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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 4/2012, de 20 de Setembro

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Sumário

Uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: As empresas de distribuição e venda de fogo de artifício podem ser adjudicatárias nos concursos para produção de espectáculos pirotécnicos, com lançamento e queima de fogo de artifício, desde que, para o efeito, apresentem os operadores pirotécnicos necessários, devidamente credenciados pela PSP, independentemente de quem os indicou para credenciação. (Processo n.º 1097/11 - Pleno da 1.ª Secção)

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2012

Processo 1097/11 - Pleno da 1.ª Secção

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1 - Relatório

1.1 - Pirotecnia Minhota, Lda., devidamente identificado nos autos, vem recorrer, ao abrigo do disposto no artigo 152.º do CPTA, para uniformização de jurisprudência, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de fls. 27 a 36 dos autos, que, negando provimento ao recurso jurisdicional para ele interposto da sentença do TAF do Funchal de 30/6/2011, julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual por ela interposta contra a Região Autónoma da Madeira - Secretaria Regional do Turismo e Transportes, mantendo a adjudicação no concurso "para fornecimento, instalação e queima de fogo de artifício para as festas de passagem de ano 2010-2011», à contra-interessada "Macedos, Pirotecnia, Lda.».

Indicando como acórdão fundamento o Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do mesmo Tribunal de 13/10/2011, proferido no processo 7915/11, formulou, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

1.ª O acórdão impugnado parte do pressuposto de que uma entidade não detentora de habilitação legal para a instalação e queima de fogo-de-artifício pode ser adjudicatária desde que cometa a execução da prestação a técnicos habilitados por terceira entidade, ela própria habilitada a credenciar os técnicos necessários;

2.ª Sem que essa comissão consubstancie uma verdadeira e própria subcontratação e consequente violação das normas do Código dos Contratos Públicos (CCP), que restringe essa possibilidade;

3.ª E o acórdão referência estabelece exactamente o contrário, seja quanto à necessidade legal de habilitação, consagrada na norma do artigo 38.º do Decreto-Lei 376/84, de 30 de Novembro, quer quanto à proibição da subcontratação, estabelecida nas indicadas normas do CCP, vg. as dos artigos 81.º e 84.º;

4.ª Com efeito, o concurso público encetado sob o concurso n.º 4/SRTT- DRT/2010 - dirigia-se ao "fornecimento, instalação e queima de fogo de artifício para as Festas de Passagem do ano 2010-2011»;

5.ª O acto impugnado - acolhido pela doutrina do acórdão recorrido - deferiu a adjudicação a entidade não detentora de qualquer habilitação legal exigível para a execução da prestação contratada, de "instalação e queima de fogo-de-artifício», envolvendo instalação e queima de fogo-de-artifício, não estando a adjudicatária licenciada para qualquer actividade relacionada com a utilização de produtos pirotécnicos;

6.ª E não pode confundir-se - erro em que, com a devida vénia, incorre o acórdão - a necessidade de habilitação legal, exigível pela norma do artigo 81.º, n.º 6, do Código dos Contratos Públicos (CCP), com a faculdade de o adjudicatário poder contratar junto de terceiros, com recursos humanos destes, obrigações acessórias à prestação objecto do concurso;

7.ª Entendimento diverso - de preterição da norma do artigo 81.º, n.º 6, do CCP - leva a que qualquer um possa contratar qualquer prestação de serviço ou outra, que de seguida iria "subcontratar» por qualquer via, enviesando os mecanismos legais;

8.ª A simples autorização para actividade de "venda de produtos explosivos» (artigo 18.º, n.º 1) não estende essa habilitação à actividade de produção e de credenciação de pessoal técnico habilitado à queima ou produção de espectáculo de fogo-de-artifício; não transforma um "estanqueiro» num produtor de materiais pirotécnicos nem o habilita a credenciar o pessoal executor material do espectáculo;

9.ª Da doutrina acolhida no acórdão impugnado resultam violadas as normas do artigo 81.º, n.os 4 e 6, do Código dos Contratos Públicos, bem como as normas do artigo 38.º daquele Decreto-Lei 376/84, de 30 de Novembro;

10.ª O que, associada à evidenciada contradição, constitui fundamento de revogação do douto acórdão impugnado.

