Resolução do Conselho de Ministros n.º 23/87
O tráfico ilícito e o uso indevido de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas surgiram em Portugal, com importância significativa e assinalável amplitude, no início dos anos 70.
Ao longo da década, adensou-se a generalizada preocupação perante um flagelo que, entre nós, como na generalidade dos países, tarda em ser vencido e em denotar, sequer, consistentes indícios de retrocesso.
De facto, recorrendo a alguns indicadores indirectos - únicos que facultam o conhecimento, ainda que aproximado, da dimensão de um fenómeno deste tipo -, inevitavelmente se concluirá que a situação inspira sérios cuidados: bastará referir a circunstância de haver quadruplicado, nos últimos cinco anos, o número de presumíveis traficantes detidos ou identificados (148 em 1982 e 597 em 1986) e de haver quase quintuplicado o volume das drogas apreendidas (cerca de 1,2 t e de 5,7 t, respectivamente em 1982 e 1986).
Por conseguinte, admitindo embora que grande parte dela se destina a transitar para outros países, a droga tem vindo a ser crescentemente introduzida no território nacional, sendo diversificada a sua origem, variados os locais de entrada e diferentes os circuitos utilizados para a sua cada vez mais alargada distribuição interna.
Acresce, como suplementar motivo de preocupação, que ao aumento de droga introduzida em Portugal tem vindo a associar-se uma não menos inquietante alteração qualitativa, traduzida na apreensão, em volume cada vez mais significativo, das chamadas drogas «duras» (cerca de 0,75 kg de heroína em 1982 e 18,8 kg em 1986; cerca de 4,3 kg de cocaína em 1982 e 164,6 kg em 1986).
São desastrosos, para os indivíduos e para a comunidade, os prejuízos decorrentes desta situação, sabido como é que a droga mina, degrada e corrompe, não apenas a saúde (física e mental) de cada toxicómano, mas - através do tráfico, da prostituição, do roubo e da corrupção - a robustez do próprio tecido social e o vigor das suas instituições.
Porque assim é, consciente da enorme complexidade do problema, o Governo assume o firme propósito de desenvolver um amplo e coerente conjunto de iniciativas, susceptíveis de contribuir para inverter a tendência, estatisticamente comprovada, de progressivo agravamento da situação.
A execução das acções a empreender impõe a necessidade de uma adequada articulação interdepartamental, no sentido de responder às questões colocadas nas três vertentes que devem integrar um plano de luta contra a droga: a informação e sensibilização do cidadão, o tratamento, reabilitação e inserção social do toxicómano e o combate ao tráfico.
Deste modo, sob a coordenação do Ministro de Estado, participarão no seu desenvolvimento os Ministérios da Defesa Nacional, das Finanças, da Administração Interna, da Justiça, dos Negócios Estrangeiros, da Educação e Cultura, da Saúde e do Trabalho e Segurança Social e a Secretaria de Estado da Juventude.
Nestes termos:
O Conselho de Ministros, reunido em 31 de Março de 1987, resolveu aprovar um plano integrado de combate à droga, contemplando as seguintes medidas:
A) Acções no domínio da prevenção da toxicomania
1 - Desenvolvimento de um plano de prevenção em meio escolar visando os seguintes objectivos:
1.1 - Introdução, nos programas escolares, de conteúdos respeitantes ao consumo de droga, ao alcoolismo, ao tabagismo e ao uso indevido de medicamentos;
1.2 - Introdução de tais matérias nos programas de formação - inicial e contínua - dos professores do ensino básico e secundário;
1.3 - Formação de equipas de prevenção em meio escolar.
2 - Formação de operadores de prevenção, mediante a realização de cursos e seminários, destinados a associações de pais e estudantes, professores, animadores juvenis, técnicos de saúde (nomeadamente médicos de clínica geral), monitores de formação profissional e graduados das Forças Armadas.
3 - Acções de informação destinadas ao público, em especial aos jovens e aos pais: difusão de esclarecimentos - com recurso à televisão, rádio, imprensa escrita e outros meios adequados -, tendo em vista a sensibilização de largos sectores da população até agora privados de informação bastante a respeito da droga, das razões que determinam o seu consumo, dos perigos que envolve e das estruturas e modalidades de apoio disponíveis.
4 - Como entidades mais claramente habilitadas para uma adequada divulgação do material informativo, serão privilegiadas as escolas, as associações de estudantes e de pais, os centros de saúde e as farmácias, as instituições religiosas, as autarquias, os sindicatos e os quartéis.
5 - Com o propósito de prevenir a propagação da SIDA entre os toxicómanos, este grupo de risco será objecto de particular atenção no que respeita à divulgação de esclarecimentos sobre os perigos de transmissão da doença.
