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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 2/2024, de 9 de Janeiro

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Sumário

Acórdão do STA de 28 de setembro de 2023, no Processo n.º 71/22.9BALSB - Pleno da 2.ª Secção «São qualificáveis como 'royalties', para efeitos da CDT celebrada entre Portugal e Moçambique, os rendimentos auferidos em virtude de contratos de afretamento de embarcações de pesca e de cedência de pessoal técnico conexa com os contratos principais»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2024

Sumário: Acórdão do STA de 28 de setembro de 2023, no Processo 71/22.9BALSB - Pleno da 2.ª Secção «São qualificáveis como 'royalties', para efeitos da CDT celebrada entre Portugal e Moçambique, os rendimentos auferidos em virtude de contratos de afretamento de embarcações de pesca e de cedência de pessoal técnico conexa com os contratos principais».

Acórdão do STA de 28-09-2023, no Processo 71/22.9BALSB - Pleno da 2.ª Secção

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Relatório

1 - Z..., S. A., com os sinais dos autos, vem, nos termos do disposto no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ex vi artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 29 de março de 2022 no processo 781/21-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido na decisão arbitral proferida em 10 de dezembro de 2021 no processo arbitral n.º 97/2021-T, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1.ª O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem interposto contra a decisão arbitral proferida no processo 781/2021-T CAAD que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado contra o ato de autoliquidação de IRC relativo ao ano de 2018, na parte em que não reflete a dedução à coleta do IRPC moçambicano suportado pela RECORRENTE em resultado da obtenção dos com os serviços de fretamento e de cedência de pessoal técnico prestados a diversas sociedades de direito moçambicano.

2.ª A admissibilidade do presente recurso justifica-se, por seu turno, em virtude de a decisão recorrida se encontrar em contradição com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo 97/2021-T CAAD e datado de 10 de dezembro de 2021, posto que:

i) Na decisão recorrida se entendeu, «pela não aplicabilidade ao caso da regra do artigo 12.º n.º 3, da CDT»;

ii) Na decisão fundamento, pelo contrário, se observou que «os rendimentos de fonte moçambicana auferidos pela Requerente em resultado do contrato de afretamento de navio e de protocolo de acordo de cedência de pessoal técnico celebrados com a sociedade Y... eram efectivamente subsumíveis ao conceito de 'royalties' nos termos do artigo 12.º, n.º 3, da CDT».

3.ª Permite-se, concluir, por conseguinte, que tanto a decisão recorrida, como a decisão fundamento, se pronunciaram sobre a mesma questão de direito - ou seja, sobre a questão de saber se os rendimentos obtidos pela RECORRENTE em Moçambique a título de fretamento de navios e a título de cedência de pessoal técnico são subsumíveis no conceito de royalties ínsito no artigo 12.º n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique - , tendo a apontada questão, porém, merecido respostas contraditórias (comprovando-se, deste modo, a admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência, por se encontrarem verificados todos os requisitos prescritos pelos artigos 25.º n.os 2 e 3 do RJAT e 152.º do CPTA, e que impõe o prosseguimento dos presentes autos com a apreciação da (in)validade da decisão recorrida).

4.ª Por seu turno, demonstrando o erro incorrido pela decisão recorrida, recorde-se que, nos termos do artigo 12.º, n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique (norma convencional que, faz-se notar, adotou uma solução distinta da que vem proposta no artigo 12.º n.º 2, do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE) «O termo 'royalties', usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes ou gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico. O termo 'royalties' inclui também os pagamentos efectuados a título de remuneração por assistência técnica prestada em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações anteriormente referidos» (os destacados são da RECORRENTE).

5.ª Assim, considerando que a RECORRENTE se vinculou, através dos contratos de afretamento, a colocar à disposição das referidas sociedades moçambicanas navios de pesca e a conceder o respetivo uso com vista à captura, por estas, das quotas de pesca que lhe são atribuídas pelas autoridades públicas moçambicanas, sempre se terá de concluir que os rendimentos dos mesmos derivados se subsumem, claramente, no elemento literal 12.º n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique - mais especificamente, na expressão «retribuições de qualquer natureza atribuídas [...]pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico» - devendo, em consequência, ser qualificados como royalties.

6.ª Por seu turno, considerando que os serviços prestados com a cedência de pessoal consistem na transmissão, a título meramente complementar ou acessório, de informações técnicas e de conhecimento especializado à tripulação moçambicana (trabalhadores das empresas afretadoras) com vista à otimização do objeto principal do contrato (o fretamento de navio de pesca), também não podem restar dúvidas de que os mesmos devem ser qualificados como serviços de assistência técnica para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 3, da Convenção Portugal-Moçambique, sendo, por conseguinte, os rendimentos daí decorrentes enquadráveis no conceito de royalties.

7.ª Consequentemente, impõe-se concluir que os rendimentos auferidos pela RECORRENTE em Moçambique, seja a título de fretamento de navios, seja a título de cedência de pessoal técnico devem ser qualificados como royalties, na aceção do artigo 12.º n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique.

8.ª Esta é, de resto, a conclusão alcançada pela própria RECORRIDA, quando afirma, expressa e claramente, em informação prestada pela Direção de Serviços de Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, que «não se vislumbram quaisquer dúvidas» que «o fretamento (de navios) deve ser incluído na expressão "concessão do uso de um equipamento industrial ou comercial"» e que a cedência de pessoal técnico «(assume) um papel meramente instrumental relativamente ao objeto principal (o fretamento de navio), por via da transmissão de informações técnicas (Know-how), de carácter preparatório e auxiliar, que permitem à tripulação moçambicana (massa trabalhadora da empresa 'afretadora'), manobrar o navio fretado e, assim, desenvolver a atividade (pesca) que motivou o fretamento do navio», razões pelas quais «tanto o fretamento do navio como a cedência de pessoal técnico para a preparação dos tripulantes moçambicanos, se afiguram passíveis de enquadramento no conceito de royalties previsto na Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e Moçambique, em concreto o n.º 3 do seu artigo 12.º», devendo, por conseguinte, «ser tributados conforme o disposto nos n.os 1 e 2 do referido art. 12.º da CDT - As royalties provenientes de um Estado Contratante (Moçambique) e pagas a um residente do outro Estado Contratante (Portugal), podendo, todavia, ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm (Moçambique) e de acordo com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que receber as royalties for o seu beneficiário efetivo, o imposto assim estabelecido não excederá 10 % do montante bruto das royalties» (os destacados são da RECORRENTE).

9.ª Em face do exposto, sendo de concluir que os rendimentos auferidos pela RECORRENTE em Moçambique, seja a título de fretamento de navios, seja a título de cedência de pessoal técnico, devem ser qualificados como royalties, na aceção do artigo 12.º, n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique, impõe-se revogar a decisão recorrida e, nessa sequência, determinar a baixa do processo ao Tribunal Arbitral para o mesmo se pronunciar sobre a questão jurídica cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução ali alcançada.

TERMOS EM QUE,

DEVE O PRESENTE RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA SER ADMITIDO E JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA NO PROCESSO DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA QUE CORREU TERMOS NO CAAD SOB O N.º 781/2021-T E, EM CONSEQUÊNCIA, DETERMINANDO-SE A BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL ARBITRAL PARA O MESMO SE PRONUNCIAR SOBRE A QUESTÃO JURÍDICA CUJO CONHECIMENTO FICOU PREJUDICADO PELA SOLUÇÃO ALI ALCANÇADA.

2 - Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

A. A factologia relevante em ambas as decisões arbitrais comporta, nos seus elementos essenciais, rendimentos provenientes quer de contratos de fretamento de embarcações de pesca, equipadas (equipamentos, artes e materiais de pesca) e com tripulação portuguesa, quer de acordos de cedência de pessoal técnico e assistência técnica que envolve a prestação de serviços, através de uma equipa técnica de pessoal especializado nas áreas de condução de máquinas e na operação de pesca nas embarcações fretadas, celebrados entre a Recorrente e as sociedades moçambicanas.

B. O enquadramento no conceito de royalties constante do artigo 12.º, n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique dos mencionados rendimentos revela-se, assim, o factor decisivo em ordem a concluir se o Estado da fonte (Moçambique) tem competência para a tributação desses rendimentos, nos termos estabelecidos pelo n.º 2 do mesmo artigo.

C. Dispõe o 12.º, n.º 3 da CDT Portugal-Moçambique que o termo royalties «significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes ou gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um programa de computador, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico. O termo 'royalties' inclui também os pagamentos efetuados a título de remuneração por assistência técnica prestada em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações anteriormente referidos.»

