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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 7/2025, de 4 de Junho

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Sumário

Acórdão do STA de 29 de Abril de 2025, no Processo n.º 33/24.1BALSB ― Pleno da 2.ª ­Secção. Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos: «A alienação de quinhão hereditário não configura ‘alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis’, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.».

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 7/2025

Acórdão do STA de 29 de Abril de 2025, no Processo 33/24.1BALSB-Pleno da 2.ª Secção

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO I.1-Alegações I. A DIRETORAGERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitralProc. n.º 524/2023-T datada de 18/01/2024 que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido por AA, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, tendo por objecto a liquidação de IRS referente ao ano de 2020 no valor de € 50.361,99, veio dela interpor Recurso de Uniformização de Jurisprudência para o Supremo Tribunal Administrativo nos termos do disposto nos n.º 2 a 5 do art. 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto Lei 10/2011, de 20/01 e do art. 152.º do CPTA.

A recorrente invoca oposição entre o referido acórdão arbitral e a decisão arbitral fundamento proferida no âmbito do processo 176/2017-T, datada de 14/09/2017 (já transitado em julgado).

II. A Recorrente veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 17 do SITAF, no sentido de demonstrar a alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:

a) O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem deduzido contra a decisão arbitral de 19/01/2024, prolatada nos autos que correm termos no CAAD com o n.º 524/2023-T, o qual julgou o pedido de pronúncia arbitral procedente, anulando a liquidação adicional de IRS controvertida.

b) Conforme se transcreve do sumário daquela decisão arbitral, sobre o tema “IRS-mais-valias-transmissão de quinhão hereditário, art. 10.º, n.º 1 do CIRS”

:

I-Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não de um direito individual sobre cada um dos bens que a integram.

II-A alienação de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, pelo que não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação.

c) A decisão arbitral sob recurso encontra-se em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão arbitral de 14/07/2017, já transitada em julgado, prolatada no processo 176/2017-T, o qual, sobre o tema “IRS-Mais-Valias-Venda de Quinhão Hereditário”, entendeu que a venda de uma quotaparte que um herdeiro tem sobre um imóvel antes da partilha corresponde a uma alienação onerosa de um direito real sobre um bem imóvel, geradora de uma maisvalia sujeita a IRS e que o alienante ao aceitar a herança e a sua quotaparte no imóvel vendido responde pelos direitos e deveres que advêm desse direito de propriedade.

d) Em suma, a questão objecto do presente recurso consiste em saber se o ganho obtido com a alienação do quinhão hereditário referente a um bem imóvel, sendo a herança composta apenas por esse mesmo bem imóvel alienado e não existindo partilha anterior a essa alienação, constitui uma maisvalia sujeita a IRS nos termos do disposto na n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

e) A jurisprudência que a decisão arbitral sob recurso convoca, e na qual apoia o seu entendimento, tem na sua base a ideia de que o herdeiro antes da partilha não conhece os bens concretos que irão preencher a sua quota, ou seja, existindo uma contitularidade do direito à herança e uma universalidade de bens, antes da partilha não é possível saber em quais desses bens o direito hereditário se irá concretizar.

f) Sucede, porém, que a situação de facto objecto da decisão arbitral em apreço não é susceptível de convocar a jurisprudência em cujo entendimento se apoia.

g) E nessa medida entende-se que não existe um entendimento jurisprudencial susceptível de afastar a admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência.

h) Na verdade, conforme documento n.º 4 junto com a petição inicial, devidamente considerado pelo Tribunal Arbitral para efeitos de probatório, e registado na Conservatória do Registo Predial, conforme documento 5 junto com a PI e referido expressamente no probatório, i) Estamos perante uma escritura pública de “compra e venda de quinhão hereditário”, outorgada a 18/06/2020, na qual as outorgantes, na qualidade de herdeiras, vendem à sociedade A..., S. A., o imóvel inscrito na freguesia..., concelho..., j) Constando da escritura que as herdeiras outorgantes declaram “que na herança não se compreendem bens móveis”, k) Mais declarando que “da referida herança só faz parte um bem imóvel”, aquele que justamente é objecto de alienação onerosa.

l) Não existindo um acervo de bens a partilhar, e sendo o quinhão hereditário que cada uma das herdeiras vende referente apenas e tãosomente à sua quotaparte no referido imóvel, único bem que compõe a herança, não se vislumbra que os argumentos em que assenta aquela jurisprudência sejam aplicáveis à situação concreta dos autos.

m) Em face da factualidade apurada e que serviu de fundamento à decisão, a Recorrente entende que o Tribunal Arbitral incorreu em erro de julgamento quanto ao direito, mais concretamente quanto ao âmbito de aplicação do n.º 1 do art. 10.º do CIRS ao concluir pela não sujeição a IRS dos ganhos obtidos com a alienação do referido imóvel, único bem que compõe a herança, n) Mais se entendendo que a decisão arbitral está em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a decisão arbitral fundamento cujo entendimento se subscreve, em consonância com a defesa apresentada pela ora Recorrida no processo arbitral, o que motiva o presente recurso para uniformização de jurisprudência.

