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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 6/2023, de 16 de Novembro

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Sumário

Acórdão do STA de 26-05-2021, no Processo n.º 847/14.8BEALM-A - Pleno da 2.ª Secção - Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos: «se o contribuinte opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada sem que os seus rendimentos anuais ilíquidos ultrapassem o montante referido no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS permanecerá sempre em tal regime até que comunique nos termos do n.º 5 do mesmo artigo a alteração do regime de tributação; se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6; se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6, uma vez verificado este circunstancialismo o contribuinte passa a ser enquadrado pelo regime da contabilidade organizada por um período mínimo de três anos, independentemente do seu volume de rendimento, só regressando ao regime simplificado, se for o caso, cf. n.º 2, findo que seja esse período de três anos; se o contribuinte não opta de início, nem posteriormente, por qualquer regime de tributação, mas é enquadrado automaticamente no regime de contabilidade organizada em função do volume do rendimento, só ao fim de cada período de três anos é que poderá ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, desde que no período de tributação imediatamente anterior não tenha ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos de 150.000 EUR; cada período de 3 anos de tributação a que se refere o n.º 5, conta-se a partir, ou do início da actividade, ou da comunicação a que se refere o n.º 5 ou, ainda, da ocorrência do circunstancialismo a que alude o n.º 6.»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 6/2023

Sumário: Acórdão do STA de 26-05-2021, no Processo 847/14.8BEALM-A - Pleno da 2.ª Secção - Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos: «se o contribuinte opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada sem que os seus rendimentos anuais ilíquidos ultrapassem o montante referido no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS permanecerá sempre em tal regime até que comunique nos termos do n.º 5 do mesmo artigo a alteração do regime de tributação; se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6; se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6, uma vez verificado este circunstancialismo o contribuinte passa a ser enquadrado pelo regime da contabilidade organizada por um período mínimo de três anos, independentemente do seu volume de rendimento, só regressando ao regime simplificado, se for o caso, cf. n.º 2, findo que seja esse período de três anos; se o contribuinte não opta de início, nem posteriormente, por qualquer regime de tributação, mas é enquadrado automaticamente no regime de contabilidade organizada em função do volume do rendimento, só ao fim de cada período de três anos é que poderá ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, desde que no período de tributação imediatamente anterior não tenha ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos de 150.000 EUR; cada período de 3 anos de tributação a que se refere o n.º 5, conta-se a partir, ou do início da actividade, ou da comunicação a que se refere o n.º 5 ou, ainda, da ocorrência do circunstancialismo a que alude o n.º 6.»

Acórdão do STA de 26 de Maio de 2021 no Processo 847/14.0BEALM-A - Pleno da 2.ª Secção

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A...e mulher, B..., notificados do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 28 de Outubro de 2020, no processo à margem identificado, não se conformando com o seu teor, vêm dele apresentar recurso para o Pleno da referida Secção, visando a uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) - de notar que o CPPT contém norma própria e específica para este tipo de recurso, artigo 284.º, sendo desnecessária a invocação das normas do CPTA - e da alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).

Alegaram, tendo concluído:

I. Os Recorrentes interpõem para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com base em oposição da decisão proferida no presente processo com o Acórdão proferido em 12.9.2018, pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo 01094/17, disponível em www.dgsi.pt.

II. O Acórdão recorrido buscou inspiração na argumentação jurídica constante do Acórdão do STA emitido em 01.07.2020, no âmbito do processo 1400/13.1BELRA, o qual contende também com o Acórdão proferido em 05.02.2020, pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo 0759/14.8BEALM, também disponível em www.dgsi.pt.

III. O presente recurso tem como fundamento a circunstância de os Acórdãos em confronto assentarem em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais e em ambas as decisões a questão de direito subjacente dizer respeito à forma de tributação dos rendimentos empresariais e profissionais.

IV. Com efeito, o Acórdão proferido colide frontalmente com os Acórdãos prolatados pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acima referidos, encontrando-se irremediavelmente inquinado do ponto de vista jurídico por errada interpretação do artigo 28.º do Código do Imposto sobre Rendimentos Singulares, na redação conferida pelas Leis e 53-A/2006, de 29 de dezembro.º 3-B/2010, de 28 de abril.