D. Com efeito, o segmento final da definição de royalties abarca os rendimentos de assistência técnica apenas quando está associada ao «uso ou à concessão do uso dos direitos, bens ou informações anteriormente referidos»,

E. ou seja, ao uso ou cedência de uso de direitos de propriedade intelectual, industrial, ou ao uso e cedência do uso de equipamento industrial, comercial ou científico ou de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou cientifico

F. Neste conspecto, Bruno Santiago e Sara Teixeira (Direito Fiscal Internacional de Moçambique - As convenções de dupla tributação (com especial foco em Macau e Portugal), Almedina, 2017, pág. 124.) a propósito do artigo 12.º das CDTs celebradas por Moçambique, ao indicarem que este artigo inclui «(.), no caso do ADT celebrado com Portugal, a assistência técnica prestada em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações sujeitas a royalties.» Destaques nossos

G. O que equivale a dizer que não cabem no conceito de royalties, dado pelo artigo 12.º, n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique, as prestações de serviços enquadradas em contratos de assistência técnica autónoma, em que a prestação de serviços constitui o objecto principal do contrato, para cuja execução o prestador limita-se a utilizar a sua experiência e conhecimentos usuais da sua profissão, sem que haja transferência de tecnologia, mas sim aplicação de tecnologia, sendo a remuneração fixada, em regra, com base nos custos incorridos.

H. Como elucidou o Professor ALBERTO XAVIER (Direito Tributário Internacional, Almedina, 2.ª edição,2007, págs. 702-703) «(.) diversas convenções celebradas por Portugal estendem a qualificação de royalty aos pagamentos relativos à assistência técnica prestada em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações referidos no artigo 12.º (.). A simples expressão 'assistência' revela que a prestação de serviços que é objecto do contrato em causa não tem carácter autónomo e independente, mas complementar ou acessória de outra operação prevista no mesmo contrato ou em contrato separado.» Destaques nossos

I. E acrescentava aquele Autor que a equiparação da assistência técnica ao conceito de royalty, por complementaridade ou acessoriedade leva a concluir que somente podem ser qualificados como de assistência técnica, para efeitos fiscais, os contratos mistos que tenham por objecto principal o uso ou a cedência do uso de tecnologia e, citando MIGUEL TEIXEIRA DE ABREU (Royalties e transferências de tecnologia, in Revista FISCO, N.º 30, Abril 1991, págs 27-28):«a tributação da assistência técnica em sede de royalties deve ser interpretada de uma forma restritiva, nela incluindo apenas a assistência técnica que tenha um carácter meramente subsidiário em relação ao objecto principal do contrato (que será a transmissão de know-how) e que, ao mesmo tempo, seja prestada em íntima ligação com a transmissão de know-how ou de outra realidade tributável em sede de royalties (.)». Destaques nossos

J. Acompanhando, no essencial, esta posição, M.H. FREITAS PEREIRA (Aspectos fiscais relativos a «royalties» e transferência de tecnologia - um comentário, in Revista FISCO, N.º 30, Abril 1991, pág. 32) realça que, para a inclusão dos rendimentos da assistência técnica no conceito de royalties, um laço parece evidente - «o da ligação da assistência técnica às transferências de tecnologia.» Destaques nossos

K. Pois bem, importa dizer que ambas as decisões arbitrais em confronto acompanham esta linha interpretativa sobre a inclusão dos rendimentos de assistência no conceito de royalties dado pelo artigo 12.º, n.º 3 da CDT entre Portugal e Moçambique, pelo que a divergência de posições gira fundamentalmente em torno da qualificação dos rendimentos resultantes do contrato de fretamento das embarcações destinadas à captura das quotas de pesca de camarão de superfície e gamba concedidas às sociedades afretadoras.

L. Efectivamente, a decisão arbitral recorrida, na esteira da decisão arbitral proferida no processo 393/2019-T, focando-se na análise detalhada das cláusulas contratuais relevantes do referido contrato - cláusula quinta (Tripulação), sétima (Responsabilidade das Partes) e Oitava (Custos de fretamento) - bem como no regime jurídico do fretamento disciplinado pelas cláusulas da carta de partida e, subsidiariamente, pelo Decreto-Lei 191/87, de 29 de Abril, conclui que à partida seria subsumível à modalidade de «contrato de fretamento a tempo, pelo qual o fretador, mediante uma retribuição pecuniária, se obriga a pôr à disposição do afretador um navio para fins de navegação marítima para que este o utilize durante certo período de tempo», afastando assim as outras duas modalidades que esse contrato pode revestir (por viagem e a casco nu)

M. Todavia, discorrendo ainda sobre a natureza e particularidades do conteúdo do contrato de fretamento de navio, o Tribunal arbitral acrescenta que «A prestação nuclear do fretador consiste em fornecer um navio em bom estado de navegabilidade, sendo que no fretamento a tempo, a gestão náutica lhe continua a pertencer, transferindo-se para o afretador a gestão comercial (artigos 22.º, 25.º e 26.º do Decreto-Lei 191/87, de 29 de Abril) e salienta ainda que (.) Por outro lado, o traço distintivo do fretamento relativamente à locação está na utilização do navio para fins relacionados com a navegação marítima, sendo aplicáveis as regras gerais da locação quando não seja essa a finalidade do contrato, assim se compreendendo também que a lei mande aplicar subsidiariamente a disciplina do contrato de locação no fretamento em casco nu, ou seja no caso em que fretador põe à disposição do afretador um navio não armado nem equipado (artigo 42.º do Decreto-Lei 191/87, de 29 de Abril).»

N. Transpondo as considerações expendidas para os contratos de fretamento celebradas entre a Recorrente e as sociedades moçambicanas, acaba por concluir de forma hialina que «Dificilmente se poderia concluir, neste contexto, que o fretamento se traduz no uso ou concessão de uso de um equipamento industrial ou comercial para efeito da previsão do artigo 12.º, n.º 3, do CDT, quando é certo que - como se deixou exposto - as royalties se reportam a uma categoria de rendimentos que provêm do uso de direitos de propriedade intelectual, industrial e de transmissão de informação, e no que se refere especificamente à propriedade industrial (aqui se incluindo a indústria e o comércio) corresponde a direitos privativos sobre os processos técnicos e de produção e desenvolvimento da riqueza, tendo por objecto as invenções, as patentes, as marcas, os modelos de utilidade, os modelos e desenhos industriais, os nomes e as insígnias de estabelecimento, os logótipos e as denominações de origem (artigos 1.º e 3.º do Código de Propriedade Industrial).» Destaques nossos

O. Ora, a errónea interpretação da decisão fundamento não é a que se retira do conteúdo das cláusulas contratuais, porquanto, a modalidade de fretamento não se reduz à disponibilização de um navio em regime de casco nu, pois, inclui tripulação especializada portuguesa, equipamentos e materiais de pesca, que, em substância, proporcionam à Recorrente uma forma de parceria na gestão e controlo do negócio da pesca, o que, aliás, está reflectido na fixação dos custos do fretamento (Cláusula Oitava do contrato de fretamento) em 40 % do valor da produção vendida, na repartição das responsabilidades pela operação das embarcações e, bem assim, na forma de cálculo da remuneração variável estipulada para o pessoal técnico e de assistência técnica (Cláusula Oitava) dos contratos de cedência de equipas técnicas de pessoal especializado nas áreas de condução de máquinas e na operação de pesca.

P. Efectivamente, in casu, o afretador não paga o frete do navio, mas antes partilha o produto da actividade piscatória realizada, continua responsável pela tripulação e pela manutenção do navio, bem como pela gestão e actividade das equipas técnicas.

Q. Posto isto, a tese defendida na decisão arbitral fundamento faz tábua rasa das cláusulas dos contratos de fretamento das embarcações de pesca, reconduzindo-os a uma mera cedência do uso ou locação de um equipamento industrial (navio em casco nu) e com isso procedendo erroneamente ao enquadramento dos rendimentos auferidos no artigo 12.º, n.º 3, da CDT entre Portugal e Moçambique.

R. Em sequência, a mesma decisão arbitral conclui que também os rendimentos de fonte moçambicana auferidos em resultado do protocolo de acordo de cedência de pessoal técnico são subsumíveis ao conceito de royalties, devendo ser tributados como tal.

