com efeito, não prevendo o artigo 242.º do CSC qualquer prazo para o exercício de tal direito, tem sido entendido pela jurisprudência fixálo, precisamente, em 90 dias, por aplicação analógica quer do artigo 254.º, n.º 6 do CSC (prazo para a destituição de gerente com justa causa), quer dos artigos 241.º e 234.º do CSC (regime da exclusão baseada em fundamento legal ou contratualmente delimitado, que remete por sua vez para o prazo de amortização). A doutrina, tal como a jurisprudência mais recente, tem preferido a segunda opção, ou seja, que, por analogia com o disposto nos artigos 234.º, n.º 2 e 241.º, n.º 2 do CSC, a acção judicial deve ser proposta (sob pena de caducidade), no prazo de 90 dias contados do conhecimento do facto fundamentador da exclusão”.
Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 18-10-201219, acerta pelo mesmo diapasão, ao decidir que “nas sociedades por quotas o prazo para o exercício judicial pela sociedade do direito de exclusão de sócio é de 90 dias, a contar do conhecimento dos factos pelos sócios ou do termo da cessação da conduta infractora.”
4.2-No sentido propugnado pelo acórdão fundamento
Para além do próprio acórdão fundamento, nenhum outro acórdão do STJ ou das Relações foi localizado a defender idêntico entendimento (no sentido de ser aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos para a propositura de ação judicial com vista à exclusão do sócio).
5-A decisão do caso concreto
a) Prazo de que dispõe a sociedade para exercer o direito de exclusão judicial de sócio Perante a supra exposta divergência de entendimento, sendo certo que há muito se vem consolidando a Jurisprudência deste Supremo no sentido propugnado pelo acórdão recorrido, vejamos quais os argumentos jurídicos a favor de cada uma das teses a fim de nos habilitarmos a tomar posição por aquela que se nos afigura mais acertada.
Como já ficou delineado, situamonos no âmbito do direito de exclusão judicial de sócio, nas sociedades por quotas que, nos termos do artigo 242.º, n.os 1 e 2, do CSC20, depende de uma prévia deliberação dos sócios que tem de ser seguida pela propositura de ação judicial peticionando, a título principal, a exclusão do sócio.
Temos, assim, dois momentos distintos a considerar:
a prévia deliberação dos sócios e, posteriormente, a acção judicial.
Todavia, aquele normativo não prevê qualquer prazo para o exercício do direito de acção de exclusão de sócio importando, assim, definir qual o prazo em que deve ser produzida a deliberação social tendente à propositura da ação de exclusão, por um lado, bem como qual o prazo para a apresentação da acção respetiva, por outro.
Vejamos, em primeiro lugar a questão de saber como definir o prazo para a realização da deliberação social:
Os fundamentos para a exclusão de sócio consistem normalmente num comportamento ou numa situação pessoal do sócio que impossibilite ou dificulte a execução do fim social estipulado, tornando-se assim insuportável para os restantes sócios a permanência daquele na sociedade.
Estamos, por conseguinte, perante um direito potestativo extintivo do qual é titular a sociedade, previsto para disciplinar um conflito de interesses entre a sociedade e o sócio, cujo reconhecimento exprime a prevalência do interesse da sociedade na saída do sócio da sociedade sobre o interesse do sócio de nela permanecer ou de não sair dela sem ou contra a sua vontade.
Ora, dispõe o art.º242.º, sob a epígrafe “exclusão judicial de sócio”
:
“1-Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causarlhe prejuízos relevantes.
2-A proposição da ação de exclusão há de ser deliberada pelos sócios, que poderão nomear representantes para o efeito.
3-Dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença de exclusão deve a sociedade amortizar a quota do sócio, adquirila ou fazêla adquirir, sob pena de a exclusão ficar sem efeito.”
Resulta, portanto, da citada disposição legal, que a exclusão de sócio depende da verificação cumulativa de dois requisitos:
(i) Um comportamento do sócio, desleal ou perturbador do funcionamento da sociedade, (ii) Que esse comportamento do sócio tenha causado ou possa vir a causar à sociedade prejuízos relevantes.
A relevância do comportamento desleal para efeitos de exclusão do sócio resulta, da submissão dos sócios a um dever de lealdade em relação à sociedade. Esse dever dos sóciosque é um dever acessório de conduta em matéria contratual e um dever geral de respeito e de agir de boa fé, é caracterizado como um dever de conteúdo negativo que corresponderá, no essencial, ao dever de não actuar de modo incompatível com o interesse social. 21 Depreende-se, pois, que a exclusão de sócio está reservada para situações graves que prejudiquem (atual ou potencialmente) a sociedade, de forma relevante, pondo em causa o seu funcionamento e, em última instância, a sua sobrevivência, podendo dizer-se-como diz Coutinho de Abreu22, que “…subjaz à cláusula geral do n.º 1 do artigo 242.º a ideia de exclusão permitida somente como “fundamento importante”, como última ratio para que os restantes sócios prossigam normalmente a actividade social.”
Nesta mesma linha de pensamento se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça23, ao referir que “O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social, “enquanto elemento comum aos interesses dos sócios contratantes e meio contratual de satisfação dos seus interesses distintos”. Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social.
Daí que a sociedade só possa resolver o contrato em relação a determinado sócio, mediante a exclusão, quando este ponha em causa, não em função dos seus incumprimentos, mas dos seus efeitos, o interesse social (vide Luís Menezes Leitão, “Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais”, A.A.F.D.L., 1988, p. 41 e seguintes).
O sócio está, pois, obrigado a não violar deveres de conduta que possam causar prejuízos à sociedade.
Entre esses deveres acessórios apontam-se os de esclarecimento, de colaboração e de lealdade, deveres que fazem parte do conteúdo das obrigações, como exigências gerais do sistema jurídicocf. Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, I, 1994, 149.
A violação desses deveres acessórios de conduta é, nas sociedades por quotas, o fundamento de exclusão acolhido pelo art.º 242 n. 1 citado. Por um lado, tem de demonstrar-se factos atinentes ao comportamento do sócio violadores do dever de lealdade ou gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade e factos respeitantes ao prejuízo causado, que tem de ser significativo.”
Ora, como o artigo 242.º não indica qualquer prazo no qual a sociedade deva proceder a tal deliberação nem à propositura da acção de exclusão de sócio, importa averiguar se tal ocorre porque o legislador não quis sujeitar a sociedade a qualquer prazo especial para o exercício desse direito, Tal entendimento foi seguido no acórdão fundamento em que se concluiu que “a sociedade não está obrigada a obedecer a qualquer prazo especial para o exercício do seu direito de exclusão de sócio. Terá de ter em conta tão só o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.”
Segundo este ponto de vista, o facto de a norma não indicar um prazo para o exercício do direito, quer dizer que o titular está sujeito apenas ao prazo geral ordinário.
Não acompanhamos este entendimento.
E a razão de nos afastarmos desse entendimento consiste no facto de não fazer sentido que perante uma violação tão grave das obrigações do sócio, perante a sociedade, de tal modo que possa conduzir a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social, a ordem jurídica permita a permanência do mesmo na sociedade, em contradição com a defesa dos interesses da mesma, cuja prevalência decorre da figura legal da exclusão de sócio. Tal entendimento não é consentâneo com as exigências de celeridade do tráfego jurídico típicas do Direito Comercial e Societário. 24 Se no direito de exclusão judicial de sócio, previsto no artigo 242.º do CSC, está em causa, como tem de estar, um comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, que tenha causado ou possa vir a causar à sociedade prejuízos relevantes, e visando esta norma a proteção da integridade da sociedade, não é concebível, que a mesma sociedade, a partir do momento em que conhece os factos, continue passivamente a permitir a presença do sócio na vida societária, e possa vir a tolerar uma situação dessas, durante anos. E, por isso, admitir o prazo ordinário de prescrição de 20 anos para intentar uma acção de exclusão de sócio é de todo incompatível com as exigências de celeridade inerentes à vida societária. 25 Excluída a hipótese de o legislador ter pretendido que ao caso fosse aplicado o prazo geral ordinário previsto no artigo 309.º do Código Civil e perante a omissão de fixação de prazo, no normativo legal constante do artigo 242.º, importa averiguar se estaremos perante uma lacuna da lei a integrar nos termos do disposto no artigo 2.º do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, recorrendo a norma aplicável aos casos análogos, ou se, existirá uma norma geral prevista no Código das Sociedades Comerciais em cuja previsão se deva subsumir o presente caso.
Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça26, embora no âmbito de uma acção com vista à destituição de gerentes, com fundamento em justa causa, nos termos do art.º 257.º n.º 4 do CSC., entendeu ser aplicável o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 174.º do CSC, como “prazo regra”. 27 E não aplicou o disposto no artigo 254.º n.º 6-prazo de 90 diaspor considerar que tal norma sendo excepcional em relação à norma constante do artigo 174.º, não comporta aplicação analógica, conforme artigo 11.º do Código Civil.
Importa, porém, acentuar que o acórdão mencionado reconheceu que o exercício do direito da sociedade tendo em vista a destituição de gerente, com base em “justa causa” não estava abrangido pela alínea b) do artigo 174.º Porém, “atenta a teleologia imanente da norma em sede de prescrição de direitos” entendeu que “se deve empreender uma extensão teleológica do artigo 174.º 1 b) do CSC ao (não previsto na letra da norma)exercício judicial dos direitos da sociedade ou de sócios tendo em vista a destituição de administradores e gerentes[...]”
Importa, assim, questionar, perante o disposto no artigo 174.º do CSC, se o caso em análise deverá integrar-se na respectiva previsão. Sendo a resposta positiva, não estaremos perante uma lacuna da lei.
Vejamos o teor do artigo 174.º do CSC, sob a epígrafe “prescrição”
:
“1-Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos:
a) O início da mora, quanto à obrigação de entrada de capital ou de prestações suplementares;
b) O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade;
c) A data em que a transmissão de quotas ou acções se torne eficaz para com a sociedade quanto à responsabilidade dos transmitentes;
d) O vencimento de qualquer outra obrigação;
e) A prática do acto em relação aos actos praticados em nome de sociedade irregular por falta de forma ou de registo.
2-Prescrevem no prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b) do número anterior, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º
3-Prescrevem no prazo de cinco anos, a contar do registo da extinção da sociedade, os direitos de crédito de terceiros contra a sociedade, exercíveis contra os antigos sócios e os exigíveis por estes contra terceiros, nos termos dos artigos 163.º e 164.º, se, por força de outros preceitos, não prescreverem antes do fim daquele prazo.
4-Prescrevem no prazo de cinco anos, a contar da data do registo definitivo da fusão, os direitos de indemnização referidos no artigo 114.º
5-Se o facto ilícito de que resulta a obrigação constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, será este o prazo aplicável.”
Analisado o âmbito do artigo 174.º do CSC, especialmente o n.º 1 alínea b) por ser o segmento da norma que por ora releva, verificamos que para ser aplicado à acção prevista no artigo 257.º n.º 4, nos termos do acórdão citado, foi necessário recorrer a uma “extensão teleológica”, pelo que resulta por demais evidente que a deliberação dos sócios prevista no artigo 242.º n.º 2, como actividade que a sociedade tem obrigatoriamente de desenvolver, previamente à propositura da acção destinada à exclusão judicial de sócio, não está abrangida nem pela letra nem pelo espírito da norma.
A deliberação de sócios a que se refere o artigo 242.º n.º 2 do CSC não quadra com o regime de prescrição previsto no artigo 174.º, pois em causa neste artigo estão direitos de crédito e, correspectivamente “a obrigação de indemnizar a sociedade”.
Realça-se, desde já, uma dificuldade, de ordem literal, em aplicar o artigo 174.º n.º 1 b) do CSC ao caso em análise.
Vejamos:
Como bem observa Evaristo Mendes28, “o n.º 1 do artigo 174 do CSC contém duas normas:
primeira:
no seu corpo, prevê-se um prazo prescricional de 5 anos, designadamente, quanto ao exercício dos direitos da sociedade contra os sócios, enquanto tais, isto é, respeitantes à respectiva relação de socialidade. Segunda sobre o mesmo assunto, em três das suas alíneas, regula-se o início da contagem deste prazo.” 29
E assim o corpo do artigo começa por referir que “os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários [...], prescrevem no prazo de cinco anos [...]”
Porém, quando na alínea b) se regula o início da contagem do prazo, fixando-a “no termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário[...]”, o preceito, estranhamente, não se refere “aos sócios”. Porquê? Trata-se de esquecimento do legislador, ou intencional? Na verdade, o preceito em análise “não se afigura um primor de clareza e rigor jurídico” 30, contudo, em face desta omissão de referência aos “sócios” na alínea b) do artigo 174.º, permite pelo menos suscitar forte dúvida sobre a aplicabilidade desta norma ao caso em análise.
Por sua vez, na alínea d) do mencionado artigo 174.º, regula-se o início da contagem do prazo de cinco anos, na data do “vencimento de qualquer outra obrigação”.
Será que na previsão da alínea d) “se enquadra o dever geral de lealdade dos sócios (e de não perturbar o funcionamento da sociedade), presente no artigo 241.º n.º 1”? 31 Afigura-se que não. Nem a letra nem o espírito da norma parece consentir tal conclusão. Será o dever geral de lealdade dos sócios uma obrigação com uma data de vencimento? Crê-se não suscitar especiais dúvidas que o momento de vencimento de uma obrigação está relacionada com obrigações pecuniárias ou mesmo obrigações de facere ou non facere, mas onde não se pode incluir o dever geral de lealdade dos sócios, visto que não é uma obrigação sujeita a prazo de vencimento, sem que, mesmo assim, possamos dizer que nos encontramos no domínio das chamadas obrigações puras. 32 Por isso, não podemos acompanhar o entendimento de que exista no Código das Sociedades Comerciais uma regra especial de prescrição aplicável ao exercício do direito de exclusão judicial previsto no artigo 242.º do CSC. 33 Com efeito, não se afigura decisivo o argumento de que, não se contemplando qualquer prazo adicional de caducidade mais curto para os casos legais de exclusão, efectivável mediante deliberação social, não ser compreensível e sistematicamente coerente que semelhante exigência seja feita para a exclusão prevista no artigo 242.º, efectivável por via judicial.
Desde logo, a coerência do sistema fica salvaguardada se, para os casos previstos no artigo 241.º, for aplicável o mesmo prazo de 90 dias, como de resto tem sido igualmente defendido pela jurisprudência34. Por outro lado, sempre se poderiam encontrar razões que justificassem uma eventual diferença de regime, indagação que não é por ora oportuno realizar.
Em suma, os argumentos apresentados a favor da aplicabilidade, à exclusão judicial de sócio do prazo de prescrição previsto no artigo 174.º do CSC, não se afiguram decisivos.
Assim, afastada a aplicabilidade daquela norma, forçoso é verificar que estamos perante uma lacuna da lei, pois que o artigo 242.º não menciona qualquer prazo para a realização da necessária deliberação de sócios, pressuposto indispensável para a posterior propositura da acção de exclusão, tal como, de resto, concluiu o acórdão recorrido. 35 Estamos perante uma lacuna da lei quando o caso deva ser regulado juridicamente, mas para o qual a lei não dê resposta imediata36. Na verdade, “A leiatenta a teleologia e coerência do complexo normativonão pode deixar de conter um prazo para uma sociedade por quotas exercer o direito de excluir um seu sócio; aliás, a lei contém um tal prazo em relação ao caso paralelo da exclusão do sócio nas sociedades em nome coletivo (cf. art. 186.º/2 do CSC) e a ordem jurídica, salvo quanto aos direitos indisponíveis e aos direitos declarados imprescritíveis, estabelece, “como regra”, que todos os direitos devem ser exercidos dentro de certo prazo (cf. art. 298.º do C. Civil) e não que os mesmos possam ser exercidos sem qualquer limite temporal.”
