Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 18/2023/A
Sumário: Reforço das medidas para a erradicação do vírus do papiloma humano na população feminina açoriana.
Reforço das medidas para a erradicação do vírus do papiloma humano na população feminina açoriana
A infeção pelo vírus do papiloma humano, conhecida pela sigla anglo-saxónica HPV, é uma das infeções mais comuns transmitidas sexualmente, constituindo um problema de saúde pública pela elevada morbilidade e mortalidade, principalmente na população feminina. Em 80 % a 90 % dos casos o organismo consegue eliminar o vírus após o contágio, mas nos casos de cronicidade, situação bastante comum em doentes infetados pelo HIV ou com outras imunodepressões, a probabilidade de desenvolvimento do cancro do colo do útero, décadas mais tarde, é muito elevada, sobretudo quando estão presentes determinados subtipos do vírus, denominados por genótipos, que são igualmente responsáveis por outros tipos de cancro em homens e mulheres.
Há mais de 200 genótipos de HPV identificados e classificados, consoante o seu potencial oncogénico, como de baixo risco e de alto risco, bem como em genótipos de possível alto risco, de provável alto risco e de risco indeterminado. São 14 os genótipos demonstrados de alto risco, com especial relevância para o 16 e o 18, responsáveis por mais de 99 % dos casos de cancro do colo do útero.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o cancro do colo do útero é o quarto tumor maligno mais frequente no mundo, com cerca de 600 000 novos casos em 2020, dos quais resultaram cerca de 340 000 mortes, a grande maioria em países menos desenvolvidos e com menor acesso a cuidados de saúde. Na Europa foi a oitava neoplasia mais frequente em mulheres, correspondendo a 3 % dos novos casos de cancro em 2018.
Numa investigação levada a cabo pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, estimou-se que 28 % das mulheres portuguesas incluídas no estudo, entre os 14 e os 30 anos e sexualmente ativas, tinham infeção por HPV e, destas, 58 % tinham genótipos de alto risco. Por outro lado, estima-se que em Portugal cerca de 20 % das mulheres entre os 18 e os 64 anos possam estar infetadas por um ou mais tipos de HPV.
Por cada 100 óbitos devidos a tumores malignos registados em 2014, na população feminina portuguesa, dois foram por cancro do colo uterino e quase um quarto dos óbitos por esta neoplasia ocorreram em mulheres com idade inferior a 55 anos. A prevalência do HPV e a mortalidade por esta neoplasia nos Açores não são conhecidas, mas são registados cerca de 20 novos casos anuais.
A prevenção pela educação para a saúde e a vacinação são fundamentais, tal como a citologia do colo uterino, método de referência para o rastreio, apoiada pela biologia molecular e que permite identificar os grupos de risco elevado, aumentando assim a sua eficácia.
Importa realçar que, nos últimos 60 anos, houve uma redução evidente da mortalidade por este tumor na população portuguesa em todos os grupos etários. Este decréscimo foi constante em mulheres mais jovens, enquanto quase estagnou em grupos de idade mais avançada. De acordo com a comunidade científica, a redução da mortalidade deveu-se fundamentalmente à melhoria no acesso aos cuidados de saúde e ao rastreio, mas, ainda assim, Portugal é um dos países da Europa ocidental que tem apresentado as mais elevadas taxas de óbito por esta doença.
A incidência anual mais elevada observa-se em mulheres entre os 40 e os 49 anos, e este indicador tem-se mantido praticamente inalterado desde meados dos anos 80, sendo de esperar uma melhoria futura consequente à inclusão da vacina no plano nacional há mais de uma década, havendo até lá uma franja populacional não protegida e excluída desse plano. Portugal, comparativamente com outros países europeus, apresenta mesmo uma taxa de cobertura vacinal elevada, e, de facto, nos estudos realizados, a vacinação atual, apesar de cobrir apenas nove genótipos, mostrou ser capaz de reduzir a incidência do cancro do colo uterino em 90 %.
Portanto, quer a vacinação como forma de prevenção primária quer o rastreio como forma de prevenção secundária na deteção e tratamento de lesões pré-malignas, de acordo com os especialistas, são custo-efetivos. Estas formas de prevenção estão implementadas na Região, mas o facto de ainda surgirem cerca de 20 novos casos anuais revela uma falha na prevenção secundária, que urge rapidamente combater e que provavelmente se agravou pela pandemia.