S. Pelo contrário, a solução alcançada na decisão arbitral recorrida considera, e bem, que as remunerações auferidas pela Recorrente em resultado dos contratos de fretamento das embarcações de pesca são abrangidos pelo artigo 7.º, n.º 1, da CDT (LUCROS DAS EMPRESAS) entre Portugal e Moçambique, o que vale por dizer que, não dispondo a Recorrente de um estabelecimento estável em Moçambique ao qual sejam imputados tais rendimentos, a competência para a sua tributação é exclusiva do Estado da residência (Portugal).

T. Concluiu, assim correctamente que «(.) não há lugar à dedução, na liquidação de IRC, do crédito de imposto por dupla tributação internacional, e, como se decidiu em situação similar nos acórdãos proferidos nos Processos n.os 517/2017-T e 393/2019-T, é à Requerente que cabe accionar os meios administrativos ou judiciais de garantia junto do outro Estado contratante por cobrança de imposto em desconformidade com a convenção para evitar a dupla tributação.» Destaques nossos

U. Em consonância com esse entendimento, o tribunal arbitral considerou que ficava «prejudicado o conhecimento da questão de ilegalidade da liquidação por violação do artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da convenção, bem como dos pedidos de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios».

V. Concluiu, assim acertadamente que «(.) não há lugar à dedução, na liquidação de IRC, do crédito de imposto por dupla tributação internacional, e, como se decidiu em situação similar nos acórdãos proferidos nos Processos n.os 517/2017-T e 393/2019-T, é à Requerente que cabe accionar os meios administrativos ou judiciais de garantia junto do outro Estado contratante por cobrança de imposto em desconformidade com a convenção para evitar a dupla tributação.» Destaques nossos

W. Em consonância com esse entendimento, o tribunal arbitral considerou que ficava «prejudicado o conhecimento da questão de ilegalidade da liquidação por violação do artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da convenção, bem como dos pedidos de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios».

X. Pois bem, na decisão arbitral fundamento, a ilegalidade do acto de autoliquidação impugnado foi declarada «por força do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea a) da CDT», considerando erroneamente e na decorrência dessa enviesada conclusão que havia «direito a deduzir à colecta do IRC a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional um montante igual ao imposto pago em Moçambique incidente sobre os rendimentos brutos, desde que esse montante não exceda a fracção do IRC calculada antes da dedução correspondente aos rendimentos brutos tributados em Moçambique.»

Y. Sem mais delongas, impõe-se clarificar que o dissídio não incidia sobre o exercício do direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, assegurado pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT e pelo artigo 91.º, n.º 1 do Código do IRC, pois, estava em causa, tão-só, o modo de cálculo da «fracção do IRC calculada antes da dedução correspondente aos rendimentos tributados em Moçambique», no sentido de saber se o referido artigo convencional se opõe a que o cálculo tenha por base os rendimentos líquidos dos encargos.

Z. Esta precisa questão foi dirimida pelo STA, no Acórdão de 08/06/2022, Processo 03162/16.1BEPRT, nos seguintes termos (cf., Sumário):

I - O texto das convenções não impõe que nesse cálculo sejam considerados os rendimentos brutos obtidos no Estado da fonte, mas tão só que os rendimentos obtidos no «Estado da fonte» sejam acrescidos aos restantes rendimentos obtidos no «Estado da residência» a fim de se apurar o imposto devido neste último Estado e calcular a «fração» correspondente aos rendimentos obtidos no «Estado da fonte» e que serve de limite de dedução comparativo com o imposto cobrado neste último Estado.

II - A não ser assim, a atender-se aos rendimentos brutos (Questão diversa é a distinção entre rendimentos antes e após imposto, ou seja, para cálculo da referida «fração» há que acrescer aos rendimentos obtidos no Estado da residência a totalidade dos rendimentos obtidos no Estado da fonte e não apenas os rendimentos líquidos obtidos após a dedução do imposto pelo Estado da fonte) para cálculo da «fracção do imposto» apurado pelo Estado de residência, este veria diminuir a arrecadação da receita em relação à parte dos rendimentos obtidos no seu território, por a dedução do valor cobrado pelo Estado da fonte poder ser em regra superior ao valor que seria cobrado em relação à parte correspondente dos rendimentos, caso todos os rendimentos fossem obtidos no Estado da residência.»

AA. Assim sendo, o entendimento constante da decisão arbitral fundamento sobre o modo de cálculo do crédito de imposto por dupla tributação internacional está em oposição ao proferido pelo STA,

BB. face a tudo quanto vem ante exposto, apotídica e inelutavelmente a decisão arbitral recorrida assenta na melhor interpretação da norma do artigo 12.º, n.º 3 da CDT entre Portugal e Moçambique, tendo em vista a sua aplicação à factualidade contratual em presença, inexistindo assim qualquer erro de julgamento que inquine a sua validade.

CC. Fenecem, portanto, in totum os argumentos arvorados pela Recorrente, e vertidos na decisão fundamento, não padecendo os actos aqui em dissídio de qualquer vício, tendo andado bem a decisão recorrida.

Nestes termos, e nos mais de direito, deverá o presente recurso de uniformização ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se a decisão ora recorrida incólume na ordem jurídica, uniformizando-se a jurisprudência em consonância com o entendimento, na melhor aplicação do Direito ali vertido e propugnado pela Recorrida.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu douto parecer no sentido da existência de contradição entre as decisões e, quanto ao mérito, no sentido de negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão arbitral recorrida. E, bem assim, fixada orientação jurisprudencial no sentido de que não cabem no conceito de royalties, dado pelo artigo 12.º, n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique, as prestações de serviços enquadradas em contratos de assistência técnica autónoma, em que a prestação de serviços constitui o objeto principal do contrato, para cuja execução o prestador se limita a utilizar a sua experiência e conhecimentos usuais da sua profissão, sem que haja transferência de tecnologia, sendo a remuneração fixada com base nos custos incorridos, pelo que o Estado da fonte (Moçambique) não tem competência para a tributação desses rendimentos e, como tal, estes não podem ser objeto de dedução em sede de IRC, por exercício do direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional.

4 - Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.

Fundamentação

5 - Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso.

6 - Matéria de facto

6.1 - É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

A) A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, sujeito passivo de IRC, que se dedica, em Portugal e no estrangeiro, à exploração da indústria de pesca e produtos alimentares derivados, bem como a sua conservação, comercialização e atividades conexas.

B) Em 2018, a Requerente prestou serviços de cedência de pessoal técnico e de fretamento em Moçambique às sociedades X..., Lda., W..., Lda. e V..., Lda.

C) Por contrapartida dos serviços de fretamento e de cedência de pessoal, a Requerente auferiu, em 2018, da sociedade X..., Lda. o montante global de (euro) 1.211.294,9, sociedade W..., Lda., o montante global de (euro) 529.020,74 e da sociedade V..., Lda. o montante global de (euro) 411.737,49.

D) Estes rendimentos, no valor total de (euro) 2.152.053,20, foram considerados na determinação do lucro tributável da Requerente referente ao ano de 2018 e refletidos na autoliquidação do IRC correspondente a esse período de tributação.

E) Sobre os rendimentos brutos auferidos pela prestação de serviços em Moçambique incidiu Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas moçambicano, à taxa liberatória de 10 %, o qual foi liquidado e cobrado pelas sociedades moçambicanas através de retenção na fonte, no montante global de (euro) 215.205,32, correspondente a 10 % do total dos rendimentos brutos indicados.

F) A Requerente apresentou, em 26 de Junho de 2019, a declaração «Modelo 22» de IRC relativa ao exercício de 2017, tendo apurado um lucro tributável de (euro) 1.676.990,02, a coleta de IRC no valor de (euro) 357.477,60 e a derrama municipal de (euro) 25.154,85.

G) A Requerente não procedeu à dedução do crédito de imposto referente ao IRPC suportado em Moçambique, no referido montante de (euro) 215.205,32.

H) A Requerente celebrou com a sociedade X..., Lda. um contrato de fretamento do navio..., em 22 de Dezembro de 2017, válido até 31 de Dezembro de 2018, sendo renovado, mediante acordo, 90 dias antes do seu término, por períodos de um ano, através de trocas de cartas entre o FRETADOR e a AFRETADORA (cláusula 10.ª).

I) A Requerente celebrou com a sociedade X..., Lda. um contrato de fretamento do navio..., em 22 de Dezembro de 2017, válido até 31 de Dezembro de 2018, sendo renovado, mediante acordo, 90 dias antes do seu término, por períodos de um ano, através de trocas de cartas entre o FRETADOR e a AFRETADORA (cláusula 10.ª).

