Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 10/2025, de 31 de Outubro

Partilhar:

Sumário

A obrigação do mandatário de transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato prevista no artigo 1181.º do Código Civil é passível de execução específica nos termos do artigo 830.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2025

R.U.J. n.º 1070/20.0T8BJA.E1.S1-A

Acordam no pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça AA instaurou contra BB ação declarativa com processo comum, alegando, em resumo, que a Ré se encontra a ocupar uma fracção autónoma de que é proprietário e que apesar de para tal instada recusa-se a abandonar o imóvel. Concluiu pedindo a condenação da Ré a restituirlhe a fracção, bem como a pagarlhe a quantia de € 25,00 diários por cada dia de atraso na desocupação do imóvel.

Contestou a Ré alegando, em síntese:

Ser comproprietária da fração em partes iguais com o A., a qual foi adquirida por ambos e registada (apenas) a favor do A. por facilidade de recurso ao crédito e com vista a evitar a oneração da fração com eventuais penhoras motivadas por compromissos assumidos e incumpridos pelo seu exmarido, com a promessa do Autor de formalizar a contitularidade da Ré, depois de ultrapassadas tais contingências financeiras e logo que o tivessem por oportuno. A reiterada prática de atos materiais de posse na convicção de ser comproprietária da fração justifica a aquisição por usucapião e que, em qualquer caso, o A. age com abuso de direito por deduzir pretensão contrária à compropriedade “querida, afirmada e confessada” na constância da união de facto com a A. Concluiu pela improcedência da ação e, em reconvenção, pediu o reconhecimento da aquisição, por usucapião, do direito de compropriedade sobre a fração ou, subsidiariamente, se declare transferido para a Ré o mesmo direito.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente nestes termos:

“A) Julgo a ação totalmente procedente e, em consequência, i) Reconheço o Autor AA dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar direito, do prédio urbano sito na Rua 1° 29, freguesia São João Batista, concelho de Beja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja sob on.”.09 e inscrito na matriz sob o artigo 43;

ii) Condeno a Ré BB a restituir ao Autor o imóvel identificado em i) devoluto e livre de pessoas e bens;

iii) Condeno a Ré BB a pagar ao Autor uma sanção pecuniária compulsória no montante diário de €25,00 (vinte e cinco euros), por cada dia de atraso na desocupação do imóvel identificado em i;

.

B) Julgo a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo o Autor AA de todos os pedidos reconvencionais deduzidos pela Ré BB.”.

A Ré recorreu, mas sem sucesso pois que Relação de Évora julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.

Ainda inconformada, a Ré interpôs recurso de revista excepcional.

Por acórdão de 30.11.2022, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu provimento à revista e, consequentemente, decidiu:

“a) Julgar improcedente a acção;

b) Julgar procedente a reconvenção, em função do que se declara transferida para a Ré a sua quota parte de metade do imóvel descrito no Registo Predial sob o n.º .09, fração F, freguesia de Beja (S. João Batista) e inscrito na matriz urbana sob o art. 43-F, ambos da freguesia de Beja (Santiago maior e São João Batista), adquirido pelo Autor sem poderes representativos.

c) Ordenar o cancelamento, no registo predial, da inscrição de aquisição (Ap. 29 de 2010/02/19), abrindo-se inscrição em favor de A e R como comproprietáriosou se, em técnica e regras registrais assim por melhor se entender, que se mantenha aquela inscrição, mas com abertura de inscrição de aquisição da compropriedade em favor da R.”

O Autor interpôs recurso para uniformização de jurisprudência desta decisão, invocando a sua contradição com o anterior acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 22.01.2008, no processo 07A4417.

O Recorrente remata a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido em 30.11.2022, que julgou improcedente a acção, procedente a reconvenção e declarou transferida para a Ré a sua quota parte de metade do imóvel descrito no Registo Predial sob o n.º .09, fração F, freguesia de Beja (S. João Batista) e inscrito na matriz urbana sob o art. 43-F, ambos da freguesia de Beja (Santiago maior e São João Batista).

B) Entende, contudo, o Recorrente que o acórdão recorrido violou manifestamente o entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 07A4417, datado de 22.01.2008, disponível em www.dgsi.pt, nos termos do qual o regime de execução específica, previsto no artigo 830.º, n.º 1, do Código Civil, é excepcional em si e restringe-se aos casos em que a obrigação de emitir a declaração negocial resulte de um contratopromessa.

C) Assim, considera o Recorrente que o Tribunal a quo fez, salvo melhor opinião, uma incorrecta interpretação do artigo 830.º do Código Civil, pelo que, deve proceder-se à realização de um novo exame jurídico da questão suscitada, de forma a promover a adequada e célere realização e aplicação do Direito ao caso, concreto, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida D) A alegada obrigação de facto do Recorrente não é uma obrigação fungível, pois está em causa uma prestação de facere infungível não atinente a direitos de personalidade e não susceptível de execução subrogatória, pelo que não se aplica a interpretação extensiva ao caso dos presentes autos.

E) O regime de execução específica previsto no artigo 830, n.º 1 do Código Civil restringe-se aos casos em que a obrigação de emitir a declaração negocial resulte de um contratopromessa, o que não é o caso nos autos.

F) A execução específica é uma providência excepcional que não pode ser usada fora do domínio do contratopromessa, conforme defendem-e bemos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Galvão Teles, Raul Ventura e Pessoa Jorge, cujos argumentos aqui damos por reproduzidos.

G) O legislador intencionalmente restringiu e limitou esta regra ao âmbito do contrato promessa, como defendem os insignes Autores.

H) Sendo o artigo 830.º do Código Civil uma norma excepcional, não é passível de interpretação analógica e, logo, não podia o douto Tribunal ter aplicado o regime da execução específica.

I) Embora fosse de admitir a interpretação extensiva, tal interpretação é de afastar quando se pretende aplicar a norma a casos diferentes daquele para que foi legislado, como é o caso dos autos.

Termos em que deverá o presente Recurso de Uniformização de Jurisprudência ser admitido e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-o por outro em que se decide a questão controvertida e uniformize a jurisprudência no sentido consagrado no acórdão que serve de fundamento ao recurso.

Contra alegou a Recorrida com as seguintes conclusões:

1-Não se mostram preenchidos os requisitos de interposição e verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário (arts. 690.º e 680.º do CPCivil).

2-A não se entender assim, deve ser adotado o entendimento do colendo acórdão recorrido.

Foi proferido despacho pelo Conselheiro Relator admitindo o recurso interposto.

Distribuído o recurso para uniformização de jurisprudência, foi emitido Parecer pelo Ministério Público no sentido de ser lavrado acórdão para uniformização de jurisprudência com o seguinte sentido:

O instituto da execução específica consagrado no artigo 830.º do Código Civil reveste natureza excecional e circunscreve-se aos casos em que a obrigação de emitir a declaração negocial decorre de um contratopromessa, sendo inaplicável à obrigação de transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução de mandato sem representação.

///

Da admissibilidade do recurso.

Uma vez que a admissão liminar do recurso não vincula o Pleno das Secções Cíveis, importa começar por verificar se estão verificados no caso os requisitos específicos de que depende a admissibilidade do presente do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, e que são (art. 688.º do CPCivil):

i) a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdãofundamento sobre a mesma questão essencial de direito;

ii) o trânsito em julgado desses acórdãos;

iii) terem os acórdãos sido proferidos no domínio da mesma legislação;

iv) inexistência de jurisprudência uniformizada sobre a questão de direito em causa.

No caso, verificam-se todos esses requisitos.

Com efeito:

Os acórdãos em confronto transitaram em julgado, tal como revelado documentalmente nos autos.

A questão de direito em causa não foi objeto de anterior uniformização por parte do Supremo Tribunal de Justiça.

Os acórdãos em questão foram proferidos no domínio da mesma legislação, com enfoque direto na interpretação e aplicação do artigo 830.º, n.º 1, do Cód. Civil, à obrigação, prevista no n.º 1 do art. 1181.º do CCivil de o mandatário transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato.