Trata-se na maioria dos casos de uma infeção silenciosa até ao aparecimento das complicações. Na génese da doença oncológica está a falência do sistema imunitário em eliminar o vírus e a sua posterior integração no próprio DNA das células do hospedeiro. Note-se bem que, sendo uma infeção localizada, sem invasão da corrente sanguínea, a doença não causa imunidade adquirida após a cura, sendo por isso possível a reinfeção, o que já não sucede após a vacinação.
Apesar da disponibilidade da vacina, há uma parte da população alvo que infelizmente não está totalmente vacinada; acima de determinada idade, essa vacina não está comparticipada pelo serviço de saúde e nem todos têm capacidade monetária para a adquirir e, ainda assim, a atual vacina está longe de cobrir todos os genótipos cujo potencial oncogénico pode vir a estar patente.
Durante o rastreio, quando são detetadas lesões suspeitas, a sua excisão também pode não ser sempre completa, permanecendo, nestas situações, o mesmo risco latente de progressão para a doença oncológica. Por este motivo estão em investigação vacinas com finalidade terapêutica, como adjuvantes à cirurgia, que diferem das profiláticas que são dadas a pessoas ainda não infetadas, no sentido de estimular a imunidade contra as células afetadas.
Como nenhuma vacina foi ainda licenciada para este fim, as tradicionais vacinas profiláticas foram testadas para determinar a sua eficácia na redução da doença oncológica em mulheres com suscetibilidade elevada, seja na prevenção da reinfeção pelo mesmo tipo de HPV seja por tipos diferentes, após o tratamento cirúrgico, com resultados animadores.
Assim, foi recentemente noticiado publicamente que há instituições em Portugal que decidiram, evitando constrangimentos financeiros dos doentes, avançar com a cedência gratuita da vacina em mulheres com o diagnóstico de lesões pré-malignas de alto grau, após a sua extirpação, precisamente para evitar sobretudo a reinfeção e/ou uma nova infeção por outros genótipos que estejam cobertos pela mesma.
Ora, para além da responsabilidade individual de cada cidadão, é uma obrigação do Estado promover a saúde da comunidade através de medidas custo-efetivas, isto é, exequíveis, aceitáveis, comportáveis e com resultados demonstrados em ganhos de saúde. A erradicação do cancro do colo do útero associado ao HPV deve ser uma meta para a Região num horizonte temporal a definir, e todos os esforços devem ser feitos nesse sentido, sem restrições.
Porém, no entender do PAN/Açores, não compete aos partidos políticos nem à Assembleia Legislativa ultrapassar os técnicos em certas matérias de saúde, como seja o assunto em epígrafe. No entanto, cabe-lhes colocar questões a esses mesmos técnicos para que certas decisões políticas possam ser implementadas com a requerida racionalidade, quando têm um impacto relevante no bem-estar dos cidadãos. Neste caso concreto, está em causa a saúde da mulher.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores resolve, nos termos regimentais aplicáveis e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 44.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, recomendar ao Governo Regional o seguinte:
1 - Que seja reforçada a campanha de vacinação completa da atual população alvo da Região, de modo a alcançar os 100 % de cobertura.
2 - Que seja reforçada a cobertura do rastreio do cancro do colo do útero, na Região, em todas as mulheres elegíveis, sabendo que o HPV é causa de praticamente todas as lesões pré-oncológicas que podem ser precocemente detetadas e tratadas, de modo a reduzir significativamente o número de novos casos anuais de doença.
3 - Que seja solicitado à Ordem dos Médicos e, eventualmente, ao colégio da especialidade de ginecologia/obstetrícia um parecer sobre a pertinência da:
a) Cedência de vacinas contra o HPV para mulheres não vacinadas, mesmo acima da idade limite referida no plano regional de vacinação, sem evidência da doença ativa e durante a sua vida sexual ativa;
b) Cedência de vacinas contra o HPV após diagnóstico e tratamento de lesões pré-malignas de alto grau do colo uterino.
Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 10 de março de 2023.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Luís Carlos Correia Garcia.
116328989
Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma Dos Açores 18/2023/A, de 5 de Abril
- Corpo emitente: Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa
- Fonte: Diário da República n.º 68/2023, Série I de 2023-04-05
- Data: 2023-04-05
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Reforço das medidas para a erradicação do vírus do papiloma humano na população feminina açoriana
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