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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 7/2017, de 16 de Novembro

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Sumário

Acórdão do STA de 21-09-2017, no Processo n.º 567/17. Uniformiza/confirma a jurisprudência do STA, nos seguintes termos: Só a condenação, com trânsito em julgado, pode obstar à aquisição da nacionalidade. Se a condenação não se verificava à data em que foi instaurada pelo MP a oposição à aquisição de nacionalidade, constituindo mera circunstância de verificação futura incerta e eventual, a oposição à aquisição da nacionalidade com o fundamento previsto na alínea b), do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade sempre teria que improceder, não sendo de aplicar o regime da suspensão da instância previsto no n.º 1 do art.º 272.º do Código do Processo Civil

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 7/2017

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal:

1 - Relatório

O Ministério Público veio, nos termos do disposto no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], apresentar RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, indicando como Acórdão Recorrido o proferido em 15/12/2016 pelo TCA Sul em que foi Réu A... e, Acórdão Fundamento o proferido igualmente no TCA Sul em 01/03/2012, no processo 08207/11, em que foi Réu, B...

Alega, para tanto, que:

«A questão que se discute nos dois arestos é a mesma, ou seja: saber se em processo de oposição à aquisição da nacionalidade, com fundamento no conhecimento de que os Requeridos/estrangeiros, teriam cometido crimes punidos pelo Código Penal Português com pena de prisão igual ou superior a três anos, deverá ser suspensa a instância após os articulados, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, a fim de aguardar que o Ministério Público obtenha a prova da condenação com trânsito em julgado, através das autoridades competentes, para se apurar se se mostra preenchido o requisito de oposição à aquisição da nacionalidade previsto no artigo 9.º, al. b), da Lei da Nacionalidade, Lei 37/81, de 3/10, na redacção da Lei Orgânica 2/2006, de 17/04, e com referência ao artigo 56.º, n.º 2, al. b), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14/12.

[...] Trata-se, assim, da mesma questão fundamental de direito, isto é a interpretação a dar, no âmbito de acção de aquisição da nacionalidade portuguesa, com fundamento no casamento com cidadã de nacionalidade portuguesa, no mesmo contexto factual, ao artigo 9.º, al. b), da Lei da Nacionalidade - Lei 37/81, de 3/10 e ao artigo 56.º, n.º 2, al. b), do respectivo Regulamento-DL n.º 237-A/2006, de 14/02, bem como a aplicação da suspensão da instância prevista no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, e se é de considerar ou não o interesse público visando evitar uma situação irreversível que conceda ao Requerido a nacionalidade portuguesa, quando o mesmo possa ter sido já condenado, ou possa vir a sê-lo por crime punido com pena que na lei penal portuguesa impede a concessão dessa mesma nacionalidade.

[...] O Acórdão recorrido, num caso em que um cidadão de nacionalidade brasileira, era suspeito de haver cometido e sido condenado por crime de homicídio negligente, susceptível de punição com pena de máximo igual ou superior a três anos na lei portuguesa, e contra o qual pendia pedido de extradição à data da instauração da acção, considerou que a condenação do Recorrido era incerta e não se verificava à data em que foi instaurada a oposição à aquisição da nacionalidade pelo Ministério Público, constituindo mera circunstância de verificação futura e incerta, sempre tendo que improceder a acção com o fundamento previsto na al. b), do artigo 9.º, da Lei da Nacionalidade, pelo que não se justificava a suspensão da instância propugnada pelo recorrente Ministério Público.

[...] O Acórdão fundamento em situação factual semelhante, na qual um cidadão de nacionalidade brasileira, era suspeito de se encontrar ligado a actividades ilícitas, e de haver cometido e de ter sido condenado por crime susceptível de punição com pena de máximo igual ou superior a três anos na lei portuguesa, e contra o qual pendia medida cautelar de paradeiro, considerou que as circunstâncias aconselhavam o uso da prudência na concessão da nacionalidade portuguesa, o que só podia ser conseguido através da suspensão da instância por determinação do juiz, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, do CPC (actual artigo 272.º, n.º 1).

[...] Considerou para tanto estar em causa o interesse público de evitar uma situação irreversível que concedesse ao Requerido a nacionalidade portuguesa, evitando que tal sucedesse até ao esclarecimento da verdade quanto ao comportamento do mesmo e viesse a ser proferida decisão no processo-crime.

[...] Para além da oposição de julgados que perfilham soluções opostas, não se conhece jurisprudência desse STA que se tenha debruçado sobre esta questão concreta (apenas o Ac. do TCA Sul, de 14-10-2010, rec. n.º 06722/10).

[...] Pelo que, requer a admissão e apreciação do presente recurso, uma vez que se verificam os respectivos requisitos, sendo necessária a intervenção desse Supremo Tribunal Administrativo para que proceda à Uniformização da Jurisprudência no sentido expresso no Acórdão Fundamento, e melhor clarificação do direito, com a consequente revogação do acórdão recorrido, o qual deverá ser reformulado de acordo com a jurisprudência uniformizada, nos termos do artigo 152.º do CPTA, na sua versão aplicável».