No caso do acórdão recorrido, a matéria de facto apurada retrata no essencial o seguinte:

Autor e Ré acordaram adquirir uma fracção autónoma, que a aquisição seria apenas formalizada pelo Autor uma vez que a Ré, em situação de incumprimento de um mútuo bancário anterior estava impossibilitada de intervir no empréstimo para a compra da casa e para obstar a eventuais penhoras, não outorgaria na escritura. Na senda de tal acordo, acordaram as partes que logo que a situação da Ré com a Banca estivesse regularizada o Autor diligenciaria pelo registo da aquisição do direito de propriedade sobre a fracção autónoma em causa a favor da Ré. A escritura de compra foi outorgada em 19.02.2010, apenas pelo Autor, e mediante tal contrato o Autor adquiriu o direito de propriedade sobre a fração autónoma, aquisição essa que se mostra registada a seu favor na competente Conservatória do Registo Predial. Logo após a aquisição da fração o Autor e a Ré estabeleceram aí a casa de morada de família, onde passaram a residir a título permanente com o seu agregado familiar. Entretanto, cessou a relação que mantinham, a Ré continuou a viver na casa, tendo o Autor instaurado a presente acção com vista a obter a condenação da Ré a abandonar a fracção e entregarlhe o imóvel. Em reconvenção, a Ré, com fundamento em ser comproprietária da fracção, veio peticionar, a título subsidiário, que se proferisse sentença que declarasse transferida para si a sua quota parte, que era metade indivisa, no imóvel.

Vejamos agora a situação sobre que versou o acórdão fundamento.

Nele, deu-se como provado ter sido acordado verbalmente entre autores e ré que esta, actuando por conta daqueles, adquirisse um prédio urbano para os autores por não lhes convir que se tornasse pública a sua aquisição do imóvel. Em cumprimento de tal acordo, a ré adquiriu o imóvel em nome próprio, sendo que o preço e todas as despesas relativas à compra foram suportadas pelos autores, os quais, desde a data da compra usaram a referida casa, tendo sido eles que adquiriram toda a mobília existente no imóvel, que desde o início suportam todos os custos inerentes ao uso da habitação, nomeadamente, água, luz, limpezas, contribuições legais e encargos. Perante a recusa da ré em transferir para os autores o prédio, os autores instauraram acção de execução específica, proferindo-se sentença que produza os efeitos da declaração negocial da ré.

Considerou o acórdão recorrido que a obrigação assumida pelo autor de transferir para ré a parte desta no imóvel consubstancia um mandato sem representação, validamente celebrado, e foi também como mandato sem representação que no acórdão fundamento foi caraterizada a obrigação assumida pela aí demandada.

Mas já quanto à possibilidade de aplicar ao mandato sem representação o instituto da execução específica, os acórdãos em confronto decidiram de forma divergente.

Enquanto o acórdão fundamento decidiu que o instituto da execução específica é apenas aplicável à obrigação emergente de contrato promessa, não sendo aplicável à obrigação do mandatário de transferir para o mandante os direitos adquiridos na execução do mandato, motivo por que julgou a acção improcedente, o acórdão recorrido entendeu que o artigo 830.º, n.º 1, do Código Civil deve aplicar-se, directa ou indirectamente (por analogia), a todas as obrigações de prestação de facto jurídicas, constituídas por contrato ou pela lei e não apenas às prestações de facto jurídico constituídas na sequência da celebração de um contratopromessa e, em consequência, revogando o acórdão recorrido, declarou transferida para a Ré a sua quota parte de metade do imóvel.

Do cotejo das decisões em análise não parece haver lugar a dúvidas que a mesma questão de direito foi por elas decidida em sentidos divergentes, mostrando-se assim cumpridos os requisitos legais específicos da admissibilidade do presente recurso, razão pela qual nada obsta a que se conheça do respetivo objeto.

Saber se nos casos em que o mandato sem representação que se destine à aquisição de imóveis deve constar de documento assinado pelo mandatário é uma questão fora do âmbito do recurso, pois como supra referido, a contradição jurisprudencial entre o acórdão recorrido e fundamento circunscreve-se à possibilidade de aplicar ao mandato sem representação o instituto da execução específica.

///

Fundamentação.

São os seguintes os factos que o acórdão ora recorrido elencou como provados:

1-Em 04.04.1998, a Ré contraiu matrimónio com CC, o qual foi dissolvido por sentença de divórcio.

2-Na constância do matrimónio, em D.M.1998 nasceu DD e em D.M.2000 nasceu EE, ambos filhos de CC e de BB.

3-Por meio de escritura pública de compra e venda outorgada em 03.04.1998 no Cartório Notarial de Lisboa, CC, na qualidade de sóciogerente e em representação da sociedade “E..., L.da” declarou vender à Ré pelo preço já recebido de três milhões de escudos o prédio urbano sito no Casal 1 ou na Quinta 1, na freguesia de Cadafais, concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer sob o n.º .67 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 61.

4-No dia 29.03.1999, foi outorgada escritura pública denominada de “empréstimo” entre CC e BB, intitulados por primeiros outorgantes e BNCBanco Nacional de Crédito Imobiliário S. A., na qualidade de segundo outorgante, com o seguinte teor “(...) disse a primeira outorgante que é dona e legitima possuidora de um prédio urbano situado no Casal 1 ou na Quinta 1, em..., freguesia de Cadafais, concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer, sob o n.º .67 da freguesia de Cadafais, e registado a seu favor pela inscrição G-um; inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 61; disseram os primeiros e segundo outorgantes:

que, o BNCBanco Nacional de Crédito Imobiliário, SA concedeu aos mutuários, um empréstimo no montante de seis milhões de escudos, ao abrigo do Regime Geral de Crédito, instituído pelo Decreto Lei trezentos quarenta e nove barra noventa e oito, de onze de novembro e demais legislação em vigor, ao abrigo do regime GERAL, do qual se confessam devedor. Que o empréstimo se destina a obras no imóvel atrás descrito, onde têm a sua residência permanente para o que, nesta data, é colocada à disposição dos primeiros outorgantes a quantia de um milhão de descritos. Que em garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, juros e despesas judiciais e extrajudiciais, que o BNC houver de fazer para se ressarcir do seu crédito, as quais, tão somente para efeitos de registo se fixam em duzentos e quarenta mil escudos, sendo o montante máximo de capital e acessórios de sete milhões novecentos e noventa e cinco mil escudos, constitui ela primeira outorgante com autorização do cônjuge segunda hipoteca voluntária sobre o prédio atrás identificado (...)

»

.

5-Pelas AP. 32/201198 e 26/190799 foram registadas duas hipotecas voluntárias sobre o imóvel referido em 2) a favor do BNCBanco Nacional de Crédito Imobiliário S. A. para garantia dos empréstimos contraídos pela Ré e por CC, respetivamente nos montantes máximos garantidos de 15.990.000$00 (€ 79.758,58) e de 7.995.000$00 (€ 39.879,29).

6-Em data não concretamente apurada, a Ré e CC cessaram a sua vida conjugal, tendo a partir dessa data este último ficado a residir na fração autónoma referida em 3), tendo este último assumido exclusivamente, em contrapartida, os encargos advenientes do empréstimo concedido pela Banca para a sua aquisição.

7-Em maio de 2002, Autor e Ré iniciaram vivência em comunhão de leito, mesa e habitação em condições análogas às dos cônjuges, tendo fixado a sua residência na fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano situado na Avenida 1 descrita na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º 97/20001003-B.

8-No momento da conceção da filha comum do casal, em data não concretamente apurada, Autor e Ré decidiram fixar a sua residência na cidade de Beja.

9-Em 05.02.2003, foi outorgado documento particular intitulado por

«

contrato promessa de compra e venda

» entre R...Construções, L.da na qualidade de promitente vendedor e Autor e Ré na qualidade de promitentes compradores com o seguinte clausulado:
«

CLÁUSULA Iª O primeiro outorgante é dono e legítimo proprietário de um lote de terreno, sito às Rua 1 e Rua 3, em Beja, freguesia de S. João Batista, concelho de Beja, omisso na respectiva matriz predial mas como o pedido de inscrição entregue na Repartição de Finanças de Beja em 16 de Outubro de 2002, e com a área total de 1.418,3 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja sob a ficha n.º ...65/181002-São João Batista. No referido terreno encontra-se projectado a construção de edifício urbano destinado a habitação, comércio e serviços.

Cláusula 2.ª Pelo presente contrato, o primeiro outorgante promete vender ao segundo outorgante uma fracção do prédio urbano a implantar no atrás mencionado lote, que corresponde ao 2.º Andarfracção J, destinado exclusivamente à habitação, com tipologia T4 e a área bruta de 167.50 m2. Faz parte integrante na supra identificada fracção a garagem identificada como B 7, ao nível da Cave, com a área bruta se 16,00 m2.

Cláusula 3.ª O preço de venda final, aqui acordado pelos outorgantes é de € 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros).

Cláusula 4.ª Como sinal e início de pagamento, o Segundo Outorgante entrega ao Primeiro Outorgante, o montante de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), com a assinatura do presente contrato, e de que este desde já dá quitação.

Cláusula 5.ª O restante pagamento, no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) será efectuado aquando da realização da escritura definitiva de compra e venda, sob a forma de cheque visado à ordem do Primeiro Outorgante.