Certo que estamos perante uma lacuna da lei, impõe-se a respectiva integração, ou seja, encontrar a norma jurídica que solucione o caso. 37 À integração das lacunas da lei se refere o artigo 10.º do Código Civil estabelecendo o seguinte:
“1-Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2-Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3-Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.”
Importa então, antes de mais, averiguar a existência de casos análogos legalmente regulados, caso em que se aplicará essa norma ao caso omisso.
E quando se verifica a analogia? Responde o n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil:
“sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.”
Ou, nas palavras de Manuel de Andrade38:
“[...] A analogia consiste na aplicação dum princípio jurídico que a lei põe para certo facto a outro facto não regulado, mas semelhante, sob o aspeto jurídico, ao primeiro.” (analogia legis)
Pode suceder, porém, que não exista caso análogo e então, conforme determina o artigo 10.º n.º 3 do Código Civil, é preciso reconstituir a norma com recurso “a um complexo de princípios jurídicos, a síntese deles e mesmo o espírito de todo o sistema (analogia iuris)” 39 Ora, começando pelo primeiro método de integração de lacunas, vejamos se existem no Código das Sociedades Comerciais (CSC) normas que visam a composição de interesses análogos aos que se discutem no caso em análise:
É o caso da norma constante do artigo 186.º n.º 2 do CSC em que a propósito da exclusão de sócio, nas sociedades em nome colectivo, se estabelece que “a exclusão deve ser deliberada [...] nos 90 dias seguintes àquele em que algum dos gerentes tomou conhecimento do facto que permite a exclusão”.
Em ambos os casos-o previsto no artigo 242.º e no artigo 186.º n.º 2-se regula o exercício do direito potestativo extintivo de que é titular a sociedade (artigo 186.º n.º 1), que culminará na perda da qualidade de sócio, exercício que supõe um acto de livre vontade formada no seio do órgão deliberativo interno que é a coletividade de sócios e expressa através de uma deliberação (cf. artigo 246.º/1/c)-que, só por si, nuns casos, ou integrada por uma decisão judicial, noutros casos, produz o efeito jurídico da perda de qualidade de sócio, efeito esse que se impõe ao sócio excluído.
Nem se diga que as sociedades em nome colectivo, a que se reporta o artigo 186.º, têm uma natureza substancialmente diferente das sociedades por quotas. As diferenças que obviamente existem, entre os dois tipos de sociedades não assumem relevo susceptível de afastar a analogia do regime quanto à exclusão de sócio, pelo contrário. Na verdade, “muitas sociedades por quotas são, na realidade, substancialmente análogas às SNC:
por um lado, dado o seu cunho personalístico; por um lado, dado o seu cunho personalístico; por outro lado, em virtude de a responsabilidade dos sócios só ser formal e residualmente limitada, dada a prática sistemática de estes garantirem pessoalmente os financiadores e principais credores.” 40
Por isso, afigura-se que se justifica a aplicação analógica do artigo 186.º n.º 2 do CSC Também no artigo 241.º do CSC estipula o seguinte:
“1. Um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato.
2-Quando houver lugar à exclusão por força do contrato, são aplicáveis os preceitos relativos à amortização de quotas.
3. [...]”
O artigo 241.º n.º 2 remete assim, designadamente, para o disposto no artigo 234.º (forma e prazo de amortização) que no n.º 2 estipula:
“A deliberação deve ser tomada no prazo de 90 dias, contados do conhecimento por algum gerente da sociedade do facto que permite a amortização”.
Estamos, igualmente, perante a previsão de exclusão de sócio nas sociedades por quotas, mas com base em fundamentos previstos no contrato, não carecendo de interposição de acção judicial, como no caso sub judice. 41 Ora, analisados todos os casos em confronto (artigo 186.º n.º 2, 241.º e 242.º) é patente que as diferenças entre os mesmos não são relevantes, para justificar uma diferença de regime, no tocante ao prazo de que a sociedade dispõe para realizar a deliberação social respectiva. Na verdade, o que sobressai é, antes, a similitude que resulta de todos os casos radicarem em condutas dos sócios passíveis de um juízo de desvalor de tal modo que tornam inexigível que a sociedade continue a suportar a permanência do sócio no seu seio.
E, certamente, foi por isso, como observa o acórdão recorrido que “por estarem em causa comportamentos que perturbam a vida e convivência societárias, por estarem em causa comportamentos que geram situações de incerteza e que o decurso do tempo só faz agravarque o legislador estabeleceu, no referido artigo 186.º n.º 2 do CSC, um curto prazo de 90 dias para a sociedade manifestar a sua vontade de exercer o direito potestativo de exclusão”.
Ora, tais razões que justificam a fixação de um prazo de 90 dias para a sociedade manifestar a sua vontade de exercer o direito potestativo de exclusão, no caso do artigo 186.º n.º 2, e também no caso do artigo 241.º, verificam-se igualmente no caso previsto no artigo 242.º, o que leva a concluir que estamos perante casos análogos.
Logo, pela regra constante do n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Código Civil, deverá aplicar-se ao caso previsto no artigo 242.º (caso omisso), o prazo de 90 dias, previsto nos artigos 186.º n.º 2 e 241.º (casos análogos).
Ainda o disposto no artigo 254.º n.º 5 e 6, 42 a propósito da destituição do gerente por exercício de atividade concorrente com a sociedade, em que se estipula os direitos da sociedade “prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente[...]”43, apresenta a mesma razão. Está em causa, igualmente, a defesa da sociedade em relação a comportamentos gravemente atentatórios dos interesses da mesma, por parte de um gerente. Esta similitude é suficientemente relevante para que possa ser considerado um caso análogo, não obstante a diferença assinalada de se tratar de um gerente e não de um sócio.
Assim, aplicando-se por analogia, maxime o disposto no artigo 186.º n.º 2, reforçado pelos outros preceitos mencionados, a deliberação a que se refere o artigo 242.º terá de ocorrer no prazo de 90 dias, a contar da data em que algum dos gerentes tomou conhecimento do facto que permita a exclusão. 44 * Mas, aqui chegados, ainda não temos uma resposta completa para a questão de direito que se nos coloca.
Como resulta, desde logo, da epígrafe do artigo 242.º, estamos no âmbito de uma “exclusão judicial de sócio”, que se distingue da simples “exclusão de sócio” prevista no artigo 241.º Naquela, realizada a deliberação dos sócios sobre a proposição da acção de exclusão, ainda é necessário, obviamente, interpor tal acção. 45 E pergunta-se:
qual o prazo, se é que existe um prazo, dentro do qual a sociedade terá de propor a acção, já que o artigo 242.º não o define?
