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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 1/2014, de 30 de Janeiro

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Sumário

Das decisões sobre o mérito da causa proferidas pelo juiz relator, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do Tribunal cabe reclamação para a conferência, nos termos do art. 27.º, 2 do CPTA, tenha sido ou não invocado o disposto no seu art. 27.º, 1, al. i); este mesmo regime é aplicável aos processos do contencioso pré-contratual. (Processo n.º 1360/13 - 1.ª Secção)

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1/2014

Acórdão do STA de 05-12-13, no Processo 1360/13

Processo 1360/13 - 1.ª Secção

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO

A ..., S. A. vem interpor recurso de revista, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do TCA Sul, de 21-02-2013, que rejeitou o recurso de apelação que havia interposto da sentença do TAF de Beja numa acção de contencioso pré-contratual contra o Município de Beja.

No TCA Sul entendeu-se que:

"Como estabelece o artigo 27.º n.º 2 do CPTA, o assim decidido pelo Relator não é sindicável através de recurso para o Tribunal Superior, mas sim através de reclamação para a conferência do próprio Tribunal, ou melhor, para a formação de três juízes prevista no n.º 3 do artigo 40.º do mesmo diploma legal."

(...)

"Por conseguinte, a decisão em crise era, e é, insusceptível de recurso imediato, mas susceptível de reclamação para a conferência, como estabelece o n.º 2 do citado artigo 27.º, pelo que não se pode conhecer do recurso, o qual, aliás, nem deveria ter sido admitido como tal (cf. n.º 5 do artigo 685.º- C do CPC).

(...)"

E, decidiu-se assim:

"Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, deste TCAS, em rejeitar o presente recurso jurisdicional com as legais consequências."

No recurso da decisão que vem de ser transcrita a Recorrente - A ..., S. A. - apresentou as seguintes conclusões:

1) Deve ser proferido Acórdão de Revista sobre as questões aqui em discussão,

2) Revogando-se o Acórdão do TCA Sul de 21-2-2013, que rejeita o recurso interposto, devendo os autos descer ao TCA Sul, admitindo-se o recurso e, seguindo os trâmites subsequentes, para ser proferida decisão de mérito.

3) Assim o impõe a nulidade de que enferma, pela contradição entre fundamentos e decisão;

4) E assim o exige a inaplicabilidade ao caso "sub judice" do artigo 27.º do CPTA,

5) Seja porque tal norma apenas se aplica a despachos (e não a sentenças);

6) Seja por o artigo 40.º, n.º 3 do ETAF ser inaplicável;

7) Seja porque nunca foi invocada a alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA em 1.ª Instância;

8) Seja porque os seus requisitos não se verificam "in casu";

9) O que preclude a aplicação do n.º 2 do artigo 27.º do CPTA.

10) Assim, deve ser revogado o Acórdão recorrido, decidindo-se de mérito o recurso interposto para o TCA,

11) Acórdão que faz incorrecta interpretação e aplicação da lei [especificamente dos artigos 40.º, n.º 3 do ETAF e 27.º, n.º 1 alínea i) e n.º 2 do CPTA] e do Ac. do STA (Pleno), n.º 3/2012, em violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Não houve contra-alegações.

Por acórdão deste STA, de fls. 647 e segs., foi a revista admitida, em apreciação preliminar sumária, por aquela Formação ter entendido, em suma, que "A questão relevante controvertida nestes autos consiste em saber se nas circunstâncias do caso, em que, a sentença não faz invocação expressa do uso dos poderes do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA, e em acção urgente nos termos do artigo 100 do CPTA, a sentença proferida por juiz singular sofre de nulidade processual por incumprir o disposto no artigo 40.º n.º 3 do ETAF, ou essa norma não é aplicável por alguma ou várias das razões apontadas no processo, ou outras."

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do artigo 40.º, 3 do CPTA não ser aplicável às acções relativas ao contencioso pré-contratual. O referido parecer foi notificado às partes que nada disseram.

Pelo Exmo. Presidente do Supremo Tribunal Administrativo foi determinado, nos termos do artigo 148.º, 1 do CPTA que no julgamento do recurso interviessem todos os juízes da Secção de Contencioso Administrativo.