Em sede de factualidade, o recorrente fez constar da minuta de recurso, o seguinte:

«Na presente acção instaurada em 17-12-2010, no TAC de Lisboa, o Ministério Público opôs-se à aquisição da nacionalidade portuguesa do aqui Recorrido, A..., de nacionalidade brasileira, que havia requerido a nacionalidade com fundamento em ligação à comunidade portuguesa pela via do casamento com C..., cidadã portuguesa, invocando que, apesar do certificado de registo criminal do requerente, emitido pelas autoridades brasileiras em 13/09/2009, referir que o mesmo não tinha antecedentes criminais, lhe havia chegado ao conhecimento que já fora procurado pelas Autoridades Brasileiras, através de um pedido de extradição, alegadamente pela prática de crime de homicídio negligente (acidente de viação), pedido que, entretanto, fora cancelado.

[...] Assim, concluiu que, para além da inexistência de ligação à comunidade portuguesa, a suspeita da existência de outra situação impeditiva da aquisição da nacionalidade portuguesa, isto é a eventual condenação do Requerido pela prática de crime de homicídio por negligência, previsto no artigo 137.º do C. Penal com pena igual ou superior a 3 anos de prisão, constituía fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos das disposições conjugadas da al. a), e também alínea b) do artigo 9.º, da Lei da Nacionalidade - Lei 37/81, de 3/10, na redacção da Lei Orgânica 2/2006, de 17/04, e artigos 56.º e segs. do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14/12.

[...] Apesar da existência de requerimento por parte do MP a solicitar a suspensão da instância até à junção do Certificado do Registo Criminal e de sentença crime que pudessem comprovar a condenação do Requerido por aquele ilícito criminal e na pena indicada, e da sua "indesejabilidade", pendendo contra o mesmo pedido de extradição, não foi apreciado tal requerimento e foi proferida sentença, pelo TAC de Lisboa, em 27 de Agosto de 2015, a julgar improcedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do requerido (fls. 108 e fls. 138 e segs.).

[...] Alega o Ministério Público que o requerido havia sido acusado pela prática de dois crimes de homicídio culposo, no âmbito do processo 2/0002, da comarca de Itapaci, Estado de Goiás-Brasil, os quais estão previstos e punidos no artigo 137.º, do C. Penal Português, aos quais corresponde em abstracto a cada um deles, a pena de 2 a 5 anos de prisão, impondo-se a suspensão dos autos para ser confirmada eventual condenação por tais crimes.

[...] Alegou também o Ministério Público que tais factos eram indicação de indesejabilidade para a comunidade portuguesa.

[...] Por douto Acórdão, proferido nos presentes autos, em 15 de Dezembro de 2016, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, foi negado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, o qual pretendia que fosse suspensa a instância, até à junção dos referidos documentos, para prova daquele requisito de oposição à aquisição da nacionalidade, e confirmou a sentença recorrida.

[...] Entendeu-se neste Acórdão que a condenação do Recorrido era incerta e não se verificava à data em que foi instaurada a acção de oposição à aquisição da nacionalidade pelo Ministério Público, constituindo mera circunstância de verificação futura e incerta, sempre tendo que improceder a acção com o fundamento previsto na al. b), do artigo 9.º, da Lei da Nacionalidade, pelo que não se justificava a suspensão da instância propugnada pelo recorrente Ministério Público, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do novo CPC (correspondendo ao artigo 279.º, n.º 1, do antigo).

[...] No processo 1100/10.4BELSB, que correu termos pelo TAC de Lisboa, instaurado em 28-05-2010, o Ministério Público opôs-se à aquisição da nacionalidade portuguesa do cidadão de nacionalidade brasileira B..., que a havia requerido com fundamento em ligação à comunidade portuguesa pela via do casamento com D..., cidadã portuguesa, invocando que o SEF tinha emitido parecer em que desaconselhava a concessão da nacionalidade portuguesa ao requerente, em virtude de sobre o mesmo pender uma Medida Cautelar do Paradeiro para notificação de indeferimento, nos termos do artigo 88.º da Lei de Estrangeiro, e bem como uma medida de expulsão do território nacional, sendo suspeito de se encontrar ligado a actividades ilícitas, designadamente a prática de crimes susceptíveis de punição em pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos segundo a lei portuguesa, invocando para tanto o artigo 9.º, al. b), da citada Lei da Nacionalidade - Lei 37/81, de 3/10 e o artigo 56.º, n.º 2, al. b), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14/12.

[...] Alegou também o Ministério Público que tais factos indiciavam uma indesejabilidade do pretendente para a comunidade nacional.

[...] Assim, concluiu que ocorria fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos das referidas disposições conjugadas da al. b), do artigo 9.º, da Lei da Nacionalidade, na redacção da Lei Orgânica 2/2006, de 17/04, e artigo 56.º, n.º 2, al. b), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa.

[...] Apesar da existência de requerimento por parte do MP em que pedia a suspensão do processo até que fosse proferida decisão final no processo-crime que pendia contra o Requerido, foi indeferido tal pedido e foi proferida sentença, pelo TAC de Lisboa, em 1 de Abril de 2010, a julgar improcedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do requerido.

[...] Por Acórdão-fundamento, proferido em 1 de Março de 2012, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, nos referidos autos, foi dado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, o qual pretendia que fosse suspensa a instância, até ser feita prova do requisito de oposição à aquisição da nacionalidade, após finalização do processo-crime (fls. 83 e segs da certidão anexa).

[...] Entendeu-se neste Acórdão que o Parecer do SEF deixava pairar algumas dúvidas sobre a prática de ilícitos, apesar de não ter sido produzida prova sobre a matéria, o facto de ser desconhecido o paradeiro do Réu e a existência de uma medida de expulsão do território nacional, aconselhavam a que se fizesse uso da prudência na concessão da nacionalidade portuguesa.

