Por ordem superior se torna público que, por notificação de 19 de dezembro de 2016, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino dos Países Baixos notificou ter a República de Chipre formulado uma declaração em conformidade com o artigo 63.º, relativamente à Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e de Medidas de Proteção das Crianças, adotada na Haia, em 19 de outubro de 1996.
Declaração
(tradução)
Chipre, 08-12-2016
A República de Chipre examinou a Declaração feita pela República da Turquia aquando da ratificação da Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças a 7 de outubro de 2016 e registada na mesma data no Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino dos Países Baixos.
A República da Turquia declara que a sua ratificação da Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças não só não implica nenhuma forma de reconhecimento da República de Chipre, como Parte nessa Convenção, como também não implica qualquer obrigação para a República da Turquia de se relacionar com a República de Chipre no quadro da dita Convenção.
Do ponto de vista da República de Chipre, o conteúdo e o efeito pretendido desta Declaração fazem com que ela corresponda, na sua essência, a uma reserva contrária ao objeto e propósito da Convenção. A República da Turquia procura através dessa Declaração eximir-se ao cumprimento das obrigações que tem ao abrigo da Convenção para com um outro Estado Parte igual e soberano, nomeadamente a República de Chipre. De facto, a Declaração impede que a cooperação entre Estados Partes, prevista na Convenção, seja posta em prática.
Assim, a República de Chipre rejeita firmemente a Declaração da República da Turquia acima referida e considera-a nula e sem efeito. As objeções da República de Chipre acima mencionadas não impedem a entrada em vigor da Convenção, no seu todo, entre a República de Chipre e a República da Turquia.
Em relação à pretensão da República da Turquia - conforme manifestada nessa mesma Declaração -, de a República de Chipre estar «defunta» e de «não existir uma autoridade única que seja de facto e de direito competente para representar conjuntamente os cipriotas, gregos e turcos, e, por conseguinte, o Chipre como um todo», a República de Chipre gostaria de relembrar o seguinte:
Apesar de, através de acordos internacionais vinculativos, ser o garante da «independência, integridade territorial e segurança da República de Chipre» (artigo ii do Tratado de Garantia de 1960), a República da Turquia invadiu ilegalmente o Chipre em 1974 e ocupa desde então 36,2 % do território da República.
As Resoluções 541 (1983) e 550 (1984) do Conselho de Segurança das Nações Unidas confirmaram a ilegalidade de tal agressão. O parágrafo operativo 2 da Resolução 541 considera «a declaração [das autoridades cipriotas turcas apresentada como declaração de secessão de uma parte da República de Chipre] como juridicamente nula e exige a sua retirada». O parágrafo 3 «pede a todos os Estados para respeitarem a soberania, a independência, a integridade territorial, a unidade e o não-alinhamento da República de Chipre, apelando ainda para que não reconheçam nenhum outro Estado cipriota que não a República de Chipre». O parágrafo operativo 2 da Resolução 550 também «condena todos os atos secessionistas, inclusive a pretensa troca de embaixadores entre a Turquia e as autoridades cipriotas turcas, declara-os ilegais e inválidos e exige a sua imediata anulação». Finalmente, o parágrafo 3 «reitera o apelo lançado a todos os Estados para não reconhecerem o pretenso Estado da 'República Turca de Chipre do Norte' estabelecido por atos secessionistas e apela para que se abstenham de facilitar ou ajudar, de qualquer maneira que seja, a entidade secessionista supramencionada».
Além do mais, no âmbito do quarto processo interestatal Chipre contra Turquia, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (1) considerou, no parágrafo 77 do acórdão de 10 de maio de 2001, que a Turquia, que «controla efetivamente o norte de Chipre», tem de assegurar o respeito por todos os direitos humanos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos Humanos e é responsável pelas violações desses mesmos direitos cometidas pelos seus próprios soldados ou funcionários, ou pela administração local. As responsabilidades da potência ocupante resultam do Direito Internacional Humanitário, incluindo a Quarta Convenção de Genebra.
A Turquia é responsável pelas políticas e ações da República Turca de Chipre do Norte («RTCN») por causa do efetivo controlo que exerce através do seu exército. A sua responsabilidade abrange os atos da administração local, a qual sobrevive graças ao apoio militar e outro da Turquia (Caso Chipre c. Turquia, 10 de maio de 2001, pp. 20-21, reiterando Loizidou). Dos acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e das resoluções do Conselho de Segurança sobre o Chipre resulta evidente que a comunidade internacional não considera a «RTCN» (administração local dependente da Turquia na parte ocupada de Chipre, fortemente condenada pelo Conselho de Segurança) como um Estado nos termos do Direito Internacional (Chipre c. Turquia, 10 de maio de 2001, parágrafo 61). Em contrapartida, a República de Chipre tem sido repetidamente considerada como o único Governo legítimo de Chipre, apesar das asserções da Turquia sobre esse Governo que ela denomina de «administração cipriota grega» com pretensão de «representar a defunta República». As asserções da Turquia constituem um estratagema de propaganda para desviar a atenção da sua responsabilidade pelas violações cometidas no Chipre ocupado. As afirmações da Turquia e as suas múltiplas objeções à autoridade, jurisdição e soberania da República de Chipre, bem como as suas reivindicações em nome dos cipriotas turcos e da «RTCN», foram repetidamente rejeitadas pela comunidade internacional e pelas instâncias judiciais pertinentes, perante as quais essas reivindicações foram exaustivamente analisadas e, depois, rejeitadas nas alegações de Chipre. Foram feitas afirmações erróneas acerca do tratamento dos cipriotas turcos pelo Governo de Chipre (essas alegações foram repetidas na atual Declaração da Turquia). De facto, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e a Comissão aceitaram os argumentos de Chipre, bem como a sua contestação das declarações e dos exageros turcos em relação ao período anterior à invasão turca de Chipre em julho de 1974. O Tribunal recusou pronunciar-se sobre a versão da Turquia sobre o afastamento dos cipriotas turcos de cargos públicos (houve na verdade um boicote turco).
Chegou o momento de se ter em conta e agir-se em conformidade com a tomada de posição expressa nas Resoluções e decisões nelas contidas, assim como nos acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. No seu acórdão de 12 de maio de 2014 sobre a atribuição de uma reparação razoável, o Tribunal insistiu que tal tem de suceder dado que ele se pronunciou (Chipre c. Turquia, p. 23, opinião concordante de nove juízes). É preciso enfatizar que, ainda recentemente, a 26 de julho de 2016 (Resolução 2300 do Conselho de Segurança), o Conselho de Segurança reafirmou todas as suas Resoluções relevantes sobre Chipre, tendo, durante várias décadas, reafirmado o seu conteúdo.
Ainda assim, a República da Turquia não só atenta flagrantemente contra todas as Resoluções das Nações Unidas e regras de Direito Internacional importantes, bem como a Carta das Nações Unidas sobre a matéria, como também continua a violar a legalidade internacional, ao pôr sistematicamente em causa a legitimidade da República de Chipre e ao continuar a promover a entidade secessionista ilegal na parte ocupada da República de Chipre, incluindo através de declarações como a presente.
A República Portuguesa é Parte na Convenção, a qual foi aprovada pelo Decreto 52/2008, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 221, de 13 de novembro de 2008.
Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 61.º da Convenção, esta encontra-se em vigor para a República Portuguesa desde 1 de agosto de 2011.
A Autoridade Central é a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais do Ministério da Justiça, que, nos termos do artigo 34.º do Decreto-Lei 215/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 189, de 28 de setembro de 2012, sucedeu nas competências à Direção-Geral de Reinserção Social do Ministério da Justiça.
(1) Nota relativa à tradução: dando cumprimento à Resolução da Assembleia da República n.º 39/2013, que recomenda a substituição da expressão «Direitos do Homem» pela expressão «Direitos Humanos», nomeadamente em textos para publicação e divulgação [alínea a) da referida resolução], efetuou-se essa substituição sempre que no texto é feita referência à primeira das duas expressões. Tal implicou alterar a designação, até ao momento utilizada, da Convenção e do Tribunal.
Departamento de Assuntos Jurídicos, 13 de julho de 2018. - A Diretora, Susana Vaz Patto.
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