V. Estão assim em causa diferentes interpretações do artigo 28.º do referido CIRS.

VI. Entendem os Recorrentes, em linha com os Acórdãos de 12.9.2018 e de 05.02.2020, que o período mínimo de três anos previsto no n.º 5 do artigo 28.º é aplicável, quer no regime geral da contabilidade, quer no regime simplificado de tributação, e não depende de declaração de opção pelo regime de contabilidade organizada.

VII. Atento o princípio constitucional da tributação segundo o rendimento (vd. artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa), não deviam subsistir dúvidas de que o regime regra de tributação é o da contabilidade organizada.

VIII. Consequentemente, o regime simplificado de tributação, criado tendo em vista a comodidade dos contribuintes, tem natureza excecional.

IX. O n.º 2 do artigo 28.º indica as condições para o contribuinte poder usufruir do regime simplificado: os seus rendimentos empresariais e profissionais não terem ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido na categoria de (euro) 150 000,00;

X. Os demais normativos, contudo, preveem as situações em que o contribuinte deve retomar ao regime da contabilidade organizada:

a) Por opção própria, no final do triénio (n.º 3 do artigo 28.º);

b) Cessação obrigatória por ser ultrapassado o montante máximo anual (n.º 6 do artigo 28.º);

c) Por opção própria, e reunidas certas circunstâncias, ainda que não tenha decorrido o período mínimo de permanência no regime simplificado (n.º 9 do artigo 28.º);

d) Requerimento do sujeito passivo e autorização da DGCI, no caso de reinício de atividade (n.º 12 do artigo 28.º).

XI. Ora, se o legislador previu várias circunstâncias suscetíveis de o contribuinte ver o regime de tributação simplificado que lhe vinha a ser aplicado ser substituído pelo de contabilidade organizada, o legislador nunca previu - exceto no final de cada triénio - a possibilidade de automaticamente passar do regime de contabilidade organizada para o simplificado.

XII. Deste modo, não existe dispositivo legal que faculte ao contribuinte - ou à Administração Tributária - modificar, no meio do triénio, o regime aplicável de contabilidade organizada para passar a ser tributado pelo regime simplificado.

XIII. Por seu turno, impõe o n.º 6 do artigo 28.º do CIRS que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.

XIV. Deste modo, quando, num período tributário, os rendimentos superam os limites do n.º 6 do artigo 28.º, sempre se inicia novo triénio em que os rendimentos são apurados com base na contabilidade.

XV. É a letra da lei que o impõe, ao recorrer à expressão "a partir".

XVI. Acresce que a Lei 53-A/2006 veio expressamente alterar o n.º 5 do artigo 28.º no sentido de aplicar ao regime da contabilidade organizada a regra da permanência por três anos que já vigorava para o regime simplificado.

XVII. Sendo o regime da contabilidade organizada o regime-regra, face ao normativo constitucional supracitado, a interpretação que torna inaplicável o período mínimo de 3 anos de permanência estabelecido pelo n.º 5 do artigo 28.º do CIRS no caso de enquadramento do contribuinte no regime da contabilidade por obrigação legal viola a Lei Fundamental e demais preceitos legais.

XVIII. Numa outra perspetiva, a referida interpretação, ao favorecer a aplicação do regime simplificado, discrimina os dois regimes de tributação, pois concede prevalência ao regime simplificado ativado ope legis em detrimento do regime da contabilidade adotado, também, por imperativo legal.

XIX. Ora, a exegese levada a cabo pelo Acórdão recorrido, ao pretender resolver uma suposta incoerência relativa à eventual falta de previsão legal da comunicação de alteração do regime da contabilidade para o simplificado, põe em causa o imperativo legal respeitante ao período mínimo de permanência.

XX. Pelo contrário, vêm os Recorrentes sustentar que, por se mostrar coerente com a Constituição, harmoniosa com o sistema legal tributário instituído e assentar na evidência da letra da lei, deve ser adotada a correção da jurisprudência no sentido de que o período mínimo de anos previsto no n.º 5 do artigo 28.º é aplicável, quer no regime geral da contabilidade, quer no regime simplificado de tributação, e não depende de declaração de opção pelo regime de contabilidade organizada.