o) Quanto à questão de direito ora controvertida, a decisão arbitral sob recurso considerou, conforme supra se transcreveu, que “a alienação de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis”, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, pelo que não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação”, p) Tendo como pressuposto que enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro não é titular de um direito individual sobre os bens que a integram a herança, não distinguindo as heranças compostas por uma pluralidade de bens daquelas heranças compostas por um único bem, como vem a ser o caso dos autos.

q) No caso dos autos em apreço, a herança é composta por um único bem imóvel e a quota parte de cada herdeira relativamente à herança, mesmo antes da partilha, já se encontra definida como sendo uma quotaparte sobre o referido imóvel, e não outro qualquer bem, numa proporção de contitularidade idêntica à sua quotaparte na herança.

r) A decisão arbitral sob recurso está em clara oposição com a decisão arbitral fundamento, a qual considerou, conforme se transcreve do respectivo teor a fls. 11, o seguinte:

37-O quinhão hereditário do Requerente, traduz-se no direito de propriedade sobre uma quota do imóvel aqui em apreciação.

38-Tratando-se de uma quotaparte de um imóvel e do respetivo direito de propriedade sobre o mesmo, à sua alienação aplicam-se as regram do respetivo negócio jurídico necessário para o alienar, respetivamente, um contrato de compra e venda.

39-Conforme consta da escritura-pública, o resultado da venda não foi auferido pela herança como um todo indivisível, mas sim foi repartido pelos herdeiros de acordo com a proporção da sua quota.

40-O Requerente é herdeiro de uma quotaparte do imóvel, e nessa qualidade detém um direito real sobre o respetivo imóvel.

41-Essa quotaparte detida pelo Requerente foi acordada com os restantes herdeiros, tal como decorre da escritura pública de compra e venda, pelo que nos termos do artigo 2091.º n.º 1, se conclui que foi outorgada com o consentimento e presença de todos os herdeiros.

42-Perante o exposto, conclui-se que o Requerente como herdeiro adquiriu o domínio e posse dos bens da herança no momento da sua aceitação (Artigo 2050.º do CC).

43-O presente negócio jurídico, enquadra-se no caso típico de maisvalias, resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, mediante um contrato de compra e venda, por meio de escritura pública.

44-Atendendo a que o Requerente aceitou a herança e a sua quotaparte no imóvel vendido, responde pelos direitos e deveres que advêm desse direito de propriedade.

45-Com efeito, ao Requerente é-lhe imputado o rendimento na proporção da respetiva quota, nos termos do disposto no artigo 19.º do CIRS.

46-Aliás mesmo que a quota do Requerente não tivesse sido determinada, a mesma seria presumivelmente determinada em partes iguais, nos termos do disposto no artigo 19.º

47-No presente caso, existe uma escritura pública, na qual vem descrito o valor atribuído ou recebido pelo Requerente, valor este acordado entre as partes e os respetivos herdeiros, ou seja, existe, um valor material atribuído ao direito real de propriedade do Requerente, sobre o imóvel.

48-E a escritura pública é um documento autêntico, idóneo e com fé pública, o que determina que o seu teor é autêntico, demonstrativo que o Requerente vendeu conjuntamente com os restantes herdeiros a sua quotaparte da herança sobre aquele imóvel.

49-Nestes termos, decide-se pela legalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [...]

s) Muito embora não seja explícito se a decisão arbitral fundamento se pronuncia sobre um quinhão hereditário respeitante a uma herança onde existem outros bens para além do bem imóvel vendido, o seu entendimento é aplicável, por maioria de razão, à situação dos autos onde, seguramente, o único bem que compõe o acervo da herança indivisa é o imóvel alienado.

t) Em suma, a factualidade subjacente à decisão arbitral fundamento consiste na realização de uma escritura pública de alienação de uma quotaparte numa herança indivisa relativa a um imóvel.

u) Assim, quanto à questão de direito controvertida, entende-se que estamos perante a mesma questão fundamental de direito pois em ambos os acórdãos, está em causa a aplicação do n.º 1 do art. 10.º do CIRS à venda de um quinhão hereditário referente a uma quotaparte de um bem imóvel.

v) Quanto ao mérito do recurso, a Recorrente defende o entendimento quanto ao direito plasmado no a decisão arbitral fundamento, remetendo-se para as respectivas considerações, acima transcritas, e que merecem o nosso inteiro acolhimento.

w) Concluindo, entende-se que estão preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo a semelhança entre as situações de facto em causa por serem subsumíveis ao mesmo quadro normativo e estando as soluções jurídicas em causa em manifesta contradição entre si quanto à mesma questão fundamental de direito, x) Requerendo-se a admissão do recurso e o seu conhecimento de mérito, com a procedência do mesmo e a anulação da decisão arbitral, com as devidas consequências legais.

I.2-Contra-alegações Não foram produzidas contraalegações pela Recorrida.

I.3-Parecer do Ministério Público, Foi junto Parecer a fls. 320 a 324 do SITAF, com o seguinte teor I.3-Parecer do Ministério Público, Foi junto Parecer a fls. 320 a 324 do SITAF, com o seguinte teor:

“I. Objecto do Recurso de Uniformização de Jurisprudência.

1-O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 25.º do RJAT e artigo 152.º do CPTA, com a alegação de que o acórdão recorrido proferido pelo CAAD em 18/01/2024, no processo 524/2023-T, está em oposição com a decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo 176/2017-T.

1.1-Considera a Recorrente

«

que estão preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo a semelhança entre as situações de facto em causa por serem subsumíveis ao mesmo quadro normativo e estando as soluções jurídicas em causa em manifesta contradição entre si quanto à mesma questão fundamental de direito

»

.

1.2-Para tanto alega que as duas decisões em confronto perfilharam soluções opostas sobre a mesma questão de direito e que consiste em saber

«

…se o ganho obtido com a alienação do quinhão hereditário referente a um bem imóvel, sendo a herança composta apenas por esse mesmo bem imóvel alienado e não existindo partilha anterior a essa alienação, constitui uma maisvalia sujeita a IRS nos termos do disposto na n.º 1 do artigo 10.º do CIRS

»

.

1.3-Entende a Recorrente que

«

o Tribunal Arbitral incorreu em erro de julgamento quanto ao direito, mais concretamente quanto ao âmbito de aplicação do n.º 1 do art. 10.º do CIRS ao concluir pela não sujeição a IRS dos ganhos obtidos com a alienação do referido imóvel, único bem que compõe a herança

»

.

1.4-E termina pugnando pelo entendimento vertido na decisão fundamento e pela anulação da decisão arbitral recorrida.

II. QUESTÃO PRÉVIA DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.

1-Como é entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos de uniformização de jurisprudência, tendo em conta o regime previsto no artigo 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

1.1-No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

-identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

-que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;

-que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

-a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2-DELIMITAÇÃO DA QUESTÃO EM CADA UMA DAS DECISÕES.

2.1-Na decisão arbitral recorrida o tribunal deu como assente que o sujeito passivo fez constar da sua declaração de IRS a venda de um imóvel, mas que o objecto de transmissão foi “o quinhão hereditário do qual esse imóvel fazia parte”.

Mais se deu como assente que o quinhão hereditário respeitava a herança deixada a si e ao seu falecido marido por óbito de terceira pessoa.

2.1.1-Para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal arbitral, convocando para este efeito acórdãos do STJ e do STA (ac. de 25-11-2009, P. 0975/09) que

«

a alienação de quinhão hereditário composto por bens imóveis, não constitui alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, designadamente para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

»

.

2.2-Na decisão arbitral que serve de fundamento (P.176/2017) deu-se como assente que o imóvel alienado fazia parte de uma herança indivisa (Não se alcança da matéria de facto assente se o imóvel em causa era ou não o único bem da herança, mas tudo leva a crer nesse sentido, atenta a argumentação das partes.) tendo os herdeiros dividido o produto da venda e suportado as despesas com a transação na proporção do seu quinhão (não se alcança da decisão arbitral que regras foram observadas para a definição desse quinhão).

2.2.1-Para se decidir pela improcedência da ação considerou-se na decisão arbitral fundamento que

«

o quinhão hereditário do Requerente, traduz-se no direito de propriedade sobre uma quota do imóvel aqui em apreciação. Tratando-se de uma quotaparte de um imóvel e do respetivo direito de propriedade sobre o mesmo, à sua alienação aplicam-se as regras do respetivo negócio jurídico necessário para o alienar, respetivamente, um contrato de compra e venda

»

.

2.2.2-Mais se entendeu que

«

o resultado da venda não foi auferido pela herança como um todo indivisível, mas sim foi repartido pelos herdeiros de acordo com a proporção da sua quota. O Requerente é herdeiro de uma quotaparte do imóvel, e nessa qualidade detém um direito real sobre o respetivo imóvel

»

.

3-APRECIAÇÃO DOS REQUISITOS DO RECURSO.

3.1-Pese embora a forma algo incorreta como foi fixada a matéria de facto (com recurso a ilações de direito do julgador) resulta das decisões arbitrais que em ambas o julgador se confrontou com a situação de alienação de imóvel que fazia parte de herança indivisa e se as maisvalias apuradas nessa transação estavam ou não sujeitas a tributação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

3.2-E enquanto na decisão arbitral recorrida o tribunal deu resposta negativa, considerando que a alienação de quinhão hereditário não era subsumível ao citado normativo legal, já na decisão arbitral fundamento se deu resposta positiva, por se entender que estava em causa a alienação de direito real sobre imóvel.

3.3-Afigura-se-nos, assim, que se verifica a identidade das situações de facto (em ambos os casos ocorreu a transmissão de um imóvel que fazia parte de herança indivisa) e da questão de direito (saber se a transmissão realizada pelos herdeiros configura “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis” subsumível na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS) sobre a qual foram perfilhadas soluções antagónicas, motivo pelo qual se mostram reunidos os requisitos para a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência, sendo certo que, salvo melhor opinião, não existe jurisprudência do STA recentemente consolidada sobre essa questão.

4-APRECIAÇÃO DA QUESTÃO.

4.1-A questão que se coloca consiste em saber se a transmissão pelos herdeiros de imóvel que faz parte de herança indivisa consubstancia “alienação onerosa de direitos reais” e nessa medida suscetível de originar ganhos tributáveis na esfera jurídica dos herdeiros, subsumíveis na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

4.2-Dispõe a este propósito o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS:

“Artigo 10.º Maisvalias 1-Constituem maisvalias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;

(Redação da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro) [...]”

4.3-Decorre do preceito transcrito que o incremento patrimonial sujeito a tributação corresponde aos ganhos (diferença entre o valor da venda e o valor da aquisiçãoal. a) do n.º 4 do art.10.º)-obtidos com a transmissão onerosa do direito de propriedade sobre o imóvel.

4.4-A questão que se coloca e sobre a qual foram adotados os entendimentos divergentes nas duas decisões arbitrais em confronto, assenta na qualificação do direito que cada um dos herdeiros detém sobre o imóvel.

4.5-Na decisão recorrida o tribunal arbitral considerou, apoiando-se em jurisprudência deste tribunal e do STJ, que estamos perante um direito a uma alíquota da herança e não um direito de propriedade sobre o imóvel, na medida em que na situação de herança indivisa o herdeiro não detém um direito de propriedade sobre determinado bem, o que só se vem a concretizar-se com a partilha e o preenchimento do respetivo quinhão.

4.6-É o que resulta do acórdão do STJ de 30/01/2013 proferido no proc. n.º 1100/11.7TBABT.E1.S1, cuja jurisprudência se adotou, e no qual se deixou exarado (em sumário) que

«

…até à partilha, os coherdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortiscausa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota

»

(Jurisprudência assente nos ensinamentos do prof. Doutor Rabindranath Capelo de Sousa e do prof. Doutor Pereira Coelho.)

4.7-E pela sua clareza permitimonos igualmente repetir o trecho do acórdão do STJ de 07/05/2009, proc. 08B3572, que reflete essa mesma doutrina e jurisprudência dominante, e no qual se deixou exarado o seguinte:

«

Não há qualquer dúvida de que, enquanto uma herança se mantiver indivisa, cada um dos herdeiros é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo, e não de um direito “individual”-no sentido de um direito de que é único titular ou cotitular, mas relativamente a um bem ou direito especificadosobre cada um dos bens que a integram. Essa situação de indivisibilidade do património colectivo, que, como regra, impõe que os direitos a ela relativos só possam “ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros” (n.º 1 do artigo 2091.º do Código Civil), e que impede um coherdeiro de dispor de bens determinados, só cessa com a liquidação e partilha, como resulta do artigo 2074.º do mesmo Código Civil. Também não há assim dúvida de que só com a partilha o herdeiro se torna pleno titular dos direitos (seja qual for a respectiva natureza) que por essa via lhe couberem; se a herança integrar a propriedade de bens imóveis, só com a partilha é que o herdeiro a quem vieram a ser atribuídos (em regime de propriedade singular ou de compropriedade) passa a ser titular do direito de propriedade sobre eles e, nessa qualidade, a poder exercer os direitos correspondentes Não há qualquer dúvida de que, enquanto uma herança se mantiver indivisa, cada um dos herdeiros é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo, e não de um direito “individual”-no sentido de um direito de que é único titular ou cotitular, mas relativamente a um bem ou direito especificadosobre cada um dos bens que a integram. Essa situação de indivisibilidade do património colectivo, que, como regra, impõe que os direitos a ela relativos só possam “ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros” (n.º 1 do artigo 2091.º do Código Civil), e que impede um coherdeiro de dispor de bens determinados, só cessa com a liquidação e partilha, como resulta do artigo 2074.º do mesmo Código Civil. Também não há assim dúvida de que só com a partilha o herdeiro se torna pleno titular dos direitos (seja qual for a respectiva natureza) que por essa via lhe couberem; se a herança integrar a propriedade de bens imóveis, só com a partilha é que o herdeiro a quem vieram a ser atribuídos (em regime de propriedade singular ou de compropriedade) passa a ser titular do direito de propriedade sobre eles e, nessa qualidade, a poder exercer os direitos correspondentes

»

-(disponível em www.dgsi.pt).

4.8-Entendimento este igualmente sufragado no acórdão deste tribunal de 25/11/2009, proc. n.º 0975/09, e reiterado no acórdão do Pleno de 24/02/2021, proferido no proc. n.º 05/09.6BESNT, no qual se deixou exarado que

«

…enquanto uma herança permanecer indivisa (não for objeto de liquidação e partilha) (Por força do art. 2101.º n.º 2 do CC, “Não pode renunciar-se ao direito de partilhar, mas pode convencionar-se que o património se conserve indiviso por certo prazo, que não exceda cinco anos; é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção”. Ver, ainda, art. 2074.º do mesmo compêndio legal.), cada um dos herdeiros, somente, é titular de um direito a uma quotaparte (ideal) de uma massa de bens, constituindo um património autónomo, e não de um direito, subjetivo, sobre cada um dos bens integrantes da mesma, já, por efeito da partilha, o herdeiro torna-se titular, em pleno, dos direitos que lhe couberem, sendo, se a herança integrar a propriedade de bens imóveis, a partir de então, que, conforme (na proporção) lhe forem atribuídos, passa a ser proprietário de cada um deles e, nessa qualidade, pode exercer os direitos correspondentes

»

.

