Resolução da Assembleia da República n.º 4/94
Aprova, para ratificação, o Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil.
A Assembleia da República resolve, nos termos dos artigos 164.º, alínea j), e 169.º, n.º 5, da Constituição, aprovar, para ratificação, o Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, assinado em Brasília a 7 de Maio de 1991, cuja versão autêntica segue em anexo.
Aprovada em 4 de Novembro de 1993.
O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo.
TRATADO DE AUXÍLIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
O Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, doravante denominados «Partes Contratantes»:
Animados pelos laços de fraternidade, amizade e cooperação que presidem às relações entre ambos os países;
Tendo em mente as profundas afinidades que enriquecem as relações entre os seus povos;
Desejando aprofundar esse relacionamento privilegiado no campo da cooperação em áreas de interesse comum;
Pretendendo melhorar a sua eficácia na luta contra a criminalidade;
Convencidos de que a adopção de regras comuns no domínio do auxílio mútuo em matéria penal é um meio de atingir esses objectivos;
acordam o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto e âmbito do auxílio
1 - As Partes Contratantes obrigam-se a prestar auxílio mútuo em matéria penal segundo as disposições deste Tratado, na realização de diligências preparatórias e necessárias em qualquer processo penal por factos cujo conhecimento caiba às entidades para o efeito competentes de acordo com a lei de cada uma das Partes.
2 - O auxílio compreende, nomeadamente:
a) A notificação de documentos;
b) A obtenção de meios de prova;
c) Os exames de pessoas, lugares ou coisas, revistas, buscas e apreensões de bens;
d) A notificação de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos e a audição dos mesmos;
e) As informações sobre o direito respectivo e as relativas aos antecedentes penais de suspeitos, arguidos ou indiciados e condenados.
3 - O auxílio não abrange os actos processuais posteriores à decisão judicial de recebimento da acusação ou de pronúncia do arguido.
4 - O auxílio é independente da extradição, podendo mesmo ser concedido nos casos em que aquela seria recusada.
5 - O presente Tratado não se aplica à execução de decisões de detenção ou de condenação, nem às infracções militares que não constituam infracções de direito comum.
6 - O auxílio relativo a processos por infracções em matéria de taxas, impostos, direitos aduaneiro e cambial só pode ser prestado mediante acordo das Partes para cada categoria de infracção.
Artigo 2.º
Dupla incriminação
1 - O auxílio só é prestado relativamente a factos puníveis segundo as leis de ambas as Partes.
2 - Para os fins do presente artigo, na determinação da infracção segundo a lei de ambas as Partes Contratantes, não releva que as suas leis qualifiquem ou tipifiquem diferentemente os elementos constitutivos da infracção ou utilizem a mesma ou diferente terminologia legal.
Artigo 3.º
Recusa de auxílio
1 - O auxílio será recusado se a Parte requerida considerar que:
a) O pedido respeita a uma infracção política ou com ela conexa;
b) O cumprimento do pedido ofende a sua soberania, segurança, ordem pública ou qualquer outro seu interesse essencial;
c) Existem fundadas razões para concluir que o pedido de auxílio foi formulado para facilitar a perseguição de uma pessoa em virtude da sua raça, sexo, religião, nacionalidade ou convicções políticas, ou que a situação dessa pessoa possa ser prejudicada por qualquer dessas razões;
d) O cumprimento do pedido ofende os direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana.
2 - O auxílio pode ser recusado se a Parte requerida entender que se verificam fundadas razões que tornariam desproporcionada a concessão desse auxílio.
3 - Antes de recusar um pedido de auxílio, a Parte requerida deve considerar a possibilidade de subordinar a concessão desse auxílio às condições que julgue necessárias. Se a Parte requerente aceitar o auxílio sujeito a essas condições, deve cumpri-las.
4 - A Parte requerida deve informar imediatamente a Parte requerente da sua decisão de não dar cumprimento, no todo ou em parte, ao pedido de auxílio, e das razões dessa decisão.
