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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 12/2023, de 14 de Novembro

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Sumário

Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023

Sumário: Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa.

Processo 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das Secções Cíveis.

I - Relatório

1 - O Condomínio do Edifício V... veio interpor ação declarativa contra EFIMOVEIS - Imobiliária, S. A., pedindo a condenação da Ré a proceder às obras necessárias e adequadas à total e definitiva eliminação de todos os defeitos indicados existentes na obra, com início no prazo máximo de 30 dias após a condenação, e uma vez condenada à realização das obras, não sendo dado cumprimento às mesmas no prazo estipulado, subsidiariamente, fosse condenada ao pagamento da quantia de 141.000,00(euro), a título de danos emergentes.

1.1 - Alegou para tanto que a Ré construiu o prédio referenciado, que foi constituído em propriedade horizontal, e como legítima proprietária procedeu à venda das frações, tendo sido identificados e notificados àquela defeitos da obra nos pisos de estacionamento, na fachada poente e varandas, na sala do condomínio e nos contadores da água.

A Ré deu início a trabalhos nas frações que também já haviam reclamado defeitos, mantendo-se os respeitantes às partes comuns, pois as pequenas intervenções realizadas não os colmataram, ascendendo a 141.000,00(euro), o custo orçamentado para a sua reparação.

2 - A Ré defendeu-se por exceção, ineptidão da petição inicial, ilegitimidade, caducidade, e por impugnação.

3 - Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador julgando improcedentes as exceções da ineptidão e da legitimidade, reservado para momento posterior o conhecimento da caducidade, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

4 - Efetuado o julgamento, foi proferida sentença situando o litígio no contexto da compra e venda de coisa defeituosa considerou a denúncia dos defeitos intempestiva, julgando procedente a exceção da caducidade do direito, sendo a Ré absolvida do pedido.

5 - O Autor apelou impugnando a decisão sobre a matéria de facto, tendo a Ré apresentado contra-alegações e a título subsidiário ampliado o âmbito do recurso, arguindo nulidade e pedindo também a alteração do decido quanto à matéria factual.

5.1 - O Tribunal da Relação de Évora proferiu Acórdão, que conhecendo das conclusões formuladas(1) quanto à alteração do ponto n.º 23 do factualismo apurado e a existência de erro de direito, julgou a apelação procedente, revogou a sentença e condenou a Ré no pedido, sem prejuízo das reparações já realizadas.

6 - A Ré interpôs recurso de revista arguindo nulidades e invocando, para além do mais, que deveria ter sido rejeitado o recurso de apelação quanto à impugnação da matéria de facto por inobservância das alíneas a) e c) do n.º 1, do artigo 640(2), do Código do Processo Civil (CPC), não podendo a Relação por achar as alegações do Autor prolixas, substituí-las por outras que formulou, violando o n.º 5 do artigo 635, do CPC, e negado assim provimento ao recurso, ser confirmada a sentença.

6.1 - Por Despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça foi ordenada a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para que, em conferência, fosse emitida pronúncia sobre as nulidades arguidas pela Recorrente.

6.2 - No Acórdão do Tribunal da Relação de Évora subsequente foi considerada inexistente a nulidade do Acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão, e suprida a nulidade por omissão de pronúncia(3) no que concerne ao cumprimento do disposto no artigo 640, n.º 1 e 2, nomeadamente as invocadas alíneas a) e c) do n.º 1, do CPC, considerando o corpo das alegações e as suas conclusões.

6.3 - A Ré veio apresentar alegações complementares, para além do mais, invocando que o Autor não deu cumprimento aos requisitos de admissibilidade do recurso na parte respeitante à impugnação da matéria de facto exigidos pelas alíneas a) e c) do n.º 1, do artigo 640, do CPC, e assim devendo ser rejeitada a alteração realizada na decisão sobre a matéria de facto.

7 - O Supremo Tribunal de Justiça proferiu Acórdão (acórdão recorrido) no qual foi decidido: "julga-se parcialmente procedente a revista, mantendo-se o decidido quanto à caducidade, mas com a precisão de que são apenas considerados os defeitos enunciados no ponto 18 e sem prejuízo do que se venha a decidir quanto à questão, que ficou por tratar, dos defeitos na zona das varandas (cf. III.5), ordenando-se a baixa dos autos à Relação, nos termos do artigo 684.º, n.º 2, do C.P.C., para o conhecimento dessa questão e subsequente decisão que tenha em conta o que daí resultar".

8 - Após o trânsito em julgado do Acórdão proferido nestes autos, veio a Ré interpor recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 688.º e ss do CPC, colocando em crise a aplicação e interpretação do disposto nos artigo 640, n.º 1, als. a) e c), do CPC, feita no Acórdão recorrido quanto ao cumprimento pelo Autor dos requisitos do recurso de apelação, na parte que impugnou a matéria de facto(4), e face à substituição e sintetização pelo Tribunal ad quem das conclusões formuladas pelo recorrente, na violação da interpretação do artigo 639, n.º 3, do CPC, invocando a contradição do Acórdão Recorrido com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2018, processo 2833/16.7T8VFX.L1.S1, acórdão fundamento.

8.1 - Foram formuladas as seguintes conclusões: (transcritas)

I - O presente recurso vem interposto do acórdão Supremo Tribunal de Justiça proferido nos presentes autos, que negou a Revista e confirmou o acórdão do Tribunal da Relação, quanto ao cumprimento, pelo Autor apelante, dos requisitos previstos nas als. a) e c) do n.º 1 do artigo 640 do CPC, quanto à impugnação da matéria de facto;

II - O acórdão recorrido está em oposição ao decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 16.05.2018, proferido no âmbito do processo 2833/16.7T8VFX.L1.S1, quanto à mesma matéria, que é aqui invocado como acórdão fundamento, para os efeitos dos n.os 1 e 2 do artigo 688 do CPC;

III - Ambos os acórdãos transitaram em julgado;

IV - E foram proferidos no domínio da mesma legislação - Lei 41/2013, de 26 de Junho, sendo que o concreto artigo em causa, o artigo 640.º, manteve a sua redação inalterada, estando a mesma consolidada, pelo menos, desde 2007, sem prejuízo da sua renumeração;

V - O presente recurso para uniformização de jurisprudência é, assim, legalmente admissível, por se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 688, do CPC;

VI - A questão fundamental de direito decidida de modo contraditório em ambos os acórdãos e que foi determinante para a decisão final proferida em cada um deles, consiste na interpretação e a aplicação do disposto no artigo 640.º, n.º 1, als. a) e c) do CPC;

VII - O artigo 640, n.º 1, als. a) e c) do CPC impõe ao recorrente, quando impugna a matéria de facto, que indique expressamente os pontos que considera errados e a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida pelo tribunal recorrido, devendo fazer referência específica a tais elementos nas suas conclusões;

VIII - O não cumprimento do ónus imposto pelo artigo 640.º, do CPC é motivo de rejeição do recurso, nos termos do seu n.º 1;

IX - O acórdão fundamento pronunciou-se em conformidade com a letra e espírito do artigo 640, n.º 1, als. a) e c) do CPC, e decidiu rejeitar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, porque o recorrente não especificou, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, por referência ao consignado na sentença relativamente aos factos provados e não provados;

X - Por sua vez, no acórdão recorrido foi decidido aceitar e apreciar o recurso quanto à matéria de facto, apesar de das respetivas conclusões não constar a expressa identificação do concreto ponto da matéria de facto que o recorrente considerou incorretamente julgado, nem a decisão que quanto ao mesmo deveria ser proferida.

XI - O Supremo Tribunal de Justiça entendeu, no acórdão recorrido, que, apesar de nas conclusões não constar a expressa identificação do concreto ponto da matéria de facto que o recorrente considerou incorretamente julgado, o Tribunal da Relação poderia extrair das mesmas a discordância quanto à matéria de facto;

XII - O acórdão recorrido admitiu a substituição, pelo Tribunal da Relação, das conclusões da apelação, através da sua sintetização e da elaboração de cinco novas conclusões;

XIII - A lei, designadamente o artigo 640.º, do CPC, não admite a substituição do tribunal ad quem ao recorrido na formulação de conclusões;

XIV - A formulação de conclusões é uma obrigação que impende sobre as partes, por força do princípio do dispositivo, da autorresponsabilização, da cooperação e do direito ao contraditório;

XV - Andou mal, por isso, o Acórdão recorrido ao entender ter andado bem a Relação de Évora ao substituir e sintetizar as conclusões de recurso apresentadas pelo Autor/Apelante relativamente à matéria de facto, admitindo o recurso, quando o deveria ter rejeitado nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do CPC;

XVI - Ainda que se concedesse poder de intervenção do Tribunal da Relação relativamente à redação das conclusões apesentadas pelas partes, sempre este poder estaria limitado pelo disposto no n.º 3, do artigo 639.º do CPC, pelo que aquela instância apenas poderia, quando muito, convidar o Apelante a reformular as suas conclusões de recurso, permitindo, subsequentemente, à ora Recorrente, o exercício do contraditório, nos termos do artigo 639, n.º 4 do CPC;

XVII - A decisão recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 640.º, n.º 1, als. a) e c), 639.º, n.os 3 e 4 e 652.º, n.º 1, alínea a) do CPC;

XVIII - Pelo que deve o acórdão recorrido ser revogado e proferido acórdão de uniformização da jurisprudência, nos seguintes termos: O disposto no artigo 640.º, n.º 1, als. a) e c) do CPC deve ser interpretado no sentido de quando o recorrente que impugne matéria de facto não identifique, nas conclusões de recurso, os pontos concretos da matéria de facto que considere incorretamente julgados, por referência aos factos dados como provados ou não provados nem indique, também nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida quanto aos mesmos, o recurso deve ser rejeitado, estando vedado, ao Tribunal ad quem, substituir-se na formulação das conclusões, nem podendo sintetizar as que tenham sido formuladas pela parte, por tal lhe estar expressamente vedado pelo n.º 3, do artigo 639.º, do CPC, bem como pela al. a), do n.º 1, do artigo 652, a contrario, ambos do CPC.

9 - Foi proferido despacho de admissão liminar do recurso da Ré no qual se entendeu:

9.1 - Questão de estar vedado ao Tribunal ad quem substituir-se às partes na formulação das conclusões ou de sintetizar as que tenham sido elaboradas no âmbito de um recurso.