[...] Igualmente considerou que tal desiderato podia ser conseguido através da suspensão da instância por determinação do juiz, até esclarecimento das dúvidas em causa e dos factos, tendo mandado substituir a sentença por outra que suspendesse a instância até à referida decisão final.

[...] Mais se fundamentou no invocado artigo 279.º, n.º 1, do Código do Processo Civil (actual artigo 272.º, n.º 1, do CPC), o qual permite ao Tribunal ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente de outra já proposta ou por ocorrer outro motivo justificado, pelo que, estando em causa o interesse público de evitar uma situação irreversível que concedesse ao Requerido a nacionalidade portuguesa e o mesmo vir a ser condenado nos termos supra referidos.

[...] Igualmente concluiu que a suspensão da instância tinha a vantagem de evitar que tal sucedesse até ao esclarecimento da verdade quanto ao comportamento do R., devendo ser decretada até final do processo-crime.

[...] Entendimento e jurisprudência que se afigura a mais adequada e proporcionada às situações descritas em ambos os processos, sendo a solução que melhor acautela o preceituado no artigo 9.º, al. b), da Lei da Nacionalidade - Lei 37/81, de 3/10 - e artigo 56.º, n.º 2, al. b), do respectivo Regulamento, aprovado pelo citado DL n.º 237-A/2006, dos quais decorre que não pode adquirir a nacionalidade portuguesa o cidadão estrangeiro condenado por crime punido como pena de prisão em abstracto igual ou superior a 3 anos de prisão, segundo a nossa lei.

[...] Entendimento que salvaguarda o fim visado pelo legislador com fundamento naquele requisito legal de oposição à aquisição da nacionalidade, visando afastar dessa nacionalidade os estrangeiros relativamente aos quais se verifiquem indícios de indesejabilidade para que possam pertencer à comunidade portuguesa, havendo interesse em apreciar, previamente à prolação da sentença final, se se verifica a circunstância invocada pelo Ministério Público.

[...] O que só com a suspensão da instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do actual Código do Processo Civil, pode ser alcançado.

[...] Pelo que, deve o Supremo Tribunal Administrativo proceder à Uniformização da Jurisprudência no sentido expresso no Acórdão Fundamento, tendo o Tribunal Recorrido feito uma má aplicação do direito ao não atender ao interesse público subjacente à concessão da nacionalidade, impedindo que o Ministério Público pudesse fazer a prova do que alegava.

[...] Pelo que, deverá ser uniformizada a jurisprudência nos termos expostos, para uma mais clara aplicação do direito, com a fundamentação descrita e constante do Acórdão fundamento, com a consequente revogação do acórdão recorrido, o qual deverá ser reformulado de acordo com a Jurisprudência Uniformizada que vier a ser proferida, se for o caso, nos termos do artigo 152.º, n.os 1, al. a), 4, e 6, do CPTA, na versão aplicável.

[...] O douto Acórdão impugnado, proferido nos presentes autos, ofendeu por erro de interpretação todos os referidos preceitos legais atrás citados.

Concluiu, apresentando as seguintes alegações:

«1.º Impõe-se a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para Uniformização da Jurisprudência, e mais clara aplicação do direito, nos termos do artigo 152.º, n.º 1 do CPTA, na sua versão aplicável, uma vez que se verifica clara contradição e oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, entre o decidido no douto Acórdão proferido nos presentes autos, pelo TCA Sul, e o Acórdão proferido pela secção Administrativa deste mesmo Tribunal, em 1-03-2012, recurso n.º 08207/11.

2.º Nos autos em epígrafe relativamente a um cidadão de nacionalidade brasileira, que pretende obter a nacionalidade portuguesa por via do casamento e ligação à comunidade portuguesa, há suspeitas de haver cometido e sido condenado por crime de homicídio negligente, susceptível de punição com pena de máximo igual ou superior a três anos na lei portuguesa, e contra o mesmo pendia pedido de extradição por parte das autoridades brasileiras à data da instauração da acção.

3.º O douto Acórdão impugnado considerou que a condenação do Recorrido era incerta e não se verificava à data em que foi instaurada a oposição à aquisição da nacionalidade pelo Ministério Público, constituindo mera circunstância de verificação futura e incerta, sempre tendo que improceder a acção com o fundamento previsto na al. b), do artigo 9.º, da Lei da Nacionalidade, pelo que não se justificava a suspensão da instância propugnada pelo recorrente Ministério Público.

4.º No processo em que foi proferido o Acórdão fundamento um cidadão de nacionalidade brasileira que pretendia igualmente a obtenção da nacionalidade portuguesa por via do casamento e ligação à comunidade portuguesa, era suspeito de se encontrar ligado a actividades ilícitas, e de haver cometido e de ter sido condenado por crime susceptível de punição com pena de máximo igual ou superior a três anos na lei portuguesa, e contra o mesmo pendia medida cautelar de paradeiro.

5.º O Acórdão fundamento considerou neste caso que as circunstâncias aconselhavam o uso da prudência na concessão da nacionalidade portuguesa, o que só podia ser conseguido através da suspensão da instância por determinação do juiz, nos termos do artigo 279.º, n.º 1 do CPC (a que corresponde o artigo 272.º, n.º 1 do actual CPC).