XXI. Entendem, pois, os Recorridos que, atento tudo o que acima se expôs, decorre encontrar-se o Acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o entendimento explanado.

Nestes termos e nos demais de Direito, doutamente supridos pelos Venerandos Conselheiros, deve o recurso interposto ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-se por um outro que julgue procedente a pretensão da recorrente, com todas as consequências legais.

Não foram apresentadas contra-alegações por parte da entidade recorrida.

O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, veio, ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 3 do CPPT, emitir pronúncia no sentido de ser concedido provimento ao recurso e ser uniformizada jurisprudência nos seguintes termos:

- Atento o disposto no artigo 28.º, n.º 5, do CIRS, na redação introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro, em vigor à data dos factos (2010/2012), mesmo nos casos em que o contribuinte não manifesta qualquer opção por um dos regimes, deve-se observar o período mínimo de permanência de três anos em cada um dos regimes que estiver a ser aplicado, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do mesmo preceito legal.

- Tendo o contribuinte sido integrado no regime de contabilidade, por imposição legal, no exercício de 2010, e não tendo ultrapassado nesse ano o montante ilíquido de rendimentos previsto no n.º 2 do art. 28.º do CIRS, não pode ser integrado no ano de 2011 no regime simplificado, por ainda não ter decorrido o período de permanência de três anos no regime de contabilidade.

Cumpre decidir.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto vertida no probatório do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, relevando-se, no essencial os seguintes factos que respeitam ao enquadramento dos contribuintes nos dois regimes de tributação:

Do acórdão recorrido:

[Imagem]

Do acórdão fundamento:

«A) Desde 01.01.2008 a impugnante encontra-se enquadrada no regime simplificado de determinação dos rendimentos comerciais de comercialização de veículos automóveis ligeiros, tendo-se mantido neste regime por um período de dois anos, passando a estar sujeita a tributação pelo regime de contabilidade organizada a partir de 01.01.2010 por se entender que no ano de 2009 ultrapassou o valor de inclusão naquele regime de acordo com o limite ínsito no n.º 2, do artigo 28.º, do CIRS, em valor superior a 25 % num único exercício.

B) No ano de 2011 manteve-se no regime de contabilidade organizada por se verificar que no ano de 2010 teve um volume de negócios no valor de (euro) 326.749,26, sendo que no ano de 2011 apresentou um volume de negócios no montante de (euro) 112.184,85, e não tendo optado pelo regime de contabilidade, foi considerado como enquadrado no regime simplificado a partir do ano de 2012.»

Nada mais há com interesse.

Há agora que conhecer do mérito do recurso.

É entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno do STA relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam: - identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; - que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (cf. acórdãos do Pleno da secção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. n.os 344/2009 e 881/2009, e de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).

No acórdão recorrido estava em causa uma situação em que o sujeito passivo esteve integrado no regime simplificado nos exercícios de 2007 e 2009 e nos exercícios de 2008 e 2010 no regime de contabilidade. E porque no ano de 2010 registou rendimentos de valor inferior ao limite previsto no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS e não tinha exercido qualquer opção, a AT considerou que no exercício de 2011 era aplicável o regime simplificado, entendimento este que foi contestado pelo contribuinte.

Considerou-se no acórdão recorrido, aderindo ao entendimento sufragado no acórdão de 01/07/2020, proferido no processo 01400/13.1BELRA (este acórdão foi reformado e desapareceu da ordem jurídica), que «O sujeito passivo que, vindo de um período de enquadramento no regime de contabilidade organizada por imposição legal, não opte pelo mesmo regime até ao fim do mês de março do ano seguinte aquele em que se verificaram os pressupostos substantivos de enquadramento no regime simplificado, fica automaticamente integrado neste regime, por ser o regime residual».

Mais se considerou ali que «A alteração ao n.º 5 do artigo 28.º pela Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro trouxe, por isso, uma incongruência (aparente) no regime que o aplicador deve resolver tomando como pressuposto que o legislador consagrou as soluções mais acertadas». E que «A solução adequada para a restauração da coerência no regime é a de distinguir as situações em que o sujeito passivo esteve no regime de contabilidade organizada por opção daquelas em que esteve nesse regime por imposição legal».

Assim, para esta jurisprudência, à luz do quadro legal então em vigor, na ausência de opção do contribuinte manifestada até ao fim do mês de março do respetivo exercício, a integração do contribuinte em qualquer um dos regimes - simplificado ou de contabilidade - decorre dos pressupostos substantivos objectivos previstos nos n.os 2 e 6 do artigo 28.º do CIRS.

No acórdão fundamento estava em causa uma situação em que o sujeito passivo no exercício de 2010 foi integrado no regime de contabilidade por imposição legal (nos termos do n.º 6 do artigo 28.º do CIRS), tendo-se mantido nesse regime no exercício de 2011, ano em que registou um volume de negócios inferior ao limite previsto no n.º 2 do artigo 28.º, facto que serviu de fundamento para a AT integrá-lo no regime simplificado no exercício de 2012.

Escreveu-se que «considerando o referido período mínimo de permanência de três anos, quer no regime geral da contabilidade, quer no regime simplificado de tributação e considerando que, como igualmente pondera o MP, o sujeito passivo não tinha que efectuar qualquer declaração de opção pelo regime de contabilidade organizada em relação a 2012 (pois que estava então a decorrer o período mínimo de anos previsto no n.º 5 do art. 28.º), só pode concluir-se que pela ilegalidade do reenquadramento (operado pela AT) do sujeito passivo no regime simplificado, a partir do ano de 2012».

Da análise de ambos os acórdãos resulta, assim, que perante o mesmo quadro legal e situações de facto similares os arestos perfilharam soluções opostas em relação à mesma questão jurídica, a qual contende com a interpretação do regime previsto no artigo 28.º do CIRS e mais especificamente com a forma de aplicação de cada um dos regimes de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais na ausência de opção manifestada pelo contribuinte.

É, assim, o presente recurso admissível por se verificar contradição relevante entre ambos os acórdãos.

A questão que é suscitada no presente recurso prende-se com a interpretação do disposto no artigo 28.º, n.º 5, do CIRS, na redação em vigor à data dos factos (2010/2012), e consiste em saber se nos casos em que o contribuinte não manifesta qualquer opção por um dos regimes, verificados que estejam os respetivos requisitos substanciais, se se deve observar o período mínimo de permanência de três anos. E mais especificamente, se estando o contribuinte integrado no regime de contabilidade, por imposição legal, e não tendo ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 150 000, conforme previsto no n.º 2 do art. 28.º do CIRS, deve ou não ser integrado no regime simplificado, independentemente do período de permanência no regime de contabilidade.

Este tribunal tem sido chamado a pronunciar-se por várias vezes sobre a aplicação do regime previsto no artigo 28.º do CIRS, ainda que sobre questões distintas (e designadamente a propósito da relevância da opção manifestada pelo contribuinte e da sua permanência). De todas as formas, e em face da redação do n.º 5 do artigo 28.º do CIRS, introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, o STA tem-se pronunciado no sentido de se observar a permanência de um período de 3 anos em cada um dos regimes, prorrogável por idêntico período, independentemente da necessidade de opção manifestada pelo contribuinte - cf. acórdão de 28/11/2018, proc. 0912/12.9BELRS, e mais recentemente, entre outros, o acórdão de 10/03/2021, proc. 0771/14.7BEALM.

Também no acórdão de 05/02/2020, proferido no processo 0759/14.8BEALM, o STA entendeu que "a inclusão automática ou por obrigação legal no regime geral encontra-se sujeita à regra de validade por três anos (exercícios) estabelecida ao tempo no art. 28.º, n.º 5, do CIRS".

Dispunha à data o artigo 28.º do CIRS sob a epígrafe "Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais":

1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:

a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;

b) Com base na contabilidade.

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 150 000.

3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.