Foi considerado que o Tribunal da Relação sintetizou as conclusões do Apelante, ora Recorrido, por as reputar de prolixas, o que não consubstanciava qualquer substituição, relevando, sobretudo que o tribunal de recurso conhecesse as questões que tinham sido suscitadas, enquanto delimitadoras do objeto do recurso, acrescendo, sobretudo, que a Recorrente tivesse invocado qualquer contradição com algum segmento do Acórdão fundamento, não devendo quanto a tal questão, ser admitido o recurso de uniformização de jurisprudência.

9.2 - Questão da falta de indicação dos concretos pontos da matéria de facto nas conclusões - al. a), n.º 1, do artigo 640, do CPC.

Foi entendido que para além da desejável perfeição, resultava da conjugação das conclusões e da motivação da apelação que o ali Recorrente, ora Recorrido, tinha impugnado a matéria de facto pretendida, constante do ponto 23 da matéria de facto provada, reportando a prova que aduziu no sentido da sua pretensão.

Mais determinante, contudo, resultava do Acórdão recorrido que a indicação aludida devia ser feita nas conclusões, não necessariamente com uma indicação de uma referência, caso da numérica, mas apreensível da conjugação entre a motivação da apelação e as conclusões da mesma, resultando do Acórdão fundamento o entendimento que os pontos de facto impugnados deviam ser indicados nas conclusões, mas sem a imposição à referencia aos números de tais pontos.

Desse modo afastada ficava a necessária contradição jurisprudencial, para o atendimento no presente recurso.

9.3 - Questão da inclusão nas conclusões, e não apenas no corpo das alegações da decisão que deve ser proferida relativamente ao facto impugnado - alínea c), do n.º 1, artigo 640, do CPC.

Foi entendido que resultava do Acórdão fundamento que para a definição do objeto do recurso devia constar nas conclusões das alegações a decisão a proferir sobre as questões de facto impugnadas, contrariando o exarado no Acórdão recorrido que se bastava com a indicação na motivação no corpo das alegações.

Mais se consignou, "[...] A divergência regista-se relativamente a uma questão de direito (direito adjetivo), tratada, em ambos os processos, dentro do mesmo quadro normativo - o que emana da interpretação dos ditames do art. 640.º do CPC -, cuja inobservância acarreta consequências para a sorte do processo, envolvendo, desde logo, a possibilidade de rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto (como, aliás, aconteceu no acórdão-fundamento, tendo como motivo, além do mais, o desrespeito pela alínea c) do n.º 1 daquele artigo), assumindo-se, assim, como uma questão essencial.

"Entende-se que estão reunidos os requisitos necessários à admissão do RUJ, quanto a esta matéria, relativamente à qual não se conhece jurisprudência uniformizada."

10 - Notificado nos termos previstos no n.º 1 do artigo 687.º do CPC, o Ministério Público emitiu parecer, sustentando:

"No seguimento desta Jurisprudência bastante consolidada do STJ, somos de parecer que o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência deverá ser julgado improcedente, fixando-se a mesma nos seguintes termos:

Nas conclusões do recurso de apelação em que se impugne a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, devendo ser referida na motivação do recurso, sob pena de rejeição, não terá de ser obrigatoriamente especificada nas conclusões.

II - Apreciação do Recurso

1 - Factualidade

Com relevância para a apreciação do recurso, para além do que consta do relatório supra, consignam-se as seguintes ocorrências processuais:

a) No Acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:

1 - A Ré Efimoveis Imobiliária, S. A. é uma sociedade comercial, que tem como objeto social a compra e venda de imóveis para revenda e todas as demais operações legalmente admitidas sobre imóveis, investimentos, promoções, gestão imobiliária e construção de edifícios em imóveis que possua ou adquira para o efeito, serviços de consultadoria na área de coordenação e controlo de projetos e construção;

2 - No dia 17 de abril de 2012, a Ré Efimoveis Imobiliária, S. A. procedeu à constituição da propriedade horizontal do prédio denominado V..., composto por 9 pisos e 35 frações autónomas, sendo 30 destinadas a habitação e 5 destinadas a aparcamento;

3 - Por despacho de 31 de julho de 2012, pelo Presidente da Câmara Municipal de..., foi autorizada a utilização para habitação do edifício e ocupação de garagens, titulada pelo alvará de utilização n.º 69/2012, de 31 de dezembro de 2012;

4 - No dia 6 de agosto de 2012, teve lugar a primeira reunião da assembleia de condóminos, com a seguinte ordem de trabalhos: deliberar sobre a constituição do condomínio, a eleição do órgão administrativo e a deliberação da forma de obrigar o condomínio;

5 - Na mencionada reunião, foi deliberada, além do mais, a eleição da Ré Efimóveis imobiliária, S. A., como administradora do prédio denominado V...;

6 - No dia 8 de agosto de 2012, após a constituição da propriedade horizontal, a Ré Efimoveis Imobiliária, S. A. iniciou a comercialização e venda das diversas frações autónomas, sendo, nesse mesmo dia, realizadas 5 escrituras de compra e venda;

7 - No dia 21 de agosto de 2012, o Autor Condomínio do Edifício V... requereu ao Registo Nacional de Pessoas Coletivas o seu registo, como entidade equiparada a pessoa coletiva;

8 - No dia 24 de agosto de 2012, a referida entidade procedeu ao registo requerido, emitindo para o efeito o respetivo cartão;

9 - No dia 3 de setembro de 2012, a Ré Efimoveis Imobiliária, S. A. já tinha procedido à venda de frações, que correspondiam a 68,24 % da totalidade do prédio;

10 - No dia 9 de outubro de 2012, já tinha procedido à venda de frações, que correspondiam a 77,88 % da totalidade do prédio;

11 - No dia 29 de outubro de 2012, já tinha procedido à venda de frações, que correspondiam a 81,36 % da totalidade do prédio;

12 - No dia 4 de dezembro de 2012, já tinha procedido à venda de frações, que correspondiam a 84,78 % da totalidade do prédio;

13 - No dia 7 de março de 2014, procedeu à venda da 30.ª e última fração autónoma do prédio, perfazendo 97,64 % do valor total do mesmo;

14 - No dia 25 de setembro de 2012, realizou-se uma assembleia de condóminos do edifício V..., onde, além do mais, foi nomeada a nova administração, que ficou a cargo de AA, assessorada por BB e CC;

15 - O eng. DD, na sequência de uma vistoria efetuada no dia 12 de novembro de 2012, elaborou, em 4 de junho de 2013, o relatório junto com a petição inicial, como documento n.º 8, do qual consta, além do mais, que:

(...) 5.6 - Infiltrações de água

Na inspeção efetuada na zona de estacionamento verificou-se a existência de entrada de água na zona da junta de dilatação entre os dois corpos do edifício (...). No cunhal nordeste do edifício na zona de estacionamento verifica-se uma entrada de água que eventualmente terá como causa a má impermeabilização e drenagem da parede enterrada (...).

5.7 - Pavimento das Garagens

O pavimento na zona de estacionamento encontra-se bastante degradado por má execução e utilização de sistema de execução de pavimentos com estas exigências deficiente.

5.8 - Consolas (Varandas)

A inspeção visual e de acordo com fotografia anexa verifica-se um deslocamento por corte no interface entre o betão armado (consola) argamassas de enchimento do piso, fissuras no topo da consola. (...) o fenómeno é mais acentuado na orientação oeste (...)";

16 - O Condomínio do Edifício V... enviou à Ré Efimoveis, S. A. carta registada com aviso de receção, datada de 25 de maio de 2016, e por esta rececionada no dia 30 seguinte, junta de fls. 28 verso a 30 dos autos, constando da mesma, além do mais, o seguinte: que "(...) vimos pela presente informar as patologias atualmente detetadas no imóvel a saber:

Na zona de estacionamento

i) Infiltrações de água na zona da junta de dilatação entre os dois corpos do edifício

ii) Infiltrações de água nas paredes e solo (nas partes subterrâneas), e tetos

iii) infiltrações de água na zona das caixas dos elevadores

iv) Pavimento degradado e com fissuras (piso-1)

v) Pintura exterior degradada

Nas varandas

i) Fissuras ao longo das varandas, na zona de ligação do betão à argamassa de enchimento

ii) Fissuras junto da zona de esgoto das águas pluviais (tubos dos algerozes)

iii) Pavimento com orientação deficiente para escoamento das águas (incluindo o piso do terraço da sala do condomínio)

iv) Fissuras acentuadas na zona de dilatação entre os dois corpos do edifício

Na sala do condomínio

i) teto, fissurado

Na zona dos contadores de água

27) Falta isolamento das paredes de ambos os corpos do edifício, o que causa ruído nos quartos contíguos da frações do R/c, Dt, do n.º 48 do Iº esq. do 50 (...)"

17 - Na sequência desta missiva, a Ré Efimoveis Imobiliária/ S. A., na pessoa do eng. EE, deslocou-se ao prédio, a fim de averiguar a situação e fazer um levantamento das deficiências existentes;

18 - As anomalias existentes no prédio denominado V... consistiam na infiltração de água garagem no piso 1, pela junta de dilatação, pelo teto e paredes, pavimento da garagem do piso 1 a desfazer-se, com fissuras e buracos, degradação da pintura exterior, fissuras na zona da junta de dilatação dos dois corpos, fissuras junto dos tubos de algerozes, fissuras no teto da sala de condomínio, problema ao nível do escoamento das águas pluviais no terraço de cobertura da garagem, fissuras/deslocamentos ao longo das varandas, na zona de ligação do betão à argamassa de enchimento, falta de cerâmico na sala de condomínio;

19 - Na sequência da deslocação ao prédio do eng. EE, a Ré Efimoveis Imobiliária, S. A., através da sociedade F... efetuou trabalhos de reparação das deficiências ao nível das fissuras, pintura, infiltrações de águas nas garagens;

20 - Em data não concretamente apurada, mas posterior a 2015, a Ré Efimoveis Imobiliária, S. A. colocou painéis metálicos, no teto das garagens piso - 1, para reencaminhamento das infiltrações de água;

21 - A Ré Efimoveis Imobiliária, S. A. cometeu a execução da obra de construção do edifício denominado V... à sociedade F...;

22 - A Ré Efimoveis Imobiliária, S. A., através da sociedade F..., suspendeu os trabalhos, sem mais concluir as obras de correção das restantes deficiências;

23 - [Eliminado, pelo Tribunal da Relação, do elenco dos factos provados, passando para não provado e verificando-se que a redação que lhe tinha sido dado na 1.ª Instância era a seguinte:

23 - Desde, pelo menos, 12 de novembro de 2012, que o Autor tinha conhecimento das deficiências existentes].