Termos em que, e nos melhores de direito do douto suprimento do Venerando Tribunal, deve o presente recurso ser admitido, reconhecida a existência da referida contradição entre os identificados arestos, devendo, em consequência, ser proferido acórdão que revogue o acórdão impugnado, com todas as legais consequências.

Assim se fazendo Justiça!

1.2 - O Réu, ora recorrido, contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

I - Para efeitos de admissão do recurso de uniformização de jurisprudência, entende-se existir contradição entre acórdãos quando os mesmos tenham decidido de forma diversa a mesma questão de direito, o que supõe uma situação de facto substancialmente idêntica.

II - Embora nos dois processos judiciais se discuta a questão da habilitação legal para a realização de espectáculos pirotécnicos, a identidade das situações é apenas aparente, na medida em que o adjudicatário no processo onde foi proferido o acórdão fundamento não reúne as habilitações que a sociedade aqui recorrida comprovou possuir, o que levou a que a discussão da questão fosse feita em planos jurídicos distintos.

III - A sociedade adjudicatária no processo em que foi proferido o acórdão fundamento não estava habilitada a lançar e queimar fogo-de-artifício no espectáculo a realizar, pelo que teve de recorrer a uma terceira entidade para o efeito.

IV - No processo em que foi proferido o acórdão impugnado, o fogo foi lançado pelo próprio adjudicatário, que comprovou perante a entidade adjudicante ser uma empresa pirotécnica, apresentou todas as licenças para a realização do espectáculo em seu nome (cf. fls. 1152 e segs. do PA), tendo comprovado ainda que os técnicos habilitados para o lançamento do fogo eram seus trabalhadores, como resulta claro dos documentos de fls. 203 a 306 do PA, cujo conteúdo foi dado por reproduzido na alínea O) dos factos provados.

V - A questão fulcral discutida no processo onde foi proferido o acórdão impugnado consistiu em saber se os técnicos e operadores poderiam ou não ser indicados para credenciação pela Polícia de Segurança Pública, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º das Instruções sobre a utilização de artigos pirotécnicos emitidas pelo Departamento de Armas e Explosivos da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, aprovadas em 20 de Julho de 2007, por uma outra sociedade, enquanto fábrica ou oficina pirotécnica, e esta questão não foi apreciada nem decidida no acórdão fundamento.

VI - Face ao exposto, conclui-se que os pressupostos fácticos e jurídicos em que assentaram o acórdão impugnado e o acórdão fundamento não são os mesmos, pelo que as decisões em sentido diferente não implicam contradição de julgados, não devendo o presente recurso ser admitido.

VII - Sem prejuízo e caso se decida pela admissão do recurso, a argumentação utilizada pela recorrente assenta, com o devido respeito, num evidente erro de análise, que consiste no facto de confundir a habilitação legal para a realização de espectáculos pirotécnicos com a habilitação legal para produzir material pirotécnico ou para indicar queimadores para credenciação pela Polícia de Segurança Pública.

VIII - Ora, a sociedade aqui recorrida "é uma sociedade comercial por quotas, registada sob o número de matrícula 504465592, que tem por objecto a 'organização, montagem e prestação de espectáculos de fogo de artifício, luz e música, comércio, importação e exportação de fogo de artifício, artigos pirotécnicos e explosivos, desenho pirotécnico'» [cf. alínea N) dos factos provados], que "é detentora da Carta de Estanqueiro n.º 3214, emitida pela Polícia de Segurança Pública em 23 de Março de 2009», e que "é titular do alvará 15/2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 48, de 10 de Março de 2009» [cf. alínea P) dos factos provados].

IX - É, como tal e para efeitos do artigo 5.º das Instruções, uma empresa pirotécnica que reúne as condições necessárias para que, a seu pedido, lhe seja autorizada pela autoridade policial competente a realização de espectáculos de pirotecnia.

