Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 3/2014, de 15 de Outubro

Partilhar:

Sumário

Uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: I - Só é possível a convolação do requerimento de interposição de um recurso em reclamação para a conferência se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo da reclamação. II - A circunstância de ter havido alguma prática jurisprudencial dos TCAs admitindo recurso em vez de reclamação, nos casos a que se referem os artigos 40.º, 3, do ETAF e 27.º, 2, do CPTA, não justifica modificar o entendimento referido em I, dado que (i) tal prática não era exata (como veio a decidir-se em acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2012, DR, 1.ª série, 182, de 19-9-2012) (ii) não era uniforme pois contrariava a jurisprudência do STA (acórdão de 19-10-2010, proc. 0542/10) e (iii) não tratava de modo igual os interesses da parte ao trânsito em julgado de decisão favorável e o interesse da parte contrária a ver admitida a reclamação para além desse prazo

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2014

Acórdão do STA de 26-06-2014, no Processo 1831/13

Processo 1831/13 - 1ª Secção

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

A... e B..., contra-interessados na ação administrativa especial intentada por C... contra a UNIVERSIDADE DO MINHO, inconformados com o acórdão do TCA Norte que não tomou conhecimento do recurso jurisdicional interposto da sentença proferida no TAF de Braga e ordenou "a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância a fim de o objecto do mesmo ser apreciado, a título de reclamação, pelo Colectivo de Juízes a quem competiria proceder ao julgamento da matéria de facto e de direito nesta acção administrativa especial", pediram a sua reforma e interpuseram, no mesmo requerimento, recurso de revista.

A UNIVERSIDADE DO MINHO pediu aclaração do mesmo acórdão.

Foi proferido acórdão indeferindo os pedidos de reforma e aclaração do acórdão.

Na motivação da revista, os recorrentes, A... e B..., formularam as seguintes conclusões:

I - A convolação de um recurso em reclamação só é possível quando o meio de impugnação convolado ainda não tiver precludido.

II - A convolação de um meio processual em outro que já não pode ser admitido por ser extemporâneo é um ato inútil que o processo não consente (art. 137º do CPC).

III - O prazo de interposição de um meio impugnatório de uma decisão releva para efeito de saber quando é que a mesma transitou em julgado, pois uma decisão transita em julgado quando não admite recurso ordinário ou reclamação (art. 677º do CPC).

IV - E, como dispõe o art. 671º, n.º 1 do CPC, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida, fica a ter força obrigatório dentro do processo e fora dele.

V - Ora, se é, não pode a formação de 3 Juízes da primeira instância - como lhe foi ordenado e determinado pela decisão ora impugnada - pronunciar-se sobre o objeto do recurso (no dizer da decisão recorrida: "a fim de o objeto do recurso ser apreciado a título de reclamação") qualquer que este seja - porque se o fizerem, estarão a violar a decisão singular do relator, já transitada em julgado, por não ter sido objeto tempestivo da reclamação.

VI - Ao ordenar, pois, a baixa do processo à primeira instância e precisamente à formação de 3 juízes para apreciar o objeto da convolada reclamação, o acórdão o recorrido ordena àquela uma tarefa que a lei não consente, isto é, que volte a apreciar uma questão que adquiriu, por exclusiva inércia do aqui autor, força obrigatória dentro e fora do processo, em clara violação do previsto no n.º 1 do art. 671º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.

VII - Tudo o que impõe que se decida pela revogação do acórdão recorrido e se declare, sem mais, não admissível a impugnação apresentada pelo autor, revogando-se a decisão que ordena a baixa à primeira instância para que a formação de 3 Juízes decida do objeto a reclamação, pela mesma violar os artigos 137º, 671º e 677º, todos do CPC.

A UNIVERSIDADE DO MINHO (autora do acto impugnado) apresentou alegações, pugnado pelo provimento do recurso interposto pelos contra-interessados.