6.º Fundamentando-se na circunstância de a decisão da causa estar dependente de um processo-crime, estar em causa o interesse público de evitar uma situação irreversível que concedesse ao Requerido a nacionalidade portuguesa, evitando que tal sucedesse até ao esclarecimento da verdade quanto ao comportamento do mesmo e fosse proferida decisão final no referido processo-crime.

7.º Ambos os Acórdãos transitaram em julgado e estamos perante realidades factuais subjacentes a cada uma das decisões em confronto em que se verifica identidade substancial quanto ao núcleo essencial que se debate nos autos.

8.º A questão que se discute nos dois arestos também é a mesma, isto é: se em processo de oposição à aquisição da nacionalidade, com fundamento no conhecimento de que os Requeridos/estrangeiros, sendo ambos de nacionalidade brasileira, ao pretenderem obter a nacionalidade portuguesa, por via do casamento e ligação à comunidade nacional, e havendo notícia de que poderiam ter cometido crimes punidos pelo Código Penal Português com pena de prisão igual ou superior a três anos, se deverá, ou não, ser suspensa a instância após os articulados, nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do Código do Processo Civil.

9.º O que têm em vista aguardar que o Ministério Público obtenha a prova da condenação com trânsito em julgado, através das autoridades competentes, pelo crime e pena indicada, a fim de se apurar se se mostra preenchido o requisito impeditivo de aquisição da nacionalidade previsto nos artºs al. b), do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade - Lei 37/81, de 3/10, na redacção da Lei Orgânica 2/2006, de 17/04, e no artigo 56.º, n.º 2, al. b), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14/12.

10.º A jurisprudência constante do Acórdão fundamento é a mais adequada e proporcionada às situações descritas em ambos os processos, sendo a solução que melhor acautela o estatuído naqueles preceitos, dos quais decorre que não pode adquirir a nacionalidade portuguesa o cidadão estrangeiro condenado por crime punido como pena de prisão em abstracto igual ou superior a 3 anos de prisão, prevista na lei penal portuguesa.

11.º É também este entendimento o que melhor salvaguarda o fim visado pelo legislador dado que é tal requisito que impede e é fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, pretendendo afastar dessa nacionalidade os estrangeiros relativamente aos quais se verifiquem indícios de indesejabilidade para que possam pertencer à comunidade portuguesa, havendo interesse em apreciar, previamente à prolação da sentença final, se se verifica a circunstância atrás referida (condenação por crime em pena igual ou superior a 3 anos) invocada pelo Ministério Público.

12.º O que só com a suspensão da instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do actual Código do Processo Civil, pode ser alcançado.

13.º Pelo que, deve o Supremo Tribunal Administrativo proceder à Uniformização da Jurisprudência no sentido, nos termos e fundamentação utilizada no Acórdão Fundamento, tendo o douto Acórdão Recorrido feito uma má aplicação do direito ao não atender ao interesse público subjacente à concessão da nacionalidade.

14.º Com a consequente revogação do douto Acórdão impugnado, o qual ofendeu todos os preceitos legais citados, devendo ser reformulado de acordo com a Jurisprudência Uniformizada, se for o caso, nos termos dos n.os 1, al. a), 4 e 6 do artigo 152.º do CPTA na versão aqui aplicável, não se conhecendo jurisprudência sobre esta questão que tenha sido proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo».

O Réu, A..., notificado para o efeito, não apresentou contra alegações.

Por despacho da relatora proferido a fls. 205 vº foi o recorrente notificado para juntar aos autos certidão do Acórdão recorrido [proferido em 15/02/2016 pelo TCAS], bem como, para o mesmo se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso, num dos Acórdãos, está apenas em causa uma questão meramente interlocutória - suspensão da instância.

A certidão em causa mostra-se junta aos autos e quanto ao mais veio o recorrente sustentar a admissibilidade do recurso, por estar essencialmente em causa "a apreciação divergente perante situações de facto idênticas e no âmbito da mesma regulamentação legal, da questão de mérito relativa à procedência da oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea b) da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81 de 3/10), redacção da Lei Orgânica 2/2006 de 17/04 e com referência ao artigo 56.º, n.º 2, alínea b) do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n.º 237-A/2006 de 14/12; enquanto o douto acórdão fundamento revogou a decisão de 1.ª instância de improcedência da oposição, o douto acórdão recorrido decidiu opostamente, no sentido da sua improcedência".

2 - Fundamentação

2.1 - Matéria de facto

A matéria de facto pertinente, sumariamente provada, é a supra referida na minuta e alegações do presente recurso.

2.2 - Matéria de direito

Questão prévia da admissibilidade do recurso

O recurso para uniformização de jurisprudência é um recurso extraordinário que visa decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que as decisões dos Tribunais superiores sobre uma questão fundamental de direito tenham sido contraditórias. Tem, pois, por função, não só corrigir a eventual injustiça cometida na decisão recorrida mas, essencialmente garantir que o novo julgamento regularize o entendimento a adoptar perante a questão fundamental de direito controvertida.

Daí que só possam ser admitidos nas circunstâncias fixadas na lei, impondo-se por isso averiguar se se encontram reunidos os pressupostos de que depende a sua admissão e só depois, se o mesmo for admitido, conhecer do seu mérito.

O regime deste tipo de recursos está fixado no artigo 152.º do CPTA no qual se estabelecem os seguintes requisitos de admissibilidade:

a) Contradição de julgamentos em Acórdãos do STA ou do TCA ou em Acórdãos do TCA com Acórdão anterior do STA;

b) Que essa contradição tenha recaído sobre a mesma questão fundamental de direito, existindo identidade dos respectivos pressupostos de facto;

c) Que tenha havido o trânsito em julgado dos Acórdãos impugnado e fundamento;

d) Que não exista conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

E porque se mantêm os princípios que vinham da jurisprudência anterior (firmada no âmbito da LPTA), a estes requisitos há que acrescentar as condições de admissibilidade estabelecidas na jurisprudência para o recurso por oposição de julgados, a saber: (i) para cada questão deve o recorrente eleger um e apenas um acórdão fundamento; (ii) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; (iii) só releva a oposição entre decisões e não entre meros argumentos. - cf. entre muitos outros, Acórdãos do Pleno de 2012.06.05, in rec. n.º 0420/12 e de 14/03/2013 in rec. n.º 1166/12.

Significa isto que a existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito não constitui, por si só, requisito suficiente para que o recurso possa ser admitido visto que ele só pode prosseguir quando, para além dessa contradição, se encontrem reunidos os demais requisitos, isto é, quando se constate que as decisões contraditórias foram tiradas perante quadros normativos e factuais substancialmente idênticos e, por isso, quando essa contradição tenha resultado apenas de divergente interpretação jurídica.

Daí que jurisprudencialmente se entenda que a função primordial que a lei lhes reserva é a de fixarem a melhor leitura para um quadro legal cuja interpretação vem sendo objecto de controvérsia. - cf. entre muitos outros, os Acórdãos do Pleno da 1.ª Secção de 20/10/2016, in rec n.º 1075/12, de 14/03/2013 in rec. n.º 1166/12 e de 20.5.2010 in rec. 248/10.

E mais se esclarece no n.º 2 do artigo 152.º do CPTA que a petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinaram a contradição alegada e a infracção imputada ao acórdão recorrido.

No caso dos autos, impõe-se antes de mais enfrentar uma primeira questão, que é a de saber se, para além dos requisitos supra indicados, é possível este tipo de recursos em caso de Acórdãos interlocutórios - in casu, o Acórdão Fundamento - ou seja, em que, pelo menos, um dos Acórdãos não decide em definitivo o mérito da causa, como sucede nos presentes autos, antes se decide pela decretação da suspensão da instância, sendo que em ambos os Acórdãos está em causa "a montante" a mesma questão de fundo (i) a prática de um crime com pena de prisão igual ou superior a 3 anos de prisão (ii) e se deverá ser suspensa a instância após os articulados, nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do CPC a fim de se aguardar que o Ministério Público obtenha a prova da condenação com trânsito em julgado, para apurar o requisito de oposição à aquisição de nacionalidade previsto no artigo 9.º, alínea b) da Lei da Nacionalidade.

E cremos que a questão terá de merecer resposta positiva pelos seguintes argumentos:

. Primeiro, existe uma decisão contraditória entre dois Acórdãos do TCAS, já transitados em julgado;

. Uma delas, sendo embora interlocutória, ou seja, não conter uma decisão de mérito sobre o fundo da causa, não deixa de assumir uma relevância extrema sobre a decisão que vier a ser proferida a final [além de que, quanto a saber se pode nestes casos haver lugar à suspensão da instância ou não, firmou-se uma decisão definitiva] não podendo por isso ser excluída do objecto deste tipo de recursos - cf. neste sentido João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil, edª AAFDL 1980, pág. 100],

Posto isto, cumpre analisar se os demais requisitos se verificam, in casu, isto é, se o Acórdão recorrido, perante um quadro jurídico e factual idêntico ao do Acórdão fundamento, decidiu de forma diferente a questão da suspensão da instância prevista no artigo 272.º, n.º 1 do CPC, requerida pelo Ministério Público, com vista a obter a prova da condenação com trânsito em julgado, através das autoridades competentes, pelo crime e pena indicada, visando-se assim apurar do preenchimento do requisito impeditivo da aquisição da nacionalidade previsto na alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade.

Vejamos, sucintamente.

Acórdão recorrido de 15/12/2016:

. O Acórdão recorrido foi proferido em 15/12/2016, sendo autor o Ministério Público e réu A... de nacionalidade brasileira que havia requerido a nacionalidade com fundamento em ligação à comunidade portuguesa, por via do casamento;

. Invocou o MP que lhe havia chegado ao conhecimento que aquele já fora procurado pelas autoridades brasileiras, através de um pedido de extradição, alegadamente pela prática de crime de homicídio negligente (acidente de viação), pedido que, entretanto, fora cancelado.

. No decurso do processo, requereu o MP que fosse suspensa a instância até à junção de CRC e sentença crime, uma vez que, no caso do réu ser condenado no processo crime, a oposição teria de ser julgada procedente atento o disposto no artigo 9.º, alínea b) da Lei 37/81 de 3/10 e 56.º, n.º 2, alínea b) do DL n.º 237-A/2006 de 14/12.

. Esta pretensão - suspensão da instância - foi negada e por sentença de 27/08/2015 o Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a oposição, ordenando o prosseguimento do processo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, com vista à concessão da nacionalidade portuguesa do réu;

. Esta sentença de 1.ª instância foi confirmada pelo Acórdão recorrido, dele constando os seguintes argumentos:

De acordo com o disposto no artigo 272.º n.º 1 do CPC novo (correspondente ao artigo 279.º n.º 1 do CPC antigo) "... o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado".

Na situação presente está em causa a aquisição da nacionalidade portuguesa por cidadão brasileiro em razão da vontade fundada no casamento há mais de três anos com cidadã nacional.

A aquisição da nacionalidade em razão da vontade fundada no casamento há mais de três anos com cidadã nacional depende da verificação dos já referidos pressupostos positivos - i) a constância de um casamento por mais de três anos com um cidadão de nacionalidade portuguesa, e ii) a manifestação da vontade de querer ser cidadão português - e da não verificação de nenhuma circunstância impeditiva de tal aquisição, nos termos da lei - a) inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional (cf. alínea a) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade), b) condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa; c) exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro; d) existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei - que venha a ser declarada em ação de Oposição à aquisição da nacionalidade deduzida pelo Ministério Público.

No caso o recorrido A..., que se encontra a residir em Portugal, na Covilhã, desde, pelo menos, o ano de 2000, contraiu ali casamento civil, em 09/10/2003, com cidadã portuguesa, tendo em 13/01/2010, na constância daquele casamento, apresentado declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa.

Ora se o fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade previsto na alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade é o da "...condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa", a mera possibilidade de o requerente da nacionalidade portuguesa vir a ser condenado (no futuro) naquela pena, ainda que por factos ocorridos em momento anterior ao da manifestação da vontade de aquisição da nacionalidade, não consubstancia circunstância impeditiva da aquisição da nacionalidade portuguesa, nem justifica que o processo fique a aguardar que se venha a verificar tal eventual condenação.

Só a condenação, com trânsito em julgado, pode obstar à aquisição da nacionalidade. Se a condenação não se verifica nem se verificava à data em que foi instaurada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO a Oposição à aquisição de nacionalidade, constituindo mera circunstância de verificação futura incerta e eventual, a Oposição à aquisição da nacionalidade com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade sempre teria que improceder. Pelo que não se justificava a suspensão da instância ao abrigo do artigo 272.º n.º 1 do CPC novo (correspondente ao artigo 279.º n.º 1 do CPC antigo), propugnada pelo recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO.

[...]

3.10 - A sentença recorrida fez, pois, correta interpretação e aplicação dos artigos 9.º alínea b) da Lei da Nacionalidade e 56.º alínea b) do seu Regulamento, ao considerar que não se verificava o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade ali previsto nos seguintes termos:

«... a mera suspeita de ter praticado um crime não é motivo impeditivo da aquisição da nacionalidade portuguesa.

Efetivamente, a nossa lei é taxativa no que a este fundamento de oposição respeita, apenas prevendo, expressamente, como facto impeditivo da aquisição da nacionalidade a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.

Verifica-se, quer pelos documentos juntos aos autos, quer pelos demais esforços promovidos no sentido de apurar e averiguar sobre tal situação, que, até ao momento, não há notícia de que o Requerido tenha sido julgado ou condenado por qualquer ilícito criminal nem em território brasileiro, nem em território nacional.

Não podem, assim, considerar-se verificados os fundamentos de oposição invocados.»

Acórdão fundamento [01-03-2012]:

. O Acórdão fundamento foi proferido em 01/03/2012, sendo autor o Ministério Público e réu B... de nacionalidade brasileira que havia requerido a nacionalidade com fundamento em ligação à comunidade portuguesa, por via do casamento;

. Invocou o MP que lhe havia chegado ao conhecimento que sobre aquele pende uma medida cautelar de paradeiro, bem como uma medida de expulsão do território nacional e que o mesmo é ainda suspeito de se encontrar ligado a actividades ilícitas, designadamente pela prática de crimes susceptíveis de punição com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos - al. b) do artigo 9.º da Lei 37/81 e alínea b) do n.º 1 do artigo 56.º do DL n.º 237-A/2006 de 14/12;

. Logo em sede de petição inicial, o MP requereu que fosse suspensa a instância até que seja proferida decisão, com trânsito em julgado, no âmbito do processo do SEF que determinou a expulsão do território nacional do réu.

. Este pedido de suspensão da instância foi indeferido;

. Desta decisão foi interposto recurso para o TCAS, o qual pelo Acórdão fundamento concedeu provimento ao recurso e ordenou a baixa dos autos para ser determinada a suspensão da instância até decisão final do processo crime, dele constando a seguinte argumentação:

«o Ministério Público alegou a existência de um parecer do SEF que desaconselhou a concessão da nacionalidade portuguesa ao R., por sobre o mesmo pender medida cautelar de paradeiro para notificação do indeferimento do artigo 88.º da Lei de Estrangeiros, bem como uma medida de expulsão do território nacional.

Alegou ainda que da ficha biográfica enviada pela Polícia Judiciária constava um pedido de paradeiro activo desde 22.06.2009, além de que o R. é suspeito de se encontrar ligado a actividades ilícitas, susceptíveis de punição do mesmo com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, existindo, portanto, indícios de indesejabilidade do pretendente para a comunidade nacional.

Conclui o Ministério Público que, ao decidir como decidiu, a douta sentença violou o disposto nos artigos 9.º, alínea b), da Lei 37/81, na redacção da Lei 2/2006, de 17 de Abril, 56º, n.º 2, do Decreto-Lei 237-A/2006, de 14 de Dezembro e 343º do Código Civil. Pede o Ministério Público, a final, a revogação da decisão proferida, a qual deverá ser substituída por outra que suspenda a instância até decisão final do processo crime, por forma a ser feita a devida justiça.

É esta a questão a apreciar.

É certo, como observa a decisão recorrida, que os fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, de acordo com o artigo 9.º da Lei da Nacionalidade e Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL.n.º 237-A/2006 são, i) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional, ii) A condenação, com trânsito em julgado, de sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos, e iii) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.

É certo que não se provou a existência do requisito ii), pois não existe qualquer condenação do R. pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos.

Todavia, o Parecer do SEF e a ficha biográfica remetida pela Polícia Judiciária (fls.71 e seguintes) aludem a uma medida cautelar de paradeiro para notificação, o que, não obstante os documentos juntos pelo R. (contrato de trabalho a termo certo e contrato de arrendamento) deixa pairar algumas dúvidas sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e a prática de ilícitos, apesar de não ter sido produzida prova sobre a matéria.

Ou seja, o facto de ser desconhecido o paradeiro do R. e de este estar casado com uma portuguesa, e ainda a existência de uma medida de expulsão do território Nacional, aconselham que se faça uso de prudência na concessão da nacionalidade portuguesa, o que pode ser conseguido através da suspensão da instância até esclarecimento das dúvidas em causa, para esclarecimento dos factos.

Na verdade, o artigo 279.º n.º 1 do Código de Processo Civil permite ao Tribunal ordenar a suspensão da instância por determinação do juiz, quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado (sublinhado nosso).

Como diz Alberto dos Reis, "o juiz tem o poder de suspender a instância, quando há motivo justificado para ordenar essa medida" (cf. "Comentário ao Código de Processo Civil", vol. 3.º, p. 265).

Trata-se, a nosso ver, de interpretar um conceito indeterminado, o que envolve o uso de certo grau de discricionariedade, por parte do juiz.

No caso concreto está em causa o interesse público de evitar uma situação irreversível que conceda ao R. a nacionalidade portuguesa e o mesmo poder vir a ser condenado nos termos supra referidos. A suspensão da instância tem a vantagem de evitar que tal suceda até esclarecimento da verdade quanto ao comportamento do R. pelo que deve ser decretada.

Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso do Ministério Público, ordenando a baixa dos autos para ser determinada a suspensão da instância até decisão final do processo crime.».

. O réu interpôs recurso de revista do Acórdão fundamento, que não foi admitido;

A leitura dos transcritos Acórdãos evidencia que existe divergência fundamental entre os mesmos no tocante ao quadro legal que regulamenta o instituto da suspensão da instância previsto no artigo 279.º do CPC.

Com efeito, quer o Acórdão Recorrido, quer o Acórdão Fundamento, perante a redacção da alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade - «condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa» - entendem que a mera possibilidade de o requerente da nacionalidade portuguesa vir a ser condenado (no futuro) naquela pena, ainda que por factos ocorridos em momento anterior ao da manifestação da vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, não preenche o referido requisito.

Porém, no Acórdão recorrido, consignou-se ainda que, se só com a condenação com trânsito em julgado pode obstar à aquisição de nacionalidade, essa condenação teria de estar demonstrada à data em que a mesma foi instaurada ou demonstrada nos autos até à decisão final do processo, não bastando para preencher a al. b), do artigo 9.º da LN uma mera circunstância de verificação futura, incerta e eventual; e assim concluiu não se justificar a suspensão da instância, prevista no artigo 272.º do CPC.

Por seu turno e em sentido inverso, no Acórdão Fundamento entendeu-se que não estando provado nos autos até à decisão final o requisito previsto na alínea b) do artigo 9.º, mas havendo motivos justificados, como sendo a circunstância de tal poder vir a ocorrer, designadamente porque havia um parecer do SEF e uma ficha biográfica da Polícia Judiciária que aludiam a uma medida cautelar de paradeiro para notificação e dúvidas sobre a existência de prática de ilícitos, se justificava a suspensão da instância, pese embora ainda não ter sido produzida prova sobre tais factos; e assim, integrou tais dúvidas no "motivo justificado" a que alude o artigo 272.º do CPC, por poder vir a ocorrer uma situação futura de condenação e determinou a suspensão da instância do processo, ordenando a baixa dos autos até decisão final do processo crime.

É, pois, inequívoca a verificação de oposição, dado que ambos os acórdãos em confronto se pronunciaram em sentido divergente sobre a mesma questão de direito, e no âmbito da mesma regulamentação jurídica; e, porque também se verificam os demais requisitos da admissibilidade deste recurso de uniformização de jurisprudência [artigo 152.º do CPTA), impõe-se a apreciação do mérito do mesmo.

3 - Do mérito do recurso

Como supra deixámos exposto, a questão que se discute nos dois arestos é a de saber se em processo de oposição à aquisição da nacionalidade, com fundamento no conhecimento de que os Requeridos/estrangeiros, teriam cometido crimes punidos pelo Código Penal Português com pena de prisão igual ou superior a três anos, deverá ser suspensa a instância após os articulados, nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do Código do Processo Civil, a fim de aguardar que o Ministério Público obtenha a prova da condenação com trânsito em julgado, através das autoridades competentes, para se apurar se se mostra preenchido o requisito de oposição à aquisição da nacionalidade previsto no artigo 9.º, al. b), da Lei da Nacionalidade, Lei 37/81, de 3/10, na redacção da Lei Orgânica 2/2006, de 17/04, e com referência ao artigo 56.º, n.º 2, al. b), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14/12.