5 - Não se consideram de natureza política as infracções que não sejam dessa natureza segundo:
a) A lei da Parte requerida;
b) Qualquer convenção internacional em que as duas Partes Contratantes sejam parte.
Artigo 4.º
Lei aplicável ao cumprimento
1 - O pedido de auxílio é cumprido em conformidade com a lei da Parte requerida.
2 - Quando a Parte requerente o solicite expressamente, o pedido de auxílio pode ser cumprido em conformidade com a legislação dessa Parte, desde que não seja incompatível com a legislação da Parte requerida e não cause graves prejuízos aos intervenientes no processo.
Artigo 5.º
Requisitos do pedido de auxílio
1 - O pedido de auxílio deve ser assinado pela autoridade competente e conter as seguintes indicações:
a) Autoridade de que emana e autoridade a que se dirige;
b) Descrição precisa do auxílio que se solicita;
c) Infracção a que se refere o pedido, com a descrição sumária dos factos e indicação da data e local em que ocorreram;
d) Na medida do possível, identidade e nacionalidade da pessoa sujeita ao processo a que se refere o pedido;
e) Nome e endereço, se conhecidos, do destinatário ou do notificando, no caso de entrega de decisões judiciais ou de quaisquer outros documentos, ou no caso de notificações;
f) Nos casos de revista, busca, apreensão e entrega de objectos ou valores, declaração certificando que são admitidos pela lei da Parte requerente;
g) Particularidades de determinado processo ou requisitos que a Parte requerente deseje sejam observados, incluindo a confidencialidade e prazos a serem cumpridos.
2 - A Parte requerente deve enviar os elementos complementares que a Parte requerida lhe solicite como indispensáveis ao cumprimento do pedido.
Artigo 6.º
Cumprimento do pedido
1 - Em cumprimento do pedido, a Parte requerida:
a) Envia objectos, documentos e outros elementos eventualmente solicitados; tratando-se de documentos, envia cópia autenticada dos mesmos;
b) Pode recusar ou diferir o envio de objectos quando forem necessários para um processo em curso; e
c) Comunica à Parte requerente os resultados do pedido e, se assim for solicitado, a data e o lugar do cumprimento do pedido, bem como a possibilidade, se tal for permitido, de comparência de pessoas em actos de processo.
2 - A Parte requerente devolve, logo que possível, os objectos enviados em cumprimento do pedido, salvo se a Parte requerida, sem prejuízo dos seus direitos ou dos direitos de terceiros, renunciar à sua devolução.
Artigo 7.º
Entrega de documentos
1 - A Parte requerida procederá à comunicação das decisões ou de quaisquer outros documentos relativos ao processo, que lhe sejam, para esse fim, enviados pela Parte requerente.
2 - A comunicação pode efectuar-se mediante simples remessa do documento ao destinatário ou, por solicitação da Parte requerente, por qualquer uma das formas previstas pela legislação da Parte requerida ou com esta compatível.
3 - A Parte requerida fornecerá à Parte requerente prova da entrega dos documentos ao respectivo destinatário. Se a entrega não puder ser efectuada, a Parte requerente será disso informada, com indicação das respectivas razões.
Artigo 8.º
Comparência de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas e peritos
1 - Se a Parte requerente pretender a comparência, no seu território, de uma pessoa como suspeito, arguido ou indiciado, testemunha ou perito, pode solicitar à Parte requerida o seu auxílio para tornar possível aquela comparência.
2 - A Parte requerida dá cumprimento à convocação após se assegurar de que:
a) Foram tomadas medidas adequadas para a segurança da pessoa;
b) A pessoa cuja comparência é pretendida deu o seu consentimento por declaração livremente prestada e reduzida a escrito; e
c) Não produzirão efeito quaisquer medidas cominatórias ou sanções de qualquer natureza, especificadas ou não na convocação.
3 - O pedido de cumprimento de uma convocação, nos termos do n.º 1 do presente artigo, indicará as remunerações e indemnizações e as despesas de viagem e de estada a conceder e será feito de forma a ser recebido até 50 dias antes da data em que a pessoa deva comparecer. Em caso de urgência, a Parte requerida pode renunciar à exigência deste prazo.