Cláusula 6.ª Acordam aqui os outorgantes que a data de realização da escritura de compra e venda se encontra dependente da construção e conclusão integral da fracçõ que aqui se promete vender. No entanto, será celebrada imediatamente após a conclusão da obra. Assim, o Primeiro Outorgante obriga-se a usar toda a sua diligência tendo em vista a conclusão da obra até ao final de Dezembro de 2004.

Cláusula 7.ª A) Como anexo A ao presente contrato, encontra-se elaborada uma memória descritiva pormenorizada, que define o tipo e forma de acabamentos, bem como outras indicações que o primeiro outorgante aceita respeitar e, que fazem parte integrante do preço estabelecido na cláusula 3;

B) Caso os Segundos Outorgantes pretendam que sejam executadas quaisquer alterações ao estabelecido no anexo A, tal ou tais alterações carecem de aceitação explícita por parte de ambos os Outorgantes, pelo que ficarão devidamente estabelecidas em aditamento ao presente contrato.

C) Cláusula 8.ª São da única e exclusiva responsabilidade do Segundo Outorgante lodos os encargos com a documentação necessária à execução do presente contrato, nomeadamente, reconhecimento notariais, o registo provisório de aquisição, o registo provisório de hipoteca a favor de qualquer entidade bancária, o pagamento de Imposto de Sisa, e tudo o demais que juridicamente seja necessário à execução do presente contrato.

Cláusula 9.ª A fracção objecto deste contraio será vendida livre de quaisquer ónus ou encargos. Cláusula 10.ª “ O foro judicial competente é a comarca de Beja.

Cláusula 11.ª Os outorgantes declaram aceitar as condições do presente contrato e, porque corresponde às suas reais vontades, o assinam, » Cláusula 11.ª Os outorgantes declaram aceitar as condições do presente contrato e, porque corresponde às suas reais vontades, o assinam, » 10-Por meio de escritura pública denominada de

«

compra e venda e mútuo com hipoteca

» outorgada no dia 25.01.2005 na Secretaria Notarial de Beja da Lic. FF, R...Construções, L.da, representada por GG na qualidade de procurador com poderes para o ato, declarou vender ao Autor AA e à Ré BB, em comum e em partes iguais, pelo preço já recebido de € 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil euros) a fração autónoma designada pelas letras AR, correspondente ao primeiro andar duplex identificado pela letra L, destinado a habitação, com entrada pelo n.º 7 da Rua 3 e Rua 1° 24-A, com dois lugares de parqueamento, ao nível da cave, identificados pelos n.os 6 e 29, do prédio urbano sito no Gaveto da Rua 1, n.os 24, 24-A, 26, 26-A, 26-B, 26-C, 26-D, 26-E, e 26-F e Rua 3os 7 e 9, na freguesia de São João Batista, na cidade e concelho de Beja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja sob o n-°..75, venda essa que o Autor e a Ré por sua vez declararam aceitar, tendo em vista a sua residência própria e permanente.

11-Em 29.04.2008, mediante documento particular intitulado de

«

contrato-promessa de compra e venda

»

C..., L.da, nesse ato representada por HH na qualidade de procurador com poderes suficientes para o ato, declarou prometer vender, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, ao Autor AA e à Ré BB uma fração autónoma no prédio urbano sito na Rua 1° 29, em Beja, freguesia de São João Batista, correspondente a um T4 2.º direito com uma garagem designada pela letra Gl com o Alvará de construção n.º .02/08, pelo preço de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), tendo estes últimos declarado prometer comprála.

12-Por meio de documento particular autenticado intitulado de

«

compra e venda mútuo com hipoteca

»

, o Autor e a Ré, intitulados por parte vendedora, declaram vender a II pelo preço já recebido de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros), a qual declarou comprar, a fração autónoma referida em 10).

13-O Autor e a Ré acordaram entre si que a aquisição da fração autónoma do prédio urbano sito na Rua 1°29, em Beja, freguesia de São João Batista correspondente a um T4-2.º Direito, objeto do acordo referido em 11), seria parcialmente financiada com recurso a um empréstimo bancário.

14-A Ré encontrava-se em situação de incumprimento junto da Banca, em concreto junto do Banco Popular Portugal S. A., em virtude de o seu exmarido CC não ter satisfeito as prestações mensais emergentes dos encargos hipotecários do imóvel referido em 3).

15-Em consequência desse incumprimento, a Banca não concedeu qualquer empréstimo à Ré para aquisição da fração autónoma referida em 11).

16-Nessa sequência, o Autor e a Ré acordaram que a fração autónoma descrita em 11) seria formalmente adquirida apenas por AA, em virtude da não concessão do empréstimo bancário à Ré e ainda para obstar que futuramente tal bem imóvel pudesse ser objeto de penhora em decorrência da situação de incumprimento perante a Banca.

17-O Autor comunicou à Ré que registaria também a seu favor a aquisição da fração autónoma referida em 11), logo que a situação de incumprimento desta última perante a Banca tivesse resolvida.

18-A Ré aceitou a proposta formulada pelo Autor por se encontrar em situação de endividamento à Banca e ainda por se encontrar vinculada ao acordo mencionado em 11).

19-Por meio de documento particular autenticado intitulado de “título de compra e venda mútuo com hipoteca” outorgada em 19.02.2010, C..., L.da, representada por HH com poderes para o acto, declarou vender ao Autor pelo preço, já recebido de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), a fração autónoma designada pela letra “F” correspondente ao segundo andar direito com uma arrecadação e terraço e uma garagem na Cave G-UM, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua 1° 29, na freguesia de Beja (São João Batista), concelho de Beja, descrito sob o n.º .09 junto da Conservatória do Registo Predial de Beja, venda essa que o Autor por sua vez declarou aceitar.

20-Mediante AP...29 de 19/02/2010 mostra-se registada junto da Conservatória do Registo Predial de Beja a aquisição a favor do Autor da fração autónoma referida em 19) por compra à C..., L.da

21-Pela AP...30 de 19/02/2010 encontra-se registada a favor do Banco BPI S. A. Sociedade Aberta uma hipoteca voluntária para garantia do montante de 160.000,00 (cento e sessenta mil euros), no montante máximo assegurado de €194.456,00, emergente do empréstimo concedido a AA para a aquisição daquela fração autónoma.

22-Desde 19.02.2010, o Autor e a Ré fixaram a residência do seu agregado familiar na fração autónoma mencionada em 19).

23-Em Junho de 2012, o Autor e a Ré cessaram a sua vida em comum, tendo o primeiro deixado de residir na fração autónoma mencionada em 19).

24-A partir de 19.02.2010 e até aos dias de hoje a Ré ocupa a fração autónoma referida em 19), sendo esta a sua casa de morada de família, não tendo, atualmente, o consentimento do Autor para tal.

25-Desde a data da sua aquisição (19.02.2010), a Ré agiu sempre na convicção de ser, conjuntamente com o Autor, a legítima dona e proprietária da referida fração autónoma referida em 19), o que fez à vista de toda a gente.

26-Desde a data da sua aquisição (19.02.2010), o Autor agiu sempre na convicção de ser, conjuntamente com a Ré, o legítimo dono e proprietário da referida fração autónoma referida em 19).

27-As pessoas do relacionamento social do Autor e da Ré sempre consideraram ambos como legítimos donos e coproprietários da fração autónoma referida em 19).

28-Após a separação do casal no ano de 2012, a Ré suportou, na proporção de metade, os encargos advenientes do mútuo contraído para aquisição da fração autónoma referida em 19) e, bem assim, os encargos com o condomínio e com os prémios de seguro.

E foi julgado não provado:

A) Em data não concretamente apurada, Autor e Ré acordaram adquirir conjuntamente a fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida 1 descrito na Conservatória do Registo Predial da Portela sob o n.º .97 e inscrito na respetiva matriz sob o n.º .09, tendo a sua aquisição ficado somente registada em nome do Autor, em virtude de a Ré ser ainda casada com CC.

B) A Ré suportou conjuntamente com o Autor os encargos decorrentes do contrato de mútuo contraído para a aquisição da fração autónoma descrita em A).

///

Fundamentação de direito.

A questão de direito a decidir consiste em saber se o instituto da execução específica previsto no artigo 830.º, n.º 1, do CCivil, é susceptível de aplicação à obrigação de transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução de um mandato sem representação.

O acórdão recorrido decidiu que sim.

O acórdão fundamento decidiu que não.

O recorrente procura uma resposta igual à do acórdão fundamento.

Cremos, no entanto, que deve optar-se pela solução que admite a execução específica ao mandato sem representação.

O mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra-art.1157.º do CCivil.

O mandato pode ser com representação e sem representação.