E de novo, colocamos a questão, estaremos perante uma lacuna da lei, ou estará previsto esse prazo noutro preceito do Código das Sociedades Comerciais, designadamente o já citado artigo 174.º? Será que o exercício do direito de propor a acção de exclusão de sócio, nos termos do disposto no artigo 242.º n.º 2 estará sujeito ao prazo de prescrição previsto no referido artigo 174.º? Como já ficou explicitado supra, a propósito do prazo para proceder à deliberação de sócios, o prazo para a propositura da acção prevista no artigo 242.º não é susceptível de integrar-se em qualquer das previsões do artigo 174.º Desde logo, porque como ficará explicitado mais adiante, este prazo de propositura de acção é um prazo de caducidade e não de prescrição. Como se desenvolverá um pouco mais adiante, o que separa os institutos da prescrição e da caducidade é a diversidade da função do prazo:
num caso, fixa o lapso de tempo em que háde iniciar-se o exercício (caducidade); num caso, fixa o lapso de tempo em que háde iniciar-se o exercício (caducidade); noutro, limita a duração da negligência, da exigibilidade (prescrição). Ora, decorre de todas as situações previstas no artigo 174.º que se referem a fixação de um prazo para o exercício de direitos de créditomaxime direitos de indemnização. Assim sendo, em tudo o que o artigo 174.º não contempla, vigora o regime geral do Código Civilnomeadamente quanto à suspensão da prescrição e quanto à sua interrupção. Recorde-se ainda que o simples decurso do prazo não extingue o direito do credor, apenas transforma o lado passivo do vínculo em obrigação natural (artigo 304.º, 402.º e 403.º do Código Civil) 46. Assim, no caso de o devedor não invocar a prescrição e cumprir espontaneamente a prestação, não poderá repetila, já que o credor goza de soluti retentio. Bem se vê que, se todo este regime jurídico se adequa perfeitamente ao disposto no artigo 174.º do CSC, tal não sucede relativamente à questão em análise em que está em causa fixar um período de tempo durante o qual a sociedade poderá exercer o seu direito, em relação ao qual não existe a correspectiva obrigação por parte do demandado. Logo, não se coloca a questão de exigibilidade do direito do autor.
E, assim sendo, impondo-se concluir que o prazo de propositura da acção prevista no artigo 242.º não se integra em qualquer das previsões do artigo 174.º, está excluída a aplicabilidade do prazo de cinco anos ali definido.
Não encontrando no Código das Sociedades Comerciais norma que dê resposta à questão em análise, encontramonos de novo perante uma lacuna da lei.
Porém, neste caso, relativamente ao prazo para a propositura da acção, não encontramos no sistema jurídico norma que preveja caso análogo que possa ser aplicado por analogia legis, tal como ocorreu em relação à deliberação da sociedade.
Assim, nos termos do disposto no artigo 10.º n.º 3 do Código Civil, resta elaborar a norma que resulta do “espirito do sistema”. 47 Tal como bem se diz no acórdão recorrido “não se encontrando, como é o caso, uma disposição aplicável a um caso afim, a norma a constituir tem que se inspirar do que se extrai dos vários casos regulados, tem que corresponder à aplicação dum princípio geral não expresso.
E, claramente, podemos afirmar que perpassa por todo o “espírito do sistema” e por todos os casos regulados uma “aversão” em relação ao protelamento de situações de incerteza:
as tomadas de posição da sociedade e dos sócios-a vontade de amortizar, de se exonerar, de excluir e de destituirtêm que ser tomadas rapidamente, num prazo repetidamente fixado em 90 dias (cf. artigos 184.º/5, 185.º/3, 186.º/2, 234.º/2, 240.º/3 e 254.º/6, todos do CSC).
A fixação pela lei deste curto prazo de 90 dias, para que a sociedade e os sócios possam exercer os referidos direitos, nos sucessivos casos elencados, demonstra que o equilíbrio e coerência do sistema não admitiriam a ausência de prazo para a propositura da acção a que alude o artigo 242.º n.º 2 e antes exigem que entre a deliberação dos sócios ali prevista e o momento da propositura da acção decorra um curto período de tempo. Ora, extraindo dos demais mencionados preceitos legais um princípio comum concretizado numa justa medida temporal que foi aplicada às diversas situações em apreço, importa, em conformidade com o disposto no artigo 10.º n.º 3 do Código Civil, criar a norma que seria criada, se houvesse de legislar-se “dentro do espírito do sistema”, ou seja criar a regra geral e abstracta que contemple o tipo de casos em que se inclui o caso omisso.
Tal como ensina Manuel de Andrade48 “[...] embora o direito positivo não apresente disposição especial para certa matéria ou caso, há nele, porém, capacidade e força latente para a elaborar e contém germes de uma série indeterminada de normas não expressas, mas ínsitas e vigentes no sistema. Com efeito, se duma só disposição ou dum grupo de normas se deduz um princípio jurídico mais amplo, é de concluir, na dúvida, que, visto ter aplicado semelhante princípio no caso particular, a ordem jurídica o aprova na sua generalidade, e portanto todas as consequências que do princípio derivam.”
Da análise do grupo de normas mencionado resulta a consideração do prazo de noventa dias como aquele que concilia a celeridade necessária tendo em conta os interesses que estão em causa, mas também a garantia de um efectivo exercício dos direitos das partes envolvidas. A norma a constituir terá, pois, de inspirar-se naquilo que se deduz dos referidos preceitos, correspondendo à aplicação de um princípio geral, tal como é próprio da norma legal.
Assim, de acordo com o exposto, a norma a criar nos termos do disposto no artigo 10.º n.º 3 do Código Civil, a aditar ao artigo 242.º do CSC, terá o seguinte teor:
“A propositura da acção de exclusão de sócio deve ocorrer no prazo de 90 dias, a contar da data da deliberação dos sócios a que se refere o n.º 2.”
E, assim, não podemos deixar de concluir, tal como concluiu o acórdão recorrido, que o exercício do direito de exclusão judicial de sócio previsto no artigo 242.º do CSC pressupõe o cumprimento de dois prazos:
(i)o primeiro, de 90 dias, a contar da data em que algum dos gerentes tomou conhecimento do facto que permite a exclusão. Durante este primeiro prazo deverá ser deliberada pelos sócios a propositura da acção de exclusão. (ii) o segundo, de 90 dias a contar da data daquela deliberação, deve ser efectivamente interposta a acção de exclusão. 49
Há quem entenda que tal acção deverá ser proposta dentro do mesmo intervalo temporal, ou seja ainda antes de expirados os 90 dias a contar do conhecimento pelos sócios dos factos em que se baseia a exclusão. 50 Carolina Cunha embora inclinando-se para essa solução, não apresentando, contudo, argumentos a favor desse entendimento, refere antes ser sensível “às dificuldades práticas que se podem levantar, sobretudo na ausência de uma norma legal que claramente o imponha e que funcione como horizonte de previsibilidade para todos os envolvidos”.
Ora, é também por essas razões que aqui defendemos a existência de um segundo prazo de 90 dias, prazo esse a contar da deliberação que determinou a propositura da ação de exclusão, encontrado por analogia iuris, nos termos expostos. Na verdade, não obstante a necessidade de satisfação das exigências de celeridade do tráfego jurídico típicas do Direito Comercial e Societário, fundamentarem a defesa do prazo de 90 dias para a deliberação dos sócios a que se refere o artigo 242.º n.º 2, não pode ser razão para exigir que, também nesse mesmo prazo, devesse ser interposta a acção judicial. Desde logo porque tal único prazo de 90 dias para a convocação de uma assembleia geral, realização da mesma, seguida das diligências necessárias ao estabelecimento de mandato judicial e subsequente propositura da acção, seria um prazo demasiado curto que poderia inviabilizar, na prática, o pleno exercício do direito, por parte da sociedade. Por outro lado, tal entendimento conduziria ao esvaziamento da analogia encontrada com o disposto no artigo 186.º n.º 2, pois que, no caso de exclusão judicial de sócio, a sociedade nunca beneficiaria de um prazo de 90 dias para deliberar, mas de um prazo muito inferior.
Afigura-se estar desta forma prevenido o risco de “a sociedade propor acções precipitadas” 51, já que o comportamento do sócio que está em causa é um comportamento intolerável que põe em risco a própria sobrevivência da sociedade, logo, de tal modo manifesto que não colocará especiais problemas de prova. Esses factos terão de constar da acta da deliberação de sócios relativamente à propositura da acção, o que facilitará a elaboração da peça processual que dará início à acção. Por outro lado, dada a gravidade do comportamento em causa, deve o interesse da sociedade e do sistema económico sobrepor-se a qualquer tipo de condescendência relativamente ao sócio prevaricador.