4.9-Jurisprudência esta que merece a nossa adesão. Daí que, salvo o devido respeito, entendamos que devem ser repudiadas as ilações de direito extraídas na decisão arbitral fundamento, no sentido de que na venda do imóvel, cada um dos herdeiros está a dispor da sua quota parte do direito de propriedade sobre o mesmo, sendolhe nessa medida imputados os ganhos resultantes da venda, os quais estão sujeitos a tributação do abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

4.10-Com efeito, o disposto nos artigos 2031.º, 2050.º, 2091.º e 2124.º, todos do Código Civil, nos quais se sustenta esse entendimento, não permite sem mais essa extrapolação, pois se é certo que a titularidade do direito do herdeiro sobre determinado imóvel que lhe seja atribuído em partilha retroage ao momento da abertura da sucessão (art. 2119.º do CC), tal ocorre porque é intuito do legislador evitar hiatos na titularidade das relações jurídicas que são objeto da sucessão.

4.11-No caso concreto estamos perante a alienação de imóvel que integra a herança indivisa (sendo a nosso ver despiciendo que se trate do único bem da herança), sendo que a participação dos herdeiros no ato de venda ao abrigo dos citados normativos é a título da sua qualidade de herdeiro e titular dos direitos inerentes, e não como contitular do direito de propriedade sobre esse bem, pelo que é incorreta a afirmação formulada na decisão arbitral fundamento de que

«

o requerente é herdeiro de uma quotaparte do imóvel e nessa qualidade detém um direito real sobre o respetivo imóvel

»

.

4.12-Na verdade, com a venda do imóvel este bem é substituído na herança pelo produto da sua venda, o qual será objecto de partilha (conjuntamente com outros bens se houver) de acordo com as regras da sucessão e não com base numa pretensa contitularidade do imóvel.

4.13-Entendemos, assim, que a transmissão pelos herdeiros de imóvel que faz parte de herança indivisa não consubstancia “alienação onerosa de direitos reais” para os efeitos do disposto na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, e nessa medida não são apurados ganhos tributáveis na esfera jurídica dos herdeiros.

5-Em conclusão:

Dado que as duas decisões arbitrais em confronto perfilharam solução antagónica sobre a mesma questão de direito, impõe-se a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência no sentido de que a alienação de bem imóvel integrante de herança por parte dos herdeiros não constitui alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Motivo pelo qual se impõe a manutenção da decisão arbitral recorrida e julgar-se improcedente o recurso.”

I.4-Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, em conferencia, no Pleno da Secção. IIFUNDAMENTAÇÃO II.1-De facto A decisão arbitral sob recurso, considerou como provados os seguintes factos:

A. A Requerente foi notificada para proceder à correcção da sua declaração de IRS de 2020 por forma a alterar o valor declarado em sede de mais valiasAnexo G-, designadamente o valor de realização do artigo...06 (...64), imóvel constante da descrição...04, da Freguesia... na CRP...-Docs. n.os 3 e 5 juntos com o PPA, que aqui se dão por reproduzidos.

B. A Requerente declarou a alienação daquele imóvel, na sua declaração de IRS Modelo 3, mas o que transmitiu foi o quinhão hereditário do qual esse imóvel fazia parte, concretamente o quinhão hereditário pertencente a si e a seu falecido cônjuge, na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, falecida em../../1985, e o quinhão hereditário pertencente a CC, na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, na qualidade de herdeira final deste, como consta de escritura pública outorgada no dia 18 de Junho de 2022-Doc. n.º 4 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido.

C. A aquisição do mencionado quinhão hereditário foi registada na Conservatória do Registo Predial..., pela Ap...52, de 2020/07/10, a favor da compradora A..., S. A., conforme certidão permanente anexa à petiçãoDoc. n.º 5 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido.

D. A liquidação impugnadaliquidação de IRS n.º ...64, de 22/12/2022-resulta da correção efetuada à declaração de IRS 1546-20..., realizada no âmbito do procedimento de análise de divergências de IRS 2020 n.º ...85., ao abrigo do despacho do Chefe de Finanças, datado de 15/12/2022-Docs. n.os 1 e 2 juntos com o PPA e PA junto pela Requerida, que aqui se dão por reproduzidos.

E. A Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente-RG...13-foi indeferida por despacho do Chefe de Serviço de Finanças..., ao abrigo de delegação de competências do Director de Finanças de Lisboa, proferido em 13-06-2023, notificado pelo Ofício n.º ...68, da mesma data, o qual se integra no citado Doc. n.º 2 e aqui se dá por reproduzido.

F. O presente PPA foi apresentado em 17-07-2023.

A decisão arbitral fundamento proferido pelo CAAD no âmbito do processo 176/2017-T, datado 14/09/2017 que julgou como provada a seguinte matéria de facto:

[...]

7-O Requerente é herdeiro da herança de DD, pela qual lhe foi atribuído, uma quota ou quinhão hereditário do prédio urbano inscrito na matriz predial da União das freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho e distrito..., sob o artigo...35.

8-O prédio encontrava-se registado na respetiva Conservatória, em nome de DD e de EE (NIF...28).