O autor notificado da apresentação do pedido de reforma de acórdão e recurso de revista veio dizer que, em seu entender, "os recorridos renunciam ao recurso de revista, com a prática de acto a que lhe é incompatível"

O Exmo. procurador Geral Adjunto foi notificado nos termos e para os efeitos do art. 146º do CPTA

O Exmo. Presidente do Supremo Tribunal Administrativo determinou que no julgamento do recurso interviessem todos os juízes da secção, nos termos do art. 148º, 1 do CPTA.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 148º, n.º 3 do CPTA.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

Os factos e ocorrências processuais relevantes para apreciar o recurso são os seguintes:

a) Em 7 de outubro de 2011, no TAF de Braga, foi proferida sentença por juiz singular, julgando improcedente a acção administrativa especial, a que foi atribuído o valor de 30.000,01 euros.

b) O mandatário do autor foi notificado da sentença através de carta registada remetida em 18-10-2011;

c) Em 21 de novembro de 2011 o autor apresentou no TAF de Braga requerimento interpondo recurso da referida decisão.

d) Em 7-3-2013 é proferida decisão pelo TCA não tomar conhecimento do recurso e ordenar que o processo baixe à primeira instância "... a fim de o objecto do mesmo ser apreciado, a título de reclamação, pelo Colectivo de Juízes a quem competiria proceder ao julgamento da matéria de facto e de direito nesta acção administrativa especial."

2.2. Matéria de direito

2.2.1. Objecto do recurso

Impõe-se referir, desde logo, que não tem razão de ser a alegação do autor quando diz que os recorridos particulares ao pedirem a reforma do acórdão do TCA e no mesmo requerimento recorrerem para o STA (recurso de revista) estão a renunciar ao direito ao recurso. Na verdade, como já se sublinhou no acórdão que admitiu a revista, os recorrentes pediram a reforma do acórdão na mesma peça em que recorreram. Não é possível ver, pois, nesse pedido qualquer renúncia.

Também não foi posta em causa a decisão do TCA, na parte em que não admitiu o recurso da sentença do juiz singular.

Objeto do recurso é, portanto, a questão de saber se o TCA Norte andou bem quando determinou ao TAF de Braga que apreciasse o recurso como se fosse uma reclamação apesar de ter sido interposta para além do prazo em que, nos termos gerais, podia ser deduzida.

2.2.2. Análise dos fundamentos do acórdão e do recurso.

O acórdão recorrido justificou o seu entendimento considerando que "deverá ser interpretada e aplicada a lei, da forma fixada pelo acórdão uniformizador do STA, sem prejuízo das partes, e de modo consentâneo com o princípio antiformalista ou ind dúbio pro habilitate instantiae (art. 7º do CPTA), o que exigirá, no caso, que o recurso jurisdicional interposto para este tribunal seja tido como reclamação para a conferência para a competente formação de três juízes, à qual competirá abordar e decidir, em sede de reclamação, o objecto vertido nas actuais alegações de recurso jurisdicional, constituído pelos erros de julgamento apontados à sentença do Juiz Relator". Como se vê o acórdão determinou que o recurso fosse apreciado como reclamação, num caso onde resultava das ocorrências processuais pertinentes que o prazo para reclamar tinha sido ultrapassado.

O autor não contra-alegou, mas quando respondeu ao pedido de reforma do acórdão deduzido pelos ora recorrentes (contra-interessados na ação administrativa especial) sustentou entendimento semelhante ao do acórdão ora recorrido, invocando a seu favor a anotação de ARMINDO RIBEIRO MENDES, ao acórdão uniformizador de jurisprudência do STA de 5-6-2012, proferido no processo 0420/12 - CJA, n.º 97, pág., 26 e seguintes - pugnando pela admissão da convolação em reclamação, da peça processual que contenha o requerimento de interposição do recurso, independentemente de ter sido entregue para além do prazo da reclamação.

Sobre questão semelhante este STA no acórdão de 29-1-2014, proferido no processo 01233/13 decidiu que não se vislumbram razões que "num juízo de ponderação de interesses em presença, justifique qualquer interpretação das regras sobre a convolação, em especial, as relativas à tempestividade". Isto porque diz o mesmo acórdão "atentas as circunstâncias do caso, não se pode dizer que tenha havido qualquer circunstancialismo, quer relativo às normas jurídicas aplicáveis, quer ao desenrolar do processo, incluindo a actuação do N. Juiz que seja susceptível de gerar dúvida relevante, ou afectar de tal modo a posição processual do interessado, em termos de justificar que a apresentação da petição de reclamação para a conferência em vez de recurso para o TAC não era exigível a um cidadão normalmente diligente"

O recorrente sustenta, como vimos ao transcrever as conclusões da motivação da revista, o entendimento segundo o qual o decurso do prazo da reclamação faz com que o despacho proferido pelo juiz singular transite em julgado e, portanto, torna-se impossível a convolação.

Expostas sinteticamente as várias posições sobre a questão, vejamos qual a melhor solução.