J) A Requerente celebrou com a sociedade W... um contrato de fretamento do navio..., em 22 de Dezembro de 2017, válido até 31 de Dezembro de 2018, sendo renovado, mediante acordo, 90 dias antes do seu término, por períodos de um ano, através de trocas de cartas entre o FRETADOR e a AFRETADORA (cláusula 10.ª).

L) Os contratos de afretamento tinham em vista a captura das quotas de pesca de camarão de superfície e gamba concedidas à afretadora e continham, na parte relevante, as seguintes cláusulas:

Cláusula quinta

(Tripulação)

1 - A tripulação do NAVIO será composta por tripulantes estrangeiros e moçambicanos fixando-se o número máximo de estrangeiros por NAVIO em 7 (sete), nas especialidades que vierem a ser acordadas entre as partes.

2 - Compete a ambas as partes proceder à seleção e escolha por mútuo acordo dos tripulantes estrangeiros.

3 - Cabe à tripulação estrangeira colaborar na preparação técnica dos tripulantes moçambicanos, assegurar as condições técnico-produtivas da exploração do NAVIO, gozando os tripulantes moçambicanos a bordo o mesmo estatuto dos tripulantes estrangeiros.

4 - Ao comandante de cada NAVIO caberá o estabelecimento do regime e ordem de trabalho a bordo tendo em conta as normas em vigor da República de Moçambique.

Cláusula sétima

(Responsabilidades das partes)

1 - É da responsabilidade do FRETADOR o pagamento de todas as despesas relativas à exportação do NAVIO, designadamente:

a) As reparações e a manutenção em territórios moçambicano e estrangeiro;

b) Peças sobressalentes para todos os equipamentos, artes e materiais de pesca;

c) Os salários dos tripulantes estrangeiros;

d) Os utensílios de trabalho;

e) O seguro do NAVIO e da tripulação estrangeira;

f) Todas as despesas decorrentes de paralisação por um período superior a três dias e por motivo de avarias técnicas.

2 - É da responsabilidade da AFRETADORA o pagamento das despesas de:

a) Obtenção das licenças de pesca do NAVIO;

b) Direitos aduaneiros, despesas bancárias e outras relativas a exportação da produção:

c) Salários. seguros e outros encargos sociais das tripulações moçambicanas;

d) Despesas portuárias em portos moçambicanos, referentes a descargas, ancoragem, atrancamento e pilotagem;

e) O abastecimento de combustíveis, lubrificantes e água;

f) As embalagens para o acondicionamento das capturas:

g) A alimentação para toda a tripulação;

h) Outros custos não especificados, que decorram de exigência das Autoridades da República de Moçambique e que sejam de sua responsabilidade legal.

3 - Em qualquer caso e para todos os efeitos deste contrato o FRETADOR e o único proprietário do NAVIO.

Cláusula oitava

(Custos de fretamento)

1 - O pagamento do fretamento do NAVIO ao FRETADOR será feito em dólares americanos, para o caso das exportações, ou em moeda nacional, para o caso das vendas locais, e é fixado numa percentagem do valor da produção vendida, tanto no mercado moçambicano como no mercado internacional, segundo as seguintes proporções par produtos:

a) Gamba e Crustáceos acompanhantes: 40 % (quarenta por cento) do valor da produção vendida;

b) Polvo e Lulas: 40 % (quarenta par cento) do valor da produção vendida;

c) Peixe: 40 % (quarenta por cento) do valor da produção vendida;

d) O FRETADOR receberá a sua percentagem, após entrada em Moçambique dos 100 % (cem por cento) do valor da exportação (vendida).

2 - A produção descarregada será comprovada por uma Acta de Descarga, entregue e assinada pelo comandante do NAVIO, pelo representante da AFRETADORA e pelo representante do FRETADOR.

3 - A produção vendida no mercado moçambicano será comprovada pelas faturas de venda ou outros documentos equivalentes emitidos pela AFRETADORA. A produção vendida no mercado internacional será comprovada pelos documentos de exportação emitidos pelas autoridades competentes da República de Moçambique.

4 - Os pagamentos devidos pela AFRETADORA ao FRETADOR provenientes das vendas no mercado internacional serão feitos através de um banco comercial que opere em Moçambique, até quinze dias úteis, contados a partir da data do recebimento, do valor, de cada exportação.

5 - Os pagamentos devidos pela AFRETADORA ao FRETADOR provenientes das vendas no mercado nacional moçambicano serão feitos em moeda nacional moçambicana, de acordo com as indicações sobre a forma de recebimento a serem prestadas pelo FRETADOR.

M) A Requerente celebrou com a sociedade V..., Lda. em 25 de Fevereiro de 2005, um contrato de assistência técnica, com a duração de cinco anos e renovável por iguais períodos (cláusula 3.ª), tendo por objetivo a prestação de serviços de assistência técnica à produção de camarão, gamba, através de uma equipa técnica de pessoal especializado nas áreas de condução de máquinas e na operação de pesca em três embarcações (Artigo 1.º).

N) Os contratos de cedência de pessoal técnico e de assistência técnica referidos nas antecedentes alínea T) continham, na parte relevante, as seguintes cláusulas:

Artigo 6.º

Remuneração

Os montantes que deverão ser pagos pela Y... a Z... pela cedência do pessoal no âmbito deste Acordo, estão definidos no ponto 1. do seu ANEXO II.

Artigo 7.º

Forma de pagamento

1 - Todos os pagamentos decorrentes do presente Acordo, serão efetuados contra facturas da Z... devidamente discriminadas, por transferência bancária com base em BOLETINS DE AUTORIZAÇÃO DE PAGAMENTO emitidos pelas autoridades moçambicanas e/ou depósito nas contas da Z... em bancos moçambicanos, de acordo com as indicações de liquidação dadas pela Z...

2 - O regime de facturação da Z... à V..., dará lugar a dois tipos de notas de débito, correspondendo uma a remuneração fixa, e outra a remuneração variável. A correspondente à remuneração fixa é mensal e a variável em conformidade com as sucessivas descargas de pescado.

3 - A remuneração fixa em divisas a liquidar pela Y..., será debitada pela Z... de acordo com a respetiva tabela definida no ANEXO U deste Acordo, e dos dias de trabalho efetivo dos técnicos em exercício.

4 - A remuneração variável em divisas será debitada de acordo com o estabelecido no ANEXO II do presente Acordo, com base em Actas de Descarga, certificando as quantidades de produto - camarão, gamba e respetiva fauna acompanhante - capturadas e descarregadas, devidamente assinadas pelos capitães dos navios e Diretor da Y...

5 - A liquidação das facturas à Z... será efetuada até 30 (trinta) dias a contar da data da sua receção, e após a obtenção, por parte e responsabilidade da E..., dos correspondentes BOLETINS DE AUTORIZAÇÃO DE PAGAMENTOS.

6 - Por se tratar de um contrato, na essência de transferência de custo com os técnicos cedidos, os pagamentos pela V... à Z... SA, nos termos deste contrato, serão livres de impostos, nomeadamente da taxa liberatória.

Artigo 9.º

Principais deveres dos elementos da equipa técnica da Z...

1 - O conjunto de elementos que compõem a Equipa Técnica da Z... deverá, para além do desempenho das suas missões, essencialmente técnicas executivas, dispensar todo o apoio solicitado pela Direção da V... e, sobretudo, transmitir conhecimentos especializados aos companheiros de trabalho moçambicanos.

2 - Os elementos da Equipa Técnica deverão ainda:

a) Submeter-se aos condicionalismos legais vigentes na República de Moçambique.

b) Manter rigoroso sigilo sobre todos os documentos e informação a que tenham acesso no âmbito dos trabalhos, não podendo retirar da R.M. quaisquer documentos da Y... ou com ela relacionados.

c) Ter, durante a permanência na R.M., um comportamento digno e respeitador e não se manifestar ou proceder por forma a que os seus atos possam ser considerados como ingerência nos assuntos políticos, económicos, sociais, culturais e militares internos.

d) Integrar-se na estrutura empresarial em que irão trabalhar, submetendo-se aos regulamentos funcionais e disciplinares em vigor, e respeitando a hierarquia que lhes for determinada no desempenho das suas funções, abstendo-se, em particular, de cometer ou tratar de questões de ordem funcional fora daquelas hierarquias.

e) Não abandonar o posto de trabalho sem autorização do Diretor da V..., ou do seu superior hierárquico.

f) Comparecer assídua e pontualmente ao trabalho e cumprir o horário de trabalho da Y...

O) A Requerente deduziu, em 23 de junho de 2021, uma reclamação graciosa do ato de autoliquidação de IRC.