24 - Na ata n.º 8 da reunião da assembleia de condóminos de 16 de fevereiro de 2017, ficou consignado que "(...) tendo a assembleia sido informada pelo Dr. FF que a Câmara Municipal de... havia intervencionado a conduta de alimentação de água junto ao prédio, junta a entrada 48, tendo aparentemente sido solucionada a infiltração que há vários meses se verificava no piso 1 e 2;

25 - Na reparação das deficiências existentes no prédio, o Autor Condomínio do Edifício V... terá de despender quantia que não se logrou concretamente apurar;

26 - No dia 7 de abril de 2017, o Autor Condomínio do Edifício V... entregou, no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, uma notificação judicial avulsa, a fim de a Ré Efimoveis Imobiliária, S. A. proceder à reparação dos defeitos existentes no prédio, no prazo de 30 dias;

27 - A presente ação deu entrada em juízo, no dia 29 de novembro de 2017.

b) Na sentença proferida considerou-se que o Autor/Recorrido através de missiva enviada no dia 25.05.2016, rececionada pela Ré/Recorrente no dia 30.05.2026, deu conhecimento a esta da existência de vários defeitos, provado estando também que o Autor teve conhecimento das anomalias desde pelo menos o ano de 2012, e assim há mais de um ano, considerando a data em que efetuou a reclamação, pelo que ocorrera a caducidade do direito de ação por falta de denúncia tempestiva.

c) Nas alegações da apelação interposta pelo Autor, consignou-se no seu corpo, que o Tribunal a quo concluiu que desde pelo menos 12.11.2012, tinha conhecimento das deficiências existentes - artigo 23 dos factos provados, mas não podia formular tal conclusão, no atendimento da prova testemunhal indicada, valorada nos termos apontados, "[...] Não pode o Autor concordar que tenha sido feita prova de que o Autor tenha tido conhecimento das anomalias desde novembro de 2012". Em sede de conclusões verteu-se "V - Entendeu o tribunal a quo que o Autor tomou conhecimento dos efeitos em momento muito anterior [...] mais concretamente, no ano de 2012 [...]. VI - Face à prova testemunhal produzida, a qual não foi devidamente valorada, não pode o Autor concordar com tal conclusão."

d) No acórdão da Relação de Évora foi apreciado [...] invocado erro na apreciação da prova, que determine a alteração da matéria de facto constante do ponto 23 dos factos provados [...] a não certeza da testemunha... conduz esta Relação a um "non liquet" quanto à realidade vertida no ponto 23 dos factos provados [...] declara-se a mesma não provada, com a consequente eliminação da matéria assente". Assim a Ré não tinha feito a prova, como lhe competia, não se verificando motivos para subscrever a alegada caducidade, importando na revogação da sentença e condenação da Ré, nos termos já aludidos.

e) Nas conclusões das alegações do recurso de revista a Ré, para além do mais(5), invocou o não cumprimento dos requisitos de admissibilidade do recurso de apelação porquanto o Autor não dera cumprimento ao exigido pela alíneas a) e c), do n.º 1, do artigo 640, do CPC, não tendo o Tribunal da Relação apreciado tais vícios que suscitara nas suas contra-alegações da apelação verificando-se uma nulidade por omissão de pronúncia.

f) No Acórdão da Relação de Évora proferido na sequência do Despacho que ordenou a baixa dos autos, quanto a tal nulidade por omissão de pronúncia, foi entendido que não lhe estava vedado conhecer da impugnação da matéria de facto, pois "É certo que relativamente à indicação dos concretos pontos da matéria de facto, o autor/apelante não indicou expressamente que considerava incorretamente julgado o ponto 23 do elenco de factos provados, mas resulta inequívoco do corpo alegatório e das conclusões do recurso de apelação (Conclusões V a XII), que era esse o facto que o autor entendia estar mal julgado, sendo que também nenhuma dúvida subiste quanto ao autor pretender que se considere como provado esse concreto ponto da matéria de facto".

2 - Do Direito

1 - Da admissibilidade do recurso da Recorrente

1 - Requisitos gerais.

A apreciação a realizar resulta, como é sabido, do disposto no artigo 692, n.º 4, do CPC(6), porquanto o Pleno das Secções Cíveis pode decidir de modo diverso relativamente ao despacho liminar proferido conforme o n.º 1, da mesma disposição legal(7).

Assim, enquanto recurso extraordinário, o recurso de uniformização de jurisprudência exige para a sua admissibilidade, que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tenha proferido um Acórdão anterior, com trânsito em julgado, que se presume, não contrariando jurisprudência uniformizada do STJ, que esteja em oposição com outro proferido pelo mesmo Tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, artigo 688.

A apreciação dos requisitos enunciados terá de ser necessariamente rigorosa, presente que está em causa o apelo às Secções Civis como instrumento para uniformizar entendimentos jurisprudenciais, no pressuposto de uma pacificação e segurança jurisprudenciais, que como tal não deve ser utilizado em termos abusivos.

No entanto, sem prejuízo do dever de gestão processual com a recusa do que for impertinente ou meramente dilatório, configura-se que na obediência em prol de tais deveres cometidos ao julgador, não devam ser afastados entendimentos, tidos como o de "jurisprudência consolidada" ou "jurisprudência constante" (8), desde logo em termos de literalidade, mas também, e com relevância, um entendimento diverso não deverá ser aprioristicamente rejeitado, sem a ponderação dos argumentos trazidos, pois a vinculação a uma determinada jurisprudência deverá presumir-se como o acatamento da solução correta, não necessariamente inilidível, e não tanto ao cumprimento de uma obrigação(9), que devendo, contudo, ser acatada, em nome da pretendia unanimidade e consequente segurança, não é vinculativa, como resulta da admissibilidade sempre possível, quando seja proferida decisão no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, artigo 629, n.º 2, c).

Dos apontados fundamentos para a admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência, manifesto se torna que a simplicidade da sua aferição não é idêntica, pelo que tendo em conta até o elemento literal do normativo, a dificuldade está guardada para a existência da contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão do STJ (acórdão fundamento), relativamente à mesma questão fundamental de direito.

Neste âmbito, em traços breves, embora na prática nem sempre seja linear a respetiva perceção, face à convergência da Jurisprudência e da Doutrina, estamos perante oposição/contradição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, "a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade da situação de facto subjacente a essa aplicação"(10), ou, isto é, quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma é idêntico, havendo conflito jurisprudencial se os mesmos preceitos são interpretados e aplicados a enquadramentos factuais idênticos(11), bem como em termos da estrita incidência sobre factualidade, conduzindo a conclusões opostas.

A contradição deve ser frontal, e não implícita, não bastando que se tenha abordado o mesmo instituto, pressupondo que a subsunção jurídica realizada em quaisquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, ou factualidade como tal considerada, sem ser atribuída relevância a elementos de natureza acessória, e assim ser idêntica a ratio decidendi(12).

Em suma, a oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano da atendibilidade da factualidade, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias, para o qual não contribuía aspetos particulares factuais de cada um dos Acórdãos em oposição, factualidade que importe numa decisão diversa ou mesmo contrária(13).

2 - Em concreto

Desde logo, importa atender que nos dois Acórdãos em causa nos autos, se está no domínio da mesma legislação tendo, relevantemente(14), sido erigida a mesma questão fundamental de direito, de carácter adjetivo, sem quaisquer referências substantivas, tomada em consideração em termos gerais de direito processual, nomeadamente no que concerne a competências especializadas.

Assim, havendo identidade do regime normativo em que se enquadra a questão, facilmente se vislumbra, a anterioridade do acórdão fundamento, o trânsito em julgado dos dois acórdãos em oposição, que aliás, como se aludiu se presume, não tendo sido adotado no Acórdão recorrido jurisprudência anteriormente uniformizada pelo STJ ou constituindo um acórdão uniformizador.

Também se divisa a essencialidade da questão decidida pelos dois acórdãos de forma oposta, porquanto patenteando-se que o destino do recurso no Acórdão fundamento assentou no conhecimento da questão suscitada do cumprimento dos ónus do recorrente que pretenda impugnar a decisão quanto à matéria de facto, de igual modo a ponderação do seu cumprimento, confirmando a alteração da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação, afastou a caducidade do direito declarada pela Sentença que determinara a absolvição da ora Recorrente.

Reiterando a já mencionada dificuldade quanto ao aferimento da contradição entre o Acórdão recorrido e Acórdão fundamento, relativamente à mesma questão fundamental de direito, importa analisar de per si as que foram suscitadas pelo Recorrente.

2.2.1 - Substituição e sintetização oficiosa das conclusões apresentadas pela Recorrente.

No âmbito das conclusões formuladas pela Recorrente diz a mesma que o Acórdão Recorrido admitiu a substituição pelo Tribunal da Relação das conclusões da Apelação, através da sua sintetização e da elaboração de cinco novas conclusões, o que não é admitido, nomeadamente pelo artigo 640, pois a respetiva formulação é uma obrigação que impende sobre as partes, estando a intervenção do Tribunal da Relação limitada pelo disposto no n.º 3, do artigo 639, pelo que, quanto muito, poderia convidar o Apelante a reformular as suas conclusões de recurso com o subsequente exercício do contraditório, n.º 4, do mesmo artigo 639.

Resulta assim que a Recorrente, entendendo que o recurso sobre a matéria de facto não deveria ter sido atendido, por incumprimento do n.º 1, do artigo 640, estava vedado fazer a correção das alegações para tanto, ainda que por via de "sintetização" num apelo ao princípio do dispositivo, numa articulação tal, que permitiria uma uniformização jurisprudencial, no sentido apontado de "[...] estando vedado, ao Tribunal ad quem, substituir-se na formulação das conclusões nem podendo sintetizar as que tenham sido formuladas pela parte, por tal lhe estar expressamente vedado pelo n.º 3 do artigo 639, do CPC, bem como pela alínea a) do n.º 1, do artigo 652 a contrario".

Ora, para além da discordância patente com o decidido(15), e de uma construção que possa suportar a pretendida uniformização, percorrendo as alegações do Acórdão recorrido, bem como da análise do Acórdão fundamento, não avulta qualquer oposição que pudesse ser atendida e fundasse a visada uniformização, pelo que a mesma carece de fundamento, nesta parte.

2.2.2 - Não observação do ónus constante na alínea a), do n.º 1, do artigo 640.