Artigo 9.º
Comparência de pessoas detidas
1 - Se a Parte requerente pretender a comparência, no seu território, de uma pessoa que se encontra detida no território da Parte requerida, esta transfere a pessoa detida para o território da Parte requerente, após se assegurar de que não há razões sérias que se oponham à transferência e de que a pessoa detida deu o seu consentimento.
2 - A transferência não é admitida quando, atentas as circunstâncias do caso, a autoridade judiciária da Parte requerida considere inconveniente a transferência, e nomeadamente quando:
a) A presença da pessoa detida for necessária num processo penal em curso no território da Parte requerida;
b) A transferência puder implicar o prolongamento da prisão preventiva ou provisória.
3 - A Parte requerente manterá em detenção a pessoa transferida e entrega-la-á à Parte requerida dentro do período fixado por esta, ou quando a comparência da pessoa já não for necessária.
4 - O tempo em que a pessoa estiver fora do território da Parte requerida é computado para efeitos de prisão preventiva ou provisória ou de cumprimento de pena ou medida de segurança.
5 - Quando a pena imposta a uma pessoa, transferida nos termos deste artigo, expirar enquanto ela se encontrar no território da Parte requerente, será a mesma posta em liberdade, passando, a partir de então, a gozar do estatuto de pessoa não detida para os efeitos do presente Tratado.
6 - A pessoa detida que não der o seu consentimento para prestar declarações nos termos deste artigo não ficará sujeita, por essa razão, a qualquer sanção nem será submetida a qualquer medida cominatória.
Artigo 10.º
Imunidades e privilégios
1 - A pessoa que comparecer no território da Parte requerente, ao abrigo do disposto nos artigos 8.º e 9.º do presente Tratado, não será:
a) Detida, perseguida ou punida pela Parte requerente, nem sujeita a qualquer outra restrição da sua liberdade individual no território da referida Parte, por quaisquer factos anteriores à partida da pessoa do território da Parte requerida; ou
b) Obrigada, sem o seu consentimento, a prestar depoimento em processo diferente daquele a que se refere o pedido de comparência.
2 - A imunidade prevista no n.º 1 do presente artigo cessa se a pessoa permanecer voluntariamente no território da Parte requerente por mais 45 dias após a data em que a sua presença já não for necessária ou, tendo partido, aí tiver regressado voluntariamente.
Artigo 11.º
Produtos do crime
1 - A Parte requerida deverá, se tal lhe for pedido, diligenciar no sentido de averiguar se quaisquer produtos do crime alegadamente praticado se encontram dentro da sua jurisdição e deverá comunicar à Parte requerente os resultados dessas diligências. Na formulação do pedido, a Parte requerente informará a Parte requerida das razões pelas quais entende que esses produtos possam encontrar-se sob a sua jurisdição.
2 - A Parte requerida providenciará, se a lei lho permitir, pelo cumprimento da decisão de apreensão dos produtos do crime, ou de qualquer outra medida com efeito similar, decretada por um tribunal da Parte requerente.
3 - Quando a Parte requerente comunicar a sua intenção de pretender a execução de uma decisão de apreensão ou de medida similar, a Parte requerida tomará as medidas permitidas pela sua lei para prevenir qualquer transacção, transmissão ou disposição dos bens que sejam ou possam ser afectados por essa decisão.
4 - Os produtos apreendidos, em conformidade com o presente Tratado, serão perdidos a favor da Parte requerida, salvo se num determinado caso for mutuamente decidido de forma diversa.
5 - Na aplicação deste artigo os direitos de terceiros de boa fé deverão ser respeitados, em conformidade com a lei da Parte requerida.
6 - As disposições do presente artigo são também aplicáveis aos instrumentos do crime.
Artigo 12.º
Confidencialidade
1 - A Parte requerida, se tal lhe for solicitado, manterá a confidencialidade do pedido de auxílio, do seu conteúdo e dos documentos que o instruem, bem como da concessão desse auxílio. Se o pedido não puder ser cumprido sem quebra da confidencialidade, a Parte requerida informará a Parte requerente, a qual decide, então, se o pedido deve, mesmo assim, ser executado.