P) Por despacho de 22 de outubro de 2021, o Diretor de Finanças de Aveiro indeferiu reclamação graciosa.

Q) O despacho de indeferimento da reclamação graciosa teve por base a informação dos serviços que constitui o documento n.º ...40 junto ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido, e que conclui nos seguintes termos:

[...] pela não aplicabilidade ao caso da regra do artigo 12.º, n.º 3, da CDT, não só porque os contratos de fretamento em análise não preenchem o qualificativo de royalties, como também porque a prestação de serviços por tripulantes estrangeiros, no âmbito desses contratos, ou a prestação de serviços no quadro de contratos de cedência de pessoal técnico ou de assistência técnica se reconduzem a uma mera relação laboral que não se enquadra no conceito típico de assistência técnica para os efeitos previstos nessa disposição.

E sendo assim não há lugar à dedução, na liquidação de IRC, do crédito de imposto por dupla tributação internacional, e, como se decidiu em situação similar no acórdão proferido no Processo 517/2017-T, é à Requerente (aqui, no processo de reclamação graciosa em análise, reclamante) que cabe acionar os meios administrativos ou judiciais de garantia junto do outro Estado contratante por cobrança de imposto em desconformidade com a convenção para evitar a dupla tributação.

R) O despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi notificado à Requerente por ofício de 28 de outubro de 2021.

S) O pedido arbitral deu entrada no dia 25 de Novembro de 2021.

6.2 - Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral fundamento:

a) A Requerente é uma sociedade anónima de direito português que exerce a actividade de pesca marítima (CAE principal 03111) e que está enquadrada para efeitos de tributação no regime normal mensal de IVA, desde 1 de Janeiro de 1986, e no regime geral de IRC, desde 1 de Janeiro de 1989;

b) A Requerente dispõe de contabilidade organizada, de acordo com o regime legal aplicável, e apura anualmente o seu lucro tributável nos termos normais;

c) No desenvolvimento da sua actividade, a Requerente celebrou com a sociedade de direito moçambicano B..., um contrato de afretamento de navio e um protocolo de acordo de cedência de pessoal técnico (cf. documentos... e... juntos pela Requerente aos autos);

d) No período de tributação de 2013 a sociedade B... entregou à Requerente, pelos serviços que esta lhe prestou, os seguintes montantes:

e)

Montante de serviços prestadosData de Pagamento
(euro) 168.329,152013-09-21
(euro) 287.383,152013-09-21
(euro) 218.062,402013-11-15
(euro) 259.141,582013-12-18


f) Sobre esses montantes incidiu IRPC que foi liquidado e cobrado pela B... enquanto substituta tributária, através de retenção na fonte a título definitivo à taxa liberatória de 10 %, no montante global de (euro) 93.291,64 (cf. documentos... a... juntos pela Requerente aos autos);

g) Em 29 de Maio de 2014 a Requerente apresentou a declaração modelo 22 n.º ... referente ao período de tributação de 2013 (cf. documento... junto pela Requerente aos autos);

h) Na declaração modelo 22 referida no ponto anterior a Requerente apurou uma matéria colectável não isenta de (euro) 505.348,45, uma colecta de IRC de (euro) 126.337,11 e uma derrama municipal de (euro) 7.317,07 (cf. documento... junto pela Requerente aos autos);

i) Na declaração modelo 22 referida no ponto f) a Requerente não reflectiu a dedução do crédito de imposto relativo às retenções na fonte suportadas a título de IRPC no montante global de (euro) 93.291,64 (cf. documento... junto pela Requerente aos autos);

j) Da referida declaração modelo 22 resultou a liquidação de IRC n.º 2014... que deu origem à nota de cobrança n.º 2014... e ao valor total a pagar de (euro) 263,16 com os devidos acertos (cf. PA junto pela Requerida aos autos);

k) A Requerente procedeu ao pagamento voluntário daquele acto de liquidação em 4 de Agosto de 2014 (cf. PA junto pela Requerida aos autos);

l) Em 29 de Maio de 2018 a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2013 (cf. PA junto pela Requerida aos autos);

m) Em 9 de Outubro de 2018 a Requerente foi notificada através do ofício da Direcção de Finanças de Aveiro n.º ..., de 8 de Outubro de 2018, do projecto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da informação fundamentante (cf. PA junto pela Requerida aos autos);

n) Por ofício de 12 de Novembro de 2018, a Requerente foi notificada do despacho da Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Aveiro, que indeferiu o pedido de revisão oficiosa, com fundamento na inexistência de erro imputável aos serviços para efeitos da 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º, da lei geral tributária ("LGT") (cf. PA junto pela Requerida aos autos);

o) Em 4 de Fevereiro de 2019 a Requerente deduziu pedido de constituição de tribunal arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2013 e da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa que teve aquele acto enquanto objecto (cf. PA junto pela Requerida aos autos);

p) Em 19 de Dezembro de 2019 foi proferida decisão arbitral que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela Requerente e que ordenou a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa no segmento em que decidiu pela ausência da verificação dos pressupostos para a revisão oficiosa do acto de autoliquidação designadamente, a inexistência de erro imputável aos serviços (cf. PA junto pela Requerida aos autos);

q) Para cumprimento dessa decisão arbitral foi instaurado o procedimento de revisão oficiosa n.º ...2020... (cf. PA junto pela Requerida aos autos);

r) Por ofício de 20 de Outubro de 2020 a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o direito de audição prévia quanto ao projecto de decisão do procedimento de revisão oficiosa referido no ponto anterior (cf. documento... e PA juntos, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida aos autos);

s) A Requerente não exerceu o referido direito de audição prévia (cf. documento... e PA juntos, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida aos autos);

t) Do projecto de decisão notificado à Requerente constava, para além do mais, a seguinte fundamentação:

«21 - Dificilmente se poderia concluir, neste contexto, que o fretamento se traduz no uso ou concessão de uso de um equipamento industrial ou comercial para efeito da previsão do artigo 12.º, n.º 3 da CDT, quando é certo que as royalties se reportam a uma categoria de rendimentos que provêm do uso de direitos de propriedade intelectual, industrial e de transmissão de informação, e no que se refere especificamente à propriedade industrial (aqui se incluindo a indústria e o comércio) corresponde a direitos privativos sobre os processos técnicos e de produção e desenvolvimento da riqueza, tendo por objecto as invenções, as patentes, as marcas, os modelos de utilidade, os modelos e desenhos industriais, os nomes e as insígnias de estabelecimento, os logótipos e as denominações de origem (artigos 1.º e 3.º do Código de Propriedade Industrial).

22 - Note-se que, os rendimentos provenientes do uso ou concessão de uso de equipamento industrial, comercial ou científico nem sequer con[s]tam do parágrafo 2.º do artigo 12.º da Convenção Modelo, passando a sua tributação a ser regulada como lucros das empresas nos seus artigos 5.º e 7.º, e não se compreende que a sua inclusão na CDT, ao arrepio do direito convencional comum, escape ao sentido geral da norma, que aponta para a qualificação como royalties de direitos de propriedade intelectual, de propriedade industrial ou de transmissão de informação;

23 - Por conseguinte, a referência ao uso ou concessão de uso de equipamento industrial, no artigo 12.º, n.º 3 da CDT, não pode entender-se como incluindo o típico contrato de fretamento, quando esta figura se carateriza pela simples utilização ou exploração de um navio para uma afetação marítima e se encontra regulada, desde há muito, no Código Comercial (artigos 541.º a 561.º) e em subsequente legislação avulsa.

24 - Não tem relevo, neste circunstancialismo, que a retribuição do fretamento seja calculada através de uma percentagem do valor da produção vendida no mercado moçambicano ou internacional, visto que o contrato está sujeito ao princípio da liberdade de forma e nada obstava a que as partes fixassem um custo variável em função dos resultados da exploração em vez de preço predefinido de acordo com outros critérios de avaliação;

25 - Não podendo o contrato em causa ser qualificado como uso ou concessão de uso de um equipamento industrial, para efeitos do artigo 12.º, n.º 3 da CDT, fica excluída a possibilidade de aplicação da segunda parte desse preceito, que engloba no termo royalties os pagamentos efetuados a título de remuneração por assistência técnica que se lhe encontre conexa;

26 - Em qualquer caso, os contratos de fretamento em causa não envolvem qualquer transferência de tecnologia ou de informação tecnológica, mas a mera integração nas tripulações das embarcações fretadas de tripulantes estrangeiros para efeito de colaborarem na preparação técnica dos tripulantes locais e assegurarem as condições técnico-produtivas da exploração do navio, e que são remunerados pela sociedade afretadora mediante o pagamento dos correspondentes salários no âmbito de uma mera relação laboral. Sendo que, os pagamentos que têm por base uma percentagem da produção, constituem a remuneração do próprio fretamento e não de qualquer tipo de colaboração ou apoio técnico que seja prestado pelos tripulantes estrangeiros:

27 - Termos em que se conclui pela não aplicabilidade ao caso da regra do artigo 12.º n.º 3, da CDT, não só porque o contrato de fretamento não preenche o qualificativo de royalties, como também porque a prestação de serviços por tripulantes estrangeiros, no âmbito desse contrato, ou a prestação de serviços no quadro de contrato de cedência de pessoal técnico ou de assistência técnica se reconduz a uma mera relação laboral que não se enquadra no conceito típico de assistência técnica para os efeitos previsto[s] nesta disposição.

