I - Relatório. - 1 - Victor Manuel Bento Batista, melhor identificados nos autos, vem, ao abrigo do artigo 103.º-C da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), intentar contra o Partido Socialista, ação de impugnação de três deliberações da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista (CNJ do PS), proferidas em 20.10.2010, 04.04.2011 e 14.01.2012, relativas ao ato eleitoral, realizado no dia 09.10.2010, para a eleição do Presidente da Federação Distrital de Coimbra, ato a que ele Autor se candidatou.
O A. pede (i) que sejam declaradas nulas as referidas deliberações e, supletivamente, para quando assim se não entenda, (ii) que seja ordenado à CNJ do PS «que se pronuncie sobre a validade e regularidade do ato eleitoral, ocorrido em 09.10.2010, para eleição do titular do cargo de Presidente da Federação Distrital de Coimbra, no recurso que foi interposto pelo candidato Mário Ruivo da deliberação da Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra de 16.10.2010 e de forma a que a sua respetiva deliberação ou acórdão possa ser jurisdicionalmente apreciada por este Tribunal Constitucional, ou quando assim se também não entenda, (iii) que seja ordenado ao Partido Socialista a marcação da 2.ª volta do referido ato eleitoral ocorrido em 09.10.2010.
Para tanto, alega, em síntese, que:
«a) Ao ato eleitoral de 9 de outubro de 2010 para Presidente da Federação Distrital de Coimbra apresentaram-se dois candidatos.
b) A validade e regularidade do ato eleitoral foram apreciadas pela Comissão Organizadora do Congresso que por sua deliberação de 13 de outubro de 2010 anulou as votações em diversas assembleias de voto.
c) Desta deliberação da Comissão Organizadora do Congresso recorreram os dois candidatos para a Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra, a qual, apreciando a validade e regularidade do ato eleitoral, por seu Acórdão de 16 de outubro de 2010, igualmente anulou as votações em diversas assembleias de voto, dando provimento ao recurso interposto pelo candidato Victor Batista.
d) Desta deliberação recorreu apenas o outro candidato, Mário Ruivo, para a Comissão Nacional de Jurisdição, não tendo esta chegado "a tomar posição sobre nenhuma das ilegalidades e ou irregularidades" apontadas, conforme o reconheceu o Tribunal Constitucional.
e) A Comissão Nacional de Jurisdição, recebido o aludido recurso não procedeu à sua instrução como lhe impõe o artigo 81.º, n.º 1, alínea b) dos Estatutos e artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Regulamento Disciplinar.
f) Nem notificou por carta registada o outro candidato, Victor Batista, para responder ou contra-alegar por escrito à matéria do recurso para ela interposto pelo candidato Mário Ruivo, em violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes.
g) Em consequência o Acórdão de 20 de outubro de 2010 da CNJ é nulo, seja por violação do princípio do contraditório e de igualdade de armas das partes (artigos 3.º e 3.º A do CPC, entre outros), seja ainda por deficit de instrução (artigo 56.º, 87.º e 91.º, n.º 2 do CPA).
h) Como também é nulo, por não permitir o seu conhecimento por parte do Tribunal Constitucional, sendo insuscetível de poder ser jurisdicionalmente apreciada, em ostensiva violação da alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 34.º da Lei dos Partidos Políticos.
i) Não sendo declarada a nulidade da deliberação e Acórdão de 20 de outubro de 2010, perante o resultado apurado de 2264 votos no candidato A, 2262 votos no candidato B e 29 votos brancos, nenhum candidato poderá ser declarado eleito.
j) Como entende a Comissão Nacional de Eleições "O voto em branco era um voto que de forma alguma podia ser considerado menos expressivo da vontade o eleitor", o que resulta igualmente dos fundamentos da decisão impugnada (artigo 668.º, alínea d) do CPC) pelo que, não se verifica a maioria absoluta dos votos expressos exigida pelo n.º 6 do artigo l9.º dos Estatutos. E, l) "Quando não se verifique na primeira volta maioria referida no número anterior, realiza-se uma segunda volta... sendo eleito... o candidato que obtiver a maioria dos votos expressos" (n.º 7 do artigo l9.º dos Estatutos do PS).