No mandato com representação, o mandatário a quem hajam sido conferidos poderes de representação tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa haja sido estipuladaart. 1178.º do CCivil.

No mandato sem representação, o mandatário se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destesart. 1180.º Quanto à forma, pode afirmar-se que o mandato não representativo é consensual, vigorando o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219.º do CCivil (cf. acórdãos do STJ 22.02.00, CJ/STJ, VIII, 1.º, 114, de 21.01.2003, CJ/STJ, XI, 1.º, p. 31, e de 02.03.2011, CJ/STJ, XIX, 1.º, p.107).

Seguindo de perto o acórdão do STJ de 22.06.2004, P. 04A1937, www.dgsi.pt, também publicado na CJ/STJ, ano XVI, t.1 pag. 57, pode considerar-se que:

“Da conjugação de ambos os preceitos (arts. 1178.º e 1180.º), resulta que, no mandato sem representação, o mandatário, apesar de intervir por conta e no interesse do mandante, não aparece revestido da qualidade de seu representante.

Pelo contrário, age em nome próprio e não em nome do mandante, pelo que é ele, mandatário, que adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra.

Todavia, em cumprimento das suas obrigações contratuais para com o mandante, o mandatário deve depois transferir para aquele os direitos adquiridos em execução do mandatoart. 1181.º, n.º 1.

Se o mandatário não cumprir essa obrigação, o mandante pode pedir ao tribunal que o condene a cumprir.

O princípio geral é, pois, o de que o mandante fica obrigado a transferir para o mandante os direitos que tenha adquirido.

[...]

Consequentemente, o mandatário é o titular dos direitos adquiridos por força dos actos que pratica no exercício do mandato, os quais ingressam na sua esfera jurídica e não na do mandante.

Por isso, a situação do mandante é estranha às pessoas que contratam com o mandatário e estas pessoas, por sua vez, também não é com o mandante, mas com o mandatário que estabelecem relações negociais.

Tais pessoas não passam de terceiros, em relação ao mandato.

A afirmação contida na parte final do art. 1180.º vem pôr em evidência a licitude da interposição do mandatário sem representação, mesmo que este procure ocultar a sua posição em relação ao mandante.

Tal interposição é lícita “porque é real e verdadeira, e não fictícia ou simulada, e porque não há interesse jurídico social ou moral em a proibir” (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado, II, 3.ª edição, pag. 747).

Consequentemente, pode concluir-se serem elementos essenciais do mandato sem representação:

i) O interesse de uma pessoa na realização de um negócio, sem intervenção pessoal;

ii) A interposição de outra pessoa a intervir no negócio, por incumbência, não aparente, do titular do interesse;

iii) A celebração do negócio pela interposta pessoa, sem referência ao verdadeiro interessado;

iv) A transmissão para o mandante dos direitos obtidos pelo mandatário.

Todavia, para configuração do mandato sem representação não é necessário que o direito adquirido pelo mandatário se mostre já transferido para o mandante.

Basta a perspectiva da transmissão e não que tal transmissão já esteja efectivamente concretizada.

Quando tal acontecer, terá o significado de ter sido cumprida a obrigação de transmitir o direito adquirido, assumida pelo mandatário, ou de ter sido exercido o correspondente direito do mandante, nos termos do art. 1181.º, n.º 1, do Cód. Civil.

É o que resulta do carácter obrigacional que se estabelece entre o mandatário e o mandante.

Este tem o direito de obter para si a transmissão do bem adquirido pelo mandatário, mas é suficiente a constatação da existência desse direito, a ser exercitável quando o mandante o exija ou após ter decorrido o prazo concertado com vista à concretização do epílogo contratual.”

Transferindo estas considerações para a situação dos autos, é incontroverso que o Autor ao outorgar no contrato de compra e venda da fracção autónoma a que alude o ponto 19 da matéria de facto, como se o apartamento fosse para si, interveio em nome próprio e também como mandatário sem representação, na medida em que o fez, de forma não aparente, por conta da Ré com quem então vivia em união de facto.

Não tendo o Autor cumprido voluntariamente a obrigação de transmitir para a Ré a quota parte desta no imóvel, importa saber se a Ré pode recorrer ao instituto da execução específica.

Da execução específica.

O instituto da execução específica está previsto para o incumprimento de contrato promessa no art. 830.º, n.º 1, do CCivil, e concede à parte que tem interesse na celebração do contrato definitivo a faculdade de obter sentença que substitua a declaração negocial do faltoso em caso de não cumprimento ou recusa de cumprimento.

Nas palavras de Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 7.ª edição, p.135, “ a sentença é um sucedâneo ou substitutivo do contrato prometido, tendo natureza e estrutura diversa, como acto jurisdicional, mas gerando efeitos idênticos. É um acto de intervencionismo judicial na regulação de interesses privados:

o juiz substitui-se às partes nessa regulação, que não se torna possível alcançar pelo jogo espontâneo das suas vontades, dada a resistência oferecida por uma delas. A lei fala de execução específica para significar que se consegue resultado igual ao contrato prometido, sem ou mesmo contra a vontade do contraente remisso. Mas esse resultado obtém-se através de sentença proferida em processo declarativo, e não por meio de execução propriamente dita, ou seja, mediante processo executivo.”

No regime anterior ao actual Código Civil, do incumprimento de contrato promessa decorria como sanção a simples indemnização pelos danos causados, ressarcimento este que, havendo sinal, consistia na sua perda ou na restituição em dobro, conforme o incumprimento fosse imputado, respectivamente, ao promitente comprador ou ao promitente vendedor.

O Código Civil de 1966 inovou com um regime jurídico que permite a realização coactiva da prestação, regime que, para o contrato promessa, se define como execução específica da obrigação de emitir uma declaração de vontade. Como não se mostra possível a condenação de uma pessoa a conformar-se a uma conduta com esse conteúdo, havendo incumprimento da promessa pode a outra parte obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.

O art. 830.º, n.º 1, do CCivil consagrou a execução específica da obrigação de contratar provinda de contrato promessa nos seguintes termos:

“Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.”

Nos trabalhos preparatórios do CCivil a configuração deste instrumento previa um campo de aplicação mais amplo do que aquele que acabou por singrar. A redacção original proposta por Vaz Serra, sob a epígrafe “Obrigação de emitir uma declaração de vontade”, previa a aplicação deste mecanismo de forma a suprir a falta de emissão de declaração de vontade, não estando, por isso, limitada ao contrato promessa, solução que resulta da leitura actual da lei.

Pese embora não ter vingado a tese de Vaz Serra, a circunscrição do âmbito do instituto da execução específica manteve-se controvertida na doutrina e na jurisprudência, com a interpretação restritiva a ser seguida maioritariamente na jurisprudência do STJ, como adiante se verá.

Para alguns autores, com uma leitura restrita do preceito, a execução específica apenas é aplicável à obrigação emergente do contratopromessa, enquanto outros admitem o seu recurso, através da interpretação extensiva da norma ou, ainda, através das regras de integração das lacunas, às obrigações de emissão de declarações de vontade de forma geral, bem como às obrigações que tenham natureza legal.

Posicionam-se no primeiro entendimento Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, I, 10.ª edição, Almedina, p. 365, e Código Civil Anotado, II, 4.ª edição, Coimbra Editora, p.107) e Galvão Telles (Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra Editora, p. 135), tendo por base as regras de interpretação das normas jurídicas previstas no art. 9.º do CCivil, nomeadamente o elemento literal, e histórico, pelo reconhecimento que foi intenção do legislador de restringir o âmbito de aplicação da norma.

Para Antunes Varela e Pires de Lima (Código Civil, anotado, II, p.107), o regime do art. 830.º não cobre todas as obrigações de contratar, antes tem carácter excepcional, pelo que a aplicação analógica estaria vedada nos termos do art. 11.º do CCivil.

É nesta corrente que se insere o acórdão fundamento, que justificou a sua posição nos seguintes termos:

“Entendemos que a execução específica prevista no art. 830.º, n.º 1, do C.C., é apenas aplicável à obrigação emergente de contrato promessa, face à letra do indicado preceito e aos respectivos trabalhos preparatórios.

Com efeito, os tribunais devem obediência à lei e só podem julgar de jure constituto e não de jure condendo.

A letra da lei é inequívoca, quanto à restrição da execução específica ao contrato promessa.

E o pensamento legislativo mostra-se conforme com essa restrição.

Na verdade, o art. 830.º, n.º 1, do C.C., foi uma inovação cautelosa do Código Civil de 1996.

O anteprojecto de Vaz Serra havia proposto uma maior amplitude, fazendo constar do seu art. 442.º, n.º 1, sob a epígrafe “Obrigação de emitir uma declaração de vontade “, a seguinte redacção:

“Caso quem esteja obrigado a emitir uma declaração de vontade não cumpra esta obrigação, pode a outra parte obter uma sentença com os efeitos da declaração não emitida, se tal for possível e não for inconciliável com o título de que essa obrigação resulta” (B.M.J. n.º 99, pág. 263).

