Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores
n.º 17/2012/A
Recomenda que o Governo da República cumpra integralmente as suas
responsabilidades legais no âmbito do serviço público de rádio e
televisão na Região Autónoma dos Açores
A atual crise económica está a ser usada pelo poder político central para rever, fora do contexto constitucional, a natureza e âmbito das autonomias regionais. O poder central trata, assim, de diminuir, de forma prática, as competências regionais, a eficácia da intervenção do poder regional e os mecanismos de reforço da identidade específica dos povos insulares integrados no Estado português. Tudo isto em nome de um conceito - visível na prática política quotidiana - de Estado mais centralizado e, ao mesmo tempo, menos eficaz e presente no âmbito das suas responsabilidades sociais.
A problemática em torno da RTP-Açores deve ser lida e interpretada à luz do contexto descrito no parágrafo anterior. A RTP-Açores, tal como todas as outras televisões autonómicas europeias, representa um poderoso e insubstituível mecanismo de afirmação da identidade comunitária e de coesão territorial. No caso específico dos Açores, este papel é ainda mais transcendente tendo em conta a grande descontinuidade do território e a modernidade da unidade política dos Açores.
Nestas circunstâncias, a RTP-Açores constitui um pilar fundamental para a afirmação da autonomia política dos Açores no âmbito do quadro legal que se encontra consagrado na Constituição da República Portuguesa. A RTP-Açores possui, assim, uma missão institucional de grande e insubstituível importância para a autonomia. Neste contexto, importa referir que não existe qualquer outro órgão de comunicação social, privado ou público, que possua verdadeira dimensão e difusão à escala regional.
Essa missão institucional passa pela defesa e valorização da identidade regional; pela proteção do pluralismo; pela difusão de informação de interesse e âmbito regional; pela promoção da inovação na área do audiovisual açoriano; pelo fomento da cultura e do património açorianos; pela parceria na divulgação da informação de âmbito institucional regional; pela integração e articulação, na área económica, do mercado interno regional e pelo serviço de difusão dos acontecimentos económicos, culturais, sociais e políticos locais.
Sem a RTP-Açores nenhum destes objetivos pode ser alcançado, na medida em que - importa também lembrar neste contexto - os canais televisivos de âmbito nacional não realizam qualquer cobertura, digna desse nome, aos acontecimentos e dinâmicas açorianas. Na comunicação social nacional a regra é votar ao ostracismo a vida comunitária açoriana.
Neste âmbito não é racional decretar «o fim da História» para a RTP-Açores, algo que ficou assim escrito no relatório do grupo de trabalho nacional constituído para a definição do conceito de serviço público na comunicação social. Conclusão a que já tinha chegado, uns meses antes e sem necessidade de qualquer estudo prévio, o atual Ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas.
A decisão de acabar com a RTP-Açores, transformá-la numa simples janela ou proporcionar-lhe uma existência precária no âmbito de um período de concentração, no final do dia, dos programas em direto, constitui, pura e simplesmente, uma decisão política que visa enfraquecer o processo autonómico e a coesão territorial dos Açores. O culpado é só um e chama-se Governo da República.
A questão económica é um falso argumento. Neste caso é apenas o nome do biombo que o Governo da República utiliza para esconder as suas motivações revisionistas em relação ao processo autonómico açoriano. Nesta matéria é bom lembrar que a RTP-Açores, apesar de estar inserida num território extremamente disperso e ultraperiférico, é o canal autonómico mais barato da Europa Ocidental.
A solução «económica» para a RTP-Açores não é, certamente, destruir a sua integridade como canal televisivo e de rádio ou proceder ao despedimento de dezenas de trabalhadores com experiência e formação específica. Esta é a receita mais fácil de construir e de aplicar: implementar lógicas de gestão empenhadas em destruir valências, diminuir a amplitude diária dos «diretos televisivos» à custa da criação de guetos de funcionamento noturno e da centralização dos mecanismos de gestão e produção.
Mais difícil, mas infinitamente mais útil e justo para a comunidade açoriana, é desenvolver uma gestão empenhada em melhorar a quantidade e qualidade do serviço público regional de televisão e de rádio. Aumentar as receitas que podem ser obtidas através de uma gestão mais qualificada e ambiciosa, nomeadamente na área da publicidade (que representa, em média, 20 % das receitas dos canais autonómicos peninsulares), da produção e venda de conteúdos e da internacionalização do canal. Neste contexto, o Estado que se queixa da despesa realizada no âmbito da RTP-Açores é o mesmo que impede, de forma sistemática, a internacionalização do canal, nomeadamente junto da enorme diáspora açoriana da América do Norte.
As consequências práticas das opções e declarações públicas realizadas até agora pelo Governo da República indiciam, de forma clara, que este persegue os seguintes objetivos: reduzir despesas, bloquear o acesso a receitas próprias e redimensionar o serviço público de rádio e televisão regional a uma escala meramente residual. Ou seja, destruir a RTP-Açores enquanto instrumento ao serviço da autonomia política do povo açoriano e veículo fundamental da coesão social e da integração territorial da Região Autónoma dos Açores.
Ora a aspiração da comunidade açoriana é diametralmente oposta à projetada pelo Governo da República. Os açorianos reivindicam uma RTP-Açores ainda mais diversificada na informação e produção de conteúdos à escala de ilha, com muito mais horas de produção regional diária, contemplando muito mais mecanismos de transmissão de signos de identidade coletiva e de articulação com a grande diáspora açoriana.
As notícias vindas a público nos últimos dias não deixam qualquer espécie de dúvida a respeito do regresso do velho plano da janela do Ministro Miguel Relvas. O conceito sofreu, entretanto, uma ligeira alteração e por isso já não se fala agora em janela, mas sim na concentração diária da programação própria num espaço de algumas horas entre o final da tarde e o início da noite.
O efeito concreto é o mesmo e é por isso que programas tão emblemáticos e de tão grande audiência como o «Bom Dia Açores» e o «Jornal da Tarde» deixarão de existir. É este canal, assim guetizado e retalhado, que passará a estar à disposição dos açorianos no futuro.
Tudo isto sucede a apenas cinco meses das próximas eleições regionais e num contexto em que se sabe que vários partidos com assento parlamentar possuem soluções e compromissos diversos no âmbito do futuro funcionamento do serviço público de rádio e televisão na Região Autónoma dos Açores.
A mais elementar prudência e espírito democrático aconselhariam os decisores políticos governamentais e o Conselho de Administração da Rádio e Televisão de Portugal, S. A., a não colocar, num contexto pré-eleitoral, os eleitos açorianos perante factos consumados em matéria tão nevrálgica para a autonomia regional.
Assim:
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, nos termos do disposto na alínea v) do n.º 1 do artigo 227.º, da Constituição, e na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º, na alínea i) do artigo 34.º e no n.º 3 do artigo 44.º do Estatuto Político-Administrativo, resolve recomendar que o Governo da República cumpra integralmente as suas responsabilidades legais no âmbito do serviço público de rádio e televisão na Região Autónoma dos Açores, algo que não é compaginável com mecanismos de gestão que circunscrevam o funcionamento da RTP-Açores a janelas de programação ou a períodos limitados e compactos de emissão de produção própria.
Aprovada, pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 11 de maio de 2012.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Francisco Manuel Coelho Lopes Cabral.