X - A empresa pirotécnica para poder lançar o fogo-de-artifício precisa de ter ao seu dispor pessoas tecnicamente habilitadas para o efeito, que devem ser indicadas pelos técnicos responsáveis de qualquer fábrica ou oficina pirotécnica, cabendo a respectiva credenciação ao Departamento de Armas e Explosivos da DN/PSP, nos termos do artigo 17.º, n.os 1 e 2, das referidas Instruções.

XI - De facto, a sociedade recorrida, não sendo uma fábrica ou oficina pirotécnica, não tem a faculdade de indicar os queimadores para credenciação, mais isso não a impede, de modo algum, de realizar espectáculos pirotécnicos, pois o que é legalmente exigido para a realização do espectáculo é que seja assegurado pela empresa pirotécnica encarregue do mesmo número de técnicos necessários à sua realização em segurança, devidamente credenciados pela PSP, independentemente de quem os indicou para credenciação.

XII - O facto de os operadores técnicos terem sido indicados para credenciação por uma outra sociedade, enquanto fábrica ou oficina pirotécnica, como é exigência legal, não significou qualquer desvio às regras do concurso público ou qualquer situação de subcontratação.

XIII - Simultaneamente com a notificação da adjudicação, foram solicitados à sociedade recorrida os documentos de habilitação, entre os quais as credenciais emitidas pela Polícia de Segurança Pública dos operadores tecnicamente habilitados para lançamento e queima de fogo, que foram devidamente juntas ao procedimento administrativo [cf. alínea O) dos factos provados], pelo que a decisão de adjudicação se manteve válida e eficaz.

XIV - Esta questão foi devidamente apreciada no douto acórdão impugnado que, fundamentadamente, concluiu pela inexistência da ilegalidade invocada pela recorrente, fazendo uma correcta aplicação das normas aplicáveis.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser rejeitado o presente recurso, por não se mostrarem verificados os requisitas de admissibilidade legalmente previstos, ou, assim não se entendendo, ser proferida decisão uniformizadora que conclua pela inexistência da ilegalidade invocada pela recorrente, pois só assim se fará a Costumada Justiça!

1.3 - A contra-interessada não contra-alegou.

1.4 - O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, nada disse.

1.5 - Foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre decidir.

2 - Fundamentação

2.1 - Nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes:

a) Que exista contradição entre um acórdão de uma das Secções (do Contencioso Administrativo ou do Contencioso Tributário) do TCA e um outro anterior, da mesma Secção do TCA ou do STA ou entre dois acórdãos da mesma Secção do STA;

b) Que essa contradição se verifique relativamente à mesma questão fundamental de direito;

c) Que tenham transitado em julgado quer o acórdão recorrido quer o que seja invocado como fundamento do recurso;

d) Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Para além disso, e como vem sendo uniformemente entendido por este Pleno, mantêm-se válidas as regras, definidas pela jurisprudência anterior à vigência do CPTA e pacificamente aceites (Vd., p. ex. M. Aroso de Almeida/C. A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed. rev., 2007, p. 884.), segundo as quais:

i) Para cada questão, relativamente à qual pretenda ocorrer contradição, deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento;

ii) Só é configurável a oposição relativamente a decisões expressas e não a julgamentos implícitos;

iii) A identidade da questão essencial de direito sobre que recaíram os dois acórdãos - o recorrido e o fundamento - supõe uma situação de facto substancialmente idêntica; e

iv) Só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro desses acórdãos (cf., por todos, os recentes acórdãos do Pleno deste STA de 16/9/2010 e de 14/10/2010, proferidos nos processos n.os 296/09 e 149/10, respectivamente).

Neste quadro, vejamos, em primeiro lugar, se se verificam ou não os pressupostos de admissibilidade do recurso.