Ampla era também a redacção do anteprojecto saído da 1.ª revisão ministerial, em cujo art. 813.º, sob o título “Obrigação de concluir um contrato”, se dispunha:

“Se o devedor se obrigou a concluir um contrato e não cumpriu, pode a outra parte, sempre que possível e na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração do faltoso” (Rodrigues Bastos, Das Obrigações em Geral, Vol. VI, pág. 161).

Assim sendo, é evidente que a questão foi debatida nos trabalhos preparatórios do actual art. 830.º, n.º 1, do C.C., não podendo o legislador ignorar a amplitude que era dada, naqueles preceitos, à aplicabilidade do instituto da execução específica.

Apesar disso, o legislador optou por circunscrever a execução específica aos casos em que alguém, estando obrigado a celebrar certo contrato, não venha a cumprir a respectiva promessa, pelo que se tem de interpretar que disse exactamente o que queria dizer.

Como observam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª ed., pág. 108), “o confronto do novo texto com o do art. 422.º do anteprojecto de Vaz serra, que reproduz a doutrina lata do artigo 2932 do Código italiano, o texto claro da lei e a impossibilidade da sua aplicação por analogia, dado o seu carácter excepcional, não permitem que se dê outro entendimento à disposição.

As razões da limitação parecem, de resto, óbvias e concludentes.

Na promessa, há já uma declaração negocial.

O tribunal limita-se, pois, a tornar certo o que era, ou foi, pretendido pelas partes, e que se contém explicitamente no contrato.

Nos outros casos, seria necessária uma substituição integral da vontade dos interessados, o que, numa solução cautelosa como é a do legislador, se afigura excessivo”.

É certo que as normas excepcionais não comportam interpretação analógica, mas admitem interpretação extensivaart. 11.º do C.C.

Existe interpretação extensiva sempre que o intérprete, ao reconstituir a parte do texto da lei e segundo os critérios estabelecidos no art. 9.º do C.C., conclua que o pensamento legislativo coincide com um dos sentidos contidos na lei, mas o legislador, ao formular a norma, disse menos do que queria, sendo, por isso, necessário alargar o texto legal.

A interpretação extensiva só é possível quando o intérprete conclua pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4a ed. pág. 60;

Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 71776, de 8-7-76 (Bol. 263-103).

Como já vimos não ocorrer tal circunstancialismo, não é possível interpretação extensiva da norma.

Daí ser de concluir que a doutrina do mencionado art. 830.º, n.º 1, só é aplicável naqueles casos em que a obrigação de celebrar um contrato resulta de um contrato promessa.”

Neste sentido decidiram também, entre outros, os acórdãos do STJ de 11.05.2000 (P.00B229), de 07.03.2006 (P.06A43), de 29.06.2010 (P.476/99), disponíveis em www.dgsi.pt, de 02/06/2009, não publicado, e os acórdãos da Relação do Porto de 26.09.2011 (P.424/2001.P), e de 07.05.2015, CJ/ano XL, t3, p. 175.

Diferente foi o entendimento do acórdão recorrido no qual se escreveu o seguinte:

Ora, não se olvidando que a acção do mandante sobre o mandatário tem, no nosso quadro legal, carácter meramente pessoal e não real, tal não obsta, no nosso ver, à possibilidade de execução específica aqui questionadaou seja, a que a Ré obtenha sentença que produza os efeitos da declaração negocial do Autor faltoso.

[...]

No seu sentido mais comum, o princípio pacta sunt servanda refere-se aos contratos privados, enfatizando que as cláusula e pacto ali contidos são um direito entre as partes, e o nãocumprimento das respectivas obrigações implica a quebra do que foi pactuado. Esse princípio geral no procedimento adequado da praxis contratual-e que implica o princípio da boa-fé-é um requisito para a eficácia de todo o sistema, de modo que uma eventual desordem seja às vezes punida pelo direito de alguns sistemas jurídicos mesmo sem quaisquer danos directos causados por qualquer das partes.

[...]

Cremos que, no circunstancialismo específico que os factos provados retratam, recusar ao contraente ludibriado a heterotutela pública do seu crédito, forçando-o ao sucedâneo ou alternativa da mera indemnização, seria uma violência que o Direito não deve tutelar.

Aliás, não será espúrio observar que se a regra, no caso da reparação por facto ilícito, é a da reparação in natura-a exceção ocorre somente quando esta não é possível-, pode bem dizer-se que, com algum paralelismo, também na responsabilidade civil contratual o contrato deve ser pontualmente cumprido, só se apelando aos meios alternativos de reparação quando o cumprimento específico, in natura, não é possível. E in casu, o cumprimento específico ainda é possível (o prédio mantém-se na titularidade formal exclusiva do mandatário); trata-se de obrigação e bem no comércio jurídico Aliás, não será espúrio observar que se a regra, no caso da reparação por facto ilícito, é a da reparação in natura-a exceção ocorre somente quando esta não é possível-, pode bem dizer-se que, com algum paralelismo, também na responsabilidade civil contratual o contrato deve ser pontualmente cumprido, só se apelando aos meios alternativos de reparação quando o cumprimento específico, in natura, não é possível. E in casu, o cumprimento específico ainda é possível (o prédio mantém-se na titularidade formal exclusiva do mandatário); trata-se de obrigação e bem no comércio jurídico; a obrigação é infungível Aliás, não será espúrio observar que se a regra, no caso da reparação por facto ilícito, é a da reparação in natura-a exceção ocorre somente quando esta não é possível-, pode bem dizer-se que, com algum paralelismo, também na responsabilidade civil contratual o contrato deve ser pontualmente cumprido, só se apelando aos meios alternativos de reparação quando o cumprimento específico, in natura, não é possível. E in casu, o cumprimento específico ainda é possível (o prédio mantém-se na titularidade formal exclusiva do mandatário); trata-se de obrigação e bem no comércio jurídico Aliás, não será espúrio observar que se a regra, no caso da reparação por facto ilícito, é a da reparação in natura-a exceção ocorre somente quando esta não é possível-, pode bem dizer-se que, com algum paralelismo, também na responsabilidade civil contratual o contrato deve ser pontualmente cumprido, só se apelando aos meios alternativos de reparação quando o cumprimento específico, in natura, não é possível. E in casu, o cumprimento específico ainda é possível (o prédio mantém-se na titularidade formal exclusiva do mandatário); trata-se de obrigação e bem no comércio jurídico; a obrigação é infungível:

o bem a transferir é aquele bem, que não qualquer outro.

[...]

Como já referimos, se Doutrina e Jurisprudência há que considera a acção de execução específica como uma exceção, sustentando que a execução específica se aplica apenas ao contratopromessa e que a execução específica é no nosso sistema jurídico, claramente, uma providência excepcional e por isso não pode ampliar-se a outras situações, ainda que análogas ou dalgum modo análogas, outra Jurisprudência e (principalmente) vastíssima Doutrina assim não entendem, considerando-a como uma regra, na medida em que a acção de execução específica tem prioridade sobre a acção de indemnização e a resolução do contrato, advogando que o art. 830.º do Cód. Civil deverá, por isso, aplicar-se directamente às obrigações de prestação de facto jurídico fundadas no contratopromessa e aplicar-se indirectamente (por analogia geral ou analogia juris) às obrigações de prestação de facto jurídico fundadas noutros contratos ou na lei.

No que concordamos.

[...]

Por vezes, argumenta-se com os trabalhos preparatórios para sustentar que, referindo-se o artigo 830.º do CC ao contratopromessa, o legislador quis excluir expressamente todos os demais contratos.

Porém, com muito pouca consistência.

Com efeito, a regra é a execução específica. Só que o legislador, sabendo estar previsto expressamente para o contratopromessa os efeitos do incumprimento em sede de reparação pecuniária (cf. sinal como meio de reparação do incumprimentoarts. 410.º e 442.º CC), para que dúvidas não houvesse entendeu referir expressamente que para o contratopromessa vingava também a regra da execução específica.

Ou seja, a referência específica do artigo 830.º não quis, assim, afastar o princípio geral, que é o da execução específica. Apenas se tornou necessária por coerência lógica com o artigo 442.º, dessa forma se ultrapassando as dúvidas que eventualmente se pudessem suscitar a tal respeito.

A isto acrescecomo observa a Recorrenteque a Subsecção II da Secção IIIExecução Específica-surge integrada na Secção III, que dispõe sobre a “Realização coativa da prestação”.