Impõe-se, pois, concluir, quanto ao prazo de que dispõe uma sociedade por quotas para proceder à exclusão de sócios, que há dois prazos a considerar:
(i) um primeiro prazo de 90 dias, para realizar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão, a contar do conhecimento dos factos que fundamentam a exclusão, por algum dos gerentes e (ii)um segundo prazo, também de 90 dias, para proceder à propositura da acção judicial de exclusão, prazo este a contar da data da deliberação que determinou a propositura da ação de exclusão52.
b) Consequência jurídica do esgotamento dos prazos referidos Importa analisar a consequência jurídica que ocorrerá no caso de a sociedade, titular do direito em análise, não o exercer, deixando esgotar os referidos prazos. A questão está em saber se estamos perante um prazo de prescrição, neste caso de prescrição extintiva, ou um prazo de caducidade. Como distinguir a caducidade da prescrição extintiva? Ao regular o tempo e sua repercussão nas relações jurídicas, o Código Civil estabelece no artigo 298.º o seguinte:
“1. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.” E no n.º 2 estipula:
“Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”
Por si só, o normativo legal não nos esclarece de forma decisiva, sobre a questão colocada, pelo que muito útil será o contributo doutrinário.
Na verdade, como refere Vaz Serra53, “a caducidade não se distingue da prescrição pelo facto de se referir a prazos de propositura de acções. Estes prazos podem ser de caducidade, mas também podem ser de prescrição. Quando a lei diz que certa acção deve ser proposta em determinado prazo, nada nos elucida isso, sem mais, acerca da natureza do instituto que pretende considerar aplicável.”
Por sua vez, nota Manuel de Andrade54:
“[...] o fundamento específico do instituto prescricional [...] é a inércia do respectivo titular que ou significa renúncia ao seu direito ou de qualquer maneira o torna indigno de protecção jurídica [...]. O fundamento específico da caducidade é o da necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas de uma vez para sempre, com o transcurso do respectivo prazo.”
E sintetiza aquele Mestre, os aspectos em que se distingue a caducidade da prescrição extintiva:
-Pelo fundamento supra explicitado;
-Pelo objecto sobre o qual versa:
a prescrição é própria dos direitos subjectivos; a prescrição é própria dos direitos subjectivos; a caducidade é própria dos direitos potestativos; a prescrição é própria dos direitos subjectivos; a prescrição é própria dos direitos subjectivos; a caducidade é própria dos direitos potestativos;
-Pelo regime jurídico aplicável.
Será, pois, critério mais fidedigno para a classificação do prazo como de prescrição ou de caducidade a avaliação do fundamento subjacente à fixação desse prazo.
O que separa os institutos da prescrição e da caducidade é a diversidade da função do prazo:
num caso, fixa o lapso de tempo em que háde iniciar-se o exercício (caducidade); num caso, fixa o lapso de tempo em que háde iniciar-se o exercício (caducidade); noutro, limita a duração da negligência, da exigibilidade (prescrição) 55.
Não obstante as dificuldades que possam surgir aplicando estes critérios56, sendo certo que sempre casos particulares podem suscitar dúvidas específicas, cremos que os mesmos contribuem para uma melhor interpretação do disposto no artigo 298.º do Código Civil.
É certo que, de acordo com o disposto no artigo 298.º n.º 2 supra mencionado, quando a lei não referir expressamente que um determinado prazo é de prescrição, deverá entender-se que é de caducidade. Ora, dado que como já referido, não se podendo integrar os prazos em análise na previsão do artigo 174.º que define os direitos que estão sujeitos ao prazo de prescrição, forçoso será concluir, à luz do disposto no artigo 298.º do Código Civil que estamos perante prazos de caducidade. Acresce que à mesma conclusão se chega através da aplicação dos supra mencionados critérios doutrinários.
Não vemos, igualmente, qualquer obstáculo processual em requalificar os prazos em análise como de caducidade apesar da diferente qualificação que os Réus lhe atribuíram, face ao disposto no artigo 5.º n.º 3 do CPC.
c) Caducidade do direito da Autora Importa, por fim, averiguar se, perante a factualidade apurada, foram ou não ultrapassados os dois prazos de 90 dias de que a Autora dispunha para exercer o seu direito.
Conforme resulta da alínea b) dos factos provados, do teor da acta da assembleia geral de sócios, realizada em 31 de maio de 2022, e do cotejo entre os factos que constam dessa acta e os factos que são atribuídos aos Réus e que fundamentam o pedido de exclusão judicial dos mesmos, impõe-se concluir que os gerentes da Autora tinham conhecimento de tais factos, pelo menos nessa data. Tal significa que a Autora dispunha de um prazo de 90 dias para proceder à deliberação a que se refere o artigo 242.º n.º 2. Ou seja, a assembleia geral de sócios com a ali mencionada finalidade, deveria ter ocorrido até 29 de agosto de 2022.
Porém, tal não ocorreu. A assembleia geral de sócios da Autora em que foi deliberada a exclusão dos sócios Réus e a propositura da competente acção judicial, só ocorreu em 21 de setembro de 2022 (vide alínea c) dos factos provados).
Isto significa que, por ter deixado esgotar o referido prazo legal de 90 dias, a contar do conhecimento dos factos que fundamentam a exclusão, a Autora deixou caducar pelo não exercício tempestivo o invocado direito de excluir os sócios, ora Réus.
É certo que a presente acção de exclusão judicial de sócio, foi proposta no prazo de 90 dias, a contar da deliberação que determinou a propositura da ação de exclusão-21 de setembro de 2022-, já que a petição inicial deu entrada em juízo em 20 de dezembro de 2022. Porém, o cumprimento deste segundo prazo já não releva, dado que por força do esgotamento do primeiro prazo, a Autora já tinha deixado caducar o seu direito.
*
Improcedem, assim, as conclusões da Autora/Recorrente, confirmando-se o acórdão recorrido.
V-DECISÃO
Pelo exposto, acorda o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:
1-Julgar improcedente o recurso extraordinário interposto e confirmar o acórdão recorrido;
2-Uniformizar jurisprudência com o seguinte teor:
“A deliberação dos sócios a que se refere o artigo 242.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais deve ocorrer no prazo de 90 dias a contar da data em que os respectivos gerentes tiveram conhecimento dos factos que fundamentam a exclusão de sócio.
Por sua vez, a acção de exclusão deve ser proposta, no prazo de 90 dias, a contar da data dessa deliberação.
Caduca o direito da sociedade, caso não seja cumprido algum daqueles prazos.”
3-Custas a cargo da Recorrente.
*
Após trânsito em julgado, remeta-se certidão do acórdão para publicação na 1.ª série do Diário da República (arts. 687.º, 5, 695.º n.º 1, CPC).
Lisboa, 23 de setembro de 2025.-Maria de Deus Simão da Cruz Damasceno Correia (relatora)-Anabela Luna de CarvalhoOrlando dos Santos NascimentoCristina Tavares CoelhoRui Machado e MouraCarlos Portela-Arlindo OliveiraAntónio Domingos RobaloMaria dos Prazeres Pizarro BelezaGraça Amaral-Maria Olinda GarciaCatarina Serra-António Oliveira AbreuMaria João Vaz ToméAntónio Moura de MagalhãesAntónio Barateiro MartinsFernando Baptista de OliveiraMário Serrano-Luís Filipe Castelo Branco do Espírito SantoIsabel Salgado-Jorge LealEmidio Francisco SantosNelson Borges CarneiroLuís Fernando dos Santos Correia de MendonçaMaria do Rosário GonçalvesHenrique Antunes-Maria Clara Sottomayorvencida, de acordo com a declaração de voto da Conselheira Fátima GomesPedro de Lima Gonçalves (vencido, acompanho a declaração de voto da Exª Srª Conselheira Fátima Gomes)-Fátima Gomes, vencida, conforme declaração anexaJosé Maria Ferreira LopesAna Paula lobo, vencida pelas razões constantes da declaração de voto da Conselheira Fátima Gomes.