A questão que o recorrente erigiu como a questão fundamental de direito em relação à qual considera que os acórdãos em confronto decidiram contraditoriamente é a seguinte: "uma entidade não detentora de habilitação legal para a instalação e queima de fogo-de-artifício pode ser adjudicatária de um concurso para a prestação desses serviços desde que cometa a execução dessa prestação a técnicos habilitados por terceira entidade, ela própria habilitada a credenciar os técnicos necessários?»

O acórdão recorrido, na sua fundamentação, assentou os seguintes factos: i) a adjudicatária é uma sociedade comercial por quotas, que tinha por objecto a "organização, montagem e prestação de espectáculos de fogo-de-artifício, luz e música, comércio, importação e exportação de fogo-de-artifício, artigos pirotécnicos e explosivos, desenho pirotécnico» [alínea N) do probatório da sentença do TAF do Funchal, que foi dado por reproduzido]; ii) é detentora da carta de estanqueiro e detém alvará de paiol para armazenagem de produtos pirotécnicos [alínea P)]; iii) apresentou, para a celebração do contrato em causa, 85 credenciais dos operadores tecnicamente habilitados para lançamento de fogo-de-artifício da nossa empresa [alínea O)].

Tendo decidido que a adjudicatária estava devidamente habilitada para o concurso, pois que, para além de estar licenciada para a comercializar produtos pirotécnicos, o que relevava, em matéria de lançamento do fogo, era a existência de lançadores credenciados pela PSP, independentemente de quem os tivesse apresentado para credenciação.

No seu discurso fundamentador escreveu-se:

"No caso em apreço, a contra-interessada adjudicatária é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto a 'organização, montagem e prestação de espectáculos de fogo-de-artifício, luz e música, comércio, importação e exportação de fogo de artifício, artigos pirotécnicos e explosivos, desenho pirotécnico' (cf. fl. 13 do PA) e que é detentora de carta de estanqueiro n.º 3214, emitida pela PSP em 23 de Março de 2009 (cf. fl. 200 do PA).

É, por conseguinte, uma empresa que reúne as condições para que, a seu pedido, lhe seja autorizada pela entidade policial competente a realização de espectáculos pirotécnicos.

No entanto, a habilitação legal para a realização de espectáculos pirotécnicos não se confunde com a habilitação legal para indicar queimadores para credenciação.

Ou seja, a empresa pirotécnica para poder lançar o fogo-de-artifício necessita de ter aos seu dispor pessoas tecnicamente habilitadas para o efeito, as quais devem ser indicadas pelo técnicos responsáveis de qualquer fábrica ou oficina pirotécnica, cabendo a respectiva credenciação aos departamento de Armas e Explosivos da DN/PSP (cf. artigo 17.º, n.os 1 e 2, das Instruções).

De facto, a contra-interessada adjudicatária, não sendo uma fábrica ou oficina pirotécnica, não tem a faculdade de indicar os queimadores para credenciação, mas tal não impede, de modo algum, de realizar espectáculos pirotécnicos.

O que é legalmente exigido para a realização do espectáculo é que estejam afectos à empresa pirotécnica do mesmo o número de técnicos necessários à sua realização em segurança, devidamente credenciados, independentemente de quem os indicou para credenciação. (Itálico nosso.)

Persiste contudo a recorrente na discordância a o alegar na conclusão 10.ª da sua alegação que "[...] a simples autorização para actividade de 'venda de explosivos' (artigo 18.º, n.º 1) mesmo acompanhada do requisito exigível a que se refere a norma do artigo 18.º, n.º 2, como ocorre de detenção de paiol, não estende essa habilitação à actividade de produção e de credenciação de pessoal técnico habilitado à queima ou produção de espectáculo de fogo-de-artifício; não transforma num estanqueiro num produtor de materiais pirotécnicos nem habilita a credenciar pessoal executor material do espectáculo".

O erro de apreciação em que incorre a Recorrente consiste no facto de confundir a habilitação legal para a realização dos espectáculos pirotécnicos com a habilitação legal para produzir material pirotécnico ou para indicar queimadores para credenciação pela PSP.

