Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2012
As precipitações pluviométricas registadas no corrente ano hidrológico têm sido extremamente reduzidas, sendo que os registos acumulados desde o 1.º dia do mês de outubro do ano passado, em todo o território continental, apresentam-se inferiores ao valor médio para o mesmo período. Em consequência, à data de 14 de março, 47 % do território do Continente encontrava-se em seca severa e 53 % em seca extrema.
Acresce que as previsões disponíveis, tanto as de curto como as de médio prazo, apontam para uma manutenção de ausência de precipitação significativa. De facto, a precipitação acumulada até à data faz com que o ano hidrológico 2011-2012 apresente um desvio superior a 50 % em relação a um ano normal.
Em relação à capacidade de água utilizável pelas plantas, em 14 de março de 2012 verificava-se que as percentagens de água no solo são inferiores a 50 % em todo o território do Continente, sendo inferior a 40 % em quase toda a região Sul.
Apenas as reservas hídricas de maior dimensão, tanto superficiais como subterrâneas, partem de um estado de aprovisionamento confortável, não se prevendo, por agora, que venham a existir limitações no abastecimento para os diversos usos. Pelo contrário, as reservas de pequena dimensão (aproveitamentos hidroagrícolas privados e pequenas massas de água subterrâneas) apresentam alguns problemas, tendo em conta a sua utilização anormalmente intensa no período de inverno e o seu não reabastecimento
natural.
O Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT), através das direções regionais de agricultura e pescas, tem vindo a monitorizar os efeitos da seca no terreno, nomeadamente ao nível de alimentação animal (prados, pastagens e culturas forrageiras) e do desenvolvimento vegetativo de diversas outras culturas, tais como os cereais de outono-inverno, olivais, vinhas, pomares e hortícolas, bem como a evolução dos recursos hídricos disponíveis.Esta monitorização revela que a situação de seca está a ter efeitos muito nefastos na agricultura, com especial incidência no sector agropecuário. As culturas instaladas estão prejudicadas, particularmente a produção de matéria verde dos prados, pastagens e culturas forrageiras, agravando significativamente as condições de pastoreio devido à escassez de alimentos naturais, situação que, para ser minimizada pelos agricultores, implica ainda o agravamento dos encargos com a alimentação animal, tanto pela necessidade de recurso a alimentos compostos para animais como pela subida que se tem verificado nos níveis de preços dos alimentos grosseiros, como o feno e a palha.
Os efeitos da seca fazem-se igualmente sentir nos cereais de outono-inverno, apresentando as searas um deficiente desenvolvimento vegetativo, já de carácter
irreversível.
A par da falta de pluviosidade, as temperaturas baixas têm gerado, em alguns pontos do país (particularmente nas regiões do Oeste e do Algarve), quebras de produção nasculturas hortícolas.
Por outro lado, a necessidade de aumentar a dotação de rega nas culturas de regadio de outono/inverno (hortícolas e culturas permanentes como os citrinos) tem-se traduzido não só num acréscimo de custos de produção (água e energia) mas também numa diminuição das reservas de água disponíveis para a irrigação das culturas deprimavera-verão.
Neste contexto, o MAMAOT, em articulação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, tem vindo a trabalhar junto da Comissão Europeia para transmitir com rigor a situação e garantir a articulação de soluções nacionais e comunitárias.Tendo em conta o agravamento da situação da seca, torna-se ainda necessário definir o nível de intervenção adequado a cada caso e garantir uma coordenação política próxima e transversal das medidas de emergência a adotar.
Dada a urgência da matéria e a transversalidade das soluções, é de todo conveniente que o Conselho de Ministros decida sobre um conjunto de medidas relevantes, garantindo assim condições para uma célere execução das mesmas.
Ao mesmo tempo, foi criado, e encontra-se em atividade, um Grupo de Trabalho (GT), coordenado pelo Gabinete de Políticas e Planeamento (GPP) do MAMAOT, constituído por representantes de entidades deste ministério com atribuições nas áreas da agricultura e regadio, veterinária, conservação da natureza e florestas, ambiente,
meteorologia e financiamento.
O GT produziu um primeiro relatório de acompanhamento e avaliação dos impactes da seca 2012, o qual foi divulgado a 24 de fevereiro, encontrando-se disponível no sítio da Internet do GPP. Os relatórios subsequentes são produzidos tendo por base os dados meteorológicos divulgados quinzenalmente pelo Instituto Português do Mar e daAtmosfera, I. P.
