Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 13/2014/M
PEDIDO DE PARECER JURÍDICO-INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - ARTIGO 64.º, N.º 3 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA - COMETIDA PELO ESTADO PORTUGUÊS, AO NÃO TRANSFERIR OS MEIOS FINANCEIROS PARA FAZER FACE AOS ENCARGOS COM A SAÚDE NO ARQUIPÉLAGO DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA.
No que se refere aos direitos e deveres sociais, incumbe prioritariamente ao Estado assegurar o direito à proteção da saúde, conforme estatuído no seu artigo 64.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, adiante designada por CRP.
Tal normativo impõe-se diretamente ao poder legislativo e ao poder executivo nacional.
E se é inegável que a saúde é constitucionalmente "tarefa do Estado", na realidade tem sido o orçamento da Região que tudo suporta (desde os investimentos às despesas correntes).
Desde 1976 que a CRP prevê um Serviço Nacional de Saúde (SNS) para todo o território nacional, arquipélagos incluídos, e que as Regiões dispõem das receitas fiscais nelas cobradas.
Ou seja, desde 1976, a opção clara da CRP foi cumular aquelas duas realidades, que são distintas e independentes uma da outra, certamente devido à natureza insular das Regiões Autónomas e dificuldades consequentes.
A regionalização dos serviços de saúde na Madeira foi feita pelo Estado. No entanto, os diplomas legislativos nacionais que procederam a tal transferência de atribuições e responsabilidades para a Região Autónoma da Madeira (adiante designada por RAM) não previram qualquer transferência de verbas para suportar os serviços públicos de saúde na Madeira.
O artigo 64º, nº 4 da CRP prevê um serviço público de saúde de âmbito necessariamente nacional (arquipélagos incluídos), com uma estrutura descentralizada e participada pelas Regiões e pelas autarquias locais (assim cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, 1993, pp. 342-343).
Ora, tal situação prevista na CRP não é a que existe. Pois o Estado não tem dotado a Região Autónoma da Madeira dos meios financeiros para assegurar a saúde, nesta parte do território nacional.
É, pois, fácil, ainda que surpreendente, concluir que o Estado tem cometido uma inconstitucionalidade por omissão, ao não estender ao arquipélago da Madeira o Serviço Nacional de Saúde.
Esta omissão implicou a necessidade de criação de um serviço público regional de saúde para os portugueses residentes no arquipélago da Madeira, a expensas do orçamento regional.
Tal inconstitucionalidade por omissão gera um dever de indemnização (artigo 15º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas).
A manutenção desta situação é insustentável, porque se chegou a um ponto financeiro delicado, e em que o Governo Central parece querer separar de forma absoluta, quanto às responsabilidades financeiras, o território do arquipélago da Madeira do território do Continente português, com o fim de se responsabilizar apenas pelo Continente português.
E, neste contexto global, não pode mais a RAM continuar a substituir financeiramente o Estado no cumprimento dos n.os 3 e 4 do artigo 64º da CRP.
Ora, desde o início da autonomia, a RAM já pagou cerca de 9,2 mil milhões de euros em despesas com a educação e saúde (investimentos incluídos).
A saúde custou cerca de 3,7 mil milhões, já pagos.
O que significa que só o que a Região pagou de despesas que por lei são do Estado Central, é mais de 3 mil milhões de euros do que a dívida que nos é atribuída.
Assim:
A Assembleia Legislativa da Madeira, nos termos da alínea a) do artigo 38º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira, resolve:
1 - Deliberar que a Região Autónoma da Madeira, quanto à saúde dos portugueses residentes no arquipélago da Madeira, espera do Estado Português o imediato cumprimento, daquilo que lhe é imposto pelos n.os 3 e 4 do artigo 64º da CRP, através da transferência dos correspondentes meios financeiros para fazer face aos encargos com a saúde, bem como, o expresso reconhecimento legal de que a Região Autónoma da Madeira tem substituído o Estado no cumprimento dos n.os 3 e 4 do artigo nº 64º da CRP, o que deve ser acompanhado pela assunção total das responsabilidades financeiras respetivas, no arquipélago da Madeira, através de compensação financeira da Região Autónoma da Madeira por tal substituição.
2 - Aprovar a presente resolução solicitando parecer jurídico a reputado Constitucionalista para instrução do pedido de inconstitucionalidade por omissão - artigo 64º,nº 3 da CRP - cometida pelo Estado Português, ao não transferir os correspondentes meios financeiros para fazer face aos encargos com a saúde no arquipélago da Madeira bem como exigir o pagamento pelo Estado da quantia de 3,7 mil milhões de euros referentes às despesas com a saúde suportadas pela RAM.
Aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 13 de novembro de 2014.
O Presidente da Assembleia Legislativa, José Miguel Jardim Olival de Mendonça.