m) Assim, perante aquele resultado eleitoral, não sendo declarada nula a deliberação de 20 de outubro de 2010, necessário se torna proceder à segunda volta do ato eleitoral e em consequência deveria a CNJ dar procedência ao recurso para ela interposto, da decisão de indeferimento tácito da marcação da 2.ª volta do ato eleitoral.
Nestes termos e nos melhores de direito, devem ser declaradas nulas e sem efeito algum as deliberações da Comissão Nacional de Jurisdição e respetivos Acórdãos que os integram, constantes dos respetivos processos n.º 201/10 e seu apenso n.º 1/2011, deliberações essas de 20 de outubro de 2010, 4 de abril de 2011 (nunca notificada ao Autor) e de 14 de janeiro de 2012.
A não ser assim entendido, deverá ordenar-se à Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista, que se pronuncie sobre a validade e regularidade do ato eleitoral ocorrido em 9 de outubro de 2010 para eleição do titular do cargo de Presidente da Federação Distrital de Coimbra, no recurso que foi interposto pelo candidato Mário Ruivo da deliberação da Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra de 16 de outubro de 2010 e de forma a que a sua respetiva deliberação ou Acórdão possa ser jurisdicionalmente apreciada por este Tribunal Constitucional, conforme o previsto na alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 34.º da Lei dos Partidos Políticos.
Caso assim não se entenda, deve julgar-se procedente a presente ação de impugnação das deliberações da Comissão Nacional de Jurisdição e respetivo Acórdão que a integra - Proc. 5/2011 - de 4 de abril de 2011 (nunca notificado ao Autor) e 14 de janeiro de 2012 e em consequência ordenar ao Partido Socialista a marcação da 2.ª volta do ato eleitoral ocorrido em 9 de outubro de 2010 para eleição do titular do cargo de Presidente da Federação Distrital de Coimbra.» 2 - O Partido Socialista contestou, suscitando a intempestividade da ação e a falta de interesse em agir do A. e, no demais, pugnando pela improcedência da ação.
3 - Em resposta às exceções suscitadas na contestação, o A. veio defender a tempestividade da impugnação das três deliberações acima identificadas, bem como o seu interesse em agir.
4 - Em cumprimento do despacho de fls. 204, o Partido Socialista juntou aos autos os documentos de fls. 210 a 221, que foram notificados ao A.
5 - Os autos contêm todos os elementos necessários à decisão, mostrando-se desnecessária a junção de documentos requerida pelo A. a fls.
14v./15 e 228v./229.
Concluídas as diligências instrutórias, cumpre decidir.
II - Fundamentação. - 6 - Com relevância para a decisão, e com base nos documentos juntos aos autos e no acordo das partes, estão provados os seguintes factos:
A) O A., Victor Batista, é militante do Partido Socialista e foi candidato ao cargo de Presidente da Federação Distrital de Coimbra, na «eleição para Presidente da Federação Distrital de Coimbra e de Delegados ao XIV Congresso da Federação Distrital de Coimbra».
B) No dia 09.10.2010 realizou-se o ato eleitoral, ao qual se apresentaram o aqui Autor (candidato «B») e o candidato Mário Manuel Guedes Teixeira Ruivo (candidato «A»).
C) Por entender que em várias assembleias de voto e no decurso do ato eleitoral se verificaram ilegalidades e irregularidades, o Autor reclamou das deliberações das assembleias eleitorais para a Comissão Organizadora do Congresso (COC), que, por deliberação de 13.10.2010, tomada por maioria, concedeu provimento parcial à mesma, mandando repetir o ato eleitoral em diversas Secções (cf. Ata respetiva a fls. 17/21v. dos autos).