2 - A Parte requerente, se tal lhe for solicitado, mantém a confidencialidade das provas e das informações prestadas pela Parte requerida, salvo na medida em que essas provas e informações sejam necessárias para o processo referido no pedido.
3 - A Parte requerente não deve usar, sem prévio consentimento da Parte requerida, as provas obtidas, nem as informações delas derivadas, para fins diversos dos indicados no pedido.
Artigo 13.º
Informação sobre sentenças e antecedentes criminais
1 - As Partes informam-se reciprocamente, na medida do possível, das sentenças e outras decisões de processo penal relativas a nacionais da outra Parte.
2 - Qualquer das Partes pode solicitar à outra informações sobre os antecedentes criminais de uma pessoa, devendo indicar as razões do pedido. A Parte requerida satisfaz o pedido na mesma medida em que as suas autoridades podem obter a informação pretendida em conformidade com a sua lei interna.
Artigo 14.º
Autoridade central
1 - Cada Parte designará uma autoridade central para enviar e receber pedidos e outras comunicações que digam respeito ao auxílio mútuo nos termos do presente Tratado.
2 - A autoridade central que receber um pedido de auxílio envia-o às autoridades competentes para o cumprimento e transmite a resposta ou os resultados do pedido à autoridade central da outra Parte.
3 - Os pedidos são expedidos e recebidos directamente entre as autoridades centrais, ou pela via diplomática.
4 - A autoridade central do Brasil é a Procuradoria-Geral da República e a autoridade central de Portugal é a Procuradoria-Geral da República.
Artigo 15.º
Presença de autoridades da Parte requerente
No âmbito do auxílio previsto neste Tratado, cada uma das Partes Contratantes pode autorizar a presença de autoridades da outra Parte para assistir às diligências processuais que devam realizar-se no seu território.
Artigo 16.º
Despesas
A Parte requerida custeará as despesas decorrentes do cumprimento do pedido de auxílio, salvo as seguintes, que ficarão a cargo da Parte requerente:
a) Indemnizações, remunerações e despesas relativas ao transporte de pessoas nos termos do artigo 8.º e despesas respeitantes ao transporte de pessoas detidas nos termos do artigo 9.º;
b) Subsídios e despesas resultantes do transporte de funcionários prisionais ou da escolta; e
c) Despesas extraordinárias decorrentes do cumprimento do pedido, quando tal for solicitado pela Parte requerida.
Artigo 17.º
Cooperação jurídica
1 - As Partes Contratantes comprometem-se a prestar mutuamente informações em matéria jurídica nas áreas abrangidas pelo presente Tratado.
2 - As Partes podem acordar a extensão do âmbito da cooperação referida no número anterior a outras áreas jurídicas para além das aí mencionadas.
Artigo 18.º
Outras modalidades de auxílio
As possibilidades de auxílio previstas neste Tratado não limitam qualquer outra modalidade de auxílio em matéria penal que as Partes entendam, caso a caso, mutuamente conceder-se.
Artigo 19.º
Resolução de dúvidas
Quaisquer dúvidas ou dificuldades resultantes da aplicação ou interpretação do presente Tratado são resolvidas por consulta entre as Partes Contratantes.
Artigo 20.º
Entrada em vigor e denúncia
1 - O presente Tratado está sujeito a ratificação.
2 - O Tratado entrará em vigor no 1.º dia do 2.º mês seguinte àquele em que tiver lugar a troca de instrumentos de ratificação e manter-se-á em vigor enquanto não for denunciado por uma das Partes. Os seus efeitos cessam seis meses após o dia de recepção da denúncia.
Feito em Brasília, aos 7 dias do mês de Maio de 1991, em dois exemplares originais, em língua portuguesa, sendo ambos os textos autênticos.
Pelo Governo da República Portuguesa:
João de Deus Rogado Salvador Pinheiro.
Pelo Governo da República Federativa do Brasil:
Francisco Rezek.