Atendendo a que a seca está já a ter impacto noutras áreas, das quais, no momento, a mais crítica se prende com o aumento de 15 % da área ardida em relação ao período homólogo, impõe-se alargar a constituição deste grupo a outras áreas, da responsabilidade do MAMAOT e de outros ministérios, de forma a permitir uma constante monitorização do evoluir da situação. Acresce que, pese embora não se façam sentir, de momento, dificuldades generalizadas ao nível do abastecimento de água para consumo humano, importa prevenir situações de possível agravamento doquadro atual.
Importa, assim, criar a Comissão de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos efeitos da Seca e das Alterações Climáticas, constituída pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas da agricultura, do mar, do ambiente e do ordenamento do território, que coordena, das finanças, dos assuntos europeus, da administração interna, da administração local, da economia, da saúde, da solidariedade e da segurança social, e ainda pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, que deve assegurar o acompanhamento do evoluir da situação, apoiada pelo GT acimareferido.
Este acompanhamento deve traduzir-se, desde já, na avaliação do conjunto de medidas já identificadas pelo GT, que inclui medidas de derrogação administrativa, medidas de carácter comunitário, medidas de carácter nacional e medidas de natureza logística e de divulgação, de forma a preparar a execução, no calendário adequado, das medidas pertinentes. Algumas das medidas referidas figuravam já, num âmbito mais vasto, como hipóteses a aprofundar no âmbito do Acordo de Concertação Social celebrado em janeiro passado. Num quadro de seca, a sua pertinência intensifica-se.Por fim, considerando o agravamento dos fenómenos de alterações climáticas a que Portugal, pela sua localização geográfica, está particularmente sujeito, e uma vez que o fenómeno da seca deve, de forma crescente, ser encarado como um «elemento climático de determinada frequência», esta Comissão, assim como o GT, devem constituir-se como estruturas permanentes de prevenção, monitorização e acompanhamento da seca e das alterações climáticas, devendo, no futuro, propor, acompanhar e avaliar medidas de gestão de risco de carácter estrutural para a mitigação dos impactos da seca e das alterações climáticas e para a adaptação das atividades sociais e económicas a esta nova realidade.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministrosresolve:
1 - Determinar que sejam preparadas e executadas as seguintes medidas urgentes,tendo em conta a situação atual de seca:
a) Medidas de derrogação administrativa:
i) Recurso a mecanismo de derrogação e flexibilização de prazos e normas no âmbito de modos de produção e de apoios comunitários e nacionais;b) Medidas comunitárias de antecipação do pagamento das ajudas e outras:
i) Antecipação do pagamento das ajudas diretas comunitárias à produção vegetal e animal, bem como das ajudas diretas no âmbito do PRODER;
ii) Avaliação da possibilidade de flexibilização do minimis;
c) Medidas de carácter nacional:
1. Apoio à Pecuária:
i) Ajuda nacional aos produtores de pecuária;ii) Linha de crédito com prioridade para o sector animal;
iii) Auxílio ao abeberamento animal;
2. Medidas de redução de custos de produção:i) Suspensão ou redução seletiva da taxa de recursos hídricos;
ii) Eletricidade verde (comparticipação nos custos de energia) para 2012/2013;
3. Medidas específicas para as zonas adjacentes aos regimes de rega públicos:
i) Flexibilização e facilitação de pontos de acesso à água para rega, através de reservatórios, albufeiras do sistema, canais e hidrantes periféricos da rede primária e
secundária de rega;
ii) Articulação com as entidades gestoras dos aproveitamentos hidroagrícolas da possibilidade de outras medidas de apoio, nomeadamente a flexibilização dos prazos legais de recebimento da faturação de água para rega;
4. Medidas de âmbito fiscal e parafiscal:
i) Aceleração do reembolso do IVA pelo Estado;ii) Preparação da concentração dos pagamentos por conta relativos a 2012 num único
pagamento a efetuar em dezembro de 2012;
iii) Preparação da isenção ou diferimento do pagamento de contribuição social por parte dos agricultores ou de empresas agrícolas;
d) Medidas de divulgação e logística:
i) Divulgação de pontos de situação e das medidas adotadas para mitigação dos efeitosda seca;
ii) Divulgação de boas práticas de maneio e alimentação de gado em situações de seca;iii) Divulgação de boas práticas de gestão de água e de irrigação em situação de seca;
iv) Disponibilização de apoio logístico de forma a garantir o abastecimento das explorações pecuárias em matéria de alimentação animal;
v) Divulgação de inibições já existentes quanto ao manuseamento das práticas florestais
que impliquem o uso do fogo;
vi) Divulgação e promoção de boas práticas de eficiência no uso doméstico da água.2 - Criar a Comissão de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca e das Alterações Climáticas, adiante designada Comissão, para funcionamento imediato, com a seguinte estrutura e composição:
a) A Comissão é constituída a nível político pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas abaixo indicadas, podendo ser alargada a outras áreas caso se revele necessário, e pela Associação Nacional de Municípios Portugueses:
i) Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, que coordena;
ii) Finanças;
iii) Assuntos Europeus;
v) Administração Local;
vi) Economia;
vii) Saúde;
viii) Solidariedade e Segurança Social;
b) A Comissão é assessorada tecnicamente pelo Grupo de Trabalho (GT), já em atividade, mas agora alargado, que funciona sob orientação política da Comissão, presidido pelo Secretário de Estado da Agricultura e composto por representantes dasseguintes entidades:
i) Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP), que coordena;
ii) Agência Portuguesa do Ambiente, I. P.;
iii) Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I. P.;iv) Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural;
v) Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, I. P.;
vi) Direção-Geral de Alimentação e Veterinária;
vii) Direção-Geral do Território;
viii) Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I. P.;ix) Direções Regionais de Agricultura e Pescas;
x) Autoridade de Gestão do PRODER;
xi) Direção-Geral do Orçamento;
xii) Autoridade Tributária e Aduaneira;
xiii) Direção-Geral dos Assuntos Europeus;
xiv) Instituto Nacional de Estatística;
xv) Autoridade Nacional de Proteção Civil;
xvi) Direção-Geral das Autarquias Locais;
xvii) Direção-Geral de Geologia e Energia;
xviii) Direção-Geral das Atividades Económicas;
xix) Direção-Geral da Saúde;
xx) Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.3 - Estabelecer que cumpre à Comissão definir a orientação política do GT e proceder ao acompanhamento dos impactos da seca e das alterações climáticas e respetivas ações de mitigação e de adaptação que venham a ser propostas pelo GT, nomeadamente nas áreas da agricultura, pecuária e destruição de recursos naturais decorrentes, nomeadamente, de incêndios, erosão do solo, salinização de solos e
águas, e uso de água para consumo humano.
4 - Estabelecer que, caso se venha a revelar necessário, podem ser associados às atividades do GT representantes de outras entidades públicas, por determinação daComissão.
5 - Determinar que o GT deve assegurar uma consulta e articulação prontas com as estruturas associativas ou empresariais representativas dos sectores da agricultura, da indústria, do abastecimento público de água, e com as associações de defesa doambiente, com representatividade nacional.
6 - Determinar que o GT é apoiado por um secretariado, constituído junto do GPP, podendo integrar técnicos de outras entidades, em função das necessidades,competindo-lhe:
a) Assegurar a produção de um relatório quinzenal de evolução da situação da seca;b) Apreciar os pedidos dirigidos às diversas entidades que integram o GT solicitando
apoio técnico e financeiro;
c) Apresentar as propostas de decisão a submeter posteriormente às entidadespertinentes.
7 - Determinar que o coordenador do GT deve promover a preparação de relatórios periódicos, dos quais constem novas propostas de medidas e de iniciativas legislativas aserem apresentados à Comissão.
8 - Determinar que os relatórios periódicos referidos no número anterior devem ter aseguinte estrutura:
1 - Situação hidrometeorológica;
2 - Qualidade da água nas origens;
3 - Evolução provável da situação meteorológica;4 - Situação dos sistemas de abastecimento de água;
5 - Avaliação geral e conclusões sobre a situação verificada na quinzena anterior e
perspetivas para a quinzena seguinte;
6 - Outra informação considerada relevante.9 - Estabelecer que a Comissão e o GT se constituem como estruturas permanentes de prevenção, monitorização e acompanhamento dos efeitos da seca e das alterações climáticas, devendo reunir com regularidade semestral e ser acionadas para atividade mais intensa, por iniciativa do membro do Governo responsável pela coordenação,
sempre que se considerar necessário.
Presidência do Conselho de Ministros, 15 de março de 2012. - O Primeiro-Ministro,
Pedro Passos Coelho.