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Vencida, pelos seguintes fundamentos.
1-A exclusão do sócio da SQ por motivo que não esteja legalmente tipificado e não seja contratualmente definido no contrato de sociedadeisto é que corresponda à situação da clausula geral de exclusão do artigo 242.º do CSC-é apenas uma das situações reguladas na SQ para a exclusão de sócio.
As exclusões de sócio fundadas em motivos legalmente tipificados, ou com base em cláusula estatutária e a exclusão à luz do 242.º do CSC têm diferenças entre si, que não são só a fonte da situação que origina a exclusãomas se repercutem também no processo e consequências sobre a qualidade de sócio e sobre a perda da quota.
A regra fundamental e geral sobre a exclusão do sócio na SQ é o artigo 242.º, n.º 1, que diz:
1-Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causarlhe prejuízos relevantes.
Na exclusão por via judicial não estamos perante uma exclusão em que a deliberação societária seja o marco decisivo da extinção da participação social, porque a lei exige uma deliberação social e uma acção judicial.
Assim, não podemos ir buscar o paralelismo directo entre o prazo de 90 dias que consta do artigo 234.º, por via do artigo 241.º/2.
Na exclusão do artigo 242.º a deliberação social não afasta o sócio da qualidade de membro da organização, pois a lei exige que para além da deliberação haja uma sentença que decida pela exclusãodeliberação não é constitutiva da exclusão.
A exclusão fundada em cláusula tem a deliberação de exclusão como fonte da perda da qualidade de sócio, seguindo-se, à deliberação, o procedimento de destinação da “quota” correspondente à participação social excluída-seja por amortização seja por aquisição pela sociedade ou terceiro.
Assim, o prazo que a lei tem de 90 dias após a deliberação para decidir do destino na quotaex. 241/2, que remete para 234.º/2-não cumprem a mesma função que a interposição de acção judicial de exclusão de sócio cumpre no âmbito do artigo 242.º Isto significa que o artigo 242.º ao não ter estabelecido prazos para deliberar e para intentar a acção não contém lacuna, por se aplicar ao caso o regime do artigo 174.º do CSC, que estabelece o prazo de 5 anosprazo de prescrição.
A aplicação do prazo de 5 anos do artigo 174.º do CSC à exclusão do sócio pedida pela sociedade enquadra-se na letra do preceito e só uma solução que tenha um prazo razoável para esta exclusão tem justificação material.
É que esta exclusão é fundada na conjugação de vários comportamentos do sócio, isolados, e muitas vezes espaçados no tempo, que, quando analisados conjuntamente, podem vir a preencher o conceito legal aberto que motiva a exclusão. Ou dito de outra forma, é um facto constitutivo de produção sucessiva, em que não é fácil determinar qual o momento em que a sociedade considera que está preenchido o requisito “seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causarlhe prejuízos relevantes”.
A própria sociedade precisa de tempo para tomar consciência do facto-e os 90 dias apontados no projecto traduzir-se-iam em coartar essa possibilidade de análise dos sucessivos factos pois levaria a considerar por hipótese o conhecimento do primeiro facto, em desfavor de outros posteriores, que por si só não querem significar o sentido de “corte” envolvido na exclusão.
A situação não tem paralelo com a exclusão fundada em cláusula do contrato porque essa cláusula tem de ser precisa no sentido de se saber com clareza qual o facto que determina o seu accionamento.
Essa clareza do facto está presente igualmente nas situações de exclusão fundada em motivo legal especificado, como sucede com o sócio remisso.
É requisito da exclusão judicial a existência de comportamentos que violem os deveres de lealdade de forma tão grave que tornam inexigível que a sociedade continue a tolerar o sócio na sua esfera que a sociedade tem de alegar e provar numa ação de exclusão judicial de sócio.
Isso apenas é possível quando a sociedade adquirir consciência da situação de ruptura da lealdade-e os correspondentes elementos probatóriosnão apenas sobre um comportamento pontual, mas sim sobre o conjunto dos comportamentos do sócio, que pela sua extensão e gravidade permitem fundamentar a justa causa de exclusão e a inexigibilidade da manutenção do vínculo societário, pois só nesse momento é que a sociedade está em condições de demonstrar que os comportamentos do sócio em questão se enquadram na previsão do artigo 242.º, n.º 1, do CSC.
Considerar-se que o prazo para propositura de uma acção principal de exclusão judicial de sócio pode iniciar-se quando a parte ainda tem apenas um conhecimento meramente indiciário dos factos que fundamentam tal acção, implica que a acção está necessariamente condenada ao insucesso.
Uma interpretação normativa segundo a qual basta um mero conhecimento indiciário de comportamentos desleais do sócio para que se inicie o prazo de 90 dias para a propositura de uma acção de exclusão judicial de sócio impossibilita que as sociedades possam exercer de forma efectiva o direito que lhes é concedido no artigo 242.º do CPC, pois, na vasta maioria dos casos, atenta a natureza dos comportamento em questão e o ónus probatório imposto à sociedade, seria totalmente impossível à sociedade recolher toda a informação e prova de que necessita para que a acção de exclusão a propor possa ter a probabilidade de vir a ser julgada procedente.
A situação é ainda mais gravosa quando os prazos aplicáveis à propositura de acções da sociedade contra os seus sócios decorrentes do CSC são de 5 anosnos termos do artigo 174.º do CSC-sendo certo que neste dispositivo não se encontram apenas previstas situações relativas a direito de crédito, mas quaisquer direitos1 (questão que foi esclarecida pela doutrina no preceito correspondente do Cód. Comercialartigo 150.º-e que foi seguida em Ac do STJ de 6/5/1955 (BMJ 49.º, p. 530)-como indica Ferrer Correia/Lobo Xavier, in anotação jurisprudencialRDES, out-Dez 1965, ano XII, n.º 4 p. 32-3-incluindo-se ali também direitos potestativos).
A solução propugnada no projecto ao afirmar que visa proteger o interesse social conduz ao resultado oposto:
permitir a prevalência da manutenção da qualidade de sócio, sem possibilidade de discussão do verdadeiro interesse social, em prejuízo do interesse da sociedade em prosseguir sua missão económica e social com uma colectividade de sujeitos que cumpram os compromissos associados com a participação social societária adquirida e em unidade com o projecto empresarial comum.
A solução de considerar que a sociedade deve ter um prazo razoável-e de prescriçãopara decidir se deve propor a exclusão de um seu sócio, não obedece à letra nem ao espírito do artigo 174.º do CSC.
A solução de considerar que a sociedade tem um prazo de 90 dias desde o conhecimento de qualquer factoindício introduz um elemento de caducidade, de conhecimento oficioso, em matéria disponível e contrária ao interesse da sociedade; potencia a manutenção de funcionamentos disruptivos da própria sociedadeempresa, na sua ligação com a posição de sócios A solução de considerar que a sociedade tem um prazo de 90 dias desde o conhecimento de qualquer factoindício introduz um elemento de caducidade, de conhecimento oficioso, em matéria disponível e contrária ao interesse da sociedade; potencia a manutenção de funcionamentos disruptivos da própria sociedadeempresa, na sua ligação com a posição de sócios; conduz à propositura de acções tipicamente votadas ao insucesso por inexistência/dificuldade de recolha de meios de prova em tempo útil, quando a prova do facto excludente recai sobre a sociedade.
Quando muito, a interpretar-se o disposto nos artigos 234.º, n.º 2 (ex vi artigo 241.º, n.º 2), e 242.º CSC do CSC com vista a aplicar o prazo de 90 dias previsto na primeira norma referida, sempre teria de se fazer uma interpretação normativa segundo a qual o prazo de 90 dias em questão se inicia com o conhecimento cabal, efetivo e fundamentado da existência de justa causa de exclusão judicial do sócio, conjugando-se o prazo de caducidade com o de prescrição de cinco anos do artigo 174.º do CSC.