9-O Requerente, em 25-09-2014, por meio de escritura pública de compra e venda, procedeu à transmissão do seu quinhão hereditário do prédio urbano inscrito na matriz predial da União das freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., Concelho e distrito..., sob o artigo...35.

10-O Requerente, conjuntamente com os restantes herdeiros, do dito prédio, procederam à venda do imóvel na sua totalidade, sendo que cada um dos alienantes recebeu a sua parte do valor da venda, de acordo com a sua quota, conforme consignado em escritura pública.

11-Conforme consta da escritura pública, o imóvel foi alienado pelo valor de €160.000,00.

12-O Requerente, recebeu pela venda do imóvel, o montante de €13.309,00.

13-As despesas da escritura, foram imputadas a cada um dos herdeiros na proporção do seu quinhão.

14-O Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação e pagamento das maisvalias, tendo a mesma sido indeferida por Despacho de 13-12-2016.

II.2-De Direito I. São três as questões que importa dirimir no âmbito do presente Processo:

a) Ocorre efetiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento quanto à mesma questão fundamental de Direito?

b) Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, pode considerar-se, ainda assim, que o presente recurso não deve ser admitido pelo facto de a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida corresponder à jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal?

c) Sendo afirmativa a resposta às duas questões anteriores, deve ser provido o recurso? II. Uma vez que tem precedência sobre as demais, importa começar por recordar os requisitos de admissibilidade previstos para o presente recurso:

-que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT;

-que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;

-que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;

-que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

III. Entende-se que é idêntica a questão fundamental de Direito nos casos em que:

-as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

-o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

-quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.

IV. Vertendo ao caso concreto presente nas decisões em confronto, é notória a semelhança das respectivas situações de facto.

Com efeito, pode destacar-se que, em ambos os casos:

-encontramo-nos diante a tributação de quinhões hereditários relativos a heranças ilíquidas e indivisas aberta por óbito de familiares;

-a herança indivisa incorpora bens imóveis, exclusivamente ou com outros bens;

-ocorreu a transmissão onerosa de quinhões hereditários dos quais tais imóveis faziam parte;

-foram apuradas maisvalias relativas à venda de tais quinhões hereditários, tributados em IRS.

V. De distinção entre as decisões em confronto, merece apenas realce o facto de, na decisão arbitral recorrida, a transmissão onerosa em causa englobar dois quinhões, tendo a Requerente transmitido, além do seu propriamente dito, o quinhão de que foi, indirectamente, herdeira por falecimento de outro coherdeiro. Tal facto distinto é, sem prejuízo, irrelevante para o efeito do presente recurso uniformizador.

Donde, por isso, se conclui no sentido da verificação de uma indiscutível similitude fácticojurídica entre ambas as decisões sob análise.

VI. A semelhança da questão fundamental de Direito em ambos os casos é, ainda, evidenciada pelo teor das respectivas fundamentações (e, no caso da decisão recorrida, especialmente evidenciado pelas Conclusões) das decisões arbitrais aqui em confronto.

Assim, na decisão recorrida, pode ler-se:

“Da força esmagadora desta corrente jurisprudencial e doutrinal, à qual se adere sem qualquer reserva, deve concluir-se que a alienação de quinhão hereditário composto por bens imóveis, não constitui alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, designadamente para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Nessa medida, cumpre declarar a procedência do pedido formulado pela Requerente.” (sublinhado nosso).

E, nas respectivas Conclusões, pode ler-se:

“I-Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não de um direito individual sobre cada um dos bens que a integram.

II-A alienação de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, pelo que não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação.” (sublinhados nossos).

Em paralelo, pese embora em sentido oposto, pode ler-se na decisão arbitral fundamentoem que se estriba a Recorrente para sustentar o presente Recurso:

“44. Atendendo a que o Requerente aceitou a herança e a sua quotaparte no imóvel vendido, responde pelos direitos e deveres que advêm desse direito de propriedade.

45-Com efeito, ao Requerente é-lhe imputado o rendimento na proporção da respetiva quota, nos termos do disposto no artigo 19.º do CIRS.

46-Alias mesmo que a quota do Requerente não tivesse sido determinada, a mesma seria presumivelmente determinada em partes iguais, nos termos do disposto no artigo 19.º

47-No presente caso, existe uma escritura pública, na qual vem descrito o valor atribuído ou recebido pelo Requerente, valor este acordado entre as partes e os respetivos herdeiros, ou seja, existe, um valor material atribuído ao direito real de propriedade do Requerente, sobre o imóvel.

48-E a escritura pública é um documento autêntico, idóneo e com fé pública, o que determina que o seu teor é autêntico, demonstrativo que o Requerente vendeu conjuntamente com os restantes herdeiros a sua quotaparte da herança sobre aquele imóvel.” (sublinhado nosso).

É, por conseguinte, manifesta a identidade da questão fundamental de Direito sobre a qual as decisões arbitrais ora em confronto se pronunciam.

VII. Mais se retira deste confronto entre as decisões arbitrais aqui envolvidas, como julgamos ser fácil de constatar, a manifesta oposição entre ambas.

Pelo que, tudo visto e ponderado, é inevitável a conclusão que além de admitido, o presente Recurso assenta na verificação das condições de que depende o conhecimento do respectivo mérito.