O Recorrente questiona a aplicação e interpretação do disposto no artigo 640, n.º 1, a) feita pelo Acórdão recorrido, e que se encontram em oposição com as levadas a cabo pelo Acórdão fundamento, e assim passível de objeto da requerida uniformização jurisprudencial, entendendo que o Autor/apelante devia ter especificado, nas conclusões da apelação, os concretos pontos da matéria de facto que considerava incorretamente julgados.

No Acórdão recorrido sobre a observância do ónus previsto na alínea a) fez-se consignar:

"O ponto 23 foi claramente identificado no corpo das alegações e o sentido do alegado é o de que o facto nele contido não podia ser considerado provado.

Nas conclusões, o A. não fez expressa referência ao n.º 23, mas o Tribunal recorrido considerou que a sua discordância quanto à matéria de facto dizia respeito a esse ponto e, na verdade, é isso que se retira da conjugação entre as alegações e as conclusões.

Importa ter em atenção que, na indicação do ponto que se pretende impugnar, não é exigível que se faça menção ao número que lhe foi atribuído no elenco factual. Essencial é que resulte com clareza que matéria se quer pôr em causa.

[...] O Tribunal da Relação, entendendo que a impugnação da matéria de facto se limitou à questão do conhecimento, por parte do Autor, desde pelo menos 12 de Novembro de 2012, das deficiências existentes, não teve dúvidas em identificar o ponto 23 como aquele que foi objeto dessa impugnação e acabou por considerar não provada a matéria nele contemplada, eliminando-a da matéria assente.

[...] Na verdade, embora a impugnação não se apresente, salvo o devido respeito, como modelar, resulta da conjugação das conclusões e da motivação da apelação que o Recorrente (aqui Recorrido) impugnou a matéria vertida no ponto 23 dos factos provados, carreando prova no sentido da demonstração da sua tese. [...]".

Por sua vez, no Acórdão fundamento, após o enunciado no dispositivo legal constante do artigo 640, indicando como questões a resolver, se no que concerne à impugnação da matéria de facto tinham sido cabalmente cumpridos os ónus impostos pelo n.º 1, a) e c) do mesmo preceito legal, e perante a escusa do Tribunal da Relação em conhecer do recurso quanto à impugnação da matéria de facto(16), "[...] porque a Recorrente não indicou "a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto estipulado na alínea c) do n.º 1 do art. 640.º", fez-se consignar:

"[...] o cumprimento dos ónus do artigo 640 do CPC não pode reduzir na adoção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coartando à parte Recorrente, o direito de ver apreciada, quiçá, modificada a decisão sobre a matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

E se é certo que este Supremo Tribunal vem sufragando um formalismo algo mitigado relativamente ao ónus do artigo 640 do CPC, vem todavia impondo como fronteira a possibilidade do tribunal do recurso conhecer, sem esforço acrescido, a pretensão do recorrente, ou seja de apreender o objeto do recurso sem ter que se substituir ao recorrente nessa tarefa que sobre si impende.

E se não oferece dúvidas de que as alegações stricto sensu têm que conter aquelas indicações, também as conclusões as devem observar, na medida em que não só constituem a síntese das alegações como são elas, como referido, que definem o objeto do recurso e o âmbito do conhecimento do tribunal.

Na apreciação do caso sob análise referindo que a Recorrente tinha indicado os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados(17), contudo as conclusões eram completamente omissas quanto a tal pretensão, limitando-se a consignar a factualidade que entendia estar provada, sem referência aos concretos pontos de facto que constam na sentença, porquanto nas conclusões a recorrente consignara como provada uma factualidade que não só não condizia com a lista indicada dos factos não provados, como também consistiam versões diferentes de alguns factos que no corpo das alegações referira que deviam ser eliminados, e desse modo não especificou nas conclusões os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, por referência ao constante na sentença, pois [...] É o recorrente quem tem de proceder, nas conclusões, à indicação precisa do que pretende do tribunal ad quem, como corolário não só do princípio do dispositivo, como também da autorresponsabilização das partes."

A exposição propositadamente longa do teor dos dois Acórdãos em oposição, no que se reporta ao teor da alínea a) do n.º 1, do artigo 640 - "Os concretos pontos de facto que se considera incorretamente julgados", torna mais apreensível o entendimento que não estamos aqui perante uma oposição frontal, não se configurando que o Acórdão Recorrido vá ao arrepio do vertido no Acórdão fundamento, tendo em conta até, os termos fluidos como a questão é tratada, e com relativa relevância ao mesmo dada, tendo em conta a decisão recorrida e as alegações apresentadas, e o atendimento ao outro item referenciado nos autos, alínea c) do mesmo artigo 640.

Atente-se no que concerne à resposta diversa dada, a mesma não é estranha às particularidades de cada caso apreciado nos dois Acórdãos, para além do entendimento quanto ao outro ónus a cumprir, pelo que também não se configura que exista fundamento para uniformização, relativamente a esta parte.

2.2.3 - Não observação do ónus constante na alínea c), do n.º 1, do artigo 640.

Por último, invoca o Recorrente que contrariamente ao entendimento constante no Acórdão recorrido, no Acórdão fundamento foi considerado que o ónus constante da alínea c), do n.º 1, do artigo 640, indicação da decisão que o Recorrente entende dever ser a proferida sobre as questões de facto impugnadas deve constar das conclusões do recurso, sob pena da sua rejeição.

Com efeito, brevemente, face até ao já aludido, no Acórdão fundamento considerou-se que os ónus previstos no n.º 1, do artigo 640, caso do previsto na al. c), e assim as respetivas indicações devem constar das conclusões, por constituírem a síntese das alegações, e são elas que definem o objeto do recurso e o âmbito do conhecimento do Tribunal.

Diversamente, consignou-se expressamente, no Acórdão recorrido "Se devem ser indicados nas conclusões os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, já no que se refere à decisão a proferir sobre esses pontos basta que ela conste da motivação".

Verifica-se assim uma oposição expressa, sobre a qual importa realizar um esforço uniformizador.

3 - Do conhecimento do objeto do recurso de uniformização.

1 - Delimitado o objeto do presente recurso, importa desde logo delinear o quadro normativo onde o mesmo está inserido.

Com efeito, no artigo 640, sob a epígrafe "Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto", consta do n.º 1, Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgado; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida; e quanto ao ora em análise, c) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Apontados como ónus primários, pois têm como função delimitar o objeto do recurso, fundando os termos da impugnação, daí a sua falta traduzir-se na imediata rejeição do recurso, em contraposição aos ónus secundários, previstos no n.º 2 do artigo 640(18) relativos à alínea b) do n.º1(19), enquanto instrumentais do disposto no artigo 662, que regula a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto pelos Tribunais da Relação, permitindo assim, um efetivo segundo grau de jurisdição no conhecimento das questões de facto, na procura da sua melhor realização, em termos relevantes, isto é, na busca da verdade material com a decorrente justa composição dos litígios.

Atentos à importância dos ónus previstos no n.º 1, importa centrar-nos no constante da aludida alínea c), no sentido ora em análise e que se prende em saber se a decisão alternativa proposta pelo recorrente relativamente aos pontos de facto impugnados, deve, ou não, constar das conclusões do recurso, sob pena de rejeição do recurso, que como já se viu, mereceu entendimento diferente nos Acórdãos recorrido e no fundamento.

Com efeito não se configurando como uma matéria despicienda face aos possíveis efeitos gravosos da rejeição do recurso, e pese embora o apontamento de uma crescente sedimentação a nível da Jurisprudência deste Tribunal, no sentido de as respostas pretendidas não terem de constar das conclusões das alegações recursórias, mas apenas no respetivo corpo(20), o debate não se mostra encerrado, como avulta do entendimento no Acórdão fundamento, mas também ainda que não veemente do recente Acórdão deste Tribunal, 15.09.2022, processo 556/19.4T8PNF.P1. S1(21), considerando que o cumprimento do ónus da impugnação, para o caso, o constante da alínea c), devia ser satisfeito, também, nas conclusões de recurso, ou de forma mais assertiva, e no Acórdão da Relação do Porto, de 13.03.2023, processo 8942/19.3T8VNG. P1(22).

2 - Importa assim achar a interpretação que se configure mais adequada no atendimento do estado atual do nosso ordenamento jurídico.

Na atividade hermenêutica a desenvolver no sentido a reter na aplicação do preceito legal, sempre se deverá atender ao elemento literal da lei, no sentido dos respetivos termos e devida correlação, excluindo desse modo a interpretação que não tenha na letra da norma um mínimo de correspondência, não podendo, contudo, ser esquecidos os elementos lógicos, isto é, o histórico, o sistemático, e o teleológico, reportados essencialmente à unidade do sistema jurídico e à justificação social da lei, artigo 9, do Código Civil.

Com efeito, vertem-se neste último preceito legal os princípios gerais sobre o método de interpretação das leis, visando o legislador, desse modo, conciliar o interesse da retidão e do progresso da ordem jurídica, mediante a presunção que o legislador consagrou as soluções mais acertadas assim como a certeza do direito, com a decorrente segurança do comércio jurídico, assentes na presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados(23).

Cabendo o sentido achado na letra da lei, na procura do prevalente dentro dos possíveis, importa reter o que não evidencie que se mostre ultrapassado o fim para que foi criada a norma, sendo certo que tal tem que decorrer, de forma percetível, do texto, retirando-se, ainda que indiretamente, uma alusão ao sentido que o intérprete venha acolher, resultante da interpretação(24).

Por sua vez no atendimento do elemento teleológico, no enquadramento já delineado, procura-se encontrar a ratio legis, isto é, o objetivo pretendido pelo legislador com a criação da norma, devendo afinal encontrar-se a interpretação que melhor se adeque, dentro dos sentidos literais possíveis, com as demais normas, maxime, as que com ela tenham uma conexão, de modo a salvaguardar a unidade do sistema jurídico.

1 - Num breve apontamento, não pode deixar de se mencionar o Código de Processo Civil de 1939, matriz não muito longínqua da nossa lei processual, ao qual se encontra indelevelmente ligado o Prof. Alberto dos Reis, numa construção considerada muito evoluída para a época, com o acolhimento de um modelo estruturado em três fases, articulados, saneamento e julgamento, que se continua a prosseguir, bem como o acolhimento pleno da oralidade(25).