A razão aduzida pelo recorrente (trânsito em julgado da decisão objeto do recurso) não procede. Com efeito, saber se há ou não trânsito em julgado depende da resposta que for dada à admissibilidade da reclamação, ainda que fora de prazo. Se, por razões válidas, entendermos que a reclamação - apesar de ter sido interposta para além de dez dias - era admissível, então, no momento em que foi interposta não havia trânsito em julgado. Ora é precisamente a validade da apresentação da "reclamação" fora de prazo a questão a decidir, neste recurso, pelo que só depois da mesma decidida podemos determinar a data do trânsito da decisão, objeto dessa reclamação.

Também a razão invocada no acórdão do TCA Norte, inferindo a solução encontrada do acórdão para fixação de jurisprudência não é exata, pois o referido acórdão não decidiu desse modo. Pelo contrário, nesse acórdão afirmou-se expressamente que se confirmava o acórdão então recorrido, onde se decidira que a "convolação só era possível se verificados os respectivos pressupostos" - cfr. sobre este ponto o acórdão do Pleno desta Secção de 5 de junho de 2014, proferido no processo 01956 e ainda o próprio acórdão Uniformizador de Jurisprudência 3/2012, DR, I Série, 182, de 19-9-2012.

Contudo, existem a nosso ver, razões bastantes para não acolher a tese do acórdão ora recorrido.

Desde logo, porque a convolação só poderia ser admitida pelo Tribunal competente para a apreciar. Podemos admitir que o Tribunal a quem for erradamente dirigida uma pretensão pode decidir sobre a admissibilidade da convolação, e, por razões de economia processual, indeferir essa possibilidade quando for evidente que a mesma não pode ser admitida. O que não podia era considerar, desde logo, verificado um pressuposto processual (tempestividade) do meio processual adequado, quando este devia ser apresentado noutro Tribunal.

Deve dizer-se, ainda relativamente ao entendimento acolhido no acórdão recorrido, que se os princípios antiformalistas e tutela da confiança, justificavam alterar a lei sobre o prazo da reclamação, por maioria de razão justificavam alterar a lei quando ao meio processual idóneo. Se havia consequências jurídicas a extrair da violação da confiança e dos princípios a que apelou, a consequência mais adequada a salvaguardar proteger tais princípios, designadamente o da confiança, era agir de acordo com a expectativa criada, e, portanto, o conhecimento do recurso (como recurso), em vez de levantar oficiosamente a questão prévia da sua inadmissibilidade.

Por outro lado, existem razões válidas, como vamos ver, para seguir o entendimento do acórdão deste STA de 29-1-2014, proferido no processo 01233/13.

Não é, desde logo, exato dizer-se que existia uma prática nos Tribunais Administrativos admitindo o recurso em vez da reclamação em casos idênticos, responsável pelos erros dos mandatários das partes, na escolha do meio impugnatório adequado. Havia, sem dúvida, alguma prática nesse sentido, mas não era uniforme, como decorre da existência de um acórdão uniformizador de jurisprudência e do acórdão proferido pelo TCA que aí se apreciou e manteve.

Note-se que o Supremo Tribunal Administrativo, muito antes do acórdão uniformizador, tinha decidido que a forma adequada de reagir contra a decisão do juiz singular, em casos semelhantes, era a reclamação e não o recurso (acórdão de 19-10-2010, proferido no processo 0542/10, publicado desde essa data na base de dados da DGSI com o seguinte sumário: "da decisão do juiz relator sobre o mérito da causa, proferida sob a invocação dos poderes conferidos pelo art. 27º, n.º 1, al. i) do CPTA, cabe reclamação para a conferência, não recurso)".

Nem se tratava de algumas inusitadas posições da jurisprudência, pois desde 2006, que MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA (no CPTA anotado, Coimbra, 2006, vol I, p. 94) se referiam a esse regime específico. Regime jurídico que, em termos técnico-jurídicos, era o regime certo, como reconheceu ARMINDO RIBEIRO MENDES, CAJ, 97, pp. 26 e seguintes, e como também sublinhou este Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão, proferido em formação alargada, em 5-12-2013 (processo 01360). Note-se, ainda, que o Tribunal Constitucional decidiu: "não julgar inconstitucional a norma constante do art. 27º, n.º 1, al. i) e n.º 2, do CPTA, interpretado com o sentido de que das sentenças proferidas no âmbito das acções administrativas especiais de valor superior à alçada do Tribunal singular ao abrigo da referida al. i) do n.º 1, do art. 27º, não cabe recurso ordinário para o Tribunal Central Administrativo, mas apenas reclamação para a conferência." - cfr., Acórdão do TC n.º 846/2013, proferido em 10-12-2013, no processo 576/13.

