Resolução da Assembleia da República n.º 35/2012
Aprova o Tratado de Amizade e Cooperação entre a República Portuguesa e a
República de Cabo Verde, assinado em Lisboa em 9 de junho de 2010
A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea i) do artigo 161.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, aprovar o Tratado de Amizade e Cooperação entre a República Portuguesa e a República de Cabo Verde, assinado em Lisboa em 9 de junho de 2010, cujo texto, na versão autenticada na língua portuguesa, se publica em
anexo.
Aprovada em 10 de fevereiro de 2012.
A Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção A. Esteves.
TRATADO DE AMIZADE E COOPERAÇÃO ENTRE A REPÚBLICA
PORTUGUESA E A REPÚBLICA DE CABO VERDE
A República Portuguesa e a República de Cabo Verde, doravante designadas como
«Partes»:
Conscientes dos laços históricos profundos existentes entre os respectivos povos e da existência de um valioso património histórico e cultural comum que deixou marcasinsignes na história de ambos os Estados;
Sensíveis à enorme estima que tradicionalmente existe entre os cidadãos dos dois Estados e à importância de aprofundar continuamente o nível de conhecimento recíproco, as relações de amizade e confiança e os laços de toda a natureza existentesentre os povos português e cabo-verdiano;
Animadas pela vontade comum de elevar o actual grau de relacionamento para um novo patamar de ambição política, no contexto de uma verdadeira parceria estratégica compatível com as aspirações das gerações futuras;Tendo presente o espírito dos tratados, acordos e outros instrumentos em vigor entre
os dois Estados;
Tendo presente a importância estratégica da Língua Portuguesa como factor de diferenciação e de afirmação internacional e o crescente papel da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e dos seus Estados Membros no quadro regional einternacional;
Tendo em conta a convergência de interesses resultantes das respectivas áreas de integração geopolítica, nomeadamente no contexto das relações Atlântico Norte -Atlântico Sul, União Europeia - África;
Convictas da importância de que se reveste, entre outros, o aprofundamento dos laços criados entre a União Europeia e Cabo Verde, designadamente através doestabelecimento de uma parceria especial;
Reafirmando a sua firme adesão aos princípios gerais de direito internacional e aos objectivos da Carta das Nações Unidas como elementos fundamentais para a manutenção da paz e da segurança internacionais, em particular os princípios de igualdade soberana entre Estados, de não ingerência nos seus assuntos internos e no respeito do direito inalienável dos povos a dispor de si próprios;Partilhando a importância que atribuem aos princípios internacionais em matéria de desenvolvimento e de luta contra a pobreza, especialmente aqueles que estão consagrados na Declaração do Milénio das Nações Unidas;
acordam o seguinte:
CAPÍTULO I
Princípios gerais
Artigo 1.º
Princípios e objectivos
As Partes, tendo em mente a amizade que existe entre os dois Estados, concordam em que suas relações terão por base os seguintes princípios e objectivos:a) O desenvolvimento económico, social e cultural alicerçado no respeito dos direitos e liberdades fundamentais, enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no princípio da organização democrática da sociedade e do Estado e na busca de uma
maior e mais ampla justiça social;
b) O estreitamento dos vínculos entre os dois povos com vista à garantia da paz e do progresso nas relações internacionais, à luz dos objectivos e princípios consagrados naCarta das Nações Unidas;
c) A consolidação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em que Portugal e Cabo Verde se integram, instrumento fundamental na prossecução de interessescomuns;
d) A participação de Portugal e de Cabo Verde em processos de integração regional, como a União Europeia, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e a União Africana, almejando permitir a aproximação entre a Europa e a África para aintensificação das suas relações.
Objecto
1 - O presente Tratado de Amizade e Cooperação define os princípios gerais que hão-de reger as relações entre as Partes, à luz dos princípios e objectivos atrásenunciados.
2 - No quadro por ele traçado, outros instrumentos jurídicos bilaterais, já concluídos ou a concluir, são ou poderão ser chamados a desenvolver ou regulamentar áreassectoriais determinadas.
CAPÍTULO II
Relações políticas bilaterais
Artigo 3.º
Cooperação e concertação política
Em ordem a consolidar os laços de amizade e de cooperação entre as Partes, serão intensificadas a consulta e a cooperação política sobre questões bilaterais e multilateraisde interesse comum.
Artigo 4.º
Estruturas de cooperação e concertação
A consulta e a cooperação política entre as Partes terão como instrumentos:
a) Cimeiras bienais ao nível de chefes de governo, a realizar alternadamente em
Portugal e em Cabo Verde;
b) Reuniões dos responsáveis pela política externa de ambos os Estados, a realizar, em cada ano, alternadamente, em Portugal e em Cabo Verde, bem como no quadro de organizações internacionais, de carácter universal ou regional, em que participem;c) Visitas recíprocas dos membros dos poderes constituídos de ambos os Estados, para além das referidas nas alíneas anteriores, com especial incidência naquelas que contribuam para o reforço das relações de cooperação;
d) Reuniões de consulta política entre altos funcionários dos Ministérios dos Negócios
Estrangeiros de Portugal e Cabo Verde;
e) Reuniões da Comissão Permanente criada por este Tratado ao abrigo do artigo 12.ºArtigo 5.º
Cimeiras bienais
1 - As Cimeiras bienais funcionarão como pólos de dinamização do diálogo e de concertação político-estratégica entre os dois Estados, tendo como objectivos, entreoutros:
a) O exame das relações bilaterais e de outras questões regionais e internacionais de interesse comum, assim como da cooperação internacional em domínios relevantes;b) A análise da aplicação e actualização dos instrumentos jurídicos de carácter bilateral e multilateral, em que ambos os Estados sejam parte;
c) A definição de novas acções com vista ao aprofundamento do quadro global e
sectorial do relacionamento bilateral.