4 - A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos:

a) Na declaração de início de actividade;

b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.

5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.

6 - A aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.

[...]

Esta norma regulava a forma de determinar os rendimentos profissionais e empresariais para efeitos de imposto sobre o rendimento por via de dois regimes distintos:

- um, o da contabilidade organizada, para todos aqueles que no período de tributação imediatamente anterior tenham ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 150.000(euro);

- outro, o do regime simplificado, para todos aqueles que no período de tributação imediatamente anterior não tenham ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 150.000 (euro).

Enquanto que ao regime de tributação simplificado só era permitido o acesso aos segundos, já no que toca ao regime de contabilidade organizada era permitido o acesso a todos os contribuintes, independentemente do montante dos rendimentos, desde que nisso manifestassem interesse, cf. n.º 3.

Ou seja, o regime de contabilidade organizada, automático, era sempre obrigatório para os primeiros e facultativo para os segundos; o regime simplificado, automático, era apenas aplicável aos segundos, desde que estes não tivessem manifestado interesse em estar enquadrados pelo regime da contabilidade organizada.

Estes regimes de tributação, em função das opções dos contribuintes e dos montantes anuais ilíquidos dos rendimentos, tinham uma duração mínima de 3 anos, cf. n.º 5, a não ser que o contribuinte manifestasse interesse num enquadramento diferente em função dos rendimentos anuais ilíquidos do período de tributação anterior e das previsões para o ano seguinte ou, quando, e apenas relativamente àqueles que se encontravam enquadrados pelo regime simplificado, por força da lei, cf. n.º 6, o enquadramento devesse ser feito para o regime da contabilidade organizada por força do montante dos rendimentos anuais ilíquidos dos períodos de tributação anteriores.

Portanto, a "obrigatoriedade" de permanência em cada um dos regimes, era sempre de 3 anos, só cessando após o decurso desse período (período este que foi estabelecido pelo legislador para permitir estabilidade na tributação dos rendimentos de modo a que os contribuintes pudessem saber a qualquer momento quais as regras que se aplicavam ao seu caso concreto) ou por força da lei, ou por vontade do próprio contribuinte, ou ainda prorrogando-se por período de igual duração, cf. n.º 5.

Na verdade, o legislador não distinguiu no n.º 5, relativamente a cada um dos modos de tributação do rendimento que resultem de imposição legal, prazos de permanência diferentes, apenas a opção do contribuinte é determinante para que essa permanência se possa prolongar para além do prazo de 3 anos, desde que respeitados os requisitos legalmente previstos.

Como também é jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal Administrativo, do disposto no n.º 1 do artigo 28.º do Código do IRS resulta (salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º do mesmo Código) que a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais se faz com base na aplicação das regras do regime simplificado ou com base nas regras do regime de contabilidade organizada, ficando abrangidos pelo regime simplificado em cada ano os sujeitos passivos que não tenham ultrapassado, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos limites indicados no n.º 2 daquela disposição legal e não tenham optado pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade (assim vide, a título de exemplo, os Acórdãos deste STA proferidos a 27 de Janeiro de 2010 no Processo 0906/09 e a 4 de Novembro de 2015 no Processo 0877/15).

Assim o é porque, como bem resulta das palavras de Rui Duarte Morais, "Sobre o IRS", 2006, Almedina, p. 73, "a regra do nosso sistema fiscal é o lucro ser apurado com base na contabilidade", caso em que "a matéria colectável de imposto corresponderá então ao resultado contabilístico dessa actividade (art. 29.º, n.º 1), depois de "corrigido" segundo as prescrições da lei fiscal". Paralelamente, o regime simplificado constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada. Como ensinava SALDANHA SANCHES (Fiscalidade, Julho/Outubro de 2001), o regime simplificado tem sempre como pressuposto uma opção do contribuinte que renuncia ao seu direito subjectivo de ser tributado com base na contabilidade, sendo uma das situações em que a lei atribui relevância à sua vontade e em que ele pode optar pelo regime que considera mais favorável. - cf. acórdão datado 03-07-2019, recurso n.º 0361/13.1BELRS.