Com referimos supra, a empresa pirotécnica para poder lançar o fogo-de-artifício necessita de ter aos seu dispor pessoas tecnicamente habilitadas para o efeito, que devem ser indicados pelos técnicos responsáveis de qualquer fábrica ou oficina pirotécnica, cabendo a respectiva credenciação ao Departamento de Armas e Explosivos da DN/PSP.

Por conseguinte, o que é legalmente exigido para a realização do espectáculo é que seja assegurado pela empresa pirotécnica encarregue do mesmo o número de técnicos necessários à sua realização com segurança, devidamente credenciados pela PSP, independentemente de quem os indicou para credenciação.»

Por sua vez, o acórdão fundamento assentou na seguinte matéria de facto: i) a adjudicatária tem por objecto social a "produção de espectáculos, comercialização de produtos pirotécnicos e produções multimédia» [alínea J) do probatório]; e ii) mediante a notificação para juntar os documentos de habilitação ao concurso [alínea K)], a adjudicatária apresentou uma declaração da Pirotecnia Oleirense - Fogos de Artifício, Lda., em que referia que ia fornecer os fogos-de-artifício para o concurso em causa e que o mesmo seria lançado pelos dois técnicos que indicou e que considerou tecnicamente habilitados para procederem ao lançamento de fogos por ela produzidos e comercializados [alínea L)].

Tendo, com base nela, decidido que a adjudicatária não estava devidamente habilitada, com o seguinte discurso fundamentador (fls. 54-55, que constituem fls. 97-98 dos presentes autos):

"Ora, mais importante do que o objecto social (que aqui aliás não ajuda a C-I) é a certificação que referimos, aqui a certificação da habilitação profissional exigível para o exercício legítimo da actividade de: concepção, produção e realização de espectáculo piromusical.

Desconhecemos a necessidade de habilitação legal para a concepção e produção cit., mas existe legislação que impõe autorização administrativa (habilitação) para realizar um espectáculo pirotécnico, com ou sem música (Vd. Decreto-Lei 376/84 - 'Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem e Emprego de Produtos Explosivos').

E é um artifício falar em produção mista aqui ou multidisciplinar: está sempre em causa, pelo menos, queimar e lançar fogo-de-artifício na noite de fim de ano, para o que a concorrente C-I não estava e não está legalmente habilitada (v. artigo 81.º, n.º 4, do CCP), como resulta do PA e é confirmado pelo último facto dado como provado.

Mas, não estando ela legalmente habilitada ou seus profissionais, poderia 'subcontratar' tal prestação principal a outra empresa?

Não. Os teores do artigo 81.º, n.º 4, cit. e do artigo 84.º, n.º 1, do CCP comprovam-no. O 1.º refere-se a concorrente; o segundo exige habilitação legal com referência a um membro ou a todos os membros do agrupamento, i. e., a ele(s) próprio(s).

A habilitação legal exigida no CCP é, assim, a certificada quanto ao próprio concorrente como entidade jurídica e não a habilitação profissional de outra entidade não concorrente que vá prestar serviços à concorrente adjudicatária.

Portanto a C-I devia ter sido excluída do concurso até porque, como se diz na p. i., "preencheram-se as previsões dos artigos 146-2-o e 70-2-f do CCP com referência ao citado 'Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem e Emprego de Produtos Explosivos' e caducou a adjudicação ocorrida".»

Do confronto dos dois acórdãos verifica-se que a habilitação legal a que se reportam, quer um, quer outro, é a habilitação para lançar e queimar fogo-de-artifício, que decorre do artigo 38.º do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos (RFACEPE), aprovado pelo Decreto-Lei 376/84, de 30 de Novembro.

Tal é o que decorre, de modo cristalino, de toda a fundamentação do acórdão recorrido e se extrai também das referências, no acórdão fundamento, a "queimar e lançar fogo de artifício», à habilitação se reportar à empresa "ou seus profissionais» e a que a falta desses requisitos é confirmada pelo último facto dado como provado, segundo o qual "o fogo seria lançado pelos técnicos da fabricante do fogo».