Pelo que se não vê qualquer razão-e seja qual for a sua natureza ou o seu tipopara em desprimor dos princípios da liberdade contratual, de pacta sunt servanda e da boa fé, se atribuir somente ao contratopromessa a suscetibilidade de execução específica.

E isto, por aplicação analógica, ou extensiva, do regime do artigo 830.º do CC. [...].

Neste sentido decidiu também o acórdão do STJ de 20.01.2022 (P.21074/18), www.dgsi.pt, e os acórdãos da Relação de Coimbra de 28.05.1996, CJ, ano XXI, 3, pag. 20, da Relação de Lisboa de 02.11.1999, CJ, ano XXIV, 5, p. 74, e de 30.03.2000, CJ, ano XXV, 2, p. 124, e da Relação do Porto de 26.09.2011, P. 424/2001, disponível em www.dgsi.pt.

A orientação segundo a qual a execução específica do art. 830.º do CCivil seria aplicável a todas as obrigações de emissão de declarações de vontade, maxime à obrigação do mandatário a que alude o art. 1181.º, n.º 1, do CCivil, tem amplo apoio na doutrina. Para além de Vaz Serra, por exemplo na RLJ, ano 100, p. 194/195, posicionam-se neste sentido, Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, IV, pag. 74, nota 208), Almeida Costa (Direito das Obrigações, Almedina, 9.ª edição, p. 213 e 214), Menezes Leitão (obra e local citado), M. Henrique Mesquita, (RLJ, ano 131.º, p. 32, e Obrigações reais e ónus reais, p.. 18-19), Nuno Manuel Pinto Oliveira (Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, p. 88 e 89), Januário Gomes (Tema da Revogação do Mandato Civil, p. 131 e ss), Maria da Graça Trigo (Os acordos Parassociais sobre o Exercício do Direito de Voto”, p. 272-278), Ana Prata (“O contrato promessa [...], p. 902), João Calvão da Silva, (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1997, p. 498 e 499, Maria João Vaz Tomé, obra e local citado).

Destacamos pela pertinência para o esclarecimento da questão em análise os seguintes contributos:

Vaz Serra, escrevendo na RLJ, n.º 3504, p. 233, refere que a aplicabilidade do instituto da execução específica previsto no art. 830.º ao caso em que alguém se tenha obrigado a emitir uma declaração de vontade, justifica-se por interpretação extensiva da lei, que é admissível nos termos do art.11.º, mesmo que se trate de norma excepcional, e justificando tal asserção observa:

“Se tendo as partes concluído um contratopromessa de outro contrato pode o contraente obter sentença prevista naquele artigo, qual o motivo por que não háde obter essa sentença o contraente que, tendo concluído um contrato em que o outro contraente se obrigou a uma declaração unilateral de vontade, se encontra perante o não cumprimento desse outro contraente?”

E a pag. 16 do n.º 3610 da mesma Revista observa:

“Seria injustificável que a execução específica prevista no art. 830.º do CC, se limitasse obrigações fundadas em contratopromessa, já que a sua razão de ser abrange as fundadas noutra fonte.”

E criticando a posição de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, pag. 92, acrescenta este autor:

“[...] não é impossível a aplicação analógica do art. 830.º, porque ele não tem carácter excepcional, visto prever um meio de execução da obrigação de celebrar um contrato e não haver motivo para limitar essa via executiva às obrigações emergentes de contrato promessa… por outro lado, a circunstância de, no contratopromessa, haver já uma declaração negocial não parece suficiente para só nesse caso se admitir a referida execução, dado que, noutros casos, se não há já uma declaração negocial, há também uma obrigação de contratar ou emitir uma declaração de vontade que pode ser tão carecida de execução como a resultante do contrato-promessa.”

Almeida Costa, obra e local citado:

“Embora a história e a letra do preceito revelem uma certa prudência com que o legislador introduziu, entre nós, essa inovação afigura-se razoável a solução afirmativa. Não se vê, com efeito, que a regra do art. 830.º constitua um princípio excepcional no quadro jurídico vigente. Corresponde ao sistema da nossa lei, que atribui à restauração natural prevalência sobre a indemnização por equivalente.

Aceita-se, deste modo, que uma execução específica idêntica à prevista no art. 830.º seja susceptível de abranger outras situações. Até por maioria de razão, nas referidas hipóteses da existência do dever de contratar, parece justificada a mesma restauração natural.”

Januário Gomes, admite a execução específica por analogia com o art. 830.º do CC para o contratopromessa por no mandato sem representação estar implícita uma obrigação contratar, daí retirando o argumento analógico, dizendo expressamente:

“Se se recusarem a fazê-lo-ir ao cartório notarial outorgar a respectiva escriturapoderá entender-se que o autor tem a possibilidade de se socorrer execução específica à semelhança do que dispõe o art. 830.º para o contratopromessa e por se considerar que no mandato sem representação está implícita uma obrigação de contratar, para obter uma sentença que supra tal declaração negocial.”

Nuno Manuel Pinto Oliveira, obra citada, afirma:

“Os autores discutem tão só se a acção de execução específica das obrigações de prestação de facto jurídico é a regra ou a excepção:

se é uma norma geral, aplicável a todas as obrigações de prestação de facto jurídico, ou uma norma excepcional, aplicável apenas e só às obrigações de prestação de facto constituídas através da conclusão de um contratopromessa.

Como a acção de cumprimento deve ter prioridade sobre a acção de indemnização e sobre a resolução do contrato, o art. 830.º do Código Civil deverá aplicar-se directamente às obrigações de prestação de facto fundadas em contratopromessa e aplicar-se indirectamente (por analogia geralanalogia juris) às obrigações de prestação de facto jurídico fundadas em contrato ou na lei.”

Henriques Mesquita, RLJ, ano 131.º, pag. 32, reiterando o que já defendera em Obrigações reais e ónus reais, pags. 18-19, em nota, sustenta a aplicação analógica do regime de execução específica previsto no art. 830.º a todos os casos em que exista, por força da lei ou de uma declaração de vontade, a obrigação de celebrar determinado contrato, dizendo expressamente:

“O objecto de um pedido de execução específica é o cumprimento coercivo, mediante decisão judicial, da obrigação, a cargo do réu, de realizar determinado negócio jurídico.

No caso do mandato sem representação, o mandante poderia, ao abrigo de tal regime, pedir a execução específica da obrigação que vincula o mandatário a transmitirlhe os bens ou direitos que adquiriu na execução do contrato.”

Maria da Graça Trigo, depois de citar Vaz Serra e Almeida Costa, defensores da aplicação alargada da execução específica, escreve que “(a regra do art. 830.º), corresponde ao sistema da nossa lei, que atribui à restauração natural prevalência sobre a indemnização por equivalente (art. 566.º, n.º 1). Aceita-se, deste modo, que uma execução específica idêntica à prevista no art. 830.º seja susceptível de abranger outras situações. [...]. Inclinamonos no sentido favorável à aplicação do art. 830.º a obrigações de declaração de vontade.”

Calvão da Silva, pag. 500 e 501 da obra citada:

“É de estender o âmbito de aplicação da execução específica prevista no art. 830.º, se não mesmo de iure constitutosolução que não nos choca apesar da história e da letra do artigopelo menos de iure condendo, indo mais longe do que, por cautela, parece ter querido ir o legislador de 66.

Se ao tempo a inovação era já importante, dada a tradição do nosso sistema jurídico, tem de reconhecer-se que ficou muito aquém das necessidades práticojurídicas e que urge, por isso, ampliar o perímetro do preceito, abrangendo as situações em que alguém esteja obrigado por lei ou convenção a emitir uma declaração de vontade. [...]. Assim estaremos a potenciar a realização prática do princípio do cumprimento e execução específica a que o credor tem direito em primeiro lugar, como princípio lógico e natural, dando mais confiança e certeza ao comércio jurídico na materialização de um dever que até procede da lei.

O interesse do credor na obrigação como instrumento técnicojurídico ao seu serviço, que o leve a optar pelo cumprimento e execução específica da obrigação de contratar, é um valor fundamental, digno da melhor tutela jurídica. E esta é, sem dúvida, a sentença constitutiva prevista no art. 830.º Por consequência, deve ampliar-se o seu perímetro de aplicação.”

Em obra mais recente, “Sinal e Contrato Promessa”, 14.ª edição, Almedina, 2018, pag. 141, escreve este autor:

“Quando a consagração da execução específica do contratopromessa teve lugar, inovadoramente em 1966, os termos cautelosos e apertados em que o legislador o fez ainda nos sensibilizam para a presunção de convenção em contrário vertida no n.º 2 do art.830.º Era todo um peso da tradição a fazer-se sentir:

não havia nunca execução específica da promessa, passa a haver para o futuro; não havia nunca execução específica da promessa, passa a haver para o futuro; admite-se, todavia, convenção em contrário, valendo como tal, presuntivamente, a existência de sinal ou pena convencionada para o caso de não cumprimento.

