Resolução do Conselho de Ministros n.° 18/93
As sociedades modernas, com as suas características de elevada capacidade de mudança e de inovação, exigem uma Administração Pública activa, atenta e maleável, que seja capaz de acompanhar e enquadrar o ritmo de evolução económica, política e social.
A capacidade de resposta desta nova Administração assenta, em larga medida, nos seus funcionários e agentes, agindo livre e responsavelmente na organização a que pertencem e em articulação e colaboração crescentemente próxima com o corpo social de que fazem parte.
É neste espaço de liberdade individual e colectiva que os valores deontológicos do serviço público assumem uma nova importância e significado, seja pela acentuação de uma dinâmica interna de funcionamento referenciada ao interesse público, seja pelo reforço da credibilidade junto dos cidadãos, seja ainda pela afirmação do espírito de missão e valoração da ideia de serviço público.
A afirmação dos direitos e garantias dos cidadãos que tem norteado a acção governativa em matérias como o Código do Procedimento Administrativo e outras medidas legais tem como pressuposto a existência de valores éticos de serviço público que devem inspirar o comportamento dos funcionários, os quais, embora não expressos, são há muito princípios da função pública que há que explicitar.
A divulgação dos valores do serviço público através da Carta Deontológica do Serviço Público dá assim cumprimento ao Programa do XII Governo; a divulgação dessa Carta Deontológica, integrando os valores essenciais do serviço público e um conjunto de regras de conduta nas relações com os cidadãos, com a própria Administração e com o poder político constitui uma afirmação da consideração e dignidade da função pública e o reconhecimento do eminente valor moral e social do serviço que se presta aos outros.
A divulgação da Carta será acompanhada de acções de formação, encontros e seminários.
Sobre estas matérias foram consultadas as organizações sindicais.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 202.° da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu:
1 - Aprovar a Carta Deontológica do Serviço Público.
2 - Cometer ao Secretariado para a Modernização Administrativa a divulgação e distribuição da Carta Deontológica por todos os serviços da administração central, regional e local.
3 - Determinar a distribuição de um exemplar da Carta Deontológica do Serviço Público a todos os funcionários no acto de posse, quando do seu ingresso na função pública.
Presidência do Conselho de Ministros, 18 de Fevereiro de 1993. - O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
Carta Deontológica do Serviço Público
1 - A nova Administração Pública aberta ao diálogo com os cidadãos, inspirada em valores democráticos de clareza e transparência e empenhada em prestar aos utentes um serviço de qualidade, assenta, em grande parte, nos funcionários públicos.
A acentuação da importância da actividade dos funcionários públicos, porém, não pode esquecer que a tecnicidade e o racionalismo não chegam para dar resposta às exigências com que os funcionários se vêem confrontados; é também necessário que essas qualidades sejam permanentemente inspiradas pelos valores éticos do serviço público, uma vez que não basta «fazer»; importa também «quem» faz e o «modo» como se faz.
Nesta perspectiva, a Carta Deontológica do Serviço Público constitui a síntese dos comportamentos e pretende ser um modelo para a acção do quotidiano, sem esquecer as limitações humanas dos funcionários e o seu desejo constante de aperfeiçoamento e autodisciplina. Trata-se de um guia que, por ser moral, se coloca aos níveis mais elevados de exigência das consciências individuais, isto é, ao nível de auto-avaliação; por isso os deveres éticos ultrapassam os meros deveres jurídicos, deixando para estes as incidências disciplinares e reservando para os primeiros a censura da consciência colectiva.
A adopção da Carta Deontológica é, assim, a afirmação da dignidade dos funcionários públicos que em democracia se encontram ao serviço do Estado e o reconhecimento de que os elevados padrões éticos e de grande isenção que se colocam à sua conduta profissional correspondem ao reconhecimento do eminente valor social do serviço público.
2 - A Carta Deontológica do Serviço Público respeita a todos os que trabalham para a administração pública central, regional e local, sejam eles dirigentes ou detentores de outras categorias; os primeiros, aliás, como responsáveis pela gestão dos serviços públicos, devem criar condições propícias à sua observância.
Baseia-se nos valores considerados fundamentais do serviço público: em primeiro lugar, o serviço público como fim e razão e ser da própria Administração, a legalidade como referência da acção, a neutralidade política, económica e religiosa, a responsabilidade e a competência como atributos do profissionalismo e, finalmente, a integridade como condição de liberdade individual.
Os valores fundamentais do serviço público são concretizados em deveres nos três âmbitos em que os funcionários entram em relação na sua actividade profissional: em primeiro lugar, deveres para com os cidadãos, entendidos em sentido muito amplo que compreenda todas as entidades, individuais e colectivas, que se dirigem à Administração; deveres para com a Administração, envolvendo no mesmo conjunto os deveres para com o serviço público e os deveres para com os colegas e superiores hierárquicos;
finalmente, os deveres para com os órgãos de soberania, os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas e os titulares dos órgãos autárquicos, titulares do poder político com quem os funcionários públicos devem estreitamente colaborar, sem esquecer , porém, a posição privilegiada que nesta matéria não pode deixar de ser assumida pelo Governo, dada a sua qualidade constitucional de órgão superior da Administração Pública.
Assim, a Carta Deontológica do Serviço Público integra as seguintes regras e princípios:
I - Âmbito
1 - Âmbito da Carta Deontológica do Serviço Público - a Carta Deontológica respeita aos funcionários da Administração Pública, Entende-se por funcionários, para efeitos da presente carta, todas as pessoas que trabalham para a Administração Pública com subordinação hierárquica, neles se incluindo os dirigentes de qualquer nível, quer o façam a título permanente ou com carácter transitório.2 - Subsidariedade - a observância da presente Carta Deontológica não impede a aplicação simultânea das regras de conduta próprias que respeitem à actividade de grupos profissionais específicos.
II - Valores fundamentais
3 - Serviço público - os funcionários devem exercer as suas funções exclusivamente ao serviço do interesse público e agir com elevado espírito de missão, com a consciência de que, com a sua actividade, prestam um serviço relevante e socialmente devido aos outros cidadãos. O interesse público deve prevalecer sobre os interesses particulares ou de grupo, no respeito pelos direitos dos cidadãos e dos seus interesses legítimos.4 - Legalidade - os funcionários devem agir em conformidade com a lei e as ordens e instruções legítimas dos seus superiores hierárquicos dadas em objecto de serviço e proceder, no exercício de funções, de modo a alcançar os fins visados na legislação em vigor.
5 - Neutralidade - os funcionários devem, em todas as situações, pautar-se por rigorosa objectividade e imparcialidade, tendo sempre presente que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Os funcionários devem ser isentos nos seus juízos e opiniões e independentes de interesses políticos, económicos ou religiosos nas suas decisões.
6 - Responsabilidade - os funcionários devem adoptar uma conduta responsável que os prestigie a si próprios e ao serviço público, usar de reserva e discrição e prevenir quaisquer acções susceptíveis de comprometer ou dificultar a acção administrativa e a reputação e eficácia da Administração Pública.
7 - Competência - os funcionários devem adoptar, em todas as circunstâncias, um comportamento competente, correcto e de elevado profissionalismo. A qualidade dos serviços que prestam à comunidade e a eficiência no desempenho das suas funções devem ser os atributos principais da acção dos funcionários públicos.
8 - Integridade - os funcionários não podem, pelo exercício das suas funções, aceitar ou solicitar quaisquer dádivas, presentes ou ofertas de qualquer natureza. Em toda a sua actividade, os funcionários devem usar da máxima lealdade nas suas relações funcionais, evitar gerar o descrédito dos serviços públicos e a suspeita sobre si próprios e sobre a Administração Pública e esforçar-se por ganhar e merecer a confiança e consideração dos cidadãos pela sua integridade.
III - Deveres para com os cidadãos
9 - Qualidade na prestação do serviço público - os funcionários devem desenvolver a sua actividade com grande qualidade, transparência e rigor, de modo que as decisões da Administração sejam atempadas, devidamente ponderadas e fundamentadas.10 - Isenção e imparcialidade - os funcionários devem ter sempre presente que todos os cidadãos são iguais perante a lei e gozam do mesmo direito a um tratamento isento e sem favoritismo nem preconceitos que conduzam a discriminações de qualquer natureza.
11 - Competência e proporcionalidade - os funcionários devem agir de modo esclarecido e competente, tendo em vista garantir permanentemente que os direitos e interesses legítimos dos cidadãos são respeitados, que os deveres que lhes são impostos o são em termos justos e em medida adequada e proporcional aos objectivos a alcançar.
12 - Cortesia e informação - os funcionários devem usar da maior cortesia no seu relacionamento com os cidadãos e estabelecer com eles uma relação que, presumindo a sua boa-fé, contribua para garantir com correcção e serenidade o exercício dos seus direitos e o cumprimento dos seus deveres.
Ao mesmo tempo, os funcionários devem assegurar aos cidadãos o apoio, a informação ou o esclarecimento que lhes seja solicitado sobre qualquer assunto.
13 - Probidade - os funcionários não podem solicitar ou aceitar, para si ou para terceiros, directa ou indirectamente, quaisquer presentes, empréstimos, facilidades ou, em geral, quaisquer ofertas que possam pôr em causa a liberdade da sua acção, a independência do seu juízo e a credibilidade da Administração Pública em geral e dos serviços em particular.
IV - Deveres para com a Administração
14 - Interesse público - os funcionários autorizados a exercer funções em acumulação não devem em caso algum comprometer a prevalência do interesse público e a isenção e imparcialidade no exercício de funções nem originar descrédito para o lugar que ocupam ou para a Administração Pública em geral.
15 - Dedicação - os funcionários devem empenhar todos os seus conhecimentos e capacidades no cumprimento das acções que lhes sejam confiadas e usar de lealdade para com os colegas, superiores hierárquicos e funcionários da sua dependência. Nessa medida, os funcionários devem formular propostas e sugestões alternativas sempre que o entendam conveniente, sem prejuízo da obediência às ordens e instruções legítimas dos seus superiores, dadas em matéria de serviço, na perspectiva de que os funcionários estão ao serviço da Administração Pública.
16 - Autoformação, aperfeiçoamento e actualização - os funcionários devem assegurar-se do conhecimento das leis, regulamentos e instruções em vigor e desenvolver um esforço permanente e sistemático da actualização dos seus conhecimentos. Todos os funcionários com responsabilidades de gestão e chefia devem, consequentemente, proporcionar ao pessoal na sua dependência o conhecimento, informação e formação necessários àquele efeito.
17 - Reserva e discrição - os funcionários devem usar da maior reserva e discrição, de modo a evitar a divulgação de factos e informações de que tenham conhecimento no exercício de funções e que se não destinem a ser do conhecimento público. Os funcionários não devem, também, usar dessas informações em proveito pessoal ou de terceiros.
18 - Parcimónia - os funcionários devem fazer uma utilização criteriosa dos bens que lhes são facultados e evitar desperdício. Além disso, os funcionários não devem utilizar, directa ou indirectamente, quaisquer bens públicos em proveito pessoal, nem permitir que qualquer outra pessoa deles se aproveite à margem da sua utilização oficial.
19 - Ponderação exclusiva do serviço público - os funcionários não devem usar para fins e interesses particulares a posição dos seus cargos e os seus poderes funcionais.
20 - Solidariedade e cooperação - os funcionários devem manter e cultivar um relacionamento correcto e cordial entre si de modo a desenvolver o espírito de equipa e um forte espírito de colaboração. Nessa perspectiva, os funcionários devem esforçar-se por promover a solidariedade entre todos e um saudável espírito crítico.
V - Deveres para com os órgãos de soberania, órgãos de governo
próprio das Regiões Autónomas e órgãos das autarquias locais.
21 - Zelo e dedicação - os funcionários devem, independentemente das suas convicções políticas ou ideológicas, agir com eficiência e objectividade e esforçar-se por dar resposta às solicitações dos órgãos da Administração a que estão afectos. Do mesmo modo, devem procurar dar satisfação às solicitações das entidades às quais compete constitucionalmente zelar, proteger e assegurar os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos previstas na Constituição e nas leis.
22 - Lealdade - os funcionários devem esforçar-se por na sua esfera de acção exercer com lealdade as políticas definidas pelo Governo da República, pelos governos das Regiões Autónomas e pelos órgãos das autarquias locais nos seus respectivos âmbitos, procurando interpretar correctamente as políticas definidas.
23 - Informação aos superiores hierárquicos - os funcionários devem informar os seus superiores através da cadeia hierárquica acerca do impacte das medidas adoptadas e habilitá-los com todas as informações necessárias à tomada de decisões, bem como ao seu acompanhamento e avaliação