O entendimento acolhido no acórdão uniformizador de jurisprudência foi, como se demonstrou, (i) o entendimento correto, (ii) veio ao encontro da jurisprudência do STA, (iii) de alguma jurisprudência do TCA e (iv) de entendimento doutrinal relevante, não podendo dizer-se que existiam razões para se falar em erro induzido por uma "praxe" processual e, com fundamento nesse alegado "erro", modificar regras legais sobre o prazo da reclamação.

Finalmente, não admitir a convolação fora do prazo legal, corresponde ao entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. entre outros o acórdão de 28-3-2012, proferido no processo 0618/11 e o acórdão de 22-2-2011, proferido no processo 0449/10: "não pode convolar-se em reclamação para a conferência o recurso da decisão do relator para o Pleno da 1ª Secção, se o recurso tiver sido interposto depois de esgotado o prazo da reclamação") e nem sequer cria uma situação de injustiça, se tivermos em conta os interesses de ambas as partes.

Vigorando, no processo, o princípio da igualdade das partes (art. 6º do CPTA) a posição jurídica da parte que pretende o trânsito da decisão favorável é processualmente tão relevante como a posição da parte que dela pretende recorrer para além do prazo legal. Admitir a reclamação da decisão de mérito, para além do respetivo prazo, equivale a afastar o trânsito em julgado de uma decisão favorável à contraparte. Vistas as coisas na perspetiva de ambas as partes, não existe qualquer razão material para dar mais proteção ao interesse do reclamante do que ao interesse da outra parte.

Daí que, de acordo com o exposto, deve revogar-se o acórdão recorrido, na parte em que determina a convolação do recurso em reclamação e ordena ao TAF de Braga que conheça do objeto da reclamação - uma vez que, como decorre das ocorrências processuais acima referidas, quando o requerimento deu entrada em juízo já tinha terminado o prazo dentro do qual o direito à reclamação podia ser exercido.

3. Decisão

Face ao exposto, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido na parte objeto deste recurso, isto é, na medida em que ordenou a convolação do mesmo em reclamação para a conferência.

Sem custas, dado que o autor não contra alegou.

Cumpra-se o disposto no art. 148º, 4 do CPTA.

Lisboa, 26 de Junho de 2014. - António Bento São Pedro (relator) - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Vítor Manuel Gonçalves Gomes (vencido, com declaração anexa) - Jorge Artur Madeira dos Santos (com a declaração de que não acompanho o acórdão quando nega ao tribunal "ad quem" o poder de aferir da tempestividade do meio para que aponta a convolação; pois negá-lo é, afinal, negar o poder de convolar) - Alberto Augusto Oliveira - António Políbio Ferreira Henriques - Maria Fernanda dos Santos Maçãs (acompanho a declaração de voto do Senhor Juiz Conselheiro Vítor Gomes, no seguimento da minha declaração de voto anexa ao Ac. 1360/13 de 5/12/2013 e revendo de alguma forma posição tomada no Ac. 1233/13 de 29/1/2014) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Francisco Fonseca da Paz - Maria Benedita Malaquias Pires Urbano - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (vencido, acompanhando a declaração de voto anexa do Sr. J. Conselheiro Vítor Gomes).

Declaração de voto

A questão a decidir no presente recurso está perfeitamente identificada. Consiste em saber se, em recurso pendente à data do acórdão de uniformização de jurisprudência 3/2012, o TCA podia determinar a "convolação" do requerimento de interposição desse recurso (qua tale tempestivamente interposto) na reclamação prevista no n.º 2 do art.º 27.º do CPTA, sem dependência do prazo respetivo. Não acompanho o que o presente acórdão a este propósito decidiu, pelas seguintes razões essenciais:

1. Em primeiro lugar, não vejo obstáculo competencial à decisão tomada no acórdão recorrido. As boas razões de economia processual que o acórdão admite para permitir ao tribunal ad quem indeferir a convolação justificam que a determine imediatamente, se verificar que ocorrem os respetivos pressupostos (É esta a jurisprudência abundante da Secção do Contencioso Tributário - cf. p. ex. ac. de 14/5/2014, Proc. 0465/14; admitindo genericamente o mesmo poder, ac. do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 5/6/2014. Proc. 01424/13).

2. Seguidamente, os princípios que convergem no art.º 7.º do CPTA afastam a conclusão do presente acórdão no sentido de que a conversão do requerimento de interposição de um recurso em reclamação para a conferência só é possível, em termos absolutos, se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo estabelecido pelo art.º 29.º, n.º 1, do CPTA, mesmo nas excecionalíssimas circunstâncias da situação enunciada.