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1 - MATÉRIA DE FACTO

Os factos e ocorrências processuais relevantes para conhecer o presente recurso são os seguintes:

a) A autora, A ..., intentou a presente acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo (adjudicação) em matéria de contencioso pré-contratual contra o Município de Beja e outros contra-interessados.

b) Foi proferido despacho saneador em 3 de Agosto de 2012.

c) Em 5 de Novembro de 2012, foi proferida sentença por juiz singular, sem que o juiz expressamente tenha invocado o disposto no artigo 27.º, 1, alínea i) do CPTA.

d) Da referida sentença foi interposto recurso - admitido em 27-11-2012 - para o Tribunal Central Administrativo, que proferiu a decisão, objecto da presente revista, aqui dada como integralmente reproduzida e da qual se destaca o seguinte:

"Como estabelece o artigo 27.º n.º 2 do CPTA, o assim decidido pelo Relator não é sindicável através de recurso para o Tribunal Superior, mas sim através de reclamação para a conferência do próprio Tribunal, ou melhor, para a formação de três juízes prevista no n.º 3 do artigo 40.º do mesmo diploma legal."

(...)

"Por conseguinte, a decisão em crise era, e é, insusceptível de recurso imediato, mas susceptível de reclamação para a conferência, como estabelece o n.º 2 do citado artigo 27.º, pelo que não se pode conhecer do recurso, o qual, aliás, nem deveria ter sido admitido como tal (cf. n.º 5 do artigo 685.º-C do CPC).

(...)"

"Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, deste TCAS, em rejeitar o presente recurso jurisdicional com as legais consequências".

2.2 - MATÉRIA DE DIREITO

2.2.1 - Objecto do recurso: questões a decidir

Deve dizer-se, antes de mais, que relativamente à aplicação do artigo 27.º, 2 do CPTA (reclamação para a conferência dos despachos do relator) foi proferido acórdão para fixação de jurisprudência pelo Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo (acórdão de 5-6-2012, recurso 0420/12, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 19-9-2012, sob o n.º 3/2012).

Foram, entretanto, proferidos dois recentes acórdãos pela Secção de Contencioso Administrativo, mantendo a jurisprudência (acórdão de 10-10-2013, proferido no recurso 01064/13 e 5-11-2013, proferido no recurso 0532).

No presente recurso estão colocadas essencialmente duas questões - cuja apreciação se justificaria - e daí a admissão da revista - por o acórdão de fixação de jurisprudência não ser totalmente claro relativamente a ambas:

(i) saber se a reclamação para a conferência dos despachos do relator, a que alude o artigo 27.º, 2, do CPTA só existe nos casos em que tenha sido invocada a simplicidade da causa, nos do artigo 27.º, 1, i), do mesmo Código;

(ii) saber se este regime é aplicável aos processos do contencioso pré-contratual.

O recorrente considera ainda haver a nulidade do acórdão recorrido, por contradição entre os fundamentos e a decisão, mas sem qualquer razão. Com efeito, o recorrente qualifica como nulidade a circunstância do acórdão recorrido ter aplicado a doutrina do acórdão para fixação de jurisprudência aos casos em que a decisão de mérito foi proferida por juiz singular, mas sem a invocação do artigo 27.º, 1, alínea i) do CPTA. Ou seja, para o acórdão recorrido não havia que fazer qualquer distinção entre os casos em que era ou não era feita a referida invocação. Ora, esta pressuposição pode estar errada - e a questão irá ser apreciada - mas se estiver certa justifica plenamente a conclusão. Não há, portanto, contradição entre os fundamentos e a decisão.

Impõe-se, então, apreciar as questões acima destacadas, começando por apreciar a aplicação do artigo 27.º, 2 do CPTA aos processos do contencioso pré-contratual.

2.2.2 - Aplicação do artigo 27.º, 2, do CPTA aos processos do contencioso pré-contratual.

A questão vem colocada, apesar do acórdão para fixação de jurisprudência do Pleno deste STA de 5-6-2012 (recurso 420/12) - publicado no Diário da República, 1.ª série, de 19.9.12, sob o n.º 3/2012), que fixou jurisprudência no sentido de que "Das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2, não recurso" - ter sido proferido num processo do contencioso pré-contratual.

Ali se pode ver o seguinte:

"(...)

Se confrontarmos o teor de ambos os arestos logo verificamos ser patente a contradição de julgados. Com efeito, em ambos os casos estavam em causa processos de contencioso pré-contratual, a decidir por tribunal colectivo (artigo 40.º, n.º 3, do ETAF), mas em que o relator, por ter entendido enquadrar a situação na hipótese contemplada na alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA ("Compete ao relator, sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código": "Proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada"), proferiu decisão a que terá chamado sentença. O acórdão recorrido, cujo segmento decisório se transcreveu integralmente, concluiu no sentido de que o decidido apenas podia ser impugnado por via da reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2 do preceito. O acórdão fundamento entendeu que, tratando-se de uma "sentença", o meio próprio seria o recurso jurisdicional.