Mas hoje a mente jurídica é outra.

Primeiro, a execução específica está adquirida como grande princípio, do mesmo modo que o cumprimento é princípio primário, natural e lógico, reconhecendo-se carácter subsidiário e residual a reparação do dano e execução por equivalente.

Segundo, reivindica-se a extensão do art. 830.º, a ampliação do seu perímetro, de sorte que a execução específica se aplique a outras situações e efective a obrigação de emitir uma declaração de vontade fora do domínio do contrato-promessa.”

Maria João Vaz Tomé, em anotação ao art. 1181.º, CCivil (UCP):

“No caso de recusa de retransmissão do bem, o mandatário incorre em mora aplicando-se o art. 804.º Além da indemnização pelos prejuízos causados pela mora, o mandante pode recorrer à execução específica da obrigação de transferência. [...]

O recurso à execução específica prevista no art. 830.º, por parte do mandante, é possível “sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”. Esta norma (art. 830.º, n.º 1)-, que, atendendo à preferência pela reconstituição natural em detrimento daquela por mero equivalente (art. 566.º,n.º 1), dificilmente pode ser considerada excecional-, interpretada extensivamente com base no argumento de identidade de razão (a pari), não é apenas aplicável ao contrato promessa, mas antes a todos os negócios que originam uma obrigação de contratar. O risco suportado pelo mandante de recusa de retransmissão dos bens adquiridos ou administrados, ou de entrega do produto da alienação dos bens, será reduzido mediante a extensão do âmbito de aplicação do art. 830.º às promessas de contratar que não tenham fonte num contrato promessa. O tribunal emite uma sentença que produz os efeitos da declaração negocial omitida pelo mandatário. O credor, por intervenção judicial, obtém deste modo o mesmo resultado que teria alcançado se o devedor cumprisse voluntariamente a sua obrigação.”

Do acabado de expor, pode em síntese dizer-se o seguinte:

a interpretação restritiva do art. 830.º, n.º 1, do CCivil fundamenta-se no que se considera ter sido a intenção do legislador-diz-se no acórdão do STJ de 07.03.2006 que o legislador foi cauteloso com a introdução no ordenamento jurídico de um instituto novo e assim optou por o circunscrever ao contrato promessa-e o carácter excepcional da norma, o que inviabiliza a sua aplicação analógica; a interpretação restritiva do art. 830.º, n.º 1, do CCivil fundamenta-se no que se considera ter sido a intenção do legislador-diz-se no acórdão do STJ de 07.03.2006 que o legislador foi cauteloso com a introdução no ordenamento jurídico de um instituto novo e assim optou por o circunscrever ao contrato promessa-e o carácter excepcional da norma, o que inviabiliza a sua aplicação analógica; a corrente que defende a aplicação alargada da norma, designadamente à obrigação do mandatário prevista no n.º 1 do art. 1181.º, valoriza sobretudo a necessidade de assegurar a realização efectiva do direito ali reconhecido, negando o carácter excepcional da disposição do n.º 1 do art. 830.º

Expostas as teses em confronto, é altura de justificar por que entendemos dever optar pela tese do acórdão recorrido.

É que tal solução assegura de forma mais efectiva a reparação do direito violado, sem que as razões em que se baseia a tese contrária se apresentem como decisivas.

O princípio regra da interpretação da lei consta do art. 9.º do CCivil que estatui o seguinte:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as condições em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2-Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. [...].

Escreve a este propósito Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2023, pag. 347, “a interpretação é correcta, não se ela estiver de acordo com a vontade do legislador, mas antes se ela observar as regras definidas no art. 9.º do CCivil. Pode assim concluir-se que a finalidade da interpretação não é explicar a lei, mas antes aplicála e encontrar a sua razão de ser como elemento de um raciocínio prático.”

E mais à frente, a fls. 372:

“O intérprete deve escolher a interpretação que, dentro dos limites impostos pela correspondência mínima com a letra da lei e com apoio na justificação histórica da lei, melhor se integre no sistema jurídico e melhor se adequar às necessidades sociais.”

De forma idêntica, Vaz Serra, escrevendo na RLJ n.º 1610, pag. 16, refere que “as leis não têm de ser interpretadas segundo a vontade do legislador concreto, mas preferencialmente, segundo a vontade delas próprias, pelo que acima de considerações extraídas dos seus trabalhos preparatórios ou materiais, há que atender à razão de ser e finalidade da disposição legal.”

É dizer que a “vontade do legislador” não pode ser erigida como o critério determinante na resolução da questão que nos ocupa, eliminando a possibilidade de, pelo recurso a regras de interpretação ou de integração, aplicar o instituto da execução específica a outras situações, nomeadamente ao mandato sem representação, que não sendo um contrato promessa em sentido próprio contém uma obrigação de contratar (Maria Helena Brito e Maria de Lurdes Vargas, em anotação ao art. 1181.º do Código Civil Anotado, I, Almedina).

Aplicação do instituto da execução específica por interpretação extensiva ou por analogia? Como referido no recente Acórdão do STJ n.º 13/2024, proferida na revista ampliada n.º 2218/18.0T8CHV-A.G1.S1, publicado no DR n.º 200, série 1, de 15.10.2024, “não é fácil, na dinâmica de aplicação do direito, distinguir entre a interpretação e a integração do direito, ou seja, entre a interpretação extensiva e a analogia”.

Diz-se ali:

“É usual referir-se que a interpretação extensiva se limita a estender a aplicação da norma a casos não previstos pela sua letra, mas compreendidos pelo seu espírito; enquanto a integração/analogia leva a aplicar a norma situações que nem sequer são abrangidas pelo seu espírito.

E citando Manuel de Andrade, “Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, pag. 158/159:

“A analogia aplica-se quando o caso não é contemplado por uma disposição da lei, enquanto a interpretação extensiva pressupõe que o caso já está compreendido na regulamentação jurídica, entrando no sentido de uma disposição, se bem que fuja à sua letra.

A interpretação extensiva não faz mais que reconstruir a vontade legislativa já existente, para uma relação que só por inexata formulação dessa vontade parece excluída [...] A interpretação extensiva revela o sentido daquilo que o legislador realmente queria e pensava; a analogia tem a ver com casos em que o legislador não pensou e vai descobrir uma norma nova inspirando-se na regulamentação de casos análogos A interpretação extensiva não faz mais que reconstruir a vontade legislativa já existente, para uma relação que só por inexata formulação dessa vontade parece excluída [...] A interpretação extensiva revela o sentido daquilo que o legislador realmente queria e pensava; a analogia tem a ver com casos em que o legislador não pensou e vai descobrir uma norma nova inspirando-se na regulamentação de casos análogos:

a primeira completa a letra a outra o pensamento da lei [...].

Tendo presente estes princípios, entendemos que a aplicação do art. 830.º, n.º 1, do CC deve fazer-se por analogia. Com efeito, considerar-se que a obrigação do mandatário de transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato (art. 1181.º/1 do CC) é susceptível de execução específica é mais que completar o pensamento da lei; é encontrar no sistema uma norma aplicável a casos análogos.

Dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo ou semelhante, de modo que o critério valorativo adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num caso seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro (cf. n.º 2 do art. 10.º)-João Baptista Machado “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1990, p. 202).

José Oliveira Ascensão, in O Direito, Introdução e Teoria Geral, Almedina, 13.ª edição, p. 406 e 407, a este propósito escreve o seguinte:

“A analogia repousa na exigência, a que o pensamento actual é extremamente sensível, do tratamento igual de casos semelhantes. A analogia em si é um processo geral do pensamento, que em matéria de integração de lacunas tem uma das suas implicações jurídicas.

Se uma regra estatui de certa maneira para um caso, é natural que um caso análogo seja resolvido da mesma forma, apesar de lacunoso.

[...].

O caso omisso tem necessariamente diversidade em relação ao caso previsto. É relativamente semelhante, mas é também relativamente diverso. O que a analogia supõe é que as semelhanças sejam mais relevantes que as diferenças. Há um núcleo fundamental nos dois casos que exige a mesma estatuição. Se esse núcleo fundamental pesar mais que as diversidades, podemos então afirmar que há analogia.”

Á luz dos princípios citados, é patente a analogia entre as situações em que se encontra o promitente vendedor no contrato promessa e o mandatário no mandato sem representação.