2-Sociedade em nome colectivo-A norma do artigo 186.º, n.º 1, alínea a) do CSC, que se pretende aplicar por analogia, na sua essência alude ao prazo de 90 dias a partir do conhecimento do facto ilícito, mas este prazo não é sempre e só de 90 dias:
-na primeira hipótese prevista, é de 90 dias a contar do conhecimento de violação grave de obrigações;
-na segunda hipótese prevista, é de 90 dias a contar da destituição de gerência-sendo que a destituição dos gerentes obedece a outra disposição legalem especial, é de admitir que tenha mesmo um direito especial à gerência e só possa ser afastado por via judicial (191.º, n.º 4, ou por via do n.º 7)-e daqui resulta ser um prazo superior a 90 dias a contar do facto culposo, que conduz à exclusão do sócio.
Há até a possibilidade de na primeira hipótese prevista no artigo 186.º, n.º 1, alínea a) se poder questionar o seguinte:
sendo o sócio também gerente (que é o normal-191.º, n.1), e havendo violação do dever de concorrência (180.º), aplica-se o prazo de 90 dias para o excluir? Ou pode a sociedade pretender primeiro a destituição de gerente, por esse fundamento, e depois a consequente exclusão de sócio? Neste caso, qual o prazo? 90 dias do conhecimento da actividade concorrente?
Talvez daqui resulte que o interesse da sociedade e o interesse do sócio não exigem que se estabeleça um prazo de 90 dias para qualquer exclusão por violação de deveres de sócio, sem atender a outros elementos.
3-Na Sociedade por quotasNo artigo 242.º-exclusão judicial em SQ-a situação do prazo para deliberar a propositura da acção de exclusão não está prevista, nem se justifica a aplicação analógica com o artigo 186.º, n.º 1, al. a), na parte em que exige uma deliberação tomada no prazo de 90 dias a contar do conhecimento do facto que pode determinar a exclusão por via judicial, quando a existência da acção;
A situação da exclusão judicial é específica e não deve ter o mesmo tratamento da exclusão por via de cláusula contratualem que o prazo de 90 dias é aplicável por via do artigo 241.º, n.º 2, que remete o artigo 234.º Vejamos agora o gerente que exerce actividade concorrente com a SQ Pode ser destituído por justa causa-n.º 5 do artigo 254.º (além de constituir justa causa…, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos sofridos).
Os direitos da sociedade (são doisdestituir; requerer a indemnização) previstos no n.º 5, conforme estabelece o n.º 6 prescrevem Os direitos da sociedade (são doisdestituir; requerer a indemnização) previstos no n.º 5, conforme estabelece o n.º 6 prescrevem:
-no prazo de 90 dias, a contar do momento em que TODOS os sócios tenham conhecimento da actividade exercida;
-no prazo de 5 anos, a contar do início da actividade.
Na SQ pode acontecer que o sócio seja simultaneamente gerente-e até que tenha um direito especial à gerência (257.º, n.3)-e nesse caso a sua destituição de gerente tem de ser por via judicial; o mesmo sucederá se a sociedade tiver dois gerentes apenas (257.º, n.º 5).
Este direito da sociedade de destituir o gerente também pressupõe uma deliberação tomada no prazo de 90 dias a contar do conhecimento?-é certo que se exige deliberação social-246.º, n.º 1, al. d) 4-Para se concluir no sentido de não haver lacuna no que respeita ao prazo que a sociedade tem para deliberar, poder-se-ia ainda argumentar:
1.-No domínio da lei anterior. C.Comecial-artigos 157.º e 158.º-Avelãs Nunes defendeu que que se podia ir buscar o regime da violação do artigo 990.º para encontrar uma causa de exclusão de sócio-e emitiu opinião no sentido de à importação dessa causa se aplicar o prazo de prescrição do artigo 150.º do C. Com-5 anos a contar da data em que a sociedade teve conhecimento da actividade concorrente;
-O regime do artigo 150.º do C.Com era também de aplicação às SQna LSQ de 1901-artigo 62.º;
-E esse regime veio a ser a base do artigo 174.º do CSCque constava do 173.º do projecto;
-no domínio desta lei houve um ac. do STJ que se pronunciou sobre o prazo de prescrição e um parecer de Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier que apontaram para a prescrição de 5 anosanexos
2.-o regime subsidiário do CSCpor via do artigo 2.º-é o civil, onde o contrato de sociedade está previsto nos artigo 980.º e ss;
-A exclusão de sócio tem consagração no CC a propósito da sociedade comercialartigo 1003.º(exclusão);
-1005 (deliberação de exclusão)-neste artigo não se estabelece um prazo para a deliberação ser adoptada; tem a novidade de a exclusão ter de ser comunicada ao sócio em 30 dias, para este se opor à decisão, sob pena de caducidade;
-o exercício de actividade concorrente é também aqui um motivo de exclusão de sócio 990.º cc
O artigo 174.º, n.º 1 é perfeitamente aplicável na medida em que prevê quanto aos direitos da sociedade contra os sócios o não cumprimento de qualquer outra obrigação social (al. d)).
Não se pode entender que esta referência a obrigação social corresponda a uma obrigação em sentido restrito, estando, no lado activo, pressuposto um direito subjectivo, de crédito ou de outro tipo, incluindo-se aqui os direitos potestativos, como o de exclusão.
Importa também referir que o regime da prescrição (em vez da caducidade) é o mais adequado à regulação do conflito de interesses no âmbito deste direito potestativo, porque tutela a certeza e segurança do sujeito passivo, na medida em que o sujeito activo teve um comportamento de desinteresse pela sua posição e exercício do direitoargumento já usado por Ferrer Correia/ Lobo Xavier, no estudo citado2.
5-Tenderia a considerar que o direito de exclusão dos sócios não se encontra prescrito e que a acção deve prosseguir, a fim de se saber se estão reunidos os pressupostos da exclusão fundada na cláusula geral.
Não tomaria conhecimento da questão do prazo de interposição da acçãocomo elemento autónomoporque o prazo dos 5 anos inclui também essa problemática e, na situação concreta, não foi decisivo para efeitos de contradição de julgados.
Uniformizaria jurisprudência a mandar aplicar à exclusão de sócio fundada na clausula geral o regime geral da prescrição do artigo 174.º do CSC.
6-Pode suscitar-se a dúvida de saber se além do prazo para a deliberação ainda há que equacionar a questão em termos de lacuna da lei para o prazo de interposição da acçãomas não tenho a certeza da necessidade de avançar com o desenvolvimento desse problema, uma vez o que foi decisivo para o desfecho do processo que esteve na origem do RUJ foi o problema do prazo para a deliberação.
Lisboa, 23 de Setembro de 2025 Fátima Gomes ___ Notas de rodapé do acórdão:
1 Disponível em www.dgsi.pt
2 Neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão deste STJ, de 10-05-2018, no âmbito do recurso para uniformização de jurisprudência 2643/12.0TBPVZ.P1. S1-A, disponível in www.dgsi.pt.
3 In Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Almedina, 2020, p. 549.
4 Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 20-11-2019, Recurso para uniformização de jurisprudência 433/11.7TVPRT.P1.S2-A, onde se afirma que o STJ tem vindo a entender, “de forma pacífica e reiterada, que a contradição relevante, neste âmbito, pressupõe ainda a identidade do núcleo essencial das concernentes situações fácticas.”.
5 In Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedade por Quotas, Vol. II. pp. 61 e 62 (anotação ao artigo 242.º do CSC).
6 Vide Vaz Serra, in BMJ 105.º, pág. 46.
7 In Notas ao CC, vol. II, pág. 96
8 In A exclusão de sócios (em particular nas sociedades por quotas), Problemas do Direito das Sociedades, 2.ª reimpressão, 2008, Almedina, pp. 203 e ss.