D) Quer o A., quer o outro candidato, não se conformaram com a decisão da COC e ambos interpuseram recursos para a Comissão Federativa de Jurisdição da Federação de Coimbra, que, por deliberação de 16.10.2010, decidiu revogar parte das deliberações da COC e manter outras, reconhecendo razão ao aqui Autor. (doc. fls. 22/29v. dos autos).
E) Inconformado com esta decisão, o candidato Mário Ruivo interpôs recurso para a Comissão Nacional de Jurisdição do PS que, por acórdão de 20.10.2010, proferido no processo 201/2010, considerou que as deliberações tomadas pela COC eram nulas por «usurpação da competência das Mesas Eleitorais», por se terem pronunciado sobre questões que não tinham previamente sido analisadas pelas Mesas Eleitorais assim como era nula a deliberação da Comissão Federativa de Jurisdição que «apreciou um recurso que não existia», tendo, em consequência, concedido provimento ao recurso, anulando a deliberação da Comissão Federativa de Jurisdição.
F) O acórdão de 20.10.2010 não foi notificado ao aqui A. (ponto 19. da contestação do PS, a fls. 105 dos autos).
G) Por requerimento entrado em 04.02.2011 (que foi autuado com o n.º 1/2011 e apenso ao citado processo 201/2010), o Autor requereu à Comissão Nacional de Jurisdição a reforma do acórdão de 20.10.2010 e que o mesmo fosse considerado nulo «por violação do princípio do contraditório, devendo notificar-se o candidato e contrainteressado Victor Manuel Bento Batista, para contra-alegar no recurso interposto por Mário Ruivo da deliberação de 16 de outubro da Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra» e, ainda, que fosse proferido «novo Acórdão que conheça da substância da validade e regularidade do ato eleitoral» (doc. fls. 60/64v. dos autos e ponto 13. da contestação do PS).
H) Em 23.02.2011, o A. dirigiu outro requerimento ao Presidente da CNJ, que foi autuado com o n.º 5/2011, no qual requeria que esta Comissão deliberasse que «no ato eleitoral para eleição do Presidente da Federação Distrital de Coimbra, ocorrido em 9 de outubro de 2010, não se verificou a «maioria absoluta dos votos expressos» (doc. fls. 146/153 e ponto 13. da contestação do PS).
I) Por acórdão de 04.04.2011, a CNJ decidiu julgar improcedentes os suprarreferidos requerimentos do A., autuados com os n.os 1/2011 e 5/2011 (docs. fls. 154/164).
J) Por carta de 06.04.2011, o A. foi notificado, pelo Presidente da CNJ, nos seguintes termos: «[...] venho notificá-lo do Despacho no processo 1/2011 apenso ao 201/2010 e Relatório 5/2011 desta Comissão, proferidos no dia 4 do corrente dos quais junto cópias» (docs. fls. 65/68).
L) Em 04.05.2011, invocando que apenas fora notificado do despacho e relatório referidos em J), mas não fora notificado do acórdão mencionado em I), o A. dirigiu novo requerimento ao Presidente da CNJ do PS, pedindo que fosse convocada a CNJ para deliberar e proferir acórdão sobre o peticionado no seu requerimento referido em H), autuado no citado proc. n.º 5/2011 (doc.
fls. 69/70).
M) Por acórdão de 14.01.2012, proferido no processo 1/2011, a CNJ julgou improcedente este «recurso», considerando que este não é parte no processo 201/2010, cujo acórdão foi proferido em 20.10.2010, e que, como tal, o acórdão proferido em 04.04.2011 não deve ser revogado (doc. fls.
72/75v.).
N) Pelo mesmo acórdão de 14.01.2012, a CNJ negou provimento ao «recurso» apresentado no processo 5/2011, indeferindo o pedido do impugnante de realização de uma segunda volta das eleições (cf. doc. fls.
183/187).