6 - Realização de acções de sensibilização para os problemas ligados ao uso/abuso de droga, destinadas aos profissionais de comunicação social, em colaboração com as respectivas associações de classe.
7 - Desenvolvimento, nomeadamente nas zonas urbanas e suburbanas mais carenciadas, de programas de ocupação de jovens em risco, proporcionando-lhes o exercício de actividades e iniciativas próprias que os motivem para o interesse colectivo e para o aproveitamento salutar e útil dos seus tempos livres.
8 - Acções de sensibilização e informação para estudantes do ensino superior.
9 - Criação de um serviço telefónico especial e gratuito para prestação imediata de esclarecimentos genéricos, despiste de problemas e seu encaminhamento para os serviços competentes.
B) Acções no domínio do tratamento, reabilitação e inserção social dos toxicómanos
10 - Reestruturação dos serviços do Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, no propósito de obter uma maior cobertura de todo o território, prevendo-se a abertura de novos centros ou núcleos de intervenção directa.
11 - Entrada em funcionamento de uma unidade hospitalar de emergência para toxicómanos e aproveitamento de parte das suas instalações para o estabelecimento de um serviço de desintoxicação e de um centro de atendimento, a tempo inteiro.
12 - Reforço da colaboração entre o Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga e a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, por forma a poder garantir, também, o atendimento dos toxicómanos em estruturas do Ministério da Saúde.
13 - Intensificação dos meios tendentes a promover o tratamento dos toxicómanos reclusos.
14 - Ponderada introdução de novas metodologias de tratamento que se revelem técnica e cientificamente mais adequadas.
15 - Criação de centros de encontro e acolhimento, em regime de «porta aberta», garantindo fácil acesso aos toxicómanos, privilegiando-se a acção das instituições particulares de solidariedade social.
16 - Lançamento de programas visando a reinserção social dos ex-toxicómanos, nomeadamente através da sua integração no mercado de trabalho, mediante o desenvolvimento de acções específicas de formação, treino e aperfeiçoamento profissionais.
17 - Concessão, com idênticos propósitos, de incentivos às entidades públicas e privadas (com ou sem fins lucrativos) que proporcionem a sua admissão.
18 - Apoio técnico e financeiro às instituições e entidades que desenvolvam projectos nos campos do tratamento e da reabilitação sócio-profissional dos toxicómanos, em condições e termos a regulamentar.
19 - Realização de um estudo epidemiológico, tendo em vista o conhecimento da incidência e da prevalência do consumo de substâncias estupefacientes e psicotrópicas.
20 - Realização de outros estudos visando conhecer as tendências da prescrição médica daquelas substâncias, a interacção entre a droga e outros fenómenos (criminalidade, rendimento escolar, estrutura familiar, trabalho ...) e o levantamento da situação actual sobre o nível de infecção pelo vírus da SIDA entre os toxicómanos.
C) Acções no domínio do combate ao tráfico
21 - Constituição de um grupo operacional e de coordenação dos diversos serviços, corpos e organismos envolvidos no combate ao tráfico.
22 - Melhoria da recolha e do tratamento da informação, visando, privilegiadamente, a luta contra os grantes traficantes e a identificação dos bens de fortuna resultantes do tráfico, de forma a possibilitar a sua apreensão e perda para o Estado.
23 - Realização, com carácter preventivo, de operações conjuntas das diversas forças e serviços, com especial atenção à vigilância e fiscalização das zonas circundantes dos estabelecimentos de ensino, designadamente casas de jogo, bares ou recintos de diversão.
24 - Reforço do controle das fronteiras terrestres, aéreas e marítimas, com recurso a meios e equipamentos tecnicamente idóneos.
25 - Divulgação, pelos meios mais adequados, das penas previstas na lei portuguesa para o tráfico de droga.
26 - Reforço do controle de encomendas postais oriundas do estrangeiro, com respeito pela garantia de inviolabilidade da correspondência.
27 - Melhoria das condições de actuação dos serviços alfandegários, alargando-se a área que lhes está destinada, designadamente nos aeroportos.
28 - Reforço dos meios da Polícia Judiciária afectos à investigação do tráfico de droga e criminalidade afim, bem como instalação dos respectivos serviços em edifício adequado.
29 - Planeamento e execução de um sistema diversificado de acções de formação e de especialização, contemplando os diversos serviços, corpos e organismos envolvidos no combate ao tráfico.
30 - Celebração de acordos ou convénios bilaterais com outros países, com vista ao desenvolvimento de medidas articuladas que possam contribuir para conter o tráfico de droga.
Presidência do Conselho de Ministros. - O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.