Cabe, por isso, fixar jurisprudência uniforme a este respeito.

VIII. Ora, sobre esta questão pronunciou-se, muito recentemente, este Supremo Tribunal, em termos que merecem a nossa adesão e que, por isso mesmo, aqui ora se reproduzem.

Assim, por Acórdão de 12 de Fevereiro de 2025, lavrado no Processo 82/19, foi sufragado o entendimento, avesso ao subscrito pela Recorrente, de que “assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente, a qual não corresponde, não se reconduz ou equivale à de proprietário, pois não dispõe nem passou a dispor de direito pleno sobre qualquer bem imóvel (o que se aferirá, sendo caso disso, em sede de futura partilha), evidencia-se que não ocorreu qualquer alienação de bens imóveis, não se verificando a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS.”

Para tal sentido, estribou-se este Supremo Tribunal na seguinte fundamentação, a qual se subscreve integralmente:

“A norma posta em evidência nos autosart. 10.º n.º 1 alínea a) do CIRS-, na redacção em vigor à data dos factos, determina que “[c]onstituem maisvalias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

[...] Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”.

Desde logo, com interesse para a matéria dos autos, cabe notar que, nos termos do art. 2030.º n.º 2 do C. Civil herdeiro é o “que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados”, ou seja, o herdeiro sucede no património enquanto universalidade ou sucessor universal, quer seja no seu todototalidade do património do de cujusquer seja numa quota do património do de cujus.

Neste ponto, tal como aponta Inocêncio Galvão Telles, Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 6.ª Ed., Coimbra Editora, 1991, pág. 189, diga-se que “em resumo (...) herdeiro é o que sucede no “universum ius” do falecido ou numa quota desse “universum ius”, entendendo por este o património como unidade jurídica. Num caso ou noutro há sucessão universal. A diferença está em que no primeiro caso a universalidade fica a pertencer a um só herdeiro, ao passo que no segundo fica a pertencer a dois ou mais, e então cada um tem uma quota.”.

A partir daqui, só é possível a um herdeiro transmitir a sua quota parte na universalidadeuniversalidade que é o património uno e indiviso do de cujus, conjunto abstratoenquanto se permanecer em tal indivisão, no sentido de que a alienação do quinhão hereditário só é possível até à partilha da herança, na medida em que, uma vez partilhada a herança (e sendo a partilha o acto pelo qual são adjudicados bens concretos da herança a cada herdeiro para preenchimento do respectivo quinhão) por definição deixa de existir quinhão hereditário, até porque, por efeito da partilha, os bens que tiverem vindo preencher o respectivo quinhão hereditário confundem-se, então, com o património pessoal do herdeiro.

Nestas condições, tendo presente o art. 2124.º do C. Civil, o que o herdeiro transmite é o direito à herança, o “direito de quinhão hereditário”, que traduz uma quotaparte ideal da herança.

Na verdade, tal como refere Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 1997, pág. 98, “Pela alienação de quinhão hereditário indiviso transfere-se para o adquirente o direito de quinhão em causa, que abrange, v. g., direitos de gestão (art. 2091.º do CCiv), direitos à recepção de rendimentos (art. 2092.º, CCiv) e direitos de exigir a partilha e de composição da quota (art. 2101.º, CCiv). (...)”.

Com este pano de fundo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 25-11-2009, Proc. n.º 0975/09, www.dgsi.pt concluiu que:

“I-Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram. IIAssim, porque a alienação “[...] de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação. [...]” Com efeito, “[...] só com a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos (seja qual for a respectiva natureza) que por ela lhe couberem. E, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade (singular ou em compropriedade) sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes”.

Nesta sequência, importa também ter presente o Acórdão deste Supremo Tribunal de 28-01-2015, Proc. n.º 0450/14, www.dgsi.pt, onde se ponderou que:

“…Como bem se refere na sentença recorrida é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que “enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram”. (Acórdão do STJ, de 07.05.2009-Processo 08B3572 que aqui seguimos. Em sentido idêntico, entre outros, v. os Acórdãos da Relação do Porto, de 04.03.2002-Processo 0151906 e da Relação de Lisboa, de 12.06.96-Processo 1936 e de 26.11.96-Processo 740.)

Efectivamente só com a partilha é que o herdeiro é considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos cfr artigo 2119 do CC. Embora cada um dos herdeiros tenha desde a abertura da sucessão direito a uma parte ideal da herança, é apenas com a partilha que esse direito se concretiza tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro. E só após a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos que por ela lhe couberem. E, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes.

No caso dos autos, como se referiu, com a cessão foi transmitido o direito ao quinhão hereditário pelo que o que se transmite é, como se refere no Ac. do STJ de 09.02.2012-Proc. 2752/07.8TBTVD.L1.S1, “um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras”.

Não ocorreu, portanto, uma alienação de imóveis concretamente identificados, até porque só com a realização da partilha seria possível estabelecer a titularidade do direito de propriedade sobre tais imóveis. Como se referiu já no acórdão de 25 11 2009 do STA in processo 0975/09 citado na sentença sob recurso “Assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente a sua situação jurídica não é igual à do proprietário, o qual dispõe de direito pleno sobre o bem que pretende alienar, pelo que não estamos perante a “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” a que se refere o citado artigo 10.º do CIRS.