28 - E sendo assim, não há lugar à dedução na liquidação de IRC, do crédito de imposto por dupla tributação internacional, sendo à Requerente que cabe acionar os meios administrativos ou judiciais de garantia junto do Estado moçambicano por cobrança de imposto em desconformidade com a convenção para evitar a dupla tributação.

29 - Fica prejudicado assim, o conhecimento da questão de ilegalidade da liquidação por violação do artigo 23.º n.º 1, alínea a) da Convenção, bem como dos pedidos de reembolso

2.4 - Juros Indemnizatórios:

Não são devidos juros indemnizatórios, em virtude de a decisão projetada ser no sentido do indeferimento do pedido.»

u) Por ofício de 26 de Novembro de 2020 foi a Requerente notificada de que em 24 de Novembro de 2020 tinha sido proferido pelo Director de Finanças de Aveiro despacho de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa n.º ...2020... com base na fundamentação constante do projecto de decisão anteriormente notificado à Requerente (cf. documento... e PA juntos, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida aos autos);

v) Em 15 de Fevereiro de 2021 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

7 - Decidindo

7.1 - Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto arbitral invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após - caso seja de reconhecer a existência de tal oposição - , verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível 'que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. n.º 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. n.º 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6.ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279.º pp. 400/403.)'.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão arbitral fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Na origem dos litígios subjacentes às decisões em confronto está, em ambos os casos, a pretensão de uma sociedade anónima de direito português que celebrou com sociedades moçambicanas contratos de fretamento de navios e de cedência de pessoal técnico, de poder deduzir ao IRC português, ao abrigo do disposto no artigo 23.º n.º 1, alínea a) da Convenção contra a Dupla Tributação Portugal/Moçambique, crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional correspondente ao montante do imposto pago em Moçambique por retenção na fonte incidente sobre aqueles rendimentos, ali qualificado com royalties e tributado à taxa de 10 % sobre os rendimentos brutos, rendimentos esses também incluídos na base tributária do IRC português - cf. as alíneas A) a G) do probatório fixado na decisão arbitral recorrida e as alíneas a) a h) do probatório fixado na decisão arbitral fundamento.

Embora os períodos de tributação num e noutro caso sejam diversos - 2018, na decisão recorrida; 2013, na decisão fundamento - o quadro normativo de referência é o mesmo, a saber, as disposições da Convenção contra a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e a República de Moçambique, na redacção que lhe foi conferida pelo Protocolo que a reviu em 2009, e cujo artigo 12.º n.º 3 dispõe: «3 - O termo «royalties», usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes ou gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico. O termo 'royalties' inclui também os pagamentos efectuados a título de remuneração por assistência técnica prestada em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações anteriormente referidos.»

Na decisão arbitral recorrida o coletivo arbitral conclui «pela não aplicabilidade ao caso da regra do artigo 12.º n.º 2, da CDT, não só porque os contratos de fretamento em análise não preenchem o qualificativo de royalties, como também porque a prestação de serviços por tripulantes estrangeiros, no âmbito desses contratos, ou a prestação de serviços no quadro de contratos de cedência de pessoal técnico ou de assistência técnica se reconduzem a uma mera relação laboral que não se enquadra no conceito típico de assistência técnica para os efeitos previstos nessa disposição.// E sendo assim não há lugar à dedução, na liquidação do IRC, do crédito de imposto, por dupla tributação internacional, e, como se decidiu em situação similar nos acórdãos proferidos nos processos n.os 517/2017 e 393/2019-T, é à Requerente que cabe accionar os meios administrativos ou judiciais de garantia junto do outro Estado contratante por cobrança de imposto em desconformidade com a convenção para evitar a dupla tributação.//Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento da questão da ilegalidade da liquidação por violação do artigo 23.º n.º 1, alínea a) da convenção, bem como dos pedidos de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios» (cf. fls 554 do processo arbitral).

Já na decisão arbitral fundamento, o coletivo arbitral concluiu que «[...] os rendimentos de fonte moçambicana auferidos pela Requerente em resultado do contrato de afretamento de navio e do protocolo de acordo de cedência de pessoal técnico celebrados com a sociedade B...eram efectivamente subsumíveis ao conceito de 'royalties' nos termos do artigo 12.º n.º 3 da CDT.// Qualificação essa que, como acima se referiu, a própria AT assume e reconhece como correcta na sua resposta e, bem assim, nas suas alegações finais ao referir que 'Quanto às questões a decidir, embora a requerente continue a dar relevo à que se prende com a qualificação dos pagamentos efectuados pela B...como royalties, à luz da definição dada pelo n.º 3 do art. 12.º da Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e Moçambique (adiante somente CDT), a Requerida reitera que, nesta fase, essa divergência está ultrapassada'. //Em face do exposto, conclui-se pela ilegalidade do fundamento da inaplicabilidade do artigo 12.º n.º 3 da CDT aos rendimentos auferidos pela Requerente» (fls. 6/12 da decisão arbitral fundamento).

Podemos, pois, concluir que, como bem alegado pela recorrente, há entre os arestos em confronto contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, pois que arestos deram resposta contraditória sobre a questão de saber se os rendimentos de fonte moçambicana em causa nos respectivos autos - resultantes de contratos de fretamento de embarcações de pesca e cedência de pessoal técnico especializado - são ou não qualificáveis como «royalties» para efeitos do artigo 12.º n.º 3 da CDT Moçambique, concluindo a decisão recorrida que o não são e a decisão fundamento, em conformidade com a posição final da AT no processo, que o são.

Não há, aliás, entre os intervenientes processuais, incluindo o Ministério Público junto deste STA, controvérsia sobre a existência de respostas contraditórias entre os arestos à questão da qualificação dos rendimentos de fonte moçambicana, havendo, pois, que conhecer do mérito do recurso, apenas e só quanto a esta questão, pois inexiste jurisprudência consolidada deste STA sobre a matéria.

Haverá, pois, que conhecer do mérito do recurso.

7.2 - Do mérito do recurso

A decisão arbitral recorrida julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral - de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o acto de autoliquidação de IRC relativa ao ano de 2018 -, no entendimento de que, contrariamente ao enquadramento tributário que teriam tido pelo Estado moçambicano, os rendimentos de fonte moçambicana em causa nos autos não são qualificáveis como «royalties» para efeitos do disposto no artigo 12.º n.º 3 da CDT Moçambique, sendo a cobrança de imposto pelo Estado moçambicano desconforme à CDT e como tal (presume-se...) não há lugar à dedução na liquidação de IRC, do crédito de imposto por dupla tributação internacional (cf. decisão recorrida, a fls. 554 do processo arbitral).

Para assim concluir o coletivo arbitral, depois de reproduzir o artigo 12.º da CDT Moçambique, na redacção que lhe foi conferida pelo Protocolo Adicional e recordar, com ALBERTO XAVIER, o conceito tradicional de «royalties» consignou o seguinte entendimento:

«6 - Revertendo à situação do caso, o que se constata, face à matéria de facto tida como assente, é que a Requerente se limitou a celebrar com empresas moçambicanas um contrato de fretamento de embarcações, que poderá caracterizar-se como contrato de fretamento a tempo, pelo qual o fretador, mediante uma retribuição pecuniária, se obriga a pôr à disposição do afretador um navio para fins de navegação marítima para que este o utilize durante certo período de tempo.