2 - A agenda, as datas e o lugar da realização das Cimeiras serão determinados com antecedência, de comum acordo e por via diplomática.
Consulta e cooperação em domínios específicos
A consulta e a cooperação em outros domínios específicos processar-se-ão através dos mecanismos para tanto previstos no presente Tratado e nos acordos sectoriais
relativos a essas áreas.
CAPÍTULO III
Relações de cooperação
Artigo 7.º
Cooperação económica e financeira
1 - As Partes, em conformidade com o direito vigente, estimularão a cooperação económica e financeira a fim de promover a dinamização e modernização das suasrespectivas economias.
2 - As Partes desenvolverão e encorajarão as relações entre os operadores dos dois países nos sectores produtivos e de serviços, bem como a realização de projectos de investimento e a criação de sociedades mistas.3 - Para o efeito, as Partes concordam, igualmente, em elaborar e executar planos de actividades conjuntos, particularmente em proveito das pequenas e médias empresas
(PME).
4 - As Partes conferem uma atenção especial ao desenvolvimento dos projectos deinfra-estruturas com interesse comum.
Artigo 8.º
Cooperação no domínio da língua portuguesa
1 - As Partes, reconhecendo o seu interesse comum na defesa, no enriquecimento e na difusão da língua portuguesa, comprometem-se a desenvolver programas conjuntos na
área da língua portuguesa, a dois níveis:
a) A nível interno, projectos que contribuam para a promoção de uma escola de excelência pela qualidade do uso da língua veicular do conhecimento;b) A nível externo, projectos que contribuam para a consolidação do uso do Português como língua de trabalho nas organizações internacionais de carácter regional no continente africano, assim como a criação de centros conjuntos para a pesquisa e
divulgação da língua comum.
2 - As Partes comprometem-se ainda a apoiar as actividades do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, bem como iniciativas privadas similares.
Artigo 9.º
Cooperação nas áreas da educação, ciência, tecnologia e ensino superior,
cultura, juventude, desporto e meios de comunicação social
1 - Com vista a fomentar as relações culturais entre os dois Estados, as Partes promoverão a cooperação nas áreas da educação, ciência, tecnologia e ensino superior, cultura, juventude, desporto e meios de comunicação social.
2 - A cooperação em matéria cultural nas áreas supramencionadas será prosseguida através do estabelecimento de mecanismos que contribuam para o reforço das actividades desenvolvidas nas áreas de interesse mútuo, nomeadamente através do desenvolvimento de programas de cooperação e intercâmbio específicos.
3 - Com vista a fomentar as relações entre os dois países, as Partes comprometem-se a promover a cooperação científica, tecnológica e no domínio do ensino superior, no âmbito do Acordo de Cooperação nos Domínios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, assinado em 2003, e demais instrumentos de cooperação em vigor.
4 - As Partes desejam trabalhar juntas no sentido de melhor:
a) Promover actividades de intercâmbio cultural;
b) Aprofundar laços de cooperação entre as entidades competentes das Partes nas áreas da educação, ciência, tecnologia e ensino superior, cultura, juventude, desporto e
meios de comunicação social;
c) Promover esforços no sentido da facilitação de visitas dos nacionais e residentes decada Estado ao outro Estado.
Artigo 10.º
Cooperação em outras áreas
As Partes comprometem-se ainda a desenvolver acções de cooperação, entre outros, nos domínios do ambiente, ordenamento do território, habitação e cadastro, da defesa, boa governação, da modernização administrativa e tecnologias de informação e daadministração interna.
Artigo 11.º
Cooperação para o desenvolvimento
1 - As Partes, conscientes da necessidade de reforçar as relações de cooperação para o desenvolvimento, com o objectivo de promover o desenvolvimento sócio-económico das respectivas populações, estabelecerão programas e projectos ou outras modalidades de cooperação, nos sectores que vierem a ser considerados prioritários no quadro das orientações estratégicas das suas políticas de desenvolvimentoeconómico e social.
2 - As Partes acordam em que os sectores, as áreas e as modalidades de cooperação bilateral serão identificados em instrumentos de programação plurianual, os quais deverão estar alinhados com as orientações estratégicas da cooperação portuguesa e a estratégia de desenvolvimento definida por Cabo Verde.3 - Conscientes da importante herança histórica e cultural que une os Estados da Comunidade de Língua Portuguesa, as Partes apoiarão actividades de cooperação noutros Estados de língua oficial portuguesa, de modo a contribuir para a redução da pobreza e o desenvolvimento sustentável do país beneficiário.
CAPÍTULO IV
Comissão permanente
Artigo 12.º
Comissão permanente
Será criada uma comissão permanente luso-cabo-verdiana para acompanhar aexecução do presente Tratado.
Artigo 13.º
Composição da comissão permanente
A comissão permanente será composta por altos funcionários designados pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde, em número não superior a cinco por cada Parte.
Artigo 14.º
Presidência da comissão permanente
A presidência da comissão será assumida, em cada ano, alternadamente, pelo chefe da delegação de Portugal