E face à clareza da norma da incidênciaartigo 10 do CIRS al a) em causa, não há também que fazer apelo ao critério económico que o artigo 11/3 da LGT consagra, já que a tal subsidariedade só é de acorrer quando persistir dúvida sobre o sentido da norma de incidência a interpretar, o que, aqui, manifestamente, não ocorre. …”.

Por outro lado, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 15-06-2016, Proc. n.º 01863/13, www.dgsi.pt, dá nota que “…constituindo a herança indivisa uma universalidade relativamente à qual não houve ainda partilha de bens (art. 2119.º do CCivil), estamos em presença de um

«

património autónomo

» partilhado, em regime de comunhão (e não em compropriedade), pelos coherdeiros, os quais não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem individualizado que compõe a herança indivisa, sendo apenas seus titulares em comunhão. Na expressão do acórdão do STJ, de 21/4/2009, proc. n.º 635/09
«

…até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito “a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2.ª ed, pág. 347-348, e Vol. VI, pág. 160, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2.ª ed, pág. 90-92, 99 e 126;

Revista dos Tribunais, n.º 84, pág. 196, n.º 87, pág. 126 e n.º 88, pág. 95)”. Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança. [...] A partilha “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo de uma parcela determinada do todo” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, págs. 195-196 e 203).

»

…”.

Ora, como já ficou dito, o art. 10.º n.º 1 alínea a) do CIRS-, na redacção em vigor à data dos factos, determina que “[c]onstituem maisvalias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

[...] Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”, impondo-se ter presente que a norma de incidência não admite interpretação extensiva nem analógica e o critério económico tem de ter respaldo legalart. 11.º da LGT.

Pois bem, a transmissão do quinhão hereditário da herança quando integrada por bens imóveis, como é o caso, é distinta da alienação do direito de propriedade que o proprietário ou o comproprietário detém sobre bens imóveis, o que significa que a situação em causa não se enquadra no citado preceito do CIRS, porquanto, in casu, não ocorreu uma transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sendo que emerge do preceito em apreço que a norma de incidência tributária incide sobre a “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis” e não sobre o direito ao quinhão hereditário, o que equivale a dizer que a sua alienação em causa não está sujeita a tributação em sede de maisvalias no âmbito do IRS, dado que, com a cessão de quinhão hereditário transmite-se um direito abstractamente considerado e idealmente definido e só com a realização da partilha é que se pode estabelecer a titularidade do direito de propriedade sobre tais bens imóveis.

Em suma, alienar um direito sobre um património autónomo (herança) não é a mesma coisa do que alienar um direito de propriedade ou afim sobre um mais imóveis, mesmo que a herança seja constituída apenas por imóveis e não estando a alienação de herança prevista na norma de incidência das transmissões de direitos sobre imóveis não é possível tributála em sede de categoria G em IRS por força do princípio da tipicidade da lei fiscal.

Diga-se ainda, tal como decidido, que se os efeitos da partilha retroagem à abertura da herança, sendo o herdeiro considerado o sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, significa que todos os demaisincluindo aqueles a que sucedeu (a qualquer título) e aqueles a quem não foram atribuídos os bensnão relevam em matéria de retroactividade da partilha, tendo em atenção a natureza do direito ao quinhão hereditário, enquanto “[...] um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras” (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 9 de fevereiro de 2012 no processo 2752/07.8TBTVD.L1.S1, de modo que, assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente, a qual não corresponde, não se reconduz ou equivale à de proprietário, pois não dispõe nem passou a dispor de direito pleno sobre qualquer bem imóvel (o que se aferirá, sendo caso disso, em sede de futura partilha), evidencia-se que não ocorreu qualquer alienação de bens imóveis, não se verificando a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, pois que é apenas com a partilha da herança (a qual não é controvertido que não ocorreu) que o direito a uma parte ideal de cada herdeiro se concretiza, tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro, de modo que, resulta manifesto que não merece censura o exposto na decisão recorrida, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.”-disponível em www.dgsi.pt.

III. CONCLUSÃO

A alienação de quinhão hereditário não configura “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, pelo que não estão sujeitos a este imposto os eventuais ganhos resultantes dessa alienação.

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em, admitindo o recurso, tomar conhecimento do mérito do mesmo, negar provimento, e uniformizar jurisprudência no sentido de que a alienação de quinhão hereditário não configura “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 29 de Abril de 2025.-Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator)-Francisco António Pedrosa de Areal RothesIsabel Cristina Mota Marques da SilvaDulce Manuel da Conceição NetoJoaquim Manuel Charneca CondessoNuno Filipe Morgado Teixeira BastosAníbal Augusto Ruivo FerrazPaula Fernanda Cadilhe RibeiroPedro Nuno Pinto VergueiroAnabela Ferreira Alves e RussoJoão Sérgio Feio Antunes RibeiroJorge Cortês-Catarina Almeida e Sousa.

119129547

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/6198666.dre.pdf .

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    Regula, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária,

  • Tem documento Em vigor 2020-12-31 - Lei 75-B/2020 - Assembleia da República

    Orçamento do Estado para 2021

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