(...)".

Embora, não tenha havido uma justificação exaustiva sobre a aplicabilidade do artigo 40.º, 3 do ETAF ao contencioso pré-contratual, a verdade é que o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo referiu expressamente - como se vê da parte acima destacada - que "em ambos os casos estavam em causa processos do contencioso pré-contratual, a decidir por tribunal colectivo (artigo 40.º, n.º 3 do ETAF)".

A admissão da revista, já depois do acórdão do Pleno, justifica que se coloque a questão de saber se deve, ou não, seguir-se, o entendimento aí fixado relativamente às acções de contencioso pré-contratual, isto é, saber se o julgamento destas acções deve ser feito nos termos do artigo 40.º, 3 do ETAF.

A nosso ver a resposta deve ser afirmativa.

Em primeiro lugar não há razões válidas para nos afastarmos do entendimento do acórdão para fixação de jurisprudência relativamente aos casos em que não há qualquer dúvida sobre a aplicação do artigo 40.º, 3, do ETAF. Neste sentido se tinha pronunciado MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, CPTA, anotado, Coimbra, 2006, Vol. I, pág. 94: "Nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal administrativo de círculo, o processo é julgado, tanto de facto como de direito, por uma formação de três juízes - cabendo ao relator, nos termos do artigo 27.º, do CPTA (sob reclamação para a conferência) os poderes aí referidos relativos à direcção do processo que será julgado colectivamente." Também ARMINDO RIBEIRO MENDES, CJA, n.º 97, pág. 26 e seguintes, em anotação ao acórdão para fixação de jurisprudência citado, apesar de considerar que o "acórdão acolhe uma posição demasiado formalista" referiu também que "De um ponto de vista técnico-jurídico não é susceptível de censura o acórdão que se anota, porquanto, sendo o tribunal colegial - ainda que em primeira instância - a decisão singular deve ser susceptível de reponderação pelo colégio, que proferirá a decisão final. Daí a previsão da reclamação no artigo 27.º, 2".

Deste modo, tendo este Supremo Tribunal fixado jurisprudência em termos plausíveis (como decorre da anotação de MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA anterior ao mesmo acórdão) e técnico-juridicamente irrepreensíveis (como reconheceu ARMINDO RIBEIRO MENDES) não há qualquer razão para não a seguir, nos casos em que seja indiscutível a aplicação do artigo 40.º, 3 do CPTA.

Em segundo lugar e adiantando a conclusão também não vemos razões válidas para nos afastarmos do entendimento admitido ou pressuposto no mesmo acórdão quanto à aplicação do artigo 40.º, 3, do ETAF às acções do contencioso pré-contratual.

O artigo 40.º do ETAF sob a epígrafe "funcionamento" diz-nos no n.º 1 que os tribunais administrativos de círculo funcionam como juiz singular, a cada juiz competindo o julgamento, de facto e de direito. O n.º 2 reporta-se às acções administrativas comuns. O n.º 3, tem a seguinte redacção:

"Nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito".

O contencioso pré-contratual previsto no artigo 100.º do CPTA tem uma tramitação especial, na Secção II do Titulo IV (processos urgentes). No que diz respeito à tramitação o artigo 102.º diz-nos no n.º 1:

"Os processos do contencioso pré-contratual obedecem à tramitação estabelecida no capítulo III do título III, salvo o preceituado nos números seguintes."

No n.º 3, alínea b) do mesmo artigo 102.º, sobre prazos, diz-se, textualmente:

"Os prazos a observar são os seguintes:

(...)

"b) 10 dias para a decisão do juiz ou relator, ou para este submeter o processo a julgamento".

Finalmente, no artigo 92.º, 1, (inserido no capítulo III do título III) do CPTA é dito o seguinte:

"Concluso o processo ao relator, quando não deva ser julgado por juiz singular, tem lugar a vista simultânea aos juízes-adjuntos, que, no caso de evidente simplicidade da causa, pode ser dispensada pelo relator."