Trata-se, assim, da mesma questão fundamental de direito, isto é a interpretação a dar, no âmbito de acção de aquisição da nacionalidade portuguesa, com fundamento no casamento com cidadã de nacionalidade portuguesa, no mesmo contexto factual, ao artigo 9.º, al. b), da Lei da Nacionalidade - Lei 37/81, de 3/10 e ao artigo 56.º, n.º 2, al. b), do respectivo Regulamento - DL n.º 237-A/2006, de 14/02, bem como a aplicação da suspensão da instância prevista no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, e se é de considerar ou não o interesse público visando evitar uma situação irreversível que conceda ao Requerido a nacionalidade portuguesa, quando o mesmo possa vir a ser condenado depois de intentada a respectiva oposição à aquisição de nacionalidade por crime punido com pena que na lei penal portuguesa impede a concessão dessa mesma nacionalidade.

E cremos não existirem quaisquer dúvidas que o entendimento vertido no Acórdão recorrido é o único que se compadece com a redacção do artigo 272.º do CPC e com a redacção dos artºs supra mencionados da Lei da Nacionalidade.

Na verdade, o requisito [negativo] previsto na alínea b) do artigo 9.º da LN - condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos segundo a lei portuguesa - tem de ser invocado e provado pelo autor da oposição da aquisição à nacionalidade, de acordo com as regras previstas no artigo 342.º do CC, ou seja, "Àquele que invocar um direito, cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado".

Por outro lado, a suspensão da instância prevista no artigo 272.º do CPC, não tem por finalidade, transferir para o juiz um ónus que compete à parte, no sentido de suspender a instância à espera que a parte prove um facto que já devia ter apresentado como provado desde o início ou, pelo menos, até à data da prolação da sentença; e nem nos parece que o caso sub judice se possa enquadrar "na dependência do julgamento de outra causa", nem em qualquer outro motivo justificado, pois se assim fosse, as oposições poderiam permanecer suspensas tempos infinitos à espera da prova de um facto que competia ao Ministério Público ter apresentado como provado desde o início da instauração da acção, ou no decorrer da mesma, o que não fez; por outro lado, significaria transferir para o julgador, um ónus que sempre pertenceria ao autor Ministério Público.

Mostra-se, pois, correcta a interpretação e decisão do Acórdão recorrido [e não a do Acórdão fundamento] quando refere que o fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade prevista na al. b), do artigo 9.º da LN é o da "condenação, com trânsito em julgado, da sentença e não a mera possibilidade de o requerente vir a ser condenado (no futuro) naquela pena, ainda que por factos ocorridos em momento anterior ao da manifestação da vontade de aquisição da nacionalidade, não constituindo esta mera possibilidade circunstância impeditiva da aquisição à nacionalidade, nem se justificando que o processo fique a aguardar que se venha a verificar tal (eventual) condenação".

Com efeito, só a condenação, com trânsito em julgado, pode obstar à aquisição da nacionalidade. Se a condenação não se verifica, nem se verificava, à data em que foi instaurada pelo MP a oposição à aquisição de nacionalidade, constituindo mera circunstância de verificação futura incerta e eventual, a oposição à aquisição da nacionalidade com o fundamento previsto na alínea b), do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade sempre teria que improceder.

Pelo que não se justificava a suspensão da instância ao abrigo do artigo 272.º n.º 1 do CPC propugnada pelo recorrente MP.

Ressuma do que deixamos dito, que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão Recorrido, e deve ser fixada jurisprudência no sentido por este propugnado.

IV. Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, e em fixar jurisprudência no sentido de que «só a condenação, com trânsito em julgado, pode obstar à aquisição da nacionalidade. Se a condenação não se verificava à data em que foi instaurada pelo MP a oposição à aquisição de nacionalidade, constituindo mera circunstância de verificação futura incerta e eventual, a oposição à aquisição da nacionalidade com o fundamento previsto na alínea b), do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade sempre teria que improceder, não sendo de aplicar o regime da suspensão da instância previsto no n.º 1 do artigo 272.º do Código do Processo Civil».

Sem custas, dada a isenção legal objectiva concedida ao recorrente.

Cumpra-se o disposto no n.º 4, «in fine», do artigo 152.º do CPTA.

D. N.

Lisboa, 21 de Setembro de 2017. - Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Jorge Artur Madeira dos Santos - António Bento São Pedro - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz - Maria Benedita Malaquias Pires Urbano - Ana Paula Soares Leite Martins Portela.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/3152644.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1981-10-03 - Lei 37/81 - Assembleia da República

    Aprova a Lei da Nacionalidade.

  • Tem documento Em vigor 2006-02-14 - Lei 2/2006 - Assembleia da República

    Cria o Provedor do Ouvinte e o Provedor do Telespectador nos serviços públicos de rádio e de televisão.

  • Tem documento Em vigor 2006-04-17 - Lei Orgânica 2/2006 - Assembleia da República

    Altera a Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade) e republica-a em anexo.

  • Tem documento Em vigor 2006-12-14 - Decreto-Lei 237-A/2006 - Ministério da Justiça

    Aprova o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, publicado em anexo, e introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, assim como ao Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado por ele aprovado.

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