Conforme decorria do artigo 712, não podia ser alterada a decisão sobre a matéria de facto proferido pelo tribunal coletivo(26), com exceção dos casos em que do processo constassem todos os elementos que tinham servido de base à decisão, caso das "assentadas", e os mesmos impusessem uma decisão diversa que não pudesse ser contrariada por quaisquer outras provas, bem como no caso de documento superveniente, definindo aquele Professor, as conclusões como as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação, pois devendo o Tribunal apreciar as razões do recurso, salvaguardados ficavam os casos de alegações extensas, prolixas ou confusas(27).

3.3.2 - O Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo DL n.º 44129, de 28 de setembro, considerando o avanço extraordinário que o Código de 1939 tinha trazido às instituições processuais, propunha-se a rever certas soluções nele consagradas, corrigir algumas imperfeições e solucionar dúvidas de interpretação, nomeadamente alargando e aperfeiçoando a oralidade, mais se consignando(28) "[...] embora sejam muitos os que reclamam a apelação das suas decisões através do registo das provas produzidas perante o coletivo [...] há que reconhecer que o meio proposto equivale a tornar o coletivo praticamente inútil [...] o tribunal coletivo constitui o meio mais idóneo de averiguação de factos cuja realidade só pode ser alcançada através de provas sem valor legalmente tabelado [...]"(29).

Assim, e sem diferenças de fundo, previa-se no artigo 712, a modificabilidade das decisões do coletivo, por regra inalteráveis, e o genérico ónus de alegar no artigo 690, mantendo-se o regime, sem prejuízo de alterações subsequentes, sem relevo na matéria(30).

1 - Após vicissitudes várias, na sequência de uma comissão para a reforma do processo civil, foram publicadas em 1993, as designadas "Linhas Orientadoras da Reforma do Processo Civil", que pondo em relevo alguns princípios orientadores, destacaram o princípio da cooperação, enquanto referência essencial do novo modelo a protagonizar, a par do dever de cooperação recíproca, boa-fé processual e verdade material(31) e que esteve na base da extensa reforma do Código de Processo Civil, operada pelo DL 39/95 de 15.02, que com os DL 329-A/95, de 12.12, e o DL 180/96, de 25.09, consubstanciaram a conhecida reforma de 95/96.

Com efeito em sede do preâmbulo do DL 39/95, fez-se constar que visava-se encontrar uma solução jurídica, substancialmente inovadora, prevendo e regulamentando a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nela produzida, permitindo a obtenção de um triplo objetivo:

"Em primeiro lugar, na perspetiva das garantias das partes no processo, as soluções agora instituídas implicarão um verdadeiro e efetivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais - e seguramente excecionais - erros do julgador na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito. [...]

Em segundo lugar, o registo dos depoimentos prestados no decurso da audiência configura-se como o meio idóneo para afrontar o clima de quase total impunidade e da absoluta falta de controlo que - precisamente por força do referido peso excessivo da oralidade e da audiência - envolve o possível perjúrio do depoente que intencionalmente deturpe a verdade dos factos. [...]

Finalmente o registo das audiências e da prova nela produzida configura-se como instrumento adequado para satisfazer o próprio interesse do tribunal e dos magistrados que o integram, inviabilizando acusações de julgamento à margem (ou contra) da prova produzida, com os benefícios que daí poderão advir para a força persuasiva das decisões judiciais e para o necessário prestígio da administração da justiça. [...]"

Podendo a gravação ser solicitada pela parte ou oficiosamente, dispensava a intervenção do tribunal coletivo, não devendo redundar na criação de fatores de agravamento da morosidade na administração da Justiça e desse modo "A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. [...] Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos (resultante da nova redação do artigo 712) - e consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins meramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correta.

Daí que se estabeleça, no artigo 690-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova, que no seu entendimento, impunham decisão diversa da matéria de facto.[...]"

Estabelecidos os termos a observar quanto à gravação(32), artigos 522-A, 522-B e 522-C, procedeu-se à estipulação do ónus do recorrente nos termos delineados, vertidos no artigo 690-A.

Por sua vez, quanto ao DL 329-A/95 de 12.12, ressalta-se a intensão de tornar o Código de Processo Civil como um instrumento na perseguição da justiça material "[...] em que nitidamente se aponta para uma leal e sã cooperação de todos os operadores [...] não sendo numa palavra, nem mais nem menos do que a ferramenta posta à disposição dos seus destinatários para alcançarem a rápida mas segura, concretização dos seus direitos [...]", e na amplitude das alterações operadas, "[...] Dando mais um passo no sentido de transformar as relações numa verdadeira 2.ª instância de reapreciação da matéria de facto, ampliam-se os poderes que o artigo 712 - com as alterações decorrentes do diploma referente ao registo das audiências, já aprovado [...]"(33).

Já no DL 180/96, de 25.09, indica-se que o objetivo prosseguido é a melhoria da redação de várias preceitos, com vista a uma uniformização e condensação das proposições legais constantes dos diplomas anteriores, com vista a prevenir dúvidas interpretativas(34).

Do enunciado, manifesto se torna que esta revisão operada assentou em propósitos determinados, alterando de forma profunda um dos aspetos mais relevantes do exercício da judicatura que se prende com o julgamento e decisão sobre a matéria de facto, necessariamente balizada em termos que obstassem a manobras dilatórias, sem fundamento, com manifesto prejuízo para a contraparte, mas também para a imagem da Justiça, quer dos seus utentes, quer do público em geral.

Segundo Miguel Teixeira de Sousa, a urgência de uma reforma do processo civil, que tivesse como objetivos gerais, "[...] a justiça da resolução dos conflitos sociais, o que exige uma resolução rápida, oportuna e adequada à composição do litígio; - a eficiência da atividade ou sujeitos processuais que deve ser atingida através da subordinação da atuação das partes e do tribunal a um princípio de colaboração ou cooperação [...]"(35) era então, como o mesmo autor mencionava, uma expetativa dos profissionais do foro e da população em geral.

Pronunciando-se(36) sobre a reforma de 95/96, considerava serem claras as linhas mestras que a presidiam, "[...] distinção de princípios estruturantes, que se referem aos valores fundamentais do processo civil e as regras de natureza instrumental que definem o funcionamento do sistema processual: - a garantia da prevalência do fundo sobre a forma e, portanto, a orientação pela verdade material, que se procura alcançar através da concessão ao juiz de um papel mais interventor e da submissão da atuação do tribunal e das partes a um princípio de cooperação"[...], concluindo que estávamos perante o primeiro esforço de rutura com tradições processuais antigas, nomeadamente a prevalência da discussão escrita pela oral, e de aproximação com as novas correntes processuais.

Quanto ao ónus do recorrente que impugnava a decisão sobre a matéria de facto, devia o mesmo indicar, sob pena de rejeição, quais os pontos concretos que considerava incorretamente julgados e quais os meios de prova constantes do processo ou da gravação que impusesse uma decisão diversa sobre esses pontos, para além, de no caso de os meios de prova invocados como fundamento do apontado erro na apreciação da prova terem sido gravados, estava ainda o recorrente onerado, também, sob pena de rejeição do recurso, proceder à respetiva transcrição, em escrito, das passagens da gravação que constituíam o referenciado fundamento(37).

Naturalmente, reformas que se traduzem em olhares diferentes e se distanciam de práticas reiteradas, provocam o fundado receio da sua falência, não só pela necessária mudança de paradigma, mas também, de modo simples, por falta de informação, experimentação ou até meios, como aludiu Abrantes Geraldes(38).

Explicava o mesmo Autor, que de forma diversa do que antes acontecia, a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto passara a ser a regra, sendo o Tribunal da Relação um tribunal de 2.ª instância, com competência residual quanto a determinados pontos da matéria de facto que o recorrente pretendia ver alterados, afastada estava a admissibilidade de recursos genéricos contra uma apontada errada decisão fáctica, considerando também o dever do recorrente "especificar sob pena de rejeição, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, como ainda os meios que imponham uma resposta diversa dada pelo Tribunal, incumbindo-lhe ainda o ónus de apresentar escrito datilografado das passagens da gravação em que se fundamenta, se a impugnação estiver relacionada com meios de prova oralmente prestados perante o Tribunal" (39).

2 - No prosseguimento das alterações legislativas, o DL 183/2000, de 10.08. invocando que a morosidade processual era um dos fatores que mais afetava a administração da Justiça, com o decorrente atraso na resolução dos litígios, perda da eficácia das decisões judiciais e falta de confiança no funcionamento dos tribunais, associado ao acréscimo de recursos face às alterações sociais e económicas, geradoras na consciência dos cidadãos dos direitos que lhe assistem, procedeu a várias modificações, visando uma maior simplificação processual.

Neste âmbito, para além do mais, foi alterado o disposto nos artigos 522-B e 522-C, prevendo-se que o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento devesse ser registado na ata da audiência, "[...] possibilitando assim que as partes possam recorrer da matéria de facto com base na simples referência ao assinalado na ata, devendo o tribunal de recurso proceder à audição e visualização do registo áudio e vídeo, respetivamente, exceto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal [...], e decorrentemente alterado o preceituado no artigo 690-A, bastando ao então recorrente "indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na ata, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 522.º-C."

Lopes do Rego sublinhava que já no DL 39/95, de 15.02 se determinava que a gravação se efetuasse de modo a que fosse facilmente apurada a autoria dos depoimentos gravados, bem como o início e cessação dos mesmos, averbando-se esses elementos no invólucro da fita magnética(40), bem como o ónus imposto ao recorrente traduzia-se na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, com a indicação clara da parcela ou segmento, ponto ou pontos da matéria de facto que considerava erradamente julgada, no ónus de fundamentar, de forma concludente, a indicação das razões da discórdia, indicando os meios probatórios que implicassem decisão diversa e ainda, conforme o n.º 2, do artigo 690-A, os meios probatórios, já não transcritos, mas por indicação do assinalado na ata(41).

Por sua vez, Amâncio Ferreira(42), reportando genericamente ao ónus a cargo do recorrente, ónus de alegar e concluir, mencionava que a imposição do ónus processuais às partes, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável atribuída à omissão, não era incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça, desde que não fossem arbitrários, nem desproporcionados, conforme Jurisprudência constitucional indicada(43).

Concretamente, quanto ao recorrente impugnante da decisão sobre a matéria de facto o mesmo estava sujeito ao cumprimento do ónus de especificar os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, particularizar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação que impunham decisão diferente, indicar os depoimentos em que se baseava, por referência ao assinalado na ata, quando os meios probatórios tinham sido gravados(44).