Das normas transcritas decorre que, no artigo 102.º do CPTA, está prevista a submissão do processo a julgamento pelo relator, ou seja, está implicitamente admitido o julgamento por uma formação de três juízes. Submeter o processo a julgamento pelo relator, significa submeter o processo à conferência, quando o julgamento deva ser feito por essa formação.

Ora, a norma remissiva (artigo 102.º, 1, do CPTA) não faz qualquer restrição quanto aos termos da tramitação da acção administrativa especial. A remissão é, portanto, também para o artigo 92.º, 1, do CPTA que regula a recolha dos vistos dos juízes adjuntos. Nem essa restrição resulta imperiosamente do tipo de litígios em causa, na medida em que a maior objectividade e ponderação resultante de uma intervenção de três juízes no julgamento, tanto se justifica nas acções administrativas especiais, como nas do contencioso pré-contratual, que sigam essa tramitação.

Se o julgamento do contencioso pré-contratual fosse, em todos os casos, feito sempre por um juiz singular, não fazia sentido a referência do artigo 102.º, 3, alínea b) do CPTA, nem se compreenderia uma remissão sem reservas para a tramitação da acção administrativa especial, incluindo-se aí a tramitação sobre a recolha de vistos dos juízes adjuntos.

Assim, estando prevista expressamente na lei a possibilidade do relator submeter a julgamento o processo do contencioso pré-contratual, e remetendo a lei sem reservas, para a tramitação da acção administrativa especial, a regra que determina os casos em que há julgamento por juiz singular ou por uma formação de três juízes é a do artigo 40.º, 3 do ETAF. Em suma: o artigo 40.º, 3 do ETAF é aplicável às acções do contencioso pré-contratual por força da remissão do artigo 102.º, 1, do CPTA.

2.2.3 - Aplicação do artigo 27.º, 2, mesmo que o juiz não tenha invocado o disposto no artigo 27.º, 1, i)

O acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 10-10-2013, proferido no processo 01064/13, respondeu negativamente à questão de saber se o n.º 2 do artigo 27.º apenas era aplicável se o julgador tivesse invocado o disposto no artigo 27.º, 1, i) do mesmo código.

Embora o acórdão tenha um voto de vencido, aderimos ao entendimento aí seguido.

Vejamos porquê.

Quando a lei determina que o julgamento da matéria de facto e de direito cabe a uma "formação de três juízes" (artigo 40.º, 3 do ETAF) está a atribuir a esta entidade a competência para esse acto.

É esta competência originária que justifica a reclamação para a conferência.

Se existe o ónus de reclamar para a conferência quando o juiz invoque a simplicidade da causa; por maioria de razão deve existir quando o juiz a não invoque.

A razão que justifica a reclamação para a conferência, no caso do juiz dispensar a intervenção da formação de três juízes, é a mesma que justifica essa reclamação se não houver essa dispensa: sendo a competência originária da formação cabe-lhe a si a decisão final. A justificação da atribuição da competência a três juízes (maior ponderação e objectividade do julgamento) também é mesma, quer o juiz diga que vai dispensar a conferência, quer a dispense sem dizer nada. Aliás, é desnecessária a proclamação expressa do juiz dizendo que vai decidir sozinho, nos casos em que efectivamente o faz.

Por outro lado, tal como se decidiu no acórdão para fixação de jurisprudência (de 5-6-2012, proc. 0420/12) é irrelevante a distinção entre despachos e sentenças: "Por outro lado, é irrelevante que em ambos os casos se lhe possa ter chamado "sentença" pois aquilo que foi emitido foi sempre e só a "decisão" a que alude a referida alínea i), alínea que foi invocada, desde o início, como fundamento para decidir por juiz singular aquilo que estava previsto na lei, como regra geral (artigo 40.º, n.º 3, do ETAF), para ser adoptado por tribunal colectivo. É, pois, a invocação desse preceito que captura definitivamente a regra contida no n.º 2. Das decisões proferidas por juiz singular que, nos termos da lei, devam ser apreciadas por tribunal colectivo, há sempre, e apenas, reclamação para a conferência. Nunca recurso. Acresce, ainda, que não é o nome dado aos actos pelos participantes processuais que altera a sua essência. Cada acto processual ou instituto jurídico é o que é em consequência do modo como a lei os caracteriza, das suas qualidades próprias, e não por virtude do nome que lhes atribuímos. Se assim não fosse, e seguindo a perspectiva da recorrente, qualquer despacho de um relator deixaria de o ser se lhe chamasse sentença, ficando sujeito a recurso jurisdicional e não à reclamação para a conferência que o legislador desenhou para essa situação."

