Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Assento 11/94, de 14 de Julho

Partilhar:

Sumário

A RENÚNCIA DA PRESCRIÇÃO PERMITIDA PELO ARTIGO 302 DO CODIGO CIVIL - APROVADO PELO DECRETO LEI 47344, DE 25 DE NOVEMBRO DE 1966 -, SÓ PRODUZ EFEITOS EM RELAÇÃO AO PRAZO PRESCRICIONAL DECORRIDO ATE AO ACTO DE RENÚNCIA, NAO PODENDO IMPEDIR OS EFEITOS DO ULTERIOR DECURSO DE NOVO PRAZO.

Texto do documento

Assento n.° 11/94

Acordam, em plenário, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

O Banco Nacional Ultramarino, S. A., interpôs recurso para o tribunal pleno do Acórdão de 19 de Março de 1992, fotocopiado a fls. 101/106 e proferido no recurso de revista n.° 81 430, em que é recorrido, sendo recorrente SIURBE Sociedade de Investimentos Urbanos, S. A., invocando oposição com o Acórdão de 27 de Maio de 1986, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 357, a p. 377. Naquele acórdão, concedendo a revista, decidiu este Supremo Tribunal que a renúncia à prescrição não tem efeitos definitivos, inciando-se novo prazo prescricional após o acto de renúncia.

A fls. 38/39, a secção reconheceu a existência de oposição e mandou prosseguir o recurso.

Alegando, o recorrente formula as seguintes conclusões:

1.ª Na sua definição vocabular em dicionários da língua portuguesa, a palavra «renúncia» significa desistência, abandono, sacrifício, rejeição, recusa, não aceitação, abdicação, etc., onde, portanto, está ínsita a noção de extinção;

2.ª O legislador não utiliza palavras com sentido antagónico ou antinómico ao seu significado comum;

3.ª A lei não pode conter redundâncias o que aconteceria se se considerasse que teria início novo prazo prescricional após a renúncia, pois que, além do mais, confundiria na realidade as duas figuras, da renúncia e da interrupção da prescrição;

4.ª Quer no domínio do direito público como no domínio do direito privado, a renúncia significa abandono ou perda, tanto no direito interno como no externo, como vem sendo entendido pela jurisprudência e pela doutrina;

5.ª O legislador, efectivamente, quis que a renúncia operasse para o futuro, como obviamente se conclui da relação do artigo 302.° do Código Civil;

6.ª Deve ser lavrado assento em que se fixe que a renúncia opera para o futuro e impede que comece a correr novo prazo prescricional a partir da data em que ocorreu, como acto jurídico unilateral não recipiendo exprime vontade de abdicar ou abandonar um direito subjectivo ou outra situação jurídica que se extingue em função dela renúncia e, portanto, quem renuncia a um direito fá-lo para todo o sempre, abandonando-o ou abdicando dele, não se podendo exercer o direito que se extinguiu ou abandonou. [Nota. Transcrição textual.] Contra-alegando, a recorrida invoca a índole pública do instituto da prescrição e os artigos 305.° e 311.° do Código Civil, buscando ainda argumentos no campo dos direitos reais, para concluir que o assento deve ser lavrado no sentido da decisão recorrida.

O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, a fls. 51 e seguintes, acompanha a posição da recorrida, propondo assento confirmativo do acórdão sob recurso.

Colhidos os vistos, porque nada temos a dizer contra o decidido pela secção quanto à existência de oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, cumpre decidir.

II

Como resulta do acórdão recorrido, o autor (ora recorrente) pedira a condenação da ré (recorrida) a pagar-lhe uma certa quantia e juros, com fundamento em duas letras de câmbio aceites pela ré. Esta, ao contestar, invocou a prescrição dos direitos cambiários relativos às letras ajuizadas, uma vez que tinham decorrido mais de três anos desde o vencimento das letras, mas o autor contrapôs-lhe a renúncia à prescrição através de declaração exarada no documento a fl. 23 dos autos (cf., nestes, fl. 6).

Após essa renúncia, decorreu novo período superior a três anos até à propositura da acção onde foi proferido o acórdão recorrido.

E foi esta questão, «que suscita duas soluções antagónicas», que o douto acórdão recorrido decidiu no seguinte sentido: «Extinto em 29 de Abril de 1981 o direito potestativo de recusar o cumprimento das respectivas obrigações cambiárias, iniciou-se naquela mesma data novo prazo prescricional.» E, em conformidade, concedeu a revista, para subsistir a decisão da 1.ª instância, que julgara a excepção procedente e absolvera a ré do pedido.

O acórdão fundamento contém, sobre questão idêntica, uma decisão de sinal contrário: «a renúncia opera para o futuro e impede que comece a correr novo prazo [...] Quem renuncia a um direito fá-lo para todo o sempre, abandonando-o ou abdicando dele. E não se pode exercer um direito que se extinguiu ou abandonou».

III

A questão surge a propósito do artigo 302.°, n.° 1, do Código Civil («a renúncia da prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional»), uma vez que a lei civil não contém qualquer referência à perpetuidade ou ao imediatismo dos efeitos da renúncia.

A solução atribuidora de efeitos definitivos à renúncia é a defendida pela recorrente, para o que invoca, antes de mais, argumentos derivados do significado da palavra renúncia, que não nos parecem relevantes, pois que aquilo que está em causa não é o sentido de um termo, mas sim o efeito jurídico do acto, que de modo nenhum se deduz da significação do mesmo termo: continuará a haver «desistência, abandono, rejeição, recusa, não aceitação, abdicação», se apenas se renunciar à prescrição de que se beneficiou com o decurso de um dado prazo sem se pretender renunciar à prescrição que resulte de prazo que venha a decorrer e a completar-se posteriormente.

E, porque não está em causa o conceito de renúncia, nem mesmo o seu efeito, mas sim a extensão desse efeito, não pode dizer-se que a solução oposta confunda as figuras da renúncia e da interrupção da prescrição.

Com António Macieira («Renúncia ao direito de prescrição», na Gazeta da Relação de Lisboa, 21.°, p. 425, citado pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público), diremos:

[...] não há confusão possível entre a renúncia ao direito de prescrição e a interrupção desta mesmo quando aquela e esta se pretendem averiguar por factos donde resultem necessariamente.

Nesse caso, o prazo da prescrição não chegou a concluir-se. No da renúncia, o prazo consumou-se. Ali, pretende-se provar que o prazo se interrompeu por factos donde se deduz o reconhecimento expresso; na renúncia que o direito adquirido pela prescrição foi repudiado por factos donde tal repúdio necessariamente se conclui.

Assim, se contra alguém que alega a prescrição se provar que, depois de decorrido o prazo, pediu mora no pagamento, mandou dinheiro por conta, tentou fazer uma transacção para pagamento, fixando na sua proposta uma quantia como base dela, declarou publicamente que devia e queria pagar, é óbvio que se provou a renúncia do direito que tinha adquirido pela prescrição.

Quanto ao artigo 302.°, ele não é literalmente ofendido com a tese do acórdão recorrido, pois que, segundo ela, a renúncia «opera para o futuro», mas em relação ao direito (potestativo) que o renunciante adquiriu no termo do prazo prescricional decorrido quando emitiu a declaração de renúncia.

IV

Quanto ao acórdão fundamento, parece-nos que contém mais uma afirmação do que razões para ela, ao dizer que «a renuncia opera para o futuro e impede que comece a correr novo prazo prescricional», que «quem renuncia a um direito fá-lo para todo o sempre, abandonando-o ou abdicando dele» e que «não se pode exercer um direito que se extinguiu ou abandonou».

Porque isto, salvo o devido respeito, é o quod est demonstrandum.

Além disso, a conclusão que dele transcrevemos depara com um obstáculo que nos parece intransponível no próprio plano da lógica quando o conjugarmos com o preceito legal em causa nesta questão, o artigo 302.°, n.° 1, do Código Civil: é que, adquirido pelo devedor o direito (potestativo) de recusar o cumprimento da obrigação com o decurso de um certo prazo prescricional, mas emitida a declaração de renúncia; visto que é impossível suster o curso do tempo, inicia-se imediatamente um novo prazo susceptível de, em abstracto, conduzir de novo à prescrição. Ora, se consideramos que a renúncia vale para o futuro, temos de concluir que o renunciante está a renunciar antecipadamente à prescrição, ou seja, ao direito de se eximir, pela segunda vez, ao cumprimento da obrigação, o que contraria abertamente o preceituado no invocado artigo 302.°, n.° 1.

V

Vem já de longe a inadmissibilidade da renúncia antecipada à prescrição mesmo desde antes do Código de Seabra: veja-se, designadamente, Coelho da Rocha, no § 455 das Instituições de Direito Civil Português (Coimbra, 1848).

Já no domínio do Código de Seabra, Dias Ferreira, depois de dar as razões justificativas do instituto da prescrição, escreveu, no volume 2.° do Código Civil Anotado (Coimbra, 1871):

Por isso é admitida a prescrição como instituição social, essencialmente necessária à ordem pública, tendo-lhe Cícero até chamado finis sollicitudinis et litium e outros jurisconsultos romanos patrona generis humanis. [P. 58.] E no 1.° volume (Coimbra, 1870):

Não pode também renunciar-se à prescrição, artigo 508.°, que é de direito público e foi introduzida por conveniência social; essa renúncia inutilizaria o fim da lei, tornando-se cláusula sacramental em todos os contratos, pois que os proprietários e credores nunca deixariam de exigir como obrigatória esta condição, para não correrem o risco de perder o seu direito pela prescrição. Porém, ao direito adquirido pela prescrição, como de interesse particular, pode renunciar-se [...] [P. 225.] Vigente já a reforma de 1929, Cunha Gonçalves aliás, já referido no acórdão recorrido no Tratado ..., III, depois de citar Bigot-Prèameneu («de todas as instituições do direito civil, a prescrição é a mais necessária à ordem social», p. 635) e de relembrar (p. 659) que o instituto da prescrição se baseia no interesse público, afirma que a renúncia à prescrição adquirida não obsta a que uma nova prescrição principie a favor do renunciante (p. 667), chamando também a atenção para o facto de que a renúncia a uma prescrição em curso só pode ser tida como interrupção da prescrição.

VI

A promulgação do Código Civil de 1966 não alterou este estado de coisas, como resulta desde logo do importantíssimo trabalho preparatório do Código, que é o estudo do Prof. Vaz Serra, no Boletim do Ministério da Justiça, 105.° a 107 .° (v., para a problemática da renúncia da prescrição, o n.° 105.°, pp.

131-145).

E os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela referem, no Código Civil Anotado, a propósito do artigo 300.°:

A proibição estabelecida na lei e a solução prescrita para a sua violação (nulidade do negócio) explicam-se pelas razões de ordem pública (interna) que estão na base do instituto da prescrição, destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico.

A proibição e a sanção a que se referem estes ilustres mestres consiste no seguinte (teor do artigo 300.°): «São nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos.» Então, com o acórdão recorrido, diremos que, se a renúncia impedisse o decurso de novo prazo, «possibilitaria que, a partir dela, um direito disponível e não isento, por lei, de prescrição, passasse a gozar dessa isenção por virtude de mera declaração negocial, o que contraria as disposições conjugadas dos citados artigos 298.°, n.° 1, e 300.° A ser esse o sentido da declaração negocial de renúncia impedir também futura prescrição do direito em causa teria então de funcionar a sanção de nulidade estatuída no artigo 300.°, pelo que sempre haveria que reduzir o respectivo negócio apenas à prescrição completada anteriormente (v. artigo 292.° do Código Civil)».

Convém a propósito lembrar que a tese do recorrente depara com um obstáculo no plano da declaração: é que, para se verificar se houve ou não renúncia antecipada à prescrição, «deve examinar-se com cuidado o valor das frases escritas ou dos factos» (Cunha Gonçalves), pelo que não parece que possa dizer-se que quem declara sem mais renunciar à prescrição esteja a renunciar ao direito (potestativo) já adquirido e também ao que poderia adquirir futuramente.

VII

Em síntese:

Permitir que a renúncia ao direito já adquirido pelo decurso do prazo prescricional através do qual a obrigação originária se converteu em mera obrigação natural se tomasse como uma renúncia ao direito resultante do decurso dum novo prazo renunciando-se em definitivo ao instituto (de interesse público) da prescrição seria, indubitavelmente, infringir a regra da segunda parte do artigo 300.°, na medida em que se estaria, mais ainda do que a «dificultar as condições em que a prescrição opera os seus efeitos», a impedir que se produzissem esses mesmos efeitos.

VIII

Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso e formula-se o seguinte assento:

A renúncia da prescrição permitida pelo artigo 302.° do Código Civil só produz efeitos em relação ao prazo prescricional decorrido até ao acto de renúncia, não podendo impedir os efeitos do ulterior decurso de novo prazo.

Condena-se a recorrente nas custas deste recurso.

Lisboa, 5 de Maio de 1994. - Mário de Magalhães Araújo Ribeiro - Roger Bennett da Cunha Lopes - José Miranda Gusmão de Medeiros - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva - Sebastião Duarte Vasconcelos da Costa Pereira - João Augusto Gomes Figueiredo de Sousa - Jaime Octávio Cardona Ferreira - José Maria Sampaio da Silva - José António Lopes Cardoso Bastos - José Santos Monteiro - Adriano Francisco Pereira Cardigos - Mário Fernandes da Silva Cancela - Mário Sereno Cura Mariano - Raul Domingos Mateus da Silva - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - António Manuel Guimarães de Sá Couto - Francisco Rosa da Costa Raposo - Ramiro Luís d'Herbe Vidigal - Mário Horácio Gomes de Noronha - António Pais de Sousa - Francisco José Galrão de Sousa Chichorro Rodrigues - Carlos da Silva Caldas - Fernando Machado Soares - Zeferino David Faria - José Martins da Costa - João José Sequeira de Faria Sousa - José Joaquim Martins da Fonseca - Augusto José Mendes Calixto Pires - António Alves Teixeira do Carmo - Miguel de Mendonça e Silva Montenegro - Humberto Carlos Amado Gomes - Manuel Luís Pinto de Sá Ferreira - José Sarmento da Silva Reis António de Sousa Guedes Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo - António Joaquim Coelho Ventura - José Henriques Ferreira Vidigal - José Joaquim de Oliveira Branquinho - - Gelásio Rocha - Fernando Jorge Castanheira da Costa - António César Marques (vencido. É admissível a renúncia da prescrição depois de haver decorrido o prazo prescricional artigo 302.°, n.° 1, do Código Civil. Assim como, na respectiva acção, pode não ser invocada tal excepção, o que depende, apenas, da vontade do devedor. A renúncia, em si, traduz a perda do direito a que se renuncia. Não há qualquer contradição com o disposto no artigo 300.° do dito Código, já que se não modifica qualquer prazo de prescrição.

Decorrido esse prazo, o interesse que subjaz é o particular do devedor que renuncia àquele direito. Votei, assim, pelo modo como se decidiu no acórdão fundamento) - Fernando Adelino Fabião

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1994/07/14/plain-60398.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/60398.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda