Lei 19/94
de 24 de Maio
Estatuto das organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento (ONGD)
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Princípios gerais
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma define o estatuto das organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento, adiante designadas ONGD.
Artigo 2.º
Âmbito
O presente diploma não se aplica às ONGD que prossigam fins lucrativos ou predominantemente partidários ou sindicais ou que, independentemente da sua natureza, desenvolvam actividades de cooperação militar.
Artigo 3.º
Natureza jurídica
As ONGD são pessoas colectivas de direito privado, sem fins lucrativos.
Artigo 4.º
Objectivos
1 - Constituem objectivos das ONGD a cooperação e o diálogo intercultural, bem como o apoio directo e efectivo a programas e projectos em países em desenvolvimento, designadamente através de:
a) Acções para o desenvolvimento;
b) Assistência humanitária;
c) Protecção e promoção dos direitos humanos;
d) Prestação de ajudas de emergência;
e) Realização de acções de divulgação, informação e sensibilização da opinião pública, com vista ao desenvolvimento da cooperação e ao aprofundamento do diálogo intercultural com os países em desenvolvimento.
2 - Além dos objectivos enunciados no número anterior, as ONGD podem prosseguir outros fins não lucrativos que com aqueles sejam compatíveis.
3 - As ONGD desenvolvem as suas actividades no respeito pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Artigo 5.º
Áreas de actuação
1 - As ONGD prosseguem os seus objectivos nos domínios cívico, económico, social, cultural e ambiental.
2 - Constituem áreas de actuação das ONGD, nomeadamente:
a) Ensino, educação e cultura;
b) Emprego e formação profissional;
c) Saúde, incluindo apoio, assistência médica, medicamentosa e alimentar;
d) Protecção e defesa do meio ambiente;
e) Levantamento e recuperação do património histórico-cultural;
f) Integração social e comunitária;
g) Apoio à criação e desenvolvimento de programas e projectos.
3 - As áreas de actuação das ONGD, de acordo com a sua natureza e objectivos, podem ser desenvolvidas em território de Estado estrangeiro ou no território nacional.
Artigo 6.º
Autonomia
1 - No âmbito da legislação aplicável, as ONGD escolhem livremente as suas áreas de actuação e prosseguem autonomamente a sua actividade.
2 - Com respeito pelas disposições estatutárias e pela legislação aplicável, as ONGD estabelecem livremente a sua organização interna.
Artigo 7.º
Apoio do Estado
1 - O Estado aceita, apoia e valoriza o contributo das ONGD na execução das políticas nacionais de cooperação definidas para os países em desenvolvimento.
2 - O apoio do Estado às ONGD concretiza-se através da prestação de ajuda técnica e financeira a programas, projectos e acções de cooperação para o desenvolvimento e de sensibilização da opinião pública com vista à cooperação e ao aprofundamento do diálogo intercultural com os países em desenvolvimento.
3 - O apoio do Estado não pode constituir limitação ao direito de livre actuação das ONGD.
4 - A representação diplomática portuguesa constitui o interlocutor institucional local de apoio às ONGD nos Estados em que estas desenvolvam as suas áreas de actuação.
Artigo 8.º
Utilidade pública
As ONGD, registadas nos termos do artigo 12.º, adquirem automaticamente a natureza de pessoas colectivas de utilidade pública, com dispensa do registo e demais obrigações previstas no Decreto-Lei 460/77, de 7 de Novembro, sem prejuízo do disposto no artigo 12.º do mesmo diploma legal.
Artigo 9.º
Direito de participação e representação
1 - O direito de participação das ONGD na definição das políticas nacionais e internacionais de cooperação exerce-se através da sua representação nas instâncias consultivas com competência na área da cooperação.
2 - A representação das ONGD a que se refere o número anterior é assegurada nos termos previstos nos respectivos estatutos.
CAPÍTULO II
Criação e organização
Artigo 10.º
Criação
As ONGD constituem-se e adquirem personalidade jurídica nos termos da lei geral.
Artigo 11.º
Composição
As ONGD são constituídas por pessoas singulares ou colectivas de direito privado com sede em Portugal.
Artigo 12.º
Registo
O registo das ONGD é efectuado junto do organismo competente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mediante depósito dos respectivos actos de constituição e estatutos.
Artigo 13.º
Fiscalização
Os serviços competentes poderão ordenar a realização de inquéritos, sindicâncias e inspecções às ONGD, no âmbito da prestação do apoio técnico e financeiro, a que se refere o artigo 7.º do presente diploma.
Artigo 14.º
Colaboração entre as ONGD
1 - As ONGD podem estabelecer formas de colaboração que visem, designadamente, a utilização comum de serviços ou equipamentos e o desenvolvimento de programas, projectos e acções de cooperação de responsabilidade também comum ou em regime de complementaridade.
2 - A colaboração entre as organizações concretiza-se por iniciativa destas ou por intermédio das organizações referidas no artigo seguinte.
Artigo 15.º
Formas de agrupamento
As ONGD podem associar-se constituindo plataformas nacionais destinadas à realização dos seguintes objectivos:
a) Organizar serviços de interesse e de intervenção comuns às organizações associadas, racionalizando os respectivos meios de acção;
b) Representar os interesses comuns das organizações associadas;
c) Promover o desenvolvimento da acção das organizações e apoiar a colaboração entre elas na realização dos respectivos objectivos;
d) Acompanhar as acções das organizações associadas relativamente a quaisquer entidades públicas ou privadas.
Artigo 16.º
Limites da representação
A representação atribuída às plataformas nacionais por este diploma e pelos estatutos próprios não impede que as organizações nelas agrupadas intervenham autonomamente nos assuntos que directamente lhes digam respeito nem afecta a posição própria dessas organizações perante o Estado.
CAPÍTULO III
Disposições transitórias e finais
Artigo 17.º
Organizações já existentes
1 - As ONGD já existentes deverão proceder ao registo previsto no artigo 12.º do presente diploma no prazo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor do presente diploma.
2 - As organizações que não cumpram o disposto no número anterior deixam de ser consideradas ONGD para efeitos de aplicação do presente diploma.
Aprovada em 3 de Março de 1994.
O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo.
Promulgada em 4 de Maio de 1994.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 5 de Maio de 1994.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.