O) Por carta de 16.01.2012, recebida em 17.01.2012, o A. foi notificado das deliberações constantes do acórdão de 14.01.2012, referidas em M) e N) (docs. fls. 71 e 212).
P) Por requerimentos de 17.01.2012, apresentados ao Presidente do CNJ, nos processos 1/2011 e 5/2011, o A. arguiu a «nulidade de notificação» do acórdão de 04.04.2011 (docs. fls. 195/198 e 199/202).
Q) A presente ação deu entrada em 23.01.2012 (cf. carimbo aposto a fls. 2).
7 - Antes de entrar na apreciação das questões prévias suscitadas na contestação e que podem prejudicar o conhecimento do objeto da ação, importa recapitular as ações que o aqui A. já intentou perante este Tribunal Constitucional, todas respeitantes ao ato eleitoral, realizado no dia 09.10.2010, para a «eleição para Presidente da Federação Distrital de Coimbra e de Delegados ao XIV Congresso da Federação Distrital de Coimbra».
Num primeiro momento, o A. requereu a suspensão da deliberação da Comissão Política da Federação Distrital de Coimbra, que designou a realização do Congresso Distrital desta Federação para o dia 24.10.2010. Por Acórdão 395/2010 foi decidido não tomar conhecimento deste pedido de suspensão de eficácia de deliberação, por se ter considerado que tal deliberação não era diretamente impugnável junto do Tribunal Constitucional, antes teria que ser previamente impugnada junto da Comissão Nacional de Jurisdição do PS, órgão estatutariamente competente para decidir em último lugar; e consequentemente, também não era admissível aquele pedido de suspensão de eficácia.
Posteriormente, o aqui A. apresentou ação na qual impugnava o caderno eleitoral, pugnando pela inclusão dos militantes aí identificados e pela exclusão de outros militantes, também aí mencionados. Por Acórdão 466/2010, decidiu-se não conhecer deste pedido de impugnação com fundamento no facto de a decisão impugnada - decisão sobre a omissão de diversos militantes dos cadernos eleitorais relativos à eleição ocorrida em 09.10.2010 - não consubstanciar uma decisão definitiva (mas antes um ato intermédio do processo eleitoral) e ser, por isso, irrecorrível. Da fundamentação deste aresto cumpre salientar que o Tribunal, relembrando os princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade que regem a interferência externa (incluindo dos tribunais) na vida dos partidos, deles extraiu a imposição de um sistema de impugnação unitária das deliberações dos órgãos dos partidos relativas a eleições dos seus titulares, concluindo que isso implica que somente após a exaustão dos meios internos previstos pelos Estatutos do partido político em que se discuta o resultado final do processo eleitoral se poderá recorrer da decisão definitiva para o Tribunal Constitucional.
Por Acórdão 2/2011, votado por unanimidade pelo Plenário do Tribunal Constitucional, foi julgado improcedente o recurso que o A. interpôs do referido Acórdão 466/2010.
O Autor intentou ainda outra ação, na qual impugnou a validade das «eleições realizadas a 09.10.2010», mas cujo pedido não foi igualmente admitido. No Acórdão 497/2010 (que confirma despacho do relator nesse sentido) entendeu-se, em síntese, que as questões suscitadas pelo A. não foram objeto da deliberação da CNJ de 20.10.2010, que apenas se debruçou sobre a validade de certas deliberações tomadas pelos órgãos do partido quanto à regularidade do ato eleitoral, pelo que não havia coincidência entre o objeto do pedido e o objeto da deliberação emitida em última instância pelo órgão estatutariamente competente. Salienta-se neste aresto que se o TC aceitasse pronunciar-se sobre validade das eleições estaria a assumir o papel de primeiro intérprete das normas internas do partido que regem o ato eleitoral, o que iria contra a regra da subsidiariedade da intervenção do Tribunal.
Deste Acórdão 497/2010, o A. também interpôs recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, que foi julgado improcedente pelo Acórdão 32/2011, votado por unanimidade. Lê-se neste aresto, por um lado, que a ação prevista no artigo 103.º-C da LTC tem necessariamente por objeto uma deliberação de órgão partidário e a sua remoção da ordem jurídica; e, por outro, que o pedido formulado na ação em apreço não incluía a impugnação da deliberação da CNJ desfavorável aos interesses do recorrente, antes pretendendo o Autor ultrapassar a situação sem a demonstração de que tal deliberação enferma de ilegalidades que a invalidem, obtendo do Tribunal a «anulação de uma eleição», ou seja, uma pronúncia contrária ao sentido da decisão do órgão máximo partidário.
Posteriormente, o A. veio, nos autos onde foram proferidos os citados Acórdãos n.os 497/2010 e 32/2011, apresentar requerimento de ampliação do pedido e da causa de pedir de modo a nele incluir, para além do pedido inicial de impugnação de eleições, também a «omissão indevida de militantes e a inclusão de outros nos cadernos eleitorais que inquinaram o ato eleitoral».
Esse pedido foi indeferido por despacho do Relator, que foi confirmado por Acórdão 236/2011, com o fundamento de que tal pedido, ainda que se pudesse considerar possível por aplicação subsidiária das regras do processo civil, sempre se mostraria processualmente extemporâneo, por ter sido apresentado em momento posterior ao «encerramento da discussão em 1.ª instância».
Por último, o A. interpôs recurso para o Plenário do referido Acórdão 236/2011, o qual não foi admitido por despacho do Relator, confirmado por Acórdão 363/2011.
8 - Importa agora decidir as questões prévias suscitadas.
Na sua contestação, o Partido Socialista suscita a intempestividade da presente ação no que respeita à impugnação da deliberação da CNJ de 20.10.2010, por entender, em síntese, que a referida deliberação há muito que transitou em julgado, não tendo sido impugnada pelo aqui impugnante junto do órgão próprio do Partido, nem por este tendo sido impugnada judicialmente nas ações anteriormente intentadas junto do Tribunal Constitucional. Da mesma forma, considera intempestiva a impugnação das deliberações de 04.04.2011 e de 14.01.2012.
Mais invoca o Partido Socialista a falta de interesse em agir do A., na medida em que aceitou candidatar-se e foi eleito para um cargo - de Presidente da Mesa da Comissão Política Distrital de Coimbra - que é incompatível com aquele cuja eleição pretende impugnar.
Em resposta às exceções, o A. insiste que a CNJ nunca o notificou para responder ou contra-alegar no âmbito do recurso interposto pelo candidato Mário Ruivo e que deu origem ao acórdão da CNJ de 20.10.2010. Além do mais, sustenta que a arguição de nulidade daquele acórdão, que efetuou pelo referido requerimento de 04.02.2011 [cf. alínea G) supra], era tempestiva à luz das normas estatutárias e regulamentares do Partido Socialista. E, finalmente, pugna pelo seu interesse em agir na presente ação.
9 - Afigura-se necessário relembrar os pilares em que assenta o regime de impugnação de deliberações dos partidos relativas à eleição dos seus titulares e os limites dos poderes de pronúncia do Tribunal Constitucional a esse respeito, nos termos previstos no artigo 34.º da Lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica 2/2003 de 22 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica 2/2008, de 14 de maio) e no artigo 103.º-C LTC.
Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente salientado (nomeadamente, nos Acórdãos acima citados proferidos em ações intentadas pelo aqui A.), «o artigo 103.º-C não pode ser interpretado como uma via aberta a qualquer pretensão conexionada com procedimentos eleitorais de titulares de órgãos partidários» (Acórdão 32/2011).
Por um lado, a ação aqui prevista apenas pode ter por objeto deliberações que incidam sobre a validade ou a regularidade do ato eleitoral (n.os 1, 3 e 4 do artigo 103.º-C).
Por outro lado, as deliberações impugnadas têm que traduzir a última palavra do órgão estatutariamente competente, o que implica a exaustão dos meios de recurso internos previstos pelos Estatutos do Partido. Este entendimento é expressamente confirmado pelo teor do artigo 34.º da Lei dos Partidos Políticos, segundo o qual são impugnáveis junto do Tribunal Constitucional apenas os atos definitivos do procedimento eleitoral (n.os 2 e 3).
O regime legal assim descrito é uma exigência do princípio da intervenção mínima, através do qual se efetua a concordância prática entre a autonomia associativa e partidária e os limites a esta autonomia, que no caso dos partidos, decorrem, além do mais, dos princípios da transparência, da organização, da gestão democrática e da participação de todos os seus membros (artigo 51.º, n.os 1 e 5, da Constituição).
Por outro lado, por razões de segurança e certeza jurídicas, a lei comina um prazo muito curto (5 dias) para a impugnação de tais deliberações junto do Tribunal Constitucional.
10 - Pelas razões a seguir referidas, a impugnação da deliberação da CNJ de 20.10.2010 não cumpre os requisitos acima mencionados.
Na verdade, há muito que decorreu o prazo de cinco dias no decurso do qual poderia eventualmente ter sido impugnada uma tal decisão (e sem cuidar agora de averiguar se é uma deliberação impugnável por via da ação prevista no artigo 103.º-C da LTC). Ainda que uma tal decisão não tenha sido imediatamente notificada ao Autor, o certo é que ele dela tem conhecimento, pelo menos, desde 04.02.2011, data em que apresentou à CNJ um requerimento pedindo a sua reforma e suscitando a sua nulidade [cf. alínea G) supra].
Acresce que, como se refere no Acórdão 32/2011, o A. identificou o acórdão da CNJ de 20.10.2010 (e aludiu às suas alegadas irregularidades) na petição da ação que correu termos neste Tribunal com o n.º 727/2010 (na qual foram proferidos os citados Acórdãos n.os 497/2010 e 32/2011). Não obstante, o A. não impugnou, naquela ação, a referida deliberação da CNJ (não procurou a sua «remoção» da ordem jurídica), antes peticionou a anulação «da eleição» ocorrida em 09.10.2010, ou seja, procurou obter do Tribunal «uma pronúncia contrária ao sentido da decisão do dito órgão máximo partidário, sem, no entanto, obter a sua prévia invalidade» (cf. ponto 7. do citado Acórdão 32/2011).
É, assim, por demais evidente que o A. há muito que podia ter impugnado judicialmente o acórdão da CNJ de 20.10.2010 e que optou por não o fazer, pelo que é manifestamente extemporânea a sua impugnação através da presente ação, que deu entrada em 23.01.2012.
E ainda que se possa estabelecer algum nexo sequencial entre o acórdão da CNJ, de 20.10.2010, e os acórdãos posteriores, de 04.04.2011 e de 14.01.2012, não se pode, através da impugnação destes últimos, intentar fazer renascer o prazo de impugnação judicial daquele primeiro. De outra forma, estar-se-ia a contornar o prazo de impugnação previsto na lei que, como vimos, é necessariamente curto por inabaláveis razões de certeza e segurança jurídicas que, aliás, se impõem em todos os processos eleitorais e não apenas nos respeitantes às eleições para os órgãos partidários.
11 - Posteriormente ao citado Acórdão 32/2011 do Tribunal Constitucional, o A. retomou a via extrajudicial, questionando o Acórdão da CNJ de 20.10.2010 junto desta entidade [pedindo a sua reforma e suscitando a sua nulidade - cf. requerimento de 04.02.2011, supraidentificado em G)] e pugnando pela realização de uma segunda volta de eleições, por considerar que não se tinha verificado «uma maioria absoluta dos votos expressos» [requerimento de 23.02.2011, supraidentificado em H)].
O acórdão da CNJ, de 04.04.2011, que o Autor agora vem também impugnar, consubstancia uma decisão sobre aqueles dois requerimentos.
Na parte em que decidiu o primeiro pedido (tramitado como processo 1/2011), tal acórdão não se pronunciou sobre a validade e regularidade do ato eleitoral.
Antes contém uma decisão sobre um pedido de reforma de um acórdão anterior (acórdão de 20.10.2010), discutindo-se, à luz do princípio do contraditório, se o aqui A. tinha, ou não, que ser ouvido no âmbito do recurso intentado por outro candidato. Como tal, essa parte da deliberação da CNJ não pode ser apreciada no âmbito de uma ação intentada ao abrigo do artigo 103.º-C, da LTC.
Quanto à parte da decisão referente ao processo 5/2001, em que foi requerida a realização de uma segunda volta das eleições de 9.10.2010, é de admitir que, nesta parte, estamos perante uma deliberação sobre a validade ou regularidade daquele ato eleitoral, verificando-se, assim, este pressuposto do artigo 103.º-C, n.º 4, da LTC.
A mesma norma estabelece, como já ficou dito, um prazo de impugnação «de cinco dias a contar da notificação da deliberação [...]». É controvertido pelas partes que o acórdão de 04.04.2011 tenha sido efetivamente notificado. O que se provou, nesta matéria, vem especificado supra, na alínea J), a saber, que o impugnante foi notificado «do Despacho no processo apenso 201/2010 e Relatório do processo 5/2011 desta Comissão, proferidos no dia 4 do corrente». Como resulta dos termos finais do mencionado Relatório, este vale como proposta apresentada à deliberação da CNJ. Ora, o PS não forneceu qualquer prova de que a deliberação que recaiu sobre a proposta (constante de documento autónomo: a ata de 04.04.2011) tenha, naquela data ou posteriormente, sido devidamente comunicada ao impugnante.
É de concluir, pois, que a notificação por carta de 06.04.2011 não pode valer como «notificação da deliberação», para efeito de dar início ao prazo legal de impugnação. Sendo assim, o tempo decorrido após essa notificação não fez perder ao A. o direito de impugnar.
A mesma questão, da marcação de uma 2.ª volta das eleições, foi objeto do pedido que deu origem ao acórdão de 14.01.2012. Assumindo «competência de instância de recurso da sua própria decisão», a CNJ reapreciou essa questão, voltando a indeferir o pedido.
Em face da iniciativa que o A. tomou, de impugnação desta última deliberação (não obstante a arguição, em requerimento de 17.01.2012, da «nulidade de notificação» feita pela carta de 06.04.2011), e de a CNJ se ter pronunciado sobre ela - no que constitui a última palavra dessa instância sobre esta parte do pedido - é de considerar ultrapassada a questão lateral da validade daquela notificação. Na verdade, a deliberação cuja impugnação passa a estar em causa é a última, de 14.01.2012, indiscutivelmente uma deliberação em última instância, insuscetível de ser alterada por uma eventual futura pronúncia sobre o requerimento de 17.01.2012. À apreciação dessa deliberação, em sede de impugnação, não obsta, pois, a pendência desse requerimento.
Constata-se, assim, que estão satisfeitos os requisitos do conhecimento da questão da convocação de uma 2.ª volta das eleições, decidida em 04.04.2011 e reapreciada em 14.01.2012.
12 - A última deliberação impugnada - acórdão da CNJ de 14.01.2012 - aprecia, além da que já foi referida, as questões suscitadas pelo aqui A.
quanto à validade de anteriores deliberações da CNJ, concretamente, as tomadas nos acórdãos de 20.10.2010 e de 04.04.2011. E, a propósito destas deliberações, discutem-se alegadas invalidades/irregularidades dos procedimentos internos do partido no âmbito dos quais aquelas deliberações foram tomadas (nomeadamente, a natureza do requerimento do A. que motivou o acórdão de 14.01.2012; a antecedente violação do princípio do contraditório; ou a legitimidade do requerente, aqui A.).
Nesta parte, também o acórdão de 14.01.2012 não traduz uma deliberação que se pronuncie sobre a validade e regularidade do ato eleitoral ocorrido em 09.10.2010, antes consubstancia uma reapreciação de anteriores decisões do partido e dos mecanismos internos de impugnação das decisões dos seus órgãos. Não pode, por isso, ser apreciada no âmbito de uma ação intentada ao abrigo do artigo 103.º-C da LTC.
13 - Cumpre, de acordo com a delimitação do conhecimento do objeto do pedido acima efetuada, apreciar a questão da realização da 2.ª volta das eleições.
Invoca o impugnante, a este respeito, que, na 1.ª volta, não se verificou «a maioria absoluta dos votos expressos em eleição direta». Isto porque, tendo-se verificado 29 votos brancos, a sua contabilização levaria a que o candidato mais votado não tivesse atingido mais de metade dos votos expressos, dado que ele só obteve mais dois votos do que o impugnante.
O Partido Socialista contraria este entendimento, sustentando que «não é legítimo que se recorra aos votos brancos e nulos para alterar o número de votos expressos e, desse modo, concluir que não foi expressa mais de metade dos votos dos militantes».
Seria assim porque os votos brancos representam «uma manifestação séria e muito forte, do ponto de vista político; porém, sem qualquer efeito jurídico».
Logo, «não pode, nem mesmo contar esse voto, para a definição de uma maioria absoluta, como peticiona o reclamante; porque se o fizer, acaba por usar esse voto, para, eventualmente, alterar o resultado das eleições [...], para lhes dar um alcance que os titulares dos mesmos não quiseram que os votos tivessem».
Ao Tribunal Constitucional não cabe, nesta matéria, apontar a solução que melhor respeite, em termos jurídico-políticos, a vontade expressa pelos eleitores com uma votação em branco. Apenas lhe incumbe sindicar a conformidade com os estatutos partidários e com a lei da interpretação adotada pelo órgão que detém competência interna para se pronunciar, em última instância, sobre a validade e regularidade do ato eleitoral.
No caso vertente, a interpretação adotada é perfeitamente compatível com o enunciado da norma estatutária pertinente (constante do artigo 19.º, n.º 6, dos Estatutos do PS). Ainda que a formulação possa suscitar dúvidas legítimas (como suscitou o texto do artigo 126.º, n.º 1, da CRP, atinente à eleição para Presidente da República, anterior à redação introduzida pela revisão constitucional de 1982), o sentido que a CNJ lhe atribuiu, com a legitimidade que os estatutos lhe conferem, é um dos dois sentidos interpretativos possíveis, tendo cabimento em face da expressão literal com que se define a maioria exigível. A desconsideração, para apuramento da maioria absoluta, dos votos brancos, foi, aliás, a regra expressamente consagrada no âmbito da eleição para o Presidente da República, com o aditamento, pela citada revisão constitucional, da parte final do n.º 1 do artigo 126.º, destinado a desfazer as dúvidas interpretativas geradas pela anterior redação.
Forçoso é, por isso, concluir, que uma tal interpretação do valor dos votos brancos não contraria o princípio da democracia interna a que obedecem as eleições para os órgãos dos partidos políticos, nem contende com qualquer disposição estatutária ou legal.
14 - Atento o assim decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, designadamente, a da alegada falta de interesse em agir do A.
III - Decisão. - Pelo exposto, decide-se:
Julgar improcedente a impugnação da deliberação da CNJ, de 14.01.2012 (que renova a deliberação de 04.04.2011), na parte referente à deliberação proferida no processo 5/2011;
Não conhecer da presente ação quanto às demais deliberações impugnadas.
Lisboa, 9 de março de 2012. - Joaquim de Sousa Ribeiro - J. Cunha Barbosa - João Cura Mariano - Catarina Sarmento e Castro - Rui Manuel Moura Ramos.
206260144