Isso mesmo foi realçado por Galvão Telles, Parecer “Mandato sem representação”, publicado na CJ, ano VIII, tomo 3, p. 7 e ss:

“Do contratopromessa de alienação de uma coisa nasce para o promitente a obrigação de alienar ao promissário essa coisa, e o promissário não se torna proprietário dela enquanto a obrigação não for cumprida. Assim analogamente nasce para o mandatário a obrigação de alienar ao mandante os direitos ou bens que tinha adquirido por via dos actos jurídicos celebrados em execução do mandato, e esses direitos ou bens também não passam a ser do mandante enquanto o mandatário não cumprir aquela obrigação de lhos transmitir.

Daqui resulta, sem a mais ligeira sombra de dúvida, que se o mandante, em caso de mandato não representativo, pretende haver judicialmente os bens alienados por terceiro em contrato celebrado com o mandatário, tem de propor contra este uma acção pessoal (não real) em que peça a condenação do mandatário no cumprimento da obrigação de lhe transmitir tais bens.

O mandante acha-se investido num direito de natureza puramente creditória:

o direito de exigir uma prestação de fazer, consistente na celebração do negócio jurídico alienatório, consistente na celebração do negócio jurídico alienatório, destinado a transferirlhe os bens que entraram no património do mandatário e aí permanecem.”

Seria supérfluo algo acrescentar para evidenciar as semelhanças existentes entre o contrato promessa e o mandato sem representação, rectius, entre a obrigação que impende sobre o promitente vendedor e a que impende sobre o mandatário sem representação de transferir para o mandante os direitos adquiridos na execução do mandato, mostrando-se assim justificado o recurso à analogia.

Diz-se no acórdão fundamento que a norma do art. 830.º, n.º 1, do CC é excepcional, insusceptível de aplicação por analogia por força do estatuído no art. 11.º do CCivil“as normas excepcionais não comportam aplicação analógica [...]”.

Será assim? A lei não define o que deve entender-se por normas excepcionais.

Entende-se comumente que as normas excepcionais são aquelas que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativas daquele sector de relações. Por outras palavras, a norma será de considerar excepcional quando se desviar da regra afirmada expressa ou implicitamente no sistema.

João Baptista Machado, obra citada, p. 95, afirma que “para se poder dizer que uma norma é excepcional importa verificar se se está ou não perante um regime oposto ao regime regra.”

No mesmo sentido, Catarina e Oliveira Carvalho, no Comentário ao Código Civil, Parte Geral, da Universidade Católica Portuguesa, p. 52, refere:

“A proibição da analogia só se justifica se a norma em causa se afigurar materialmente excepcional, ou seja, deve constituir um verdadeiro ius singulare porque não se limita a contrariar outra regra, mas vai contra um princípio geral informador da ordem jurídica ou de determinado ramo do direito (Oliveira Ascensão, 2005; p. 451 e 528). Este raciocínio rejeita uma interpretação isolada da norma excepcional e exige ao intérprete que proceda a uma valoração conjunta da ordem jurídica com vista a determinar se tal preceito “corresponde às orientações fundamentais desta ou se pelo contrário delas se afasta por razões específicas do caso concreto (Oliveira Ascensão, 2005, p. 452).”

Assim sendo cabe perguntar:

no sistema jurídico a regra é da execução específica ou esta constitui a excepção?

Tendo presente os princípios acima expostos, não é de afirmar que o art. 830.º consagre uma solução oposta ao regime regra, que “se afasta das orientações fundamentais da ordem jurídica”, pelo contrário.

Se um princípio estruturante do direito das obrigações, consagrado no art. 406.º do CCivil, é o de que o contrato deve ser pontualmente cumprido, só podendo modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes, sendo que o advérbio “pontualmente” não quer dizer apenas cumprimento tempestivo, mas também que ele deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito, a execução específica, prevista apenas para o incumprimento da obrigação emergente de contrato promessa, está em perfeita sintonia com aquele princípio na medida em que proporciona ao credor a prestação que lhe é devida, não um sucedâneo, na falta de cumprimento voluntário.

Como referem Almeida e Costa e Nuno Pinto Oliveira, a possibilidade de o mandante recorrer à execução específica para obter do mandatário a transferência do direito obtido na realização do mandato, corresponde ao sistema da nossa lei, que atribui à restauração natural prevalência sobre a indemnização por equivalente (art. 566.º, n.º 1, do CC). Neste sentido, também Maria da Graça Trigo e Maria João Vaz Tomé, obras e locais citados.

Ainda pronunciando-se sobre a natureza não excepcional do art. 830.º, escreve Ana Prata, in “O contratopromessa e o seu regime legal”, pag. 895:

“ É que nem pode argumentar-se, como já se disse, com a natureza excepcional do artigo 830.º, como fundamento de oposição a tal aplicabilidade, pois esta disposição, longe de representar um regime de excepção, constitui um dos meios normais de tutela do crédito, precisamente aquele que, nos termos gerais do artigo 817.º, representa a expressão mais directa da sua coercibilidade ou juridicidade”. “Não estando, assim, integrada no âmbito da previsão do artigo 830.º, n.ºl, a obrigação legal de contratar, mas não havendo razão para ao respectivo credor recusar este instrumento de protecção creditória, ser-lhe-á aplicável por analogia.”

É, pois, de afirmar que o n.º 1 do art. 830.º do CCivil não reveste a natureza de norma excepcional. Logo comporta aplicação analógica.

Revertendo ao caso dos autos.

Os factos apurados permitem considerar celebrado entre Autor e Ré um mandato sem representação, enquadrável no art. 1180.º do Cód. Civil.

A obrigação do Autor (mandatário sem representação), de transferir para a Ré (mandante), nos termos do art. 1181.º do Cód. Civil, o direito a metade do imóvel que aquele adquiriu, é susceptível de execução específica, nos termos do art. 830.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável por analogia.

Decisão.

Face ao exposto, acordam os juízes que constituem o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Julgar improcedente o recurso e confirmar o acórdão recorrido;

b) Estabelecer a seguinte jurisprudência:

A obrigação do mandatário de transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato prevista no art.1181.º do Código Civil é passível de execução específica nos termos do artigo 830.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 23/09/2025.-José Maria Ferreira Lopes (relator)-Fernando Baptista de OliveiraAna Paula LoboIsabel Salgado-Emídio Francisco SantosLuis Fernando dos Santos Correia de MendonçaMaria do Rosário GonçalvesHenrique Antunes-Maria de Deus Simão da Cruz Silva DamascenoAnabela Luna de CarvalhoOrlando dos Santos NascimentoCristina Tavares CoelhoRui Machado e MouraCarlos Portela-Arlindo OliveiraAntónio Domingos RobaloMaria Clara SottomayorPedro de Lima GonçalvesGraça Amaral-Maria Olinda GarciaAntónio Oliveira AbreuNuno Manuel Pinto OliveiraAntónio Moura de MagalhãesRicardo Alberto Santos CostaAntónio Barateiro MartinsVencido, nos termos da declaração da Exmª Conselheira Maria dos Prazeres BelezaLuís Filipe Castelo Branco do Espírito SantoVencido, nos termos da declaração da Exmª Conselheira Maria dos Prazeres BelezaJorge Leal-Vencido, nos termos da declaração de voto da Exmª Conselheira Maria dos Prazeres BelezaNelson Borges CarneiroMaria Teresa Leão Melo Albuquerquevoto de vencida conforme declaração da Exmª Conselheira Prazeres BelezaMaria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida, nos termos da declaração que junto)-Fátima Gomes (vencida nos termos da declaração da Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)-Maria João Vaz Tomé, Votei vencida, conforme declaração anexada.

***

1070/20.0T8BJA.E1.S1-A

Voto de vencida O recurso para uniformização de jurisprudência desempenha uma dupla função de resolução do caso concreto e de orientação da jurisprudência (e, nesta medida, da comunidade jurídica). No caso, ainda que se entendesse que a questão da nulidade por falta de forma, nos termos do disposto nos artigos 830.º, n.º 2, e 220.º do Código Civil, não poderia integrar o objecto do recurso, no que às partes se refere, por não ter sido discutida, deveria poder ser abordada para efeitos de uniformização, sob pena de, a meu ver, se verificar o risco de generalização de uma doutrina desconforme com o entendimento que o Pleno viesse a adoptar, se a discutisse.

Não seria inédito que a doutrina vencedora não fosse aplicada ao caso concreto (cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência de 31 de Março de 2009, www.dgsi.pt, proc. n.º 07B4716).

Suponho, todavia, que observada a garantia do devido contraditório, a nulidade deveria ser analisada, por ser de conhecimento oficioso, aplicando-se ao caso concreto a solução que prevalecesse.

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza **** RUJ 1070/20.0T8BJA.E1.S1-A Declaração de voto Manifesto por este meio a minha adesão à declaração de voto apresentada pela Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Maria João Vaz Tomé 119712082

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/6331409.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda