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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 4/2020, de 7 de Outubro

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Sumário

Acórdão do STA de 07 de Maio de 2020 no Processo n.º 19/19.8BESNT-A. Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos: «A partir de 1 de setembro de 2016 e para as ações executivas que vierem a ser instauradas em juízo desde aquela data, «ex vi» dos arts. 04.º, n.º 1, als. l) e n), do ETAF, 157.º, n.º 5, do CPTA, 61.º e 89.º do DL n.º 433/82, de 27/10, 15.º, n.º 5, do DL n.º 214-G/2015, de 2/10, cabe à jurisdição administrativa a competência para a execução jurisdicional das decisões administrativas que, por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, hajam aplicado coimas e tenham estas sido alvo ou não de impugnação»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2020

Sumário: Acórdão do STA de 07 de Maio de 2020 no Processo 19/19.8BESNT-A. Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos: «A partir de 1 de setembro de 2016 e para as ações executivas que vierem a ser instauradas em juízo desde aquela data, «ex vi» dos arts. 04.º, n.º 1, als. l) e n), do ETAF, 157.º, n.º 5, do CPTA, 61.º e 89.º do DL n.º 433/82, de 27/10, 15.º, n.º 5, do DL n.º 214-G/2015, de 2/10, cabe à jurisdição administrativa a competência para a execução jurisdicional das decisões administrativas que, por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, hajam aplicado coimas e tenham estas sido alvo ou não de impugnação».

Acórdão do STA de 7 de Maio de 2020 no Processo 19/19.8BESNT-A

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1 - O MINISTÉRIO PÚBLICO, exequente na ação executiva para pagamento de coima e de custas, inconformado com o Acórdão proferido nos presentes autos pelo TCAS, em 21.03.2019, que negou provimento ao recurso interposto da decisão do TAF de Sintra, de 5.2.2019, que se declarara incompetente em razão da matéria para conhecer o processo de execução contra A..., por considerar competente a jurisdição comum (criminal), veio, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, apresentar recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, indicando como acórdão fundamento o proferido no mesmo TCAS, em 19 de abril de 2018, processo 368/17.0BESNT.

2 - Para tanto conclui as suas alegações de recurso da seguinte forma:

«- I - Mostram-se reunidos os pressupostos legais de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência previstos no artigo 152.º do CPTA, dado que o acórdão recorrido se encontra em oposição com o proferido pelo TCA Sul em 19/4/2018, no Proc. n.º 368/17.0BESNT, sendo idênticos os elementos de facto e de direito das situações apreciadas.

- II - A "propositura de uma causa", referida no artigo 5.º do ETAF, pressupõe necessariamente a apresentação, perante um tribunal, de um requerimento ou articulado que virá a ser sujeito a apreciação, pelo que, não se iniciando o processo contraordenacional perante um tribunal, mas sim numa autoridade administrativa, não faz sentido falar-se em "propositura" do processo contraordenacional.

- III - Só no momento em que dá entrada em juízo, quer um recurso de impugnação da decisão de aplicação de coima, quer uma execução de coima não impugnada, é que se pode falar de uma "causa" para os efeitos previstos no artigo 5.º do ETAF.

- IV - Tendo a presente execução dado entrada em juízo em 7/1/2019, é esta a data atendível para a fixação da competência do tribunal, que, nessa data e nos termos das disposições conjugadas dos artºs 61.º e 89.º do DL 433/82 e artigo 4.º n.º 1 alínea l) do ETAF, estava já atribuída aos tribunais da jurisdição administrativa desde 1/9/2016.

- V - A admitir-se, por hipótese, que a abertura do processo contraordenacional, antes de 1/9/2016, constitui a propositura de uma causa, que então cabia aos tribunais judiciais, a situação ficaria então sujeita ao disposto no artigo 38.º n.º 2 da LOFTJ, sendo relevante a modificação de direito operada no domínio da competência material, pelo artigo 4.º n.º 1 alínea l) do ETAF, uma vez que veio a ser atribuída aos tribunais administrativos a competência de que inicialmente careciam para o julgamento da causa - e desse modo a solução da questão em causa seria igualmente a de que a competência caberia aos tribunais administrativos.

- VI - Independentemente da data em que se verificou a contraordenação, se à data da entrada em juízo da execução já a competência para a impugnação da coima cabia, nos termos do artigo 4.º n.º 1 alínea l) do ETAF, à jurisdição administrativa, - como sucede no caso dos autos - é também esta a competente para tramitar a execução, como resulta das disposições conjugadas dos artºs 61.º e 89.º do DL n.º 433/82.

- VII - Assim tem decidido uniformemente o Tribunal de Conflitos, em situações idênticas à dos presentes autos, nomeadamente nos acórdãos proferidos em 28/9/2017 e 8/2/2018, respetivamente nos recursos n.os 024/17 e 066/17, cujas contraordenações ocorreram em datas anteriores a 1/9/2016- tal como também se decidiu no acórdão fundamento supra referido.

- VIII - Não tendo assim decidido, violou o douto acórdão recorrido, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artºs 4.º n.º 1 al. l), 5.º e 157.º

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro em que se decida atribuir a competência para a presente execução ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, uniformizando-se a jurisprudência nos termos enunciados na conclusão VI das presentes alegações.

Assim farão V. Exas. a necessária Justiça!»

3 - O TCAS, por despacho de 27.06.2019, ao abrigo do art. 249.º, n.º 2 CPC, considerou notificada a executada do acórdão aí proferido.

4 - O TCAS procedeu ao envio de notificação da interposição do presente recurso para a morada da recorrida, para, querendo, contra-alegar (despacho de 5.9.2019), a qual veio devolvida, não tendo sido apresentadas contra-alegações.

5 - Com dispensa de vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II. O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

«1 - No dia 11 de janeiro de 2016, a arguida mantinha em funcionamento, no n.º ..., da Av.ª ..., ..., um estabelecimento de lar de idosos, denominado "...", em desacordo com o alvará de licença de utilização n.º 149, que possui.

2 - O alvará de licença de utilização n.º 149, de 29 de março de 1993, determina um uso habitacional do imóvel situado no n.º ..., da Av.ª ..., ..., conforme prova documental junto aos autos de contra ordenação, que integram a participação interna;

3 - Em 26 de janeiro de 2017, a arguida, na qualidade de arrendatária do imóvel em questão, deu entrada nos serviços competentes da Câmara Municipal de Cascais, do processo com vista à realização de obras e, consequentemente, alteração do uso habitacional, que obteve o SPO (Sistema de Processo de Obra) n.º 158/2017;

4 - Consultado o processo informático SPO n.º 158/2017, resulta que o procedimento administrativo mereceu, em 22 de setembro de 2017, proposta de rejeição liminar e posterior arquivamento, face ao teor desfavorável da apreciação técnica do Departamento de Urbanismo do Município de Cascais, conforme prova documental junta com o registo EX-13-2018;

5 - Da consulta ao processo informático SPO n.º 158/2017, mais resultou que, em 25 de setembro de 2017, por despacho do senhor Vereador do pelouro, foi proferida decisão final de indeferimento, conforme prova documental junto ao processo de contraordenação com o registo Ex-13-2018;

6 - Da consulta ao processo informático SPO n.º 158/2017, não resultou que a arguida tivesse dado entrada de novo processo administrativo com vista à alteração do uso habitacional do n.º ..., da Av.ª ..., ..., no qual explora um lar de idosos, denominado "...";

7 - A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, com pleno conhecimento do carácter ilícito dos seus atos, agindo com intenção de os realizar;

8 - Não são conhecidos antecedentes contraordenacionais à arguida;

9 - Com a prática da contraordenação a arguida retirou um benefício económico.

[e deu como provados ainda os factos dados como não provados pela 1.ª instância]:

- Que a arguida não tivesse conhecimento que o imóvel no qual explorava um lar de idosos não possuía a autorização de utilização necessária para o efeito;

- Que a arguida possua presentemente a autorização de utilização para prestação de serviços do imóvel onde explora um lar de idosos.

- Em 4/04/2018 foi emitido Aviso de Pagamento pela CMC, que a arguida não pagou, pese embora terem sido efetuadas diligências - fls. 70 e ss.

- Por ofício de fls. 2-b) de 19 de dezembro de 2018, foram os autos remetidos ao Ministério Público junto deste Tribunal Administrativo, nos termos do artº 89º do DL n.º 433/82, 27/10, para execução da coima e custas.

- Em 7/01/2019, o Ministério Público deu entrada em juízo ao requerimento de execução de coima e custas de fls. 2, por si elaborado, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.»

II. O Acórdão fundamento, proferido no Processo 368/17, não especificou matéria de facto antes reproduzindo a fundamentação da decisão recorrida devendo salientar-se que o processo de execução para pagamento de coima aí em causa foi instaurado pelo MP em 15/03/2017

O DIREITO

O MP vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência da decisão do TCAS de 21/3/2019, proferida nestes autos, alegando existir oposição entre a mesma e o acórdão fundamento, proferido também pelo TCAS, no Proc. n.º 368/17.0BESNT, em 19-04-2018, quanto à questão da competência do tribunal.

Para tanto alega existir identidade da questão decidida (competência para conhecer de execução de coima em matéria urbanística instaurada após 01/09/2016) e contradição relativamente à mesma entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento invocado já que enquanto o acórdão recorrido entendeu serem competentes os tribunais judiciais o acórdão fundamento entendeu serem antes os tribunais administrativos os competentes.

O recurso de uniformização de jurisprudência tem de obedecer aos requisitos cumulativos de admissão previstos no art. 152.º, n.º 1, alínea b) e 3 do CPTA como sejam:

i) que exista contradição entre acórdãos dos TCA's ou entre acórdão daqueles Tribunais e acórdão anteriormente proferido pelo STA;

ii) que ocorra contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;

iii) que se verifique o trânsito em julgado de ambos os acórdãos, recorrido e fundamento;

iv) que não haja conformidade entre a orientação perfilhada no acórdão impugnado e jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

Vejamos se ocorre uma efetiva contradição de julgados relativa à mesma questão fundamental.

No caso dos autos o acórdão recorrido entendeu que o TAF de Sintra era incompetente para conhecer da execução para pagamento de coima no âmbito do direito do urbanismo fixada pela CM de Cascais em 29/03/2018 com o fundamento de que apesar de esta ter sido instaurada já na vigência do atual ETAF, em 7/1/2019, constitui a última fase do processo de contraordenação, o qual foi instaurado em momento anterior a 1/9/2016, quando os TAF's não eram competentes para apreciar tais impugnações ou execuções, mas antes os tribunais judiciais.

No acórdão fundamento entendeu-se que sendo o TAF o competente, em razão da matéria, para conhecer da impugnação judicial da decisão que aplica a coima no âmbito do ilícito de mera ordenação social, por violação de normas em matéria de urbanismo, atenta a data em que é notificado o MP para eventual impugnação, posterior a 1/09/2016, também será o competente para a execução da coima, por aplicação da regra do art. 89.º, n.º 1, do DL n.º 433/82.

Esteve sempre pressuposto no mesmo acórdão que o TAF seria o competente para o conhecimento de impugnação judicial instaurada após 1/09/2016.

A questão que se colocava era o facto de ter sido interposta execução da mesma sem prévia impugnação.

E aí, o acórdão fundamento conclui que:

«Pelo que acatamos agora a conclusão a que o Tribunal de Conflitos chegou nos seus supra citados acórdãos, de que a jurisdição administrativa e fiscal, competente para conhecer do recurso da impugnação judicial da decisão de aplicação de coima, é também a competente para a execução da mesma coima, bem como a respetiva fundamentação, a que aderimos.»

Mas, nem por isso, podemos deixar de dizer que em ambos os casos está em causa uma execução por coima no âmbito do direito do urbanismo instaurada já na vigência do ETAF na redação dada pelo DL n.º 214-G/2015 e que entrou em vigor em 1/09/2016 quanto a tal matéria.

E que, em ambos os casos não ocorreu impugnação judicial da coima aplicada, tendo apenas sido instaurada a execução da coima.

No entanto, enquanto o acórdão recorrido entendeu que era irrelevante a data da instauração da execução por a mesma constituir a última fase do processo de contraordenação, sendo antes relevante a data de instauração deste, que ocorreu em momento anterior a 1/9/2016, o acórdão fundamento entendeu que o momento relevante para aferir da competência dos tribunais seria o momento da possível impugnação judicial da coima aplicada pela entidade administrativa, ainda que a mesma não tenha ocorrido, antes sendo apenas instaurada a execução.

Ou seja, de que sendo a jurisdição administrativa e fiscal a competente para conhecer do recurso da impugnação judicial da decisão de aplicação de coima, é igualmente competente para a execução da coima face aos arts. 89.º, n.º 1, e 61.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27/10.

Mas, esteve sempre como pressuposta a competência dos tribunais administrativos e fiscais para uma impugnação interposta após aquela data de 1/09/2016.

Na verdade estava em causa uma execução instaurada pelo MP em 15/3/2017, portanto muito posterior a 1/09/2016.

Podemos, assim, dizer que existe contradição entre o acórdão recorrido e acórdão fundamento entre o momento a considerar para efeitos de competência do tribunal quando está em causa uma contraordenação no âmbito do direito do urbanismo atendendo aos mesmos preceitos legais, ou seja, os artºs 4.º n.º 1 alínea l) e 5.º do ETAF e 157.º do CPTA pelo que a contradição é sobre a mesma questão fundamental de direito, tendo ocorrido o trânsito em julgado dos acórdãos recorrido e fundamento.

Atenhamo-nos agora a resolver a referida questão.

Resulta do artigo 5.º do ETAF, de conteúdo análogo ao artigo 38.º da Lei da Organização e Funcionamento do Sistema Judiciário - Lei 62/2013, de 26 de agosto, - que "a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito ocorram posteriormente".

A questão será, pois, determinar qual o momento da propositura da causa.

Sobre esta questão o Tribunal de Conflitos tem-se pronunciado reiteradamente no sentido de que o "elemento de conexão" relevante para se determinar, no tempo, a competência em razão da matéria na situação dos autos, consiste na data da apresentação em juízo, pelo Ministério Público, dos autos de contraordenação e do respetivo recurso (entre outros os Acórdãos de 28.09.2017, proferidos nos Processos n.os 24/17 e 26/17 e de 09.11.2017, proferidos nos Processos n.os 12/17, 22/17, 33/17, 34/17, 35/17, 37/17, 39/17 e 42/17.).

Extrai-se do acórdão do Tribunal de Conflitos de 28.09.2017 - Proc. n.º 24/17 que:

"(...) O presente assunto respeita à impugnação judicial de um ato camarário aplicador, em Abril de 2016, de uma coima por contra-ordenações cometidas em 2010 e advindas da ofensa de normas jurídico-administrativas sobre urbanismo. A competência material para julgar tais recursos localizava-se na jurisdição comum. Contudo, a última redacção do art. 4.º, n.º 1, alínea l) do ETAF veio inovadoramente atribuir à jurisdição administrativa a competência para apreciar «as impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo». E o art. 15.º, n.º 5, do DL n.º 214-G/2015, de 2/10, estabeleceu que essa alínea l) entraria em vigor no dia 1 de Setembro de 2016.

Temos, portanto, que a competência para julgar os recursos dos atos aplicadores de coimas «em matéria de urbanismo» coube aos tribunais judiciais até 31/8/2016 e transitou para os tribunais administrativos a partir de 1/9/2016, inclusive. Todavia, o legislador do DL n.º 2014-G/2015 nada disse quanto ao elemento de conexão operatório na fixação da competência material. Esse silêncio propicia um desencontro de opiniões - e os subsequentes conflitos - de modo que não surpreenderá que aquela data de 1/9/2016 surja futuramente reportada às datas de acontecimentos diversos e, «maxime», às seguintes: à da infração, à do ato sancionatório, à do recurso de impugnação, à da entrada do recurso nos serviços do M.P. (art. 62.º do DL n.º 433/82) ou, por último, à da apresentação, pelo M.P., do processo de contra-ordenação (e do respectivo recurso) no tribunal que o julgará. E, «in casu», reparamos que os tribunais donde emana o conflito adoptaram duas dessas cinco possibilidades, pois o TAF perfilhou a terceira e o tribunal judicial a quinta.

Busquemos, pois, o elemento decisivo para, face à sucessão da competência no tempo, se ativar o art. 4.º, n.º 1, al. l), do ETAF.

«Ante omnia», é de assinalar a irrelevância da data da infração. Esta importa quando se visa determinar a competência dos tribunais em matéria penal (art. 32.º, n.º 9, da CRP). Mas isso corresponde a uma das «garantias do processo criminal» («vide» a epígrafe desse art. 32.º), não se justificando que essa específica cautela se estenda aos processos de contra-ordenação - cujos arguidos recebem, no n.º 10 do mesmo artigo, uma tutela mais ténue.

Também não se vê por que motivo a competência material «in judicio» - para julgar os recursos interpostos nos processos de contra-ordenação - haveria de se reportar à data do ato punitivo ou à da interposição do recurso que o atacasse. Com efeito, a emissão da pronúncia sancionatória e o oferecimento do recurso ocorrem no âmbito da Administração; e não existe qualquer norma ou princípio jurídico donde flua uma vinculação da competência do tribunal a esses acontecimentos prévios. Assim, as considerações de ordem prática que o Sr. Juiz do TAF emitiu em abono da sua tese, embora equilibradas, não corporizam um critério que, por si só, resolva o assunto.

Em geral, o art. 38.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26/8) dispõe que a competência dos tribunais se fixa no momento em que a Ação se propõe; e o art. 5.º do ETAF diz basicamente o mesmo. Ora, nas causas regidas pelo processo civil (que abrangem as previstas no CPTA), o momento da propositura da causa está bem marcado: é o da entrada da petição na secretaria (art. 259.º, n.º 1, do CPC) - facto iniciador da instância e que fixa, quase sempre irreversivelmente, a competência do tribunal.

Esta regra - a de que a competência só verdadeiramente se determina, estabelece ou fixa com a entrada do feito em juízo - é corrente entre nós. E corresponde, aliás, à solução tradicional - «ubi acceptum est semel judicium, ibi et finem accipere debet».

Na medida em que estabelece uma fixidez irreversível da competência, a regra tem por primordial função tornar irrelevantes, no processo em curso, quaisquer modificações ulteriores da lei nesse campo. Todavia, e embora voltada para a prevenção dessas hipotéticas alterações futuras, não deixa a regra de acessoriamente dizer algo quanto ao momento relevante para se determinar o «terminus a quo» da competência. Se esta se estabelece ou fixa num momento objectivo - o da propositura da causa «in judicio» - devemos logicamente ligar o início dessa competência, tida pela regra como perdurável no tempo, à mesma ocasião; pois dificilmente se compreenderia que a competência de um tribunal antecedesse o evento escolhido pela lei para a sua fixação.

Portanto, no caso «sub specie» e em todos os similares, o facto jurídico relevante para se aferir se a competência «ratione materiae» incumbe à jurisdição comum ou à administrativa há-de ser a data da entrada do processo impugnatório no tribunal.

Mas há que resolver uma derradeira dúvida: se tal entrada é a ocorrida nos serviços do M.P. ou a que o M.P. subsequentemente promova - valendo esse seu ato «como acusação» - para afectar o processo à titularidade de um juiz.

Ora, esta segunda alternativa é a correta. Só com aquela iniciativa do M.P., que vale como acusação, ocorre algo assimilável à propositura da ação ou da causa - e já sabemos que este acontecimento é encarado pelas leis de organização judiciária como o que decisivamente marca a competência do tribunal. Aliás, só então se iniciará a instância do recurso - conceito que, embora sem consagração legal, é usado por comodidade no foro e normalmente com o sentido de que tal instância só deveras se abre com a chegada dos autos ao tribunal «ad quem». Assim, o facto decisivo na resolução do presente conflito consiste no momento em que o M.P. apresentou ao Sr. Juiz da Instância Local Criminal de Sintra o processo e o recurso de contra-ordenação. E, ao afirmá-lo, mantemo-nos na linha de outro acórdão deste tribunal - que foi proferido em 1/6/2017, no Conflito n.º 5/2017 - em que se tomou um facto análogo como o determinante da competência.

Consequentemente, o despacho emitido pelo Mm.º Juiz da Instância Local de Sintra está correto. Só em 16/9/2016 o M.P. desse foro tomou a iniciativa de apresentar o processo de contra-ordenação ao Sr. Juiz; só então, portanto, o processo judicial se iniciou. Mas, nessa data, a competência «ratione materiae» para julgar o pleito já fora transferida para a jurisdição administrativa - conforme acima vimos."

Entendimento que veio também a ser seguido no Ac. do Tribunal de Conflitos de 08.02.2018 - Proc. n.º 66/17 para o qual remete, e que acrescenta:

«[...] aqui não está em causa a competência para conhecer do recurso de impugnação da decisão administrativa que aplicou a coima por infração às regras do urbanismo.

O que está aqui em causa é a competência para conhecer da execução da coima aplicada por violação de regras de urbanismo.

Tal como defende o Digno Magistrado do Ministério Público, a competência para conhecer do hipotético recurso de impugnação da decisão administrativa em causa - atenta a data da notificação da decisão a impugnar e a da eventual entrada em juízo da hipotética impugnação - pertenceria aos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Por isso, a competência para a execução da coima resultante do hipotético indeferimento da referida impugnação pertenceria aos mesmos Tribunais Administrativos, ao abrigo do disposto no art. 157.º, n.º 5 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.

Daqui resulta que a competência para a execução da mesma coima aplicada sem impugnação, naturalmente tem de pertencer aos mesmos tribunais administrativos.

Este entendimento resulta também da aplicação do referido n.º 5 do art. 157.º, por estar aqui em causa um título executivo que foi produzido no âmbito de uma relação jurídico-administrativa, por decorrer de uma violação de normas administrativas no âmbito do urbanismo - violação esta cuja coima-sanção seria impugnável nos Tribunais Administrativos e Fiscais, como já vimos.

Deste modo, no caso em apreço, a competência em razão da matéria para conhecer da presente execução pertence ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal de Conflitos em resolver o presente conflito negativo de jurisdição, atribuindo a competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.»

É, pois, entendimento do Tribunal de Conflitos, que se subscreve, que o momento relevante para aferir da competência de impugnações judiciais de atos aplicadores de coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo é o da apresentação em juízo, pelo MºPº, dos autos de contraordenação e do respetivo recurso, sendo que, a partir de 01.09.2016, nos termos dos arts. 4.º, n.º 1, al. l), do ETAF, e 15º, n.º 5, do CPTA (DL 214-G/2015, de 02.10), a competência pertence à jurisdição administrativa.

E que, por isso, esse momento não se reporta ao início do processo contraordenacional, que ocorre perante uma autoridade administrativa, mas antes à entrada em juízo, quer se trate um recurso de impugnação da decisão de aplicação de coima, quer da execução para pagamento de coima.

Na verdade e face ao n.º 5 do art. 157.º do CPTA por estar aqui em causa um título executivo que foi produzido no âmbito de uma relação jurídico-administrativa, violação de normas administrativas no âmbito do urbanismo, a competência para a execução da mesma pertencerá aos tribunais administrativos.

Ou seja, quer se trate da entrada em juízo de uma ação de impugnação de coima quer se trate de uma ação de execução para pagamento de coima em matéria de direito do urbanismo, a partir de 1/9/2016, e «ex vi» dos arts, 4.º, n.º 1, al. l), e 15.º, n.º 5, do ETAF da redação dada pelo DL n.º 214-G/2015, de 2/10, a competência pertencerá à jurisdição administrativa.

No caso sub judice a petição executiva deu entrada em 7/1/2019, pelo que pertence ao TAF de Sintra a competência para dela conhecer.

Em face de todo o exposto acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste STA em

a) Conceder provimento do recurso, revogar a decisão recorrida e julgar o TAF de Sintra o competente para os presentes autos de execução.

b) Fixar Jurisprudência nos seguintes termos:

«A partir de 1 de setembro de 2016 e para as ações executivas que vierem a ser instauradas em juízo desde aquela data, 'ex vi' dos arts. 04.º, n.º 1, als. l) e n), do ETAF, 157.º, n.º 5, do CPTA, 61.º e 89.º do DL n.º 433/82, de 27/10, 15.º, n.º 5, do DL n.º 214-G/2015, de 2/10, cabe à jurisdição administrativa a competência para a execução jurisdicional das decisões administrativas que, por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, hajam aplicado coimas e tenham estas sido alvo ou não de impugnação.»

Sem custas.

R. e N.

Lisboa, 7 de Maio de 2020. - Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) - Maria do Céu Dias Rosa das Neves - Cláudio Ramos Monteiro - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Jorge Artur Madeira dos Santos - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz - Maria Benedita Malaquias Pires Urbano.

113600478

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4270135.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2013-08-26 - Lei 62/2013 - Assembleia da República

    Estabelece as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário - Lei da Organização do Sistema Judiciário.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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