O mesmo Autor referenciava(45) que a não satisfação dos ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso como resulta do proémio do n.º 1 e 2, do artigo 690-A, mais aludindo "Compreende-se a rejeição imediata do recurso na situação que analisamos por os ónus impostos aos recorrente visarem o corpo das alegações, insuscetível de ser corrigido ou completado, no nosso ordenamento processual, pela via do convite".

3 - Na continuação das alterações que foram sendo realizadas(46), destaca-se a produzida pelo DL 303/2007, de 24.08, que operou a reforma dos recursos cíveis, "[...] norteada por três objetivos fundamentais: simplificação, celeridade processual e racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência" (47), e assim, nomeadamente, suprimidos os recursos de agravo, a instituição do regime de dupla conforme, prevendo-se contudo o recurso de revista excecional, e alterações no âmbito do recurso de uniformização de jurisprudência.

Passando a constar do artigo 685-B, o ónus a cargo do recorrente que pretendesse impugnar a decisão sobre a matéria, conforme mencionava Abrantes Geraldes(48), foram recusadas soluções que se reconduzissem a uma repetição do julgamento, ou a admissibilidade de recursos genéricos contra uma apontada errada decisão sobre a matéria de facto(49).

Assim, para o mesmo Autor, visando o recorrente a modificação do decidido pela 1.ª instância, dirigindo o pedido a um Tribunal que não tinha intermediado a produção de prova, necessariamente era exigível um maior rigor, "impondo, sem a possibilidade de utilização de paliativos, regras muito precisas" devendo o recurso ser rejeitado nas seguintes situações: "a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados; c) Falta da especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados; d) Falta da indicação exata passagem da gravação em que o recorrente se funda [...] e) Falta da apresentação da transcrição dos depoimentos oralmente produzidos, constantes da gravação [...] não permita a identificação precisa e separada dos mesmos; [...]"(50).

2 - O Código de Processo Civil vigente, aprovado pela Lei 41/2013, de 26. 06(51), em matéria de recursos não produziu profundas alterações na matéria dos recursos(52), no entanto quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a matéria de facto, ora previsto no artigo 640, verifica-se que no n.º 1, foi aditada a alínea "c) A decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas", bem como sendo eliminada do n.º 2 à referência à indicação no sentido de ser possível a identificação precisa e separada dos depoimentos.

Consagrada se mostra uma efetiva existência de um segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, com uma imposição rigorosa dos ónus cujo incumprimento determinam a imediata rejeição do recurso, referem, contudo, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre(53) que como abundante jurisprudência tem defendido, o cumprimento dos ónus previstos na disposição legal não deve incorrer num excesso de exigência formal, violadora do princípio da proporcionalidade, até por não existir sustentação clara na lei ou no seu espírito que tal imponha, e assim não seria necessário indicar nas conclusões, os meios probatórios ou os segmentos da gravação em que o recorrente se funda.

Por sua vez, Abrantes Geraldes(54) explicita que no atual regime o legislador visou, sanar dúvidas do anterior preceito e reforçar o ónus imposto ao recorrente, na previsão expressa de o recorrente indicar a decisão alternativa, que no seu entender devia ser proferida.

Sintetiza assim o sistema no que concerne ao ónus de impugnação: "a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; [...] e) O recorrente deixará expressa na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzida, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interpretação de recursos de pendor genérico ou inconsequente.[...]"

Mais salienta, que devendo as exigências ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrente do princípio da autorresponsabilização das partes, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais, de tal modo que seja violado o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, denegando a apreciação da decisão sobre a matéria de facto, sem apoio legal ou na vontade do legislador, constituindo um pretexto formal para não conhecer da impugnação, mencionando "[...] com bastante frequência se verifica que uma leitura concertada das alegações, e não apenas das respetivas conclusões, permite afirmar o preenchimento dos requisitos mínimos a que deve obedecer uma peça processual para a qual não está legalmente prevista uma estrutura rígida nem para a motivação, nem sequer para o segmento conclusivo."

3.3.3.1 - Importa aqui tecer umas breves considerações quanto aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade enquanto modeladores dos aspetos formais do acatamento dos ónus impostos ao recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, frequentemente referenciados quanto ao artigo 640, e com respaldo constitucional(55).

Assim, concedida ao legislador ampla liberdade de estabelecer os ónus que incidem sobre as partes, a que correspondem cominações decorrentes do respetivo incumprimento, contudo tais encargos processuais não devem ser funcionalmente desadequados aos fins do processo, sobretudo se traduzindo, tão só, exigências formais e mesmo arbitrárias, sem um efeito útil e razoável, e que "[...] poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva" (56).

Desse modo considerando as menções constantes do n.º 1 do artigo 640, no que concerne aos ónus de impugnação de determinada matéria de facto, pode-se dizer que serão justificáveis, na indicação da decisão que se pretende sindicar, e como tal não detendo uma mera natureza formal, na medida que se mostram ajustadas, garantindo a adequada inteligibilidade e objeto do recurso, facultando à contraparte a possibilidade do exercício do contraditório.

Daí que a rejeição imediata do recurso pelo incumprimento dos ónus impostos, na ponderação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, deverá decorrer necessariamente da gravidade das consequências da conduta processual do recorrente, no que concerne a uma adequada inteligibilidade da pretensão recursória, em termos de objeto e finalidade.

3 - O percurso efetuado é elucidativo da evolução do pensamento legislativo com as decorrentes consequências jurisprudenciais, num crescendo da preocupação da verdade material em detrimento da observação de formalidades, de menor relevância, ainda que algumas tenham resultado das inovações técnicas ocorridas, sem contudo deixar de manter a exigência, no que à impugnação da decisão da matéria respeita do cumprimento dos ónus enunciados, numa visão que se perceciona mais completa e concretizada com a indicação da solução alternativa preconizada pelo recorrente, para uma pretendida seriedade na interposição de recurso, com um real fundamento e uma resolução para o mesmo, parecendo ser obvia a finalidade de afastar atividade processual com fim meramente dilatória.

Não deve ser esquecido, como se salientou, a intenção clara de uma justiça material, na qual é dispensada formalidades que pela sua relevância, em termos de proporcionalidade e razoabilidade, surjam como dispensáveis, se da conduta processual do recorrente, resultar de forma clara e inequívoca o que o mesmo pretende com a interposição do recurso.

3 - Necessariamente, como é sabido, a exegese da norma ora em causa não pode ser realizada de modo isolado, impondo-se o atendimento do seu contexto, em termos do conjunto normativo de regulação, dentro do qual aquela realiza determinada função, na respetiva inserção sistemática, e assim do modo em que melhor se harmoniza com os outros preceitos legais, na prossecução da unidade do sistema jurídico.

O proémio n.º 1 e a alínea c), ora sob apreciação, como já amplamente se referenciou, está inserido no artigo 640, que rege o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o qual por sua vez se encontra, em termos sistemáticos no Livro III - Processo de declaração, Título V - Dos Recursos, Capítulo I - Disposições Gerais, do Código de Processo Civil.

Desse modo, impõe-se a respetiva harmonização com os mais ditames no que concerne à admissibilidade do recurso, legitimidade para recorrer, prazos para tanto, bem como as regras no que concerne ao modo de interposição, no que para aqui releva, os recursos interpõem-se por meio de requerimento, devendo conter obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade, artigo 637, n.º 1 e n.º 2, especificando o n.º 1, do artigo 639, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, artigo 639, n.º 1, preceito legal de cariz genérico, reportando-se assim aos recursos onde sejam apenas suscitadas questões de direito, mas também se pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto(57), procedendo à delimitação do objeto do recurso, como avulta do previsto no artigo 635, n.º 3 e 4.

Em conformidade, não surpreende que no artigo 640 não se faça qualquer referência aos aspetos formais, antes enunciados, relevando sim, que sejam dadas essencialmente as indicações previstas na alínea a), na medida em que as mesmas delimitam a atividade de reapreciação junto do Tribunal da Relação, do julgado quanto à matéria de facto.

4 - Não pode, no entanto, ser esquecida a ratio legis, no atendimento dos princípios já enunciados na abordagem do histórico do preceito, que seria despiciendo repisar, mas também, e com eles necessariamente relacionados, os hodiernos vertidos no vigente Código de Processo Civil, caso do princípio da cooperação, enquanto responsabilidade conjunta de todos os intervenientes processuais, numa visão instrumental do processo para a obtenção da solução justa e atempada do litígio, bem como, com as devidas adaptações, o dever da gestão processual na vertente da respetiva adequação, sublinhando a prevalência da matéria em relação à forma, sempre pautados pelo dever de boa-fé, não esquecendo o ónus de alegação, numa pretendida colaboração ativa para a apreciação a realizar pelo Tribunal, inculcada com a inclusão do apontamento da decisão alternativa, e tendo presente a imprescindível consideração da proporcionalidade e razoabilidade que para a causa em concreto seja atendível e se justifique.

Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.

Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador(58), chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso(59), conforme o n.º 1, alínea c) (60) do artigo 640, apresentando algumas divergências ou em sentido não totalmente coincidente, vejam-se os Autores, Henrique Antunes(61), Rui Pinto(62), Abílio Neto(63).

5 - Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.

O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do n.º 1, c), do artigo 640, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas.

6 - No sentido do entendimento explanado, procede-se à indicação dos seguintes arestos:

Acórdão do STJ de 23.02.2010, processo 1718/07.2TVLSB.L1.S1(www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 1.10.2015, processo 6626/09.0TVLSB.L1.A1(www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 14.04.2015, processo 4798/12.5TBVNG.P1.S1 (inédito)

Acórdão do STJ de 19.02.2015, processo 299/05.6TMBGD.P2.S1(www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 21.04.2016, processo 449/10.0TTVFR.P2.S1(www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 2.02.2016, processo 2000/12.9TVLSB.L1.S1(**)

Acórdão do STJ de 21.01.2016, processo 145/11.1TCFUN.L1.S1(www.gsi.pt

Acórdão do STJ de 12.09.2017, processo 4964/14.9T8SNT.L1.S3 (www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 22.11.2018, processo 1781/15.2T8LRA.C1.S1(**)

Acórdão do STJ de 22.05.2018, processo 678/10.7TBPTL.G1.S1 (**)

Acórdão do STJ de 10.05.2018, processo 5105/15.0T8ALM.L1.S1(**)

Acórdão do STJ de 8.02.2018, processo 8440/14.1T8PRT.P1.S1(www.dgs.pt)

Acórdão do STJ de 18.1.2018, processo 201/15.7T8LE.E1.S1 (inédito)

Acórdão do STJ de 19.06.2019, processo 7439/16.8T8STB.E1.S1(www.dsi.pt)

Acórdão do STJ de 26.03.2019, processo 659/11.3TVLSB.L1.S2 (**)

Acórdão do STJ de 19.02.2019, processo 7223/12.8TBSXL.L1.S1(www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 31.01.2019, processo 2344/16.0T8PNF.P1.S1 (**)

Acórdão do STJ de 10.12.2020, processo 274/17.8T8AVR.P1.S1(www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 24.06.2020, processo 6745/17.9T8VNF.G1.S1(www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 18.02.2020, processo 333/17.7T8EPS.G1.S1 (**)

Acórdão do STJ de 9.06.2021, processo 10300/18.8T8SNT.L1.S1 (www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 8.04.2021, processo 1544/16.8T8ALM.L1.S1 (www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 26.01.2021, processo 399/18.2T8PNF.P1.S1 (www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 6.07.2022, processo 3683/20.1T8VNG.P1.S1 (www.gdi.pt)

3.7.1 - Em sentido divergente do prosseguido:

Acórdão do STJ de 15.09.2022, processo 556/19.4T8PNF.P1.S1 (www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 2.02.2022, processo 1786/17.9T8PVZ.P1.S.1 (www.dgsi.pt)* Acórdão do STJ de 13.01.2022, processo 417/18.4T8PNF.P1.S1 (www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 25.03.2021, processo 756/14.3TBPTM.L1.S1(www.dgsi.pt.)

Acórdão do STJ de 2.02.2022, processo 1786/17.9T8PVZ.P1.S1(inédito)

Acórdão do STJ de 11.07.2019, processo 9696/15.8T8VNG.P1.S1(inédito)

Acórdão do STJ de 27.10.2016, processo 3176/11.8TBBCL.G1.S1(www.dgsi.pt)

Acórdão do STJ de 7.07.2016, processo 220/13.8TTBCL.G1.S1 (www.dgsi.pt)

(*) Com voto de Vencida.

(**) Ónus de Impugnação da Matéria de Facto - Jurisprudência do STJ, Assessoria Cível do STJ, Gabinete de Assessores do STJ, sumários de Acórdãos de 2016 a 2022.

4 - Do Acórdão recorrido.

Face ao teor do explanado, e à conclusão chegada, sem mais considerações, por despiciendas, improcede o recurso formulado.

III - Decisão

Em face do exposto, acorda-se em:

- Negar provimento ao recurso da Ré;

- Confirmar o acórdão recorrido;

- Condenar nas custas a Ré.

- Uniformizar a Jurisprudência nos seguintes termos:

Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.

Remeta-se para publicação no Diário da República, 1.ª série.

Lisboa, 17 de outubro de 2023. - Ana Resende (Relatora) - Ana Paula Lobo - Manuel José Aguiar Pereira - Afonso Henrique Cabral Pereira - Isabel Salgado - Jorge Leal - Maria Amélia Ribeiro - Emídio Francisco Santos - Nelson Borges Carneiro (junto declaração de voto) - Rui Manuel Gonçalves - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza - Maria Clara Sottomayor - Maria da Graça Trigo - Pedro de Lima Gonçalves - Lino José Batista Rodrigues Ribeiro - José António de Sousa Lameira - Fátima Gomes - Graça Amaral - Maria Olinda Garcia - Catarina Serra - Oliveira Abreu - Maria João Vaz Tomé (votei vencida de acordo com declaração anexada) - António Magalhães (vencido de acordo com declaração junta) - Ricardo Alberto Santos Costa - José Maria Ferreira Lopes - João Cura Mariano - Manuel Capelo - António Barateiro Martins - Fernando Batista de Oliveira - Luís Espírito Santo - José Manuel Arcanjo Rodrigues.

Declaração de voto.

Sendo impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas - art. 640.º/1/c, do CPCivil.

O recorrente deve indicar pois, a decisão que no seu entender, deva ser proferida sobre a matéria de facto que impugnou.

Ora, exigindo-se que a decisão alternativa resulte de forma inequívoca das alegações, além de se estar a exigir mais ao recorrente do que aquilo que o legislador pretendeu, também a maneira como se deve expressar pode suscitar diversas interpretações.

O que terá assim de constar das alegações de recurso, será a decisão alternativa que deva ser proferida sobre a matéria de facto impugnada e, não a forma como se pretende que o recorrente se expresse para a indicar.

Assim, o acórdão uniformizador deveria ter a seguinte formulação:

"Nos termos do art. 640.º/1/c, do CPCivil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões do recurso a decisão alternativa pretendida, desde que essa indicação seja feita nas respetivas alegações".

Nelson Borges Carneiro

Processo 8433/17.6T8STB.E1-A.S1

(Recurso para Uniformização de Jurisprudência)

Declaração de voto de vencida

Com todo o respeito, voto vencida com os fundamentos apresentados pelo Senhor Conselheiro António Magalhães na sua declaração.

Maria João Vaz Tomé

Voto de vencido

Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).

Por isso se tem entendido, de forma pacífica, que os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC) devem figurar nas conclusões.

Nessa perspectiva, e por uma questão de coerência lógica, entendo que que, revelando-se também essencial para a delimitação do objecto do recurso, a especificação da decisão que, no entender da recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, deve constar igualmente das conclusões, sob pena de estas não reflectirem, de forma suficiente, o objecto do recurso, em toda a sua extensão.

Como assim, teria concluído, de acordo com o acórdão fundamento, que o ónus primário que impende sobre o recorrente de especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, deve ser satisfeito não apenas no corpo mas também nas conclusões da alegação.

Aliás, no mesmo sentido, subscrevi, como adjunto, o acórdão do STJ de 2.2.2022, proferido no processo 1786/17.9T8PVZ.P1.S1, publicado em www.dgsi.pt.

António Magalhães.

(1) "Conclusões elaboradas por esta Relação, a partir das prolixas "conclusões" da Recorrente."

(2) [...] para que o recurso não seja rejeitado, que o apelante inclua, nas conclusões do recurso, os concretos pontos/números da decisão da matéria de facto que considera erradamente decididos, bem como que, também nas conclusões, indique o sentido da decisão que, sobre aqueles pontos/números pretende seja proferida."

(3) "[...] pois o acórdão não teceu qualquer consideração sobre tal matéria - Quiçá por ser tão evidente a falta de razão da ré, como veremos de seguida [...]".

(4) Alega a Recorrente que o entendimento que foi acolhido no Acórdão recorrido quanto à verificação do cumprimento dos requisitos do artigo 640, do CPC, se revelou essencial para a decisão do processo, com a manutenção do Acórdão da Relação que revogou a Sentença que entendera verificada a caducidade dos direitos do Autor, com fundamento no facto n.º 23, que foi julgado não provado na apelação, e assim determinante para a solução final.

(5) Nomeadamente, invocando a deficiência e obscuridade da fundamentação da decisão da matéria de facto, quanto a pontos da mesma apontados.

(6) Código de Processo Civil (nomeadamente nas suas alterações) diploma a que se fará referência, se nada mais for dito.

(7) Cf. Acórdão do STJ de 10.05.2018, processo 2643/12.0TBPVZ.P1.S1, recurso de uniformização de jurisprudência, in www.dgsi.pt.

(8) ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição Atualizada, a fls. 558 e segs menciona que em sede do Recurso de Uniformização de Jurisprudência será defensável que se faça uma interpretação do preceituado no n.º 1 do artigo 688, que respeite a mobilização do Pleno das Secções Cíveis do Supremo e impeça o abuso abusivo deste instrumento, justificando-se uma interpretação restritiva, e apesar de não ser inscrito como fator impeditivo, seja considerada a existência de uma jurisprudência constante no mesmo sentido, conceito a que o CPC não é estranho, constante do artigo 536, n.º 2, b), quanto aos efeitos de uma reversão jurisprudencial. Por sua vez, LEBRE DE FREITAS, RIBEIRO MENDES e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3.ª edição, fls. 284 e segs. considera que a proposta de jurisprudência consolidada do STJ é dificilmente sustentável no quadro da lei vigente. Consubstanciando um conceito diverso do legal [que não o constante do artigo 536, n.º 2, b),] "tendencialmente apto a fundar equivalentes de acórdão uniformizador, que não tendo a apreciação cuidada deste e com alguma margem de subjetivação na apreciação do conceito de consolidação, contribuiria para a rigidez das interpretações judiciais".

(9) Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2021, de 25 de novembro, e respetivas declarações de voto, processo 1132/18.4T8LRA-C.C1.S1-A, in Diário da República n.º 229/2021, Série I de 2021-11-25.

(10) Cf. Ac. STJ de 12.01.2021, processo 817/16.4T8FLG.P1.SA-A, in www.dgsi.pt.

(11) Cf. Ac STJ de 9.03.2021, processo 4359/19.8T8VNF.G1.S1, apud Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, pág. 116/117, in www.dgsi.pt.

(12) Cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, pág. 547 e seg.

(13) Cf. Recursos para uniformização de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, de 6.10.2021, processo 2622/19.7T8VNF-B.G1, de 6.10.2020, processo 765/16.8T8AVR.P1.S1, de 14.01.2020, processo 5633/11.7TBVNG.P2.S1-A, de 28.03.2019, processo 60/13.4TBCUB.E1.S1-A, de 29.01.2019, processo 2303/01.8TVLSB.L2.S1-A, de 10.01.2019, processo 1522/13.9TBGMR.G1.S2-A.

(14) Como à frente melhor será explicitado.

(15) "O Tribunal da Relação entendeu sintetizar as conclusões do A./Apelante, por considerá-las prolixas (conforme se extrai da nota de rodapé n.º 2).

Sintetizar as conclusões não significa substituí-las por outras. As conclusões estão adquiridas nos autos, tal como foram apresentadas, e, se é comum reproduzi-las nos acórdãos, não se impõe que assim seja, sucedendo muitas vezes que se procede a um apanhado das suas linhas fundamentais, maxime quando são demasiado extensas ou repetitivas. O que importa é que o tribunal de recurso trate das questões nelas colocadas e definidoras do objeto do recurso (conforme se dispõe no art. 663.º, n.º 2, do CPC, o acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso). Não há, assim, razões para a revogação de quaisquer aspetos do acórdão só porque, em vez de reproduzir as conclusões, o Tribunal alinhou as questões que entendeu delas resultarem." (Acórdão recorrido).

(16) Por a ali recorrente não ter indicado, com o mínimo de precisão, os factos que entendia deverem ser considerados provados considerando manifestamente insuficiente a alegação de uma outra versão dos acontecimentos, sem indicação, em concreto, dos factos que deveriam ser considerados, "[...] o que torna impercetível os termos em que a Recorrente pretende ver alterada a matéria de facto [...]" concluindo "[...] porque o Recorrente não indicou em termos alguns factos provados devem ser alterados, não cumpriu o ónus imposto pelo artigo 640, n.º 1, c) do CPC, ou seja, o de concretizar em que medida a prova produzida impunha uma decisão diversa sobre os factos da matéria de facto impugnados [...]".

(17) Devendo ser retirados da factualidade provada os consignados sob os números 12, 19, 20, 23, 27, 29, 30, 31, 36, 37, 39, 45, 46, 47, 48, 52 e 54, e julgados provados os constantes dos números 4, 5, 6 e 7, da lista dos factos não provados.

(18) No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considera relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

(19) Cf. Acórdãos do STJ de, 21.03.2019, processo 3683/16.6T8CBR.C1.S2, e de 02.02.2022, processo 1786/17.9T8PVZ.P1.S1, in www.dgsi.pt.

(20) Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição, Vol. I, pág. 798.

(21) Com voto de vencida, in www.dgsi.pt.

(22) "[...] Neste sentido, é praticamente pacífica a doutrina do Supremo Tribunal de Justiça que defende que o recorrente que impugna a decisão de facto tem que fazer constar das conclusões do recurso (não sendo, pois, bastante a sua indicação nas alegações) os concretos pontos da matéria de facto que impugne e, ainda, as respostas alternativas que propõe. [...]" in www.dgsi.pt.

(23) Cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, fls. 38 e seguintes.

(24) Cf. Batista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 189.

(25) Cf. Armindo Ribeiro Mendes, As sucessivas reformas do processo civil português, JULGAR, N.º 16, 2012, Coimbra Editora, fls. 80/81.

(26) Com a alteração produzida pelo Decreto 37047, de 7.09.1948, o tribunal coletivo deixou de intervir nos processos sumários com valor superior ao valor da alçada da comarca, sendo os depoimentos prestados junto do juiz singular escritos, se as partes não prescindissem de recurso.

(27) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pag.359.

(28) Preâmbulo do DL n.º 44129.

(29) "O tribunal coletivo passa deste modo a intervir no próprio processo sumário, quanto a causa esteja fora da alçada da comarca, permitindo a abolição dos demorados - e neste caso injustificados - depoimentos escritos."

(30) Armindo Ribeiro Mendes, in Direito Processual Civil III Recursos, AAFDL, 1982, pág. 318, referia que as Relações quando funcionam como Tribunais de segunda instância, têm competência não só para conhecer questões de direito, mas também de facto em termos limitados, pois não é possível reinquirir as testemunhas ouvidas em primeira instância, consignando: "Os defeitos do nosso sistema estão à vista, não faltando vozes autorizadas [...] que preconizam uma reforma global, com o alargamento de competência dos tribunais de 2.ª instância para reapreciação da matéria de facto (nomeadamente a que toca à prova testemunhal)".

(31) Cf. Armindo Ribeiro Mendes, As sucessivas reformas do processo civil português, fls. 82 e segs.

(32) Ana Luísa Geraldes, in Impugnação e Reapreciação da Decisão da Matéria de Facto, in Obra de Homenagem ao Professor Lebre de Freitas, 2012, fls. 7/8. A consagração legal do registo da prova surge como uma forma de consentir as impugnações da decisão da matéria de facto, eliminando-se, por essa via, os reflexos gravosos de uma decisão de direito magistralmente fundada mas assente num errado julgamento dos factos.

(33) Respetivo Preâmbulo.

(34) Respetivo Preâmbulo.

(35) Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, LEX, Lisboa 1997, 2.ª edição, pág. 26.

(36) Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 27/28.

(37) Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 527.

(38) Abrantes Geraldes in Temas de Reforma do Processo Civil, II Volume, 3.º edição, fls. 265 e segs.

(39) Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 271.

(40) Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª Edição, 2004, Almedina, pág. 468.

(41) Lopes do Rego, obra citada, fls. 584/585.

(42) Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 4.ª Edição, 2003, Almedina, pág. 153.

(43) Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 132/2002, DR, 2.ª série, 29.05.2002 e 403/2002, DR, 2.ª série, de 16.12.2002.

(44) Amâncio Ferreira, obra citada pág. 157

(45) Amâncio Ferreira, obra citada, nota de rodapé, n.º 333, pág. 157

(46) Caso do DL 38/2003, de 8.03, sobretudo no âmbito do processo executivo, para além da criação do regime processual civil de natureza experimental, revogado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, não relevante para a situação sob análise.

(47) Respetivo Preâmbulo.

(48) Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil Novo Regime, Almedina, 2007, fls. 133 e seg.

(49) Salientando que a simplificação das tarefas impostas às partes, afastando o ónus de transcrição, teve como consequência um manifesto aumento do volume de recursos sem justificação substancial, para além do surgimento de entendimentos junto dos Tribunais da Relação, que fundados na impossibilidade de observar o princípio da imediação e da livre convicção, restringiam os seus poderes de sindicância dos concretos pontos da matéria de facto, indicados como julgados erradamente, Abrantes Geraldes, obra acima citada, fls. 136 e seg.

(50) Abrantes Geraldes, obra acima citada., pág. 142.

(51) Maria dos Prazeres Beleza in Julgamento de Facto em 1.ª e 2.ª Instâncias, JURISMAT, Portimão, 2020, n.º 12, pág. 204. Referindo que o CPC de 2013 manteve a regra da livre apreciação da prova, o princípio inquisitório no domínio da prova, o princípio da imediação, reforçou o princípio da adequação formal e adotou o princípio da gestão processual.

(52) Mantendo-se inalterado o sistema monista que tinha sido acolhido na reforma de 2007, bem como o número de recursos extraordinários.

(53) Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes, Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3.ª edição, 2022, Almedina, fls. 98 e seg.

(54) Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição atualizada, 2022, Almedina, fls. 196 e seg.

(55) Cf. Decisão Sumária n.º 256/2021, Processo 627/19, de, 12 de abril de 2021, in TC > Jurisprudência > Decisões Sumárias, acessível in www.tribunalconstitucional.pt, com vasto reporte a arestos no sentido prosseguido.

(56) Consigna-se na Decisão supra referida que o Tribunal Constitucional na procura da densificação do juízo de proporcionalidade, aquando da imposição dos ónus às partes, reconduziu o juízo formulado a três vetores, a justificação da exigência processual em causa, a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus, reportando nesse sentidos os Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.os 197/07, 277/07 e 332/07), sendo tal entendimento transversal a todos os regimes processuais, atribuindo prevalência à tutela jurisdicional efetiva sobre a justiça formal, sob pena de chegarem a consubstanciar-se, como verdadeira denegação de justiça.

(57) Cf. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7.ª edição atualizada, 2022, Almedina, pág. 182

(58) O Tribunal da Relação na reapreciação da matéria de facto pretende alcançar a verdade material, numa autonomia decisória, o princípio que a rege, é o da livre valoração, sempre que a prova não tenha um valor legal ou tarifado, pelo que "[...] o juiz tem de formar uma convicção sobre a verdade ou plausibilidade do facto probando - ou seja, tem de adquirir um estado psíquico de convicção sobre a verdade ou plausibilidade - baseado numa convicção objetiva - isto é, num conjunto de razões que permite afirmar que um facto é verdadeiro ou é plausível [...], Miguel Teixeira de Sousa, in Prova Poderes da Relação e Convicção: a lição de epistemologia, fls. 32 e seg.

(59) Não observa o ónus da fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o apelante que se abstêm de desconstruir a apreciação crítica da prova feita pelo tribunal a quo, limitando-se a assinalar que existem meios de prova em sentido diverso do aceite como prevalente pelo Tribunal a quo, ou o apelante que sustenta apenas que o Tribunal a quo faz uma incorreta valoração da prova produzida.

(60) Referenciando-se também a alínea b), do n.º 1, do artigo 640, que não está aqui em análise.

(61) Henrique Antunes, in Recurso de apelação e controlo da decisão de facto, in Estudos em Comemoração dos Cem Anos do Tribunal da Relação de Coimbra, 2018, Almedina, mencionando nas fls. 82/83: - No rigor das coisas, tendo em conta a função das conclusões [...] o ónus de conclusão deveria compreender as proposições sintéticas relativas ao ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, dado que essa impugnação constitui fundamento do recurso [...] Mas não é essa a orientação do Supremo, que numa interpretação benévola, bona partem, tem sustentado, que as conclusões apenas devem conter os enunciados relativos aos pontos de facto objeto de impugnação e a decisão, que no ver do impugnante, para eles deve ser encontrada pela Relação [...]".

(62) Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, Almedina, fls. 282/283, referindo "[...] o ónus da alínea c), como os restantes, permite ao mesmo tempo, racionalizar o direito ao recurso, reduzindo abusos e coloca sobre o recorrente a tarefa da autorresponsabilidade, restringir o objeto do recurso [...]" alude ainda" [...] Tanto os ónus arrolados no n.º 1, como as exigências do n.º 2 [...] podem ser vistos como uma manifestação especial do princípio da cooperação para a descoberta da verdade [...] pelo que na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640, do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade [...] Por outro lado, esses ónus não podem ser simples manifestação de inconsequente inconformismo, sem mais valia funcional [...]".

(63) Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 5.ª edição, Junho de 2020, fls. 1095 e seg. consignou: "A Jurisprudência encontra-se dividida (sobretudo no concerne ao decidido pelos Tribunais da Relação, de que o Autor dá ampla nota) quanto à (des)necessidade de levar às conclusões do recurso a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, e na hipótese afirmativa, qual o grau de concretização exigível [...] a omissão total nas conclusões ... não pode ter outro sentido que não seja a exclusão voluntária daquela matéria do recurso, impondo-se do enunciado, ainda que muito sintético, dos pontos de facto a reapreciar, ou no mínimo o enunciado da decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, ex vi do disposto atual na atual alínea c) do n.º 1 [...].

117044606

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5547285.dre.pdf .

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  • Tem documento Em vigor 2013-06-26 - Lei 41/2013 - Assembleia da República

    Aprova em anexo à presente lei, que dela faz parte integrante, o Código de Processo Civil.

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