9 Acórdão do STJ de 07-10-2003, Processo 03A323, disponível em www.dgsi.pt
10 Certamente se quis dizer “destituição”
11 Processo 97A138, disponível em www.dgsi.pt apenas o sumário que se transcreveu.
12 Processo 28/2001.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt
13 Processo 1197/22.4T8CBR.C1.S1,disponível em www.dgsi.pt
14 Processo 5367/20.1T8VNG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.
15 Processo 5367/20.1T8VNG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.
16 Processo 2999/21.4T8CBR-A.C1, disponível em www.dgsi.pt
17 Processo 3160/13.7TBBRG.G1, disponível em www.dgsi.pt
18 Processo 10010/19.9T8LSB-A.P1, disponível em www.dgsi.pt
19 Processo 2992/11.5TBSTB-A.E1, disponível em www.dgsi.pt
20 Será deste diploma legal todos os artigos que vierem a ser citados sem indicação de proveniência.
21 Jorge Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. II, Das Sociedades, 2.ª reimpressão da Edição de 2002, p.305.
22 Ob.Cit.
23 Vide Acórdão de 15-02-2005, Processo 04A4369, disponível em www.dgsi.pt
24 Catarina Pontes, “Da irresponsabilidade dos sócios na prossecução do interesse social:
direito de exclusão de sócio”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Manuel Pita, Almedina, 2022, p.165.
25 Catarina Pontes, idem.
26 Vide Acórdão de 16-06-2020, Processo 2231/17.5T8STS.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt
27 Idem.
28 “Notas sobre a exclusão judicial de sócios de SpQ. Prazo(s) para o exercício do direito de exclusão judicial”, disponível em htt:
//www.evaristomendes.eu/files/p_07_02
29 Afigura-se que é nas suas cinco alíneas (a), b),c),d) e e) que se regula o ínicio da contagem do prazo previsto no corpo do artigo, visto que nenhuma restrição é feita nesse corpo, ao remeter para todas as alíneas, na expressão “ contados a partir da verificação dos seguintes factos”.
30 Evaristo Mendes, idem, p.4
31 Como defende Evaristo Mendes (loc.cit.), p.4.
32 Vide, a título exemplificativo, Mario Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, 2006, Almedina, pp.1007-1012.
33 Tal como defende o Autor citado.
34 Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-2022, Processo 2999/21.4T8CBR. C1, disponível em www.dgsi.pt:
”Ora, ao contrário do que acontece com o direito de exclusão “por força do contrato”, para o qual se prevê a obrigatoriedade de a deliberação ser tomada no prazo de 90 dias (n.º 2 do art. 241.º, ao remeter para o regime da amortização de quotas), a lei não estabelece qualquer prazo para o exercício do direito de exclusão de sócio, através da deliberação dos sócios e consequente propositura de ação judicial prevista no n.º 1 do artigo 242.º do CSC.”
35 É este igualmente o entendimento Catarina Pontes in Ob cit, p.165, defendendo que estamos perante “um caso omisso”.
36 Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, Edição da FDUL, Lisboa, 1977, p.373.
37 José de Oliveira Ascensão, “A integração das lacunas da lei e o novo Código Civil” in “O Direito”, ano 100, 273-304.
38 Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, pp158-159
39 Idem.
40 Evaristo Mendes, loc. Cit., p.6.
41 Juliano Pereira in O Direito de Exclusão de Sócio na Sociedade Anónima, Almedina, 2009, p.88, defende a aplicação analógica destes preceitos (241.º n.º 2 e 234.º n.º 2) para defender o prazo de 90 dias para a sociedade deliberar a exclusão de sócio nos termos do artigo 242.º n.º 2.
42 Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais 6.ª edição, 2016, Almedina, p500-501, ensaia a tese de que o direito de exclusão judicial de sócio está sujeito a uma prazo de prescrição de 90 dias, por ser esse o prazo previsto para reagir contra uma situação de concorrência (artigo 254.º n.º 6) ou para tomar a deliberação de amortização de quota (artigo 234.º n.º 2)
43 Continua o artigo, explicitando que “em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.”. ou seja, este prazo de cinco anos a contar do início da actividade concorrente do gerente não se destina a alargar o prazo de que dispõe a sociedade, antes o restringe, pois em qualquer caso, ainda que não se verifique o conhecimento por parte de todos os sócios, não se abre o prazo de 90 dias, caso já tenham decorrido cinco anos sobre o início da actividade do gerente a destituir.
44 Vide Carolina Cunha in Código das Sociedades Comerciais em Comentário coordenado por Jorge Coutinho Abreu, Vol. III, Almedina, 3.ª edição, p. 637, defendendo a Autora a aplicação analógica dos artigos 241.º e 234.º, para chegar à mesma conclusão de que deverá ser fixado em 90 dias o prazo de que a sociedade dispõe para proceder à deliberação a que alude o artigo 242.º
45 Juliano Ferreira, O Direito de Exclusão de Sócio na Sociedade Anónima, Almedina,2009, p.85, nota 151, sublinha que a exclusão de sócio prevista no artigo 242.º do CSC se realiza “com o concurso de uma decisão judicial” e não simplesmente “mediante decisão judicial”. Na verdade, não é a decisão judicial que promove a exclusão de sócio. Antes, terá de haver uma deliberação social com vista a propor a acção judicial, devendo depois de transitada em julgado a acção de exclusão ser ainda deliberada a amortização ou aquisição da quota, pela sociedade ou por terceiro, “sob pena de a exclusão ficar sem efeito.”
46 Vide a este respeito, Carolina Cunha in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol.II, Almedina, 3.ª edição, p. 879.
47 José de Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 405, defendendo a admissibilidade de uma analogia juris, mas que ela não se confunde inteiramente com “a norma que o intérprete criaria”, no dizer do artigo 10.º n.º 3 do CC.
48 Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, p. 157.
49 Vide, a título exemplificativo, neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-05-2016, Processo 2837/13.1TBLRA-A. C1, disponível em www.dgsi.pt
50 Vide Carolina Cunha, ob.cit.
51 Evaristo Mendes, loc.cit. p.7.
52 Como, aliás, tem também sido entendido jurisprudencialmente:
cf. Ac. Relação de Coimbra de 03/05/2016 e Ac. Relação do Porto de 13/07/2021, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
53 In “Boletim do Ministério da Justiça”, junho 1961, n.º 107, p. 189.
54 Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Coimbra 1983, pág. 464.
55 Aníbal de Castro, A caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, 3.ª edição,1984, p.39.
56 Vide a este propósito, Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 2022, 9.ª edição, p.398.
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Notas de rodapé do voto vencido:
1 Exemplifique-se com a situação do incumprimento da obrigação de entrada.
Sendo a obrigação de entrada uma obrigação de realização patrimonial da participação social adquirida, o incumprimento da realização (pagamento), não tem apenas efeitos na exigibilidade da prestação em falta pelo sócio, embora também tenha esse efeito.
Quando o n.º 1 do artigo 174.º alude a direitos da sociedade contra os sócios-e na alínea a) particulariza esses direitos quanto à obrigação de entradaestá a incluir nos direitos da sociedade todo o regime convocada pela lei para a situação do sócio remissoartigos 203 e ss-e aqui se inclui:
Execução do património do sócio remissopara exigir o cumprimento da obrigação;
Exclusão do sóciodireito sem a natureza de direito de crédito em sentido restrito;
Execução do sócio incumpridor e excluído, para efeitos de responsabilização nos termos do artigo 206.º do CSC;
Execução de anteriores titulares da quota não integralmente realizada, que a tenham transmitido ao sócio excluído-art.º 206.º;
Execução de todos os demais sócios da sociedade, nos termos do artigo 207.º do CSC.
2 Tinha como fonte o artigo 919.º, n.º 1 do CCI (Itália)-cuja inspiração e quase replica em Portugallevariam a assumir que os problemas discutidos em Itália e que se visaram resolver com a redação da norma, teriam a mesma solução em Portugal.
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