Portanto o presente preceito deve ser lido do seguinte modo:

se o contribuinte opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada sem que os seus rendimentos anuais ilíquidos ultrapassem o montante referido no n.º 2 permanecerá sempre em tal regime até que comunique nos termos do n.º 5 a alteração do regime de tributação;

se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6;

se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6, uma vez verificado este circunstancialismo o contribuinte passa a ser enquadrado pelo regime da contabilidade organizada por um período mínimo de três anos, independentemente do seu volume de rendimento, só regressando ao regime simplificado, se for o caso, cf. n.º 2, findo que seja esse período de três anos;

se o contribuinte não opta de início, nem posteriormente, por qualquer regime de tributação, mas é enquadrado automaticamente no regime de contabilidade organizada em função do volume do rendimento, só ao fim de cada período de três anos é que poderá ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, desde que no período de tributação imediatamente anterior não tenha ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos de 150.000 (euro);

cada período de 3 anos de tributação a que se refere o n.º 5, conta-se a partir, ou do início da actividade, ou da comunicação a que se refere o n.º 5 ou, ainda, da ocorrência do circunstancialismo a que alude o n.º 6.

Não se tendo feito no acórdão recorrido uma leitura consentânea com o acima exposto, impõe-se agora a sua revogação, e a repristinação da sentença proferida na presente impugnação judicial.

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido e manter a sentença proferida, uniformizando-se a jurisprudência nos seguintes termos:

se o contribuinte opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada sem que os seus rendimentos anuais ilíquidos ultrapassem o montante referido no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS permanecerá sempre em tal regime até que comunique nos termos do n.º 5 do mesmo artigo a alteração do regime de tributação;

se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6;

se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6, uma vez verificado este circunstancialismo o contribuinte passa a ser enquadrado pelo regime da contabilidade organizada por um período mínimo de três anos, independentemente do seu volume de rendimento, só regressando ao regime simplificado, se for o caso, cf. n.º 2, findo que seja esse período de três anos;

se o contribuinte não opta de início, nem posteriormente, por qualquer regime de tributação, mas é enquadrado automaticamente no regime de contabilidade organizada em função do volume do rendimento, só ao fim de cada período de três anos é que poderá ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, desde que no período de tributação imediatamente anterior não tenha ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos de 150.000(euro);

cada período de 3 anos de tributação a que se refere o n.º 5, conta-se a partir, ou do início da actividade, ou da comunicação a que se refere o n.º 5 ou, ainda, da ocorrência do circunstancialismo a que alude o n.º 6.

Custas pela recorrida, que não contra-alegou.

D.n.

Lisboa, 26 de Maio de 2021. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Paulo José Rodrigues Antunes - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Gustavo André Simões Lopes Courinha (com declaração de voto que segue).

Concordo inteiramente com a posição que logrou vencimento, mas sublinharia ainda os seguintes fundamentos.

Por via da regra, a obrigação de permanência num determinado regime de determinação do rendimento tributável em IRS faz, essencialmente, sentido para os casos em que o respetivo enquadramento é feito depender da manifestação de vontade do contribuinte, caso em que o seu desiderato é o de atenuar as margens de planeamento fiscal deste, atentas as divergências anuais entre os montantes de despesas reais dedutíveis previstas no regime geral por contraposição com as despesas presumidas pelo regime simplificado, em aplicação dos respetivos coeficientes.

Todavia, e em paralelo, podem existir objetivos de estabilidade na aplicação do método de cálculo que justifiquem a permanência do contribuinte nesse regime durante um determinado período. É o que parece suceder no presente caso, sem prejuízo de - e considerando que o regime simplificado configura um método indireto de determinação do rendimento tributável (cf. artigo 87.º, n.º 1, alínea a) da Lei Geral Tributária) - tal obrigação apenas poder ter lugar relativamente aos casos em que o dito enquadramento por mero efeito legal (e já não apenas por opção) conduz à aplicação do método direto de cálculo do lucro tributável, mas já não quando tal sucede quanto ao regime simplificado - o que bem se compreende, uma vez que, funcionando o regime simplificado como uma solução imperfeita de determinação da capacidade contributiva do sujeito passivo, a obrigação de permanência em tal regime seria muito dificilmente compreensível.