O contrato de fretamento apenas se distingue de um contrato de transporte marítimo na medida em que o fretamento respeita a um navio, consistindo na utilização ou exploração do navio para afectação marítima, não assumindo o fretador qualquer encargo directo em relação às mercadorias transportadas (quando o fretamento tenha essa finalidade), enquanto o transportador está fundamentalmente vinculado a fazer chegar uma certa mercadoria a um determinado destino, não sendo automaticamente responsável pela perda ou avaria das mercadorias transportadas, salvo se tiver procedido com culpa. Acresce que o fretamento não se confina, em todos os casos, ao transporte de mercadorias, podendo ser utilizado nas actividades compatíveis com a finalidade normal e características técnicas do navio. Por outro lado, o traço distintivo do fretamento relativamente à locação está na utilização do navio para fins relacionados com a navegação marítima, sendo aplicáveis as regras gerais da locação quando não seja essa a finalidade do contrato, assim se compreendendo também que a lei mande aplicar subsidiariamente a disciplina do contrato de locação no fretamento em casco nu, ou seja no caso em que fretador põe à disposição do afretador um navio não armado nem equipado (artigo 42.º do Decreto-Lei 191/87, de 29 de Abril).

A prestação nuclear do fretador consiste em fornecer um navio em bom estado de navegabilidade, sendo que no fretamento a tempo, a gestão náutica lhe continua a pertencer, transferindo-se para o afretador a gestão comercial (artigos 22.º, 25.º e 26.º do Decreto-Lei 191/87, de 29 de Abril). Por outro lado, o contrato de fretamento, ao contrário do contrato de transporte de mercadorias, está sujeito à regra de liberdade de fixação do conteúdo contratual, embora sejam utilizados modelos standard mediante a inclusão de cláusulas padronizadas pelo mercado e instituições especializadas. (sobre todos estes aspectos, cf. acórdão do STJ de 30 de Outubro de 1997, Processo 98A293, e, na doutrina, Mário Raposo, Fretamento e transporte marítimo - algumas questões, BMJ n.º 340, págs. 17 e segs.).

Dificilmente se poderia concluir, neste contexto, que o fretamento se traduz no uso ou concessão de uso de um equipamento industrial ou comercial para efeito da previsão do artigo 12.º, n.º 3, do CDT, quando é certo que - como se deixou exposto - as royalties se reportam a uma categoria de rendimentos que provêm do uso de direitos de propriedade intelectual, industrial e de transmissão de informação, e no que se refere especificamente à propriedade industrial (aqui se incluindo a indústria e o comércio) corresponde a direitos privativos sobre os processos técnicos e de produção e desenvolvimento da riqueza, tendo por objecto as invenções, as patentes, as marcas, os modelos de utilidade, os modelos e desenhos industriais, os nomes e as insígnias de estabelecimento, os logótipos e as denominações de origem (artigos 1.º e 3.º do Código de Propriedade Industrial).

Note-se que os rendimentos provenientes do uso ou concessão de uso de equipamento industrial, comercial ou científico nem sequer constam do parágrafo 2.º do artigo 12.º da Convenção Modelo, passando a sua tributação a ser regulada como lucros das empresas nos seus artigos 5.º e 7.º, e não se compreende que a sua inclusão na CDT, ao arrepio do direito convencional comum, escape ao sentido geral da norma, que aponta para a qualificação como royalties de direitos de propriedade intelectual, de propriedade industrial ou de transmissão de informação.

Por conseguinte, a referência ao uso ou concessão de uso de equipamento industrial, no artigo 12.º, n.º 3, da CDT, não pode entender-se como incluindo o típico contrato de fretamento, quando esta figura se caracteriza pela simples utilização ou exploração de um navio para uma afectação marítima e se encontra regulada, desde há muito, no Código Comercial (artigos 541.º a 561.º) e em subsequente legislação avulsa.

Não tem relevo, neste circunstancialismo, que a retribuição do fretamento seja calculada através de uma percentagem do valor da produção vendida no mercado moçambicano ou internacional, visto que o contrato está sujeito ao princípio da liberdade de forma e nada obstava a que as partes fixassem um custo variável em função dos resultados da exploração em vez de preço predefinido de acordo com outros critérios de avaliação.

7 - Não podendo o contrato em causa ser qualificado como uso ou concessão de uso de um equipamento industrial, para efeitos do artigo 12.º, n.º 3, do CDT, fica excluída a possibilidade de aplicação da segunda parte desse preceito, que engloba no termo royalties os pagamentos efectuados a título de remuneração por assistência técnica que se lhe encontre conexa.

Em qualquer caso, os contratos de fretamento em causa não envolvem qualquer transferência de tecnologia ou de informação tecnológica (know-how), mas a mera integração nas tripulações das embarcações fretadas de tripulantes estrangeiros para efeito de colaborarem na preparação técnica dos tripulantes locais e assegurarem as condições técnico-produtivas da exploração do navio (cláusula quinta, n.º 3), e que são remunerados pela entidade afretadora mediante o pagamento dos correspondentes salários no âmbito de uma mera relação laboral [cláusula 7.ª, n.º 1, alínea c)]. Sendo que - como se deixou esclarecido - os pagamentos que têm por base uma percentagem da produção, a que se refere a cláusula 7.ª dos contratos de fretamento, constituem a remuneração do próprio fretamento e não de qualquer tipo de colaboração ou apoio técnico que seja prestado pelos tripulantes estrangeiros.

Por outro lado, os denominados contratos de cedência de pessoal técnico ou de assistência técnica consistem na colocação de pessoal especializado nas embarcações, em certas funções operativas, que são igualmente remuneradas no quadro de uma relação laboral de subordinação jurídica, sendo de notar que constituem deveres do pessoal contratado integrar-se na estrutura empresarial da entidade afretadora, não abandonar o posto e cumprir o horário de trabalho [cláusula 9.ª, n.º 2, alíneas d), e) e f)].

Além de que esses contratos não se encontram sequer associados ao fretamento de navios que tenha sido realizado pela Requerente, não podendo estabelecer-se uma qualquer conexão com o uso ou a concessão do uso de bens, ainda que o contrato de fretamento pudesse ser entendido como incluído no conceito de royalties para efeito do disposto no citado artigo 12.º, n.º 3, do CDT. Podendo apenas entender-se que se trata de prestação de serviços técnicos.

Termos em que se conclui pela não aplicabilidade ao caso da regra do artigo 12.º, n.º 3, da CDT, não só porque os contratos de fretamento em análise não preenchem o qualificativo de royalties, como também porque a prestação de serviços por tripulantes estrangeiros, no âmbito desses contratos, ou a prestação de serviços no quadro de contratos de cedência de pessoal técnico ou de assistência técnica se reconduzem a uma mera relação laboral que não se enquadra no conceito típico de assistência técnica para os efeitos previstos nessa disposição.

E sendo assim não há lugar à dedução, na liquidação de IRC, do crédito de imposto por dupla tributação internacional, e, como se decidiu em situação similar nos acórdãos proferidos nos Processos n.os 517/2017-T e 393/2019-T, é à Requerente que cabe accionar os meios administrativos ou judiciais de garantia junto do outro Estado contratante por cobrança de imposto em desconformidade com a convenção para evitar a dupla tributação.

Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento da questão de ilegalidade da liquidação por violação do artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da convenção, bem como dos pedidos de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios.» (fim de citação).

Nas suas contra-alegações vem a AT aderir a este entendimento, que é também sufragado pelo Ministério Público junto deste STA no seu parecer junto aos autos.

Não podemos, porém, acompanhar o entendimento do coletivo arbitral, pelas razões seguintes.

O coletivo arbitral procedeu à interpretação da norma da CDT à luz do direito interno português, como resulta à evidência das referências legislativas e doutrinais que pontuam a respetiva fundamentação, olvidando que está a interpretar uma norma de direito internacional convencional, sujeita a cânones de interpretação específicos, entre os quais os de que Um tratado deve ser interpretado de boa fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respectivos objecto e fim. (cf. o n.º 1 do artigo 31.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados).

Ignora, por outro lado, que o concreto preceito interpretando - o artigo 12.º da CDT Moçambique - , não segue, na definição do conceito de royalties, o actual modelo da Convenção-Modelo da OCDE, daí que nenhum sentido faça interpretá-lo à luz de um modelo que não é o seu.