Essas circunstâncias são do conhecimento geral, mas convém aqui recordá-las porque o acórdão se refere a "alguma prática nesse sentido", o que induz uma ideia errada acerca do seu real significado. Era uma prática jurisprudencial praticamente uniforme, pelo menos até ao acórdão de 19/10/2010, Proc. 0542/10. Durante vários anos, as decisões proferidas, nos tribunais administrativos de círculo, pelo juiz a quem o processo estava distribuído (relator) em ações administrativas especiais de valor superior à alçada foram pacificamente objeto de recurso para o tribunal superior, em vez da reclamação prevista no n.º 2 do art.º 27.º do CPTA. Centenas desses recursos foram, nemine discrepante, recebidos pelo tribunal de 1ª instância, contra-alegados e apreciados nos tribunais centrais administrativos, sem reparos quanto a esta questão. Trata-se de realidade de conhecimento comum por parte de magistrados e advogados familiarizados com o contencioso administrativo (Aliás, expressamente reconhecida pelo acórdão de 26/9/2013, do TCA Sul, em formação alargada). Ficou definitivamente a saber-se com o referido acórdão uniformizador que esse entendimento - insuspeito para a generalidade dos operadores judiciários, como para a generalidade da doutrina - estava, afinal, errado.

Sucede que o Autor tinha recorrido da decisão tomada pelo relator, que lhe fora desfavorável. Fê-lo segundo a prática então generalizada, confiando que a sua discordância com a sentença seria apreciada. Os tribunais não são responsáveis pelas opções das partes que venham a revelar-se juridicamente erradas. Mas a evidência de que tal erro foi tão generalizadamente compartilhado e durante tanto tempo não pode ser ignorada no momento de apreciar a aplicabilidade dos remédios que a lei faculta, ao abrigo do princípio pro actione, para corrigir o uso de meios processuais inadequados.

Efetivamente, o princípio da promoção de acesso à justiça, explícito no art.º 7.º do CPTA, funciona em todos os domínios processuais, mesmo naqueles que são constituídos por normas perentórias, como os que respeitam a prazos de trâmite pelas partes. A norma do n.º 4 do art.º 58.º é disso concretização. Não se nega que o valor de segurança põe limites à relativização das exigências de carácter formal ou instrumental e que os prazos para a prática dos atos pelas partes, com a consequente preclusão, são, em princípio, infranqueáveis, salvo pelo conhecido mecanismo do justo impedimento. O "ónus de argumentação" para a sua desconsideração é particularmente pesado. Porém, como disse Sérvulo Correia, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 54, p. 860, embora a propósito de outro pressuposto e em quadro legislativo menos favorável, "tais limites devem confinar-se àquelas situações em que a confiança de outros particulares merece ser tutelada ou em que, sem a sua inobservância, fique prejudicado o contributo que os mecanismos processuais deverão prestar à existência de condições de racionalidade da decisão jurisdicional".

Ora, em situações como a que agora está sob análise, de recursos interpostos anteriormente ao Acórdão 3/2012, num quadro generalizado de confiança em que esse era o meio processual adequado que a prática judiciária praticamente uniforme legitimava, nem há risco de fraude à lei quanto aos prazos de impugnação, nem pode dizer-se que a parte contrária tivesse feito um legítimo investimento na confiança de estabilização do decidido face à errada opção processual do Autor que importe tutelar. Nessa ocasião, os então recorridos aceitaram também ser o recurso para o tribunal superior o meio de impugnação adequado e agiram processualmente em conformidade, não impugnando a sua admissibilidade. Para estas situações de pretérito é que tem cabimento a sugestão de Armindo Ribeiro Mendes, no loc. citado no presente acórdão, de que o acórdão uniformizador deveria conter o inciso "... devendo convolar-se em reclamação a peça processual que contenha o requerimento de interposição do recurso e a sua alegação, independentemente de ter sido entregue para além do prazo da reclamação, por dever prevalecer a manifestação de vontade de impugnar o despacho ou sentença proferidos por juiz singular".

Assim, considero que, no caso dos autos, o requerimento de interposição do recurso, apesar de não apresentado no prazo de 10 dias, poderia ser convolado em reclamação para efeitos do n.º 2 do art.º 27.º do CPTA, pelo que confirmaria o acórdão recorrido.

Vítor Manuel Gonçalves Gomes

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/319725.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda