Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira
n.º 23/2012/M
Recomenda conhecer e homenagear o passado de luta e resistência
dos madeirenses e portossantenses à ditadura Fascista de 1926-1974
Numa altura em que se multiplicam as tentativas de branqueamento do Fascismo e de absolvição dos seus crimes, a defesa da Liberdade e da Democracia exige que se mantenha viva na consciência do Povo e, em particular, nas jovens gerações o que significou para Portugal e para os Portugueses quase 5 décadas de ditadura fascista. Recordar e honrar os atos, as ideias e a memória dos que deram o melhor das suas vidas e, por vezes, a própria vida, para que o Povo Português pudesse viver num país livre exige que conheçamos esta fase particularmente importante da nossa História.
Estes quase 50 anos (1926-1974) mergulharam o País no obscurantismo e na miséria, causaram um atraso económico e social que ainda hoje faz sentir as suas marcas, provocaram um dos maiores êxodos populacionais e levaram à supressão das mais elementares liberdades, direitos e garantias, com expressão mais óbvia na detenção, tortura e condenação de milhares de cidadãos e levada a extremos através do assassinato de muitos resistentes.
Também na Madeira, como em todo o País, lutou-se contra a Ditadura, pela Liberdade e pela Democracia. De facto, o Arquipélago da Madeira detém um especial património de luta e de resistência, especialmente devido às movimentações populares que pretendiam demonstrar o descontentamento das populações face à prepotência e aos abusos exercidos pelo poder: a «Revolta da Farinha» de 1931, a «Revolta do Leite» de 1936 e a «Revolta da Água» de 1962 são exemplos de como o Povo desta terra reagiu face a medidas particularmente gravosas que o regime pretendia impor sobre a Madeira, com óbvios prejuízos para as suas populações, cuja vida era, já de si, difícil.
A juntar a estas, há igualmente que salientar a Revolta Militar de 1931, mais conhecida por «Revolta da Madeira», uma sublevação da esmagadora maioria dos soldados e oficiais das unidades do Exército Português na Madeira, a qual teve uma imediata e entusiasta adesão por parte dos populares e cujo sucesso inicial fez despoletar, nos dias seguintes, pronunciamentos e tentativas de revolta em Angra do Heroísmo, Ponta Delgada, Praia da Vitória, Graciosa, São Tomé e Guiné.
Todas estas demonstrações de insubmissão acabaram por falhar, tendo como resposta do poder fascista vagas de grande repressão que pretendiam identificar e punir aqueles que haviam lutado e feito valer os seus direitos, fazendo deles «exemplos» para que futuras rebeliões não se viessem a verificar e para mostrar que não havia espaço para exigências populares, por mais justas e simples que fossem.
As forças que normalmente impunham e faziam cumprir a Lei e a Ordem já não eram suficientes para demonstrá-lo. Primeiro com a Polícia de Defesa Política e Social e depois com as suas sucessoras, as famigeradas PVDE e PIDE, o Fascismo exerceu uma ação brutal que visava a perseguição, detenção e tortura de muitos madeirenses e portossantenses, do campo e da cidade, tanto pessoas ilustres como o comum cidadão anónimo, cujo único crime fora lutar pela Liberdade e pela Democracia, pelo respeito dos direitos e por mais e melhores condições de vida para si e para os seus.
Como se verifica, há um riquíssimo património de luta e de resistência nestas ilhas que, infelizmente, é pouco conhecido nos dias que correm. É mesmo com espanto que muitos têm conhecimento das lutas desenvolvidas no nosso arquipélago, uma vez que, até nos programas escolares, esta é uma temática com pouca ou nenhuma referência, sendo, na maior parte das vezes, focada única e exclusivamente por iniciativa própria dos docentes.
Urge, por isso, conhecer a fundo, divulgar e homenagear o passado de luta e de resistência dos madeirenses e portossantenses que fizeram frente ao Fascismo. Há que conhecer e honrar os sacrifícios daqueles que, face a grandes adversidades para si e para as suas famílias, deram muitos anos da sua vida, por vezes até mesmo a própria vida, para que a Liberdade e a Democracia voltassem a ser realidades nesta Região e no nosso País.
Para além de (re)lembrar o passado, importa deixar um testemunho no presente e para o futuro, para que as gerações mais jovens conheçam uma das fases da história recente da sua terra menos divulgada, um período assaz difícil para os seus antepassados e para evitar o esquecimento e um certo branqueamento que alguns pretendem impor à História.
Assim, em conformidade com a Constituição da República Portuguesa e com o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, e de acordo com o Regimento, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira recomenda ao Governo Regional que:
1 - Proceda ao levantamento dos cidadãos madeirenses e portossantenses detidos, interrogados e torturados pelo aparelho repressivo do Fascismo português, bem como os que foram julgados e condenados a penas de prisão ou exílio por motivos políticos durante o período da Ditadura Militar e do Estado Novo (1926-1974);
2 - Concretize o levantamento de quantos presos políticos naturais da Região Autónoma da Madeira morreram nas prisões do regime fascista, ou sob custódia das forças policiais;
3 - Desenvolva medidas com vista ao estudo e à divulgação das realidades vividas pelos cidadãos deste arquipélago que, no âmbito das revoltas populares de 1931, 1935 e 1962, foram perseguidos e penalizados pela repressão fascista;
4 - Concretize uma justa homenagem aos antifascistas e democratas madeirenses e portossantenses que lutaram e mais se destacaram na intervenção contra a Ditadura Fascista de 1926-1974 e contra a ameaça totalitária Gonçalvista de 1975.
Aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 16 de maio de 2012.
O Presidente da Assembleia Legislativa, José Miguel Jardim Olival de Mendonça.