Tendo o acórdão recorrido decidido que a adjudicatária, que apresentou para lançadores operadores pirotécnicos habilitados por outra entidade, estava devidamente habilitada, e o acórdão fundamento considerado que não, pois que, como quem ia fornecer e lançar o fogo era uma outra empresa, a Pirotecnia Oleirense, que tinha operadores tecnicamente habilitados e credenciados para proceder a esse lançamento, esta indicação consubstanciava uma subcontratação para executar o objecto do contrato, o que era proibido pelo Código dos Contratos Públicos (artigos 81.º, n.º 4, e 84.º, n.º 1).

Ou seja, ambos os acórdãos decidiram a mesma questão, que corresponde à questão erigida pela recorrente como tendo neles sido decidida contraditoriamente.

A identidade das situações de facto não é apenas aparente, como considera a recorrida, pois que o que releva é apenas a situação que foi verdadeiramente determinante da solução alcançada.

Na verdade, se é certo que, no acórdão recorrido, a adjudicatária estava licenciada para a comercialização de fogo-de-artifício e que, no acórdão fundamento, não foi apurado se o mesmo acontecia ou não, a falta de habilitação legal que foi decidida, e decisiva, neste acórdão, não foi a decorrente da falta dessa licença, que, por isso mesmo até nem foi apurada, mas sim a decorrente da falta de habilitação para lançar e queimar fogo, falta essa também apreciada e decisiva na decisão tomada, em sentido contrário, no acórdão recorrido.

O fundamento para a verificação dessa habilitação, num caso, e não verificação, noutro, foi precisamente o mesmo: os operadores técnicos para o lançamento e queima do fogo não terem sido habilitados, para credenciação pela PSP, pelas adjudicatárias.

O que significa que o que determinou as decisões contraditórias foi a solução dada a esta mesma questão nos acórdãos em confronto, contradição essa que, como bem salienta a recorrente, está reflectida e expressa nos votos de vencido dos respectivos relatores, o relator de cada acórdão, vencido no outro de sentido diferente.

Com efeito, no acórdão recorrido, em que esta questão foi decidida no sentido de ser admissível a indicação de operadores habilitados por outra empresa, o relator do acórdão fundamento apresentou uma declaração no sentido de que era "muito duvidosa a solução encontrada, atento o princípio da concorrência e a exigência de que a habilitação não deva admitir subcontratação noutra empresa habilitada». E, no acórdão fundamento, em que esta questão foi decidida no sentido de não ser admissível essa indicação, o relator do acórdão recorrido apresentou uma declaração em que dizia que "os técnicos operadores indicados, para credenciação por outra sociedade, enquanto fábrica ou oficina pirotécnica, como é exigência legal, não significa qualquer desvio das regras ou qualquer situação de subcontratação».

O que aponta claramente para que o que foi efectivamente determinante das respectivas decisões (de habilitação ou de falta dela) foi a questão dos operadores pirotécnicos terem ou não sido indicados pelas adjudicatárias à PSP como habilitados para lançamento do seu fogo, para efeitos de credenciação por esta entidade.

A apontada contradição ocorreu na vigência do mesmo quadro jurídico.

Ambos os acórdãos transitaram em julgado e o recurso foi interposto no prazo de 30 dias a contar da data do trânsito em julgado do acórdão recorrido.

Finalmente, não existe jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal sobre essa questão jurídica.

Verificam-se, portanto, os requisitos para a admissão do recurso, pelo que há que proceder ao conhecimento do seu mérito, cumprindo a este Supremo Tribunal, decidindo a questão controvertida, uniformizar a jurisprudência (artigo 152.º, n.º 6, do CPTA).

E conhecendo.

2.2 - Como resulta do expendido relativamente à admissão do recurso, o objecto deste está circunscrito à questão de saber se a adjudicatária no concurso impugnado na acção a que se reporta o acórdão recorrido é ou não de considerar legalmente habilitada para esse mesmo concurso, mas apenas pelo facto de ter indicado operadores pirotécnicos para lançamento e queima do fogo credenciados pela PSP, que não foram indicados a esta entidade como habilitados a fazê-lo por ela mas sim por uma sociedade terceira.