Finalmente, a exigência de reclamação para a formação de três juízes não viola o direito ao recurso, como se decidiu no citado acórdão para fixação de jurisprudência (de 5-6-2012, proc. 0420/12): "(...) E, como é óbvio, esta posição não viola qualquer preceito constitucional, designadamente os invocados pela recorrente, pois a reclamação para a conferência é uma forma como outra qualquer de reagir contra decisões desfavoráveis que não limita - antes acrescenta - as formas de reacção. (...)".

Portanto, a nosso ver, o artigo 27.º, 2, é aplicável quer o relator tenha, ou não, invocado os poderes a que alude o artigo 27.º, 1, i) do CPTA, sendo certo que o regime jurídico aplicado não sofre de qualquer inconstitucionalidade (máxime a violação do direito ao recurso). Tendo sido este o entendimento seguido pelo acórdão do TCA Sul, deve negar-se provimento ao recurso.

3 - Decisão

Face ao exposto, os juízes da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Após trânsito dê cumprimento ao disposto no artigo 148.º, n.º 4 do CPTA.

Lisboa, 5 de dezembro de 2013. - António Bento São Pedro (relator) - Vítor Manuel Gonçalves Gomes - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Rui Manuel Pires Ferreira Botelho - Jorge Artur Madeira dos Santos - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - Maria Fernanda dos Santos Maçãs (com declaração de voto que se anexa).

Voto de vencida

São duas as questões analisadas no presente Acórdão e cuja fundamentação não acompanhamos, pelas razões que passamos a expor.

A primeira tem a ver com a interpretação que se faz do artigo 40.º, n.º 3, do ETAF no sentido de o mesmo se aplicar aos processos de contencioso pré-contratual, por força da remissão do artigo 102.º do CPTA.

Em nossa óptica, o artigo 40.º, n.º 3, do ETAF é muito claro ao limitar-se a referir "as acções administrativas especiais de valor superior à alçada".

Subjacente à razão de ser do preceito estará o facto de o legislador pretender compensar com a intervenção de um colectivo a impugnação de actos de órgãos superiores do Estado, cuja ilegalidade, no domínio da LPTA, era apreciada em primeira instância pelo STA(1). Para além desta razão material, o legislador acrescentou outra traduzida no valor da acção. São assim duas as razões que presidem à teleologia intrínseca do preceito: i) preservar a dignidade de actos praticados por órgãos superiores do Estado; ii) e o valor da acção.

Não obstante se reconheça que a letra do artigo 40.º, n.º 3, do ETAF vai além do núcleo essencial da razão de ser do preceito ao ligar a exigência de formação de três juízes ao valor superior à alçada (das acções administrativas especiais), tal não justifica, porém, que haja fundamento para estender o referido preceito ao contencioso pré-contratual.

As razões que se prendem com a remissão do artigo 102.º, n.º 1, do CPTA para as normas de tramitação da acção administrativa especial são muito diferentes e têm que ver com o facto de este tipo de acção se considerar em geral, no âmbito do contencioso administrativo, o processo adequado a impugnar actos administrativos ou actos equiparados, o que significa que a sua tramitação também é naturalmente adequada ao contencioso pré-contratual.

Por outro lado, estamos a falar de uma norma de competência e, como tal, o seu sentido material é tão só o de determinar o tribunal competente. Outra coisa bem diferente são as normas relativas à tramitação, que são normas instrumentais ou laterais em relação às de competência, o que nos leva a entender a remissão do artigo 102.º do CPTA para a tramitação da acção administrativa especial como independente em relação estatuído naquele preceito.

Em favor da tese da aplicação da norma do artigo 40.º, n.º 3, do ETAF ao contencioso pré-contratual improcede igualmente o argumento retirado da utilização da palavra "relator" feita nos artigos 102.º, n.º 3, alínea b), e 92.º, n.º 1, do CPTA, pois estamos perante preceitos de alcance geral em que a expressão "relator" tanto pode significar o juiz/relator dos tribunais de círculo, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, como o juiz/relator do STA, uma vez que também este pode funcionar aqui como tribunal de primeira instância.

Em suma, atenta a diferente natureza das normas em causa e a sua justificação material, estender o artigo 40.º, n.º 3, do ETAF para além do núcleo de situações justificadas pela sua teleologia intrínseca associado ao entendimento sufragado por este Supremo Tribunal para o artigo 27.º, n.º 2, do CPTA, pode conduzir a restrição injustificada da justiça material.

A segunda questão prende-se, precisamente, com o sentido e o alcance do artigo 27.º, n.º 2, do CPTA, conjugado com o artigo 40.º, n.º 3, do CPTA.

O argumento usado no Acórdão do STA, de 10/10/2013, processo 1064/13, no sentido de que "o artigo 27.º/2 do CPTA não relaciona a necessidade de reclamação para a Conferência com a prévia e expressa indicação de que o Relator vai decidir ao abrigo do que se dispõe no seu artigo 27/1/i), não individualizando as situações em que se faz essa invocação daquelas em que ela não é feita e, por isso, não fazendo qualquer distinção entre elas", só pode ser usado, em nossa óptica, para justificar a actuação dos relatores que decidam como juiz singular nos tribunais superiores. Com efeito, como aqui a regra é a do julgamento em colectivo, mesmo que o relator nada diga quanto às razões da sua intervenção como juiz singular já se sabe que dos seus despachos cabe reclamação para a conferência.

Agora o mesmo argumento perde toda a sua racionalidade quando transposto para os tribunais administrativos de círculo onde, como também ficou dito, a regra é do julgamento com juiz singular (artigos 40.º, n.º 1, e 46.º, n.º 1, do ETAF). Neste caso, a não explicitação dos poderes ao abrigo dos quais é emitida a sentença que decida a causa, para além de não propiciar o controlo do colectivo, é susceptível de induzir em erro o recorrente, podendo constituir um obstáculo não justificado ao direito à tutela judicial efectiva.

Na verdade, numa situação, como a dos autos, em que é controversa a aplicabilidade do artigo 40.º, n.º 3, do ETAF, se o juiz, embora entendendo que devia haver julgamento em colectivo, mas por achar que a questão é simples, profere sentença, sem invocar a simplicidade da causa nem nada adiantar quanto ao uso dos seus poderes, poderá exigir-se que o recorrente "adivinhe" que afinal não se trata de um despacho e não uma sentença do qual deve reclamar e não recorrer?

Se ao exposto acrescentarmos que tendo o recorrente interposto recurso da sentença do juiz "a quo" para o TCA Norte, dentro do prazo, mas posteriormente é confrontado com a rejeição do recurso e com a impossibilidade de convolação do mesmo para reclamação, uma vez que o prazo desta é mais curto, não podemos deixar de considerar que é de facto afectado o seu direito à tutela judicial efectiva.

Finalmente, entendemos que a questão não pode merecer tratamento diferente depois do Acórdão do STA de 5/6/2012.

Com efeito, aquele Acórdão teve como objecto uma oposição entre dois arestos do TCA "sobre a questão de saber se a decisão tiver sido tomada pelo juiz relator, no quadro da invocação dos poderes conferidos pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA, haverá lugar a reclamação para a conferência, por força do n.º 2, ou se, pelo contrário, estará sujeita a recurso jurisdicional, nos termos gerais, face ao disposto no artigo 142.º, n.º 1".

Analisada apenas esta questão, o Acórdão limitou-se a concluir que "das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2, não recurso».

Assim sendo, na óptica do acórdão uniformizador, não cabe reclamação para a conferência de todas as decisões que o juiz relator profira sobre o mérito da causa; mas só de parte delas - as "proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA», sendo que esta expressão, posta entre vírgulas, é gramaticalmente delimitativa de quais sejam as "decisões» (do juiz relator sobre o mérito da causa) de que caberá "reclamação para a conferência».

Do exposto resulta, em nossa opinião, que o Acórdão uniformizador, além de não ter contribuído para clarificar o âmbito de aplicação do artigo 40.º, n.º 3, do ETAF, perfilhou, sobre o alcance do artigo 27.º, n.º 2, do CPTA, conjugado com aquele preceito, uma jurisprudência que, por não cobrir todas as hipóteses, aumentou as perplexidades que se adensam à volta dos preceitos em causa.

Assim sendo, afigura-se que o resultado interpretativo a que se chegou no Acórdão recorrido sobre os preceitos em causa, para além de não ser facilmente apreensível por um destinatário normal, também não tem em conta as exigências do direito à tutela judicial efectiva nem da protecção da confiança.

Lisboa, 5 de dezembro de 2013. - Maria Fernanda dos Santos Maçãs.

(1) Neste sentido, cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Civil, Almedina, 2010, pp. 402-03.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/315142.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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