O modelo deste preceito da Convenção com Moçambique é, quanto à distribuição do poder de tributar entre o Estado da fonte e o da residência, tributário do modelo de Convenção das Nações Unidas, e adopta inequivocamente uma definição de royalties mais ampla que a da atual Convenção Modelo da OCDE, pois que esta tem vindo a restringir o âmbito do conceito de royalties. Escrevem BRUNO SANTIAGO/SARA TEIXEIRA, em «Direito Fiscal Internacional de Moçambique: As Convenções de Dupla Tributação ...», (reimpress. 2020 à obra de 2017, Almedina, Coimbra, nota 183 de p. 119), em comentário ao artigo 12.º da CDT «Os pagamentos recebidos em contrapartida do uso ou direito de uso de equipamento industrial, comercial ou científico estavam inicialmente previstos na CMOCDE, mas foram entretanto removidos por se considerar que são mais bem contemplados nas disposições respeitantes à tributação dos lucros das empresas (artigos 5.º e 7.º) - cf. parágrafo 9.º do comentário ao artigo 12.º da CMOCDE (OCDE, Model Tax Convention...). De acordo com o parágrafo 43 do comentário ao artigo 12.º da CMOCDE (OCDE, Model Tax Convention...), Portugal reserva-se o direito de tributar, enquanto país da fonte, os royalties devidos em contrapartida do uso ou do direito de uso de equipamento industrial, comercial ou científico e de contentores, assim como o rendimento da assistência técnica associada ao uso desses equipamentos e contentores».

Finalmente, no apoio que o coletivo arbitral vai procurar em Alberto Xavier, esquecem os árbitros que o insigne Professor inicia o Subsecção que dedica às 'Royalties' no seu Direito Tributário Internacional (2.ª ed. reimpress, Coimbra, Almedina, 2022, p. 687) com a afirmação segundo a qual «O conceito de 'royalties' (redevances em francês, cannones em castelhano) adoptado pelas convenções contra a dupla tributação, não se identifica precisamente, em todos os seus contornos, com a noção traçada pelo direito interno», como olvida ainda, da lição do Mestre, que o recurso ao direito interno como direito subsidiário apenas é legítima quando uma dada expressão não se encontra definida no tratado (cf. p. 156), o que manifestamente não sucede com os «royalties» (artigo 12.º), e que, no que à subsunção dos factos no conceito - ou seja, no que à qualificação respeita - ensina o Mestre que a regra geral é a de que a competência qualificatória em relação aos tipos de rendimento pertence exclusivamente ao Estado da fonte, sendo corolário desta a regra de que O Estado da residência deve aceitar a qualificação do Estado da fonte, sendo-lhe vedado proceder a nova qualificação autónoma, em face do seu ordenamento interno (cf., idem, pp. 159 e 171/173).

Entendemos, pois, que bem decidiu a decisão arbitral fundamento ao qualificar como royalties os rendimentos de fonte moçambicana obtidos pelo recorrente e resultantes do afretamento de embarcações de pesca e cedência de pessoal técnico especializado, aceitando a qualificação que lhes foi atribuída por Moçambique, que os sujeitou a retenção na fonte à taxa de 10 %.

A qualificação dos rendimentos efectuada pelo Estado da fonte tem, aliás, de ser respeitada pelo Estado da residência, pois que, como ainda recentemente se consignou no Acórdão deste STA de 7 de setembro de 2022 (proc. n.º 1952/17.7BEBRG), a propósito da CDT Marrocos mas valendo integralmente para todas as demais CDT: Quando se conclui ter sido propósito dos Estados Contratantes (Portugal e Marrocos) respeitar, ao máximo, a soberania fiscal de cada um, no momento decisivo e genético, da qualificação dos factos tributários que apresentem conexões com as ordens jurídicas de ambos, o princípio (quando acontece essa conexão) tem de ser o de acolher a competência do Estado da fonte, da proveniência, para qualificar os rendimentos suscetíveis de tributação conjunta, objetivando sempre, em primeira linha, evitar a consumação de uma dúplice incidência e, reflexamente, estancar qualquer possibilidade de fuga à tributação, pressuposta pela aplicável Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento (CDT).

Acresce que, como também já afirmou este STA, não podem os sujeitos passivos ser prejudicados pela inércia dos Estados contratantes na negociação/aprovação dos mecanismos necessários e idóneos à total implementação das normas das CDT celebradas - cf. o Acórdão deste STA de 9 de dezembro de 2021, proc. n.º 1113/13.4BEBRG.

A qualificação como royalties dos rendimentos de fonte moçambicana nada tem, aliás, de bizarro, em face do disposto na norma convencional respectiva.

Dispõe o n.º 3, do artigo 12.º, da CDT na redacção conferida pelo protocolo que a reviu que «O termo 'royalties', usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes ou gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um programa de computador, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico. O termo 'royalties' inclui também os pagamentos efectuados a título de remuneração por assistência técnica prestada em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações anteriormente referidos». (destaque nosso)

Ora, tendo em conta que por via da celebração dos contratos de afretamento a recorrente se vinculou a colocar à disposição das sociedades moçambicanas embarcações de pesca e a conceder o respectivo uso para a captura, por esta última, da quota de pesca de camarão de superfície e gamba, os rendimentos derivados desses contratos são qualificáveis como royalties. Isto na medida em que o afretamento do navio consubstancia o uso ou a concessão do uso de um «equipamento industrial ou comercial», subsumindo-se, nessa medida, ao elemento gramatical da norma. No que respeita aos rendimentos resultantes da cedência de pessoal técnico admite-se que a ratio inerente aos serviços prestados com a cedência de pessoal técnico consiste na transmissão, a título complementar ou acessório, de informações técnicas e de conhecimento especializado que permita optimizar o objecto principal do contrato que se traduz no afretamento do navio à tribulação moçambicana. Por esta razão, aqueles serviços são também enquadráveis como «assistência técnica» para efeitos do n.º 3, do artigo 12.º, da CDT - cf. as cláusulas 5.º n.º 3 e o art. 9.º n.º 1 a que se referem, respectivamente, as alíneas L) e N) do probatório fixado na decisão arbitral recorrida.

Pode, pois, concluir-se que os rendimentos de fonte moçambicana auferidos pela recorrente em resultado dos contratos de afretamento de navio e dos protocolos de acordo de cedência de pessoal técnico celebrados com sociedades moçambicanas são efetivamente subsumíveis ao conceito de «royalties» tal como definidos no artigo 13.º n.º 2 da CDT Moçambique.

Essa qualificação foi, aliás, assumida pelo núcleo de relações internacionais da AT em informação prestada a pedido da Direção de Finanças de Aveiro - cf. fls. 509 a 511 do processo arbitral anexo aos presentes autos -, que, considerando isento de quaisquer dúvidas a qualificação dos rendimentos derivados do fretamento como royalties (cf. o seu ponto 6.), conclui igualmente, quanto à cedência de pessoal técnico, que «da leitura do contrato de fretamento, resulta inequívoco que os serviços prestados pelo pessoal técnico cedido não constituem o objecto principal do dito contrato, assumindo antes um papel meramente instrumental relativamente ao objecto principal (o fretamento do navio), por via da transmissão de informações técnicas (Know-how), de carácter preparatório e auxiliar, que permitam à tripulação moçambicana (massa trabalhadora da empresa 'afretadora'), manobrar o navio fretado e, assim, desenvolver a atividade (pesca) que motivou o fretamento do navio.» (cf. o ponto 9. da referida informação).

A decisão arbitral que assim o não entendeu não pode, pois, manter-se, por padecer de ilegalidade ao julgar inaplicável o disposto no n.º 3 do artigo 12.º da CDT Moçambique aos rendimentos em causa nos autos.

7.3 - Das consequências da anulação da decisão arbitral recorrida

Haverá, pois, que anular a decisão arbitral recorrida e uniformizar jurisprudência nos seguintes termos:

São qualificáveis como «royalties», para efeitos da CDT celebrada entre Portugal e Moçambique, os rendimentos auferidos em virtude de contratos de afretamento de embarcações de pesca e de cedência de pessoal técnico conexa com os contratos principais.

Entende este Supremo Tribunal que não lhe cabe decidir da sorte do processo arbitral para além do infra exposto. Embora a recorrente termine a sua alegação pedindo a este STA que determine a baixa do processo ao tribunal arbitral para o mesmo se pronunciar sobre a questão jurídica cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução ali alcançada, este Supremo Tribunal entende que nada mais lhe cabe senão a anulação da decisão arbitral desconforme à Convenção, cabendo ao CAAD retirar da presente decisão as demais consequências que entenda serem as devidas.

Decisão

8 - Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso, anulando a decisão recorrida e uniformizar jurisprudência nos termos supra referidos.

Custas pela recorrida.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 28 de Setembro de 2023. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.

117220651

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5605365.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1987-04-29 - Decreto-Lei 191/87 - Ministério da Justiça

    Estabelece normas relativas ao contrato de fretamento.

  • Tem documento Em vigor 2011-01-20 - Decreto-Lei 10/2011 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Regula, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária,

Aviso

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