E, desde já adiantamos que, corroborando a doutrina do acórdão recorrido, consideramos que é de considerar devidamente habilitada.

Na verdade, o fabrico, venda e comercialização de materiais explosivos, bem como a instalação e queima de fogo-de-artifício encontram-se regulados nos vários regulamentos relacionados com estas actividades aprovados pelo Decreto-Lei 376/84, de 30 de Novembro, tendo ainda a Polícia de Segurança Pública emitido as Instruções sobre a Utilização de Artigos Pirotécnicos, aprovadas por despacho do Director Nacional de 20 de Julho de 2007, que podem ser consultadas em http:/www.apipe.org/docs/INSTRUCAO%20PSP%20FOGOS%20ARTIFICIO%20aprovada.pdf, que se encontram a fls. 84 a 111 dos autos.

Entre esses Regulamento figura o Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos (RFACEPE).

O fabrico está regulado nos artigos 8.º e seguintes, a comercialização nos artigos 18.º e seguintes e o emprego nos artigos 30.º e seguintes.

O artigo 38.º, sobre a epígrafe "Lançamento ou queima de fogo-de-artifício», estatui:

"1 - O lançamento de foguetes ou a queima de quaisquer outros fogos-de-artifício só poderá ser feito por pessoas tecnicamente habilitadas, indicadas pelo técnicos responsáveis das fábricas de pirotecnia ou das oficinas pirotécnicas, mediante licença concedida pela autoridade policial de cada município à entidade ou pessoa interessada, na qual serão indicados os locais onde o fogo deve ser guardado e onde deve ser feito o lançamento ou a sua queima, sem perigo ou prejuízo para terceiros.»

Por sua vez, nas referidas Instruções da PSP, define-se empresa pirotécnica como a "Pessoa física ou jurídica, devidamente autorizada pela DN/PSP como fabricante, importador ou distribuidor de artigos pirotécnicos, que assume as operações de montagem do espectáculo pirotécnico e a realização do lançamento, e garante a utilização de artigos pirotécnicos legais e adequados» [n.º 3, alínea o)]. Operador pirotécnico como a "Pessoa com conhecimentos específicos, devidamente credenciada, pela legislação em vigor, autorizada a manipular/ou usar fogo-de-artifício da categoria 4, artigos pirotécnicos para teatro da categoria T2 e7 ou outros artigos pirotécnicos da categoria P2, tal como são definidos no Anexo A» [artigo 3.º, alínea cc)]. E, relativamente à credenciação destes operadores, estabelece-se ainda que: "as pessoas tecnicamente habilitadas para lançamento de foguetes ou fogos-de-artifício são as que forem indicadas pelos técnicos responsáveis das fábricas ou oficinas pirotécnicas» [artigo 17.º, § 1.º]; "A indicação daquelas pessoas é feita ao Departamento de Armas e Explosivos (DEPAEXP) da DN/PSP, a quem caberá a respectiva credenciação, materializada no Anexo F, das presentes instruções» [§2.º]; e "A credenciação do operador pirotécnico, efectuada por indicação de um técnico responsável de uma fábrica ou oficina de pirotecnia, não afasta a possibilidade da sua credenciação por outra, ou outras, em simultâneo» [§5.º].

O que resulta deste quadro jurídico é o objectivo de assegurar a máxima segurança no manuseamento e lançamento do fogo-de-artifício.

E, para o efeito, estabeleceu-se, no artigo 38.º do RFACEPE, que o fogo só pode ser lançado por pessoas tecnicamente habilitadas, sendo consideradas como tal as pessoas que forem indicadas pelos responsáveis técnicos das fábricas ou oficinas de pirotecnia que os fabriquem. O que bem se compreende, pois que cada fábrica pode produzir fogo com características e com técnicas diferentes, que os operadores devem conhecer. A habilitação exige formação e essa formação deve ser específica. E, como tal, os operadores pirotécnicos apenas podem ser considerados habilitados pelos fabricantes do fogo a queimar.

Mas a lei também integra no circuito da actividade pirotécnica a comercialização do fogo. E não fazia sentido que uma entidade que pudesse vender fogo ficasse completamente impedida de proceder ao lançamento do fogo que vende, sendo certo que, por norma, o comprador, que não o pode lançar, contrata incluindo no negócio esse lançamento. E, como tal, o que a lei exige e as Instruções da PSP bem ilustram é que, nestas condições, o vendedor (distribuidor de produtos pirotécnicos, de acordo com as instruções) apresente operadores pirotécnicos habilitados pelos fabricantes do fogo a queimar e, por força de tal habilitação, credenciados pela PSP.

É indiferente que esses operadores pirotécnicos pertençam ou não ao quadro dessas empresas, pois se, conforme decorre do estabelecido no § 5.º do n.º 17 das Instruções da PSP, segundo o qual "A credenciação do operador pirotécnico, efectuada por indicação de um técnico responsável de uma fábrica ou oficina de pirotecnia, não afasta a possibilidade da sua credenciação por outra, ou outras, em simultâneo», os operadores não têm que ser dos quadros das fábricas ou oficinas que os habilitam, é indiscutível que também não têm que ser quadros dos distribuidores que os indicam. O lançamento até pode ser executado em regime de prestação de serviços, o que é preciso é que os operadores estejam credenciados pela PSP, na sequência da habilitação pelos respectivos fabricantes.

A indicação de operadores que não sejam dos quadros das adjudicatárias é, portanto, irrelevante, não constituindo também o simples facto desses operadores não terem sido indicados por elas como habilitados, para efeitos de credenciação pela PSP, qualquer situação de subcontratação, pois que, como resulta do expendido, uma coisa é essa habilitação, que as adjudicatárias, como simples distribuidoras, não podiam fazer, e outra a sua utilização, depois de credenciados, que já podia ser feita.

Em face do exposto, impõe-se concluir que a indicação dos operadores pirotécnicos feita pela adjudicatária, que contemplava o número de operadores necessários para o lançamento e queima do fogo, e estando eles devidamente credenciados pela PSP, em face da indicação que lhes tinha sido feita pelos técnicos responsáveis da fábrica que produziu o fogo que ia ser queimado, satisfazia os requisitos habilitacionais exigidos para o cumprimento do objecto do concurso.

Improcedem, assim, todas as conclusões das alegações da recorrente, não padecendo a deliberação impugnada do vício de violação de lei que lhe foi assacado, tal como decidiram as sentenças do TAF do Funchal e o acórdão impugnado.

3 - Decisão

Em face do exposto, acorda-se, no Pleno desta Secção, em:

a) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido e julgando improcedente a acção;

b) Fixar a seguinte jurisprudência:

"As empresas de distribuição e venda de fogo-de-artifício podem ser adjudicatárias nos concursos para produção de espectáculos pirotécnicos, com lançamento e queima de fogo-de-artifício, desde que, para o efeito, apresentem os operadores pirotécnicos necessários, devidamente credenciados pela PSP, independentemente de quem os indicou para credenciação.»

Custas pela recorrente.

Publique-se (artigo 152.º, n.º 4, do CPTA).

Lisboa, 5 de Junho de 2012. - António Bernardino Peixoto Madureira (relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - Rosendo Dias José - Américo Joaquim Pires Esteves - Luís Pais Borges - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Adérito da Conceição Salvador dos Santos - Jorge Artur Madeira dos Santos - António Políbio Ferreira Henriques - António Bento São Pedro - Fernanda Martins Xavier e Nunes.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/303706.dre.pdf .

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  • Tem documento Em vigor 1984-11-30 - Decreto-Lei 376/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios da Defesa Nacional, da Administração Interna, da Justiça, das Finanças e do Plano, do Trabalho e Segurança Social, da Indústria e Energia, do Comércio e Turismo e do Equipamento Social

    Aprova o Regulamento sobre o Licenciamento dos Estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos, o Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos e o Regulamento sobre Fiscalização de Produtos Explosivos.

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