Daí entendermos que está certa a posição ora maioritariamente sufragada.

Gustavo Lopes Courinha

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (vencido conforme voto que segue)

Vem muito bem delimitada, no acórdão que fez vencimento, a questão fundamental suscitada. Que consiste em saber se, não tendo o sujeito passivo optado por um regime de determinação dos rendimentos, se aplica o n.º 5 do artigo 28.º do CIRS, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro.

A posição maioritária é a de que se deve responder afirmativamente a esta questão, quando o sujeito passivo é enquadrado automaticamente (por imposição legal) no regime de contabilidade organizada.

Já não assim quando o sujeito passivo é enquadrado automaticamente (por efeito da lei) no regime simplificado. Porque, então, só lá fica até que ocorra o circunstancialismo a que alude o n.º 6.

Ora, não consigo acompanhar este entendimento. Porque não vejo como o sustentar à face da própria letra da lei, que é também um limite da interpretação jurídica.

Com efeito, o que ali se diz é que é de três anos o período de permanência «em qualquer dos regimes», quer o simplificado, quer o de contabilidade organizada. Pelo que, a admitir-se que a permanência também ocorre quando não há opção, tem de admitir-se que também ocorre em qualquer das situações em que não há opção.

É claro que esta interpretação, por sua vez, não se harmoniza com o n.º seguinte e com a manifesta intenção do legislador de não deixar um contribuinte com rendimentos mais elevados permanecer no regime simplificado.

Por isso é que entendo que a referência ao período de permanência «em qualquer dos regimes» só faz sentido em situações em que o sujeito passivo se encontra num regime de opção.

Mas não é só por isso: também não encontro lógica em obrigar o sujeito passivo a permanecer três anos no regime de contabilidade organizada sem por tal ter optado e mesmo que não queira.

E porque me parece seguro que o n.º 5 deve ser lido em sequência com o n.º 4, que consagra o direito de opção.

E é por ter havido opção que releva também a comunicação da alteração do regime, a que alude a parte final do n.º 5 e que consiste fundamentalmente na modificação da opção anterior.

Por isso, e na parte que para aqui importa, interpreto o dispositivo do seguinte modo:

1 - O n.º 2 consagra um regime residual (simplificado) para os casos em que não há opção e o sujeito passivo não obtém rendimentos da categoria superiores a um certo montante anual;

2 - A contrario, deriva ainda do n.º 2 que, nos casos em que não há opção e o sujeito passivo obtém rendimentos da categoria superiores a um certo montante anual, a determinação dos seus rendimentos se faz de acordo com a sua contabilidade;

3 - Nos casos a que aludem os números anteriores não há período mínimo de permanência em qualquer dos regimes (sendo neste ponto que centro a minha divergência face ao entendimento maioritário);

4 - Os n.os 3 e 4 consagram a determinação dos rendimentos com base na contabilidade por opção, que pode ocorrer logo no início da atividade ou mais tarde;

5 - O n.º 5, segunda parte, consagra a possibilidade de optar pelo regime simplificado através da declaração de alterações, o que significa que o sujeito passivo pode optar por este regime vindo do regime de determinação com base na contabilidade, também por opção;

6 - Nos casos em que há opção, o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes (de opção) é de três anos (n.º 5, primeira parte), que significa que o sujeito passivo só pode alterar a sua opção de três em três anos;

7 - No entanto (e mesmo que o sujeito passivo se encontre no regime simplificado por opção), aplicação deste regime cessa nas circunstâncias do n.º 6, o que significa que o sujeito passivo pode sempre regressar ao regime da determinação com base na contabilidade por imposição legal.

Com base neste entendimento, confirmaria o julgamento firmado no acórdão recorrido.

E uniformizaria jurisprudência nos seguintes termos: o n.º 5 do artigo 28.º do CIRS, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro, só tem aplicação quando o sujeito passivo se encontra num dos regimes de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais por opção.

Nuno Bastos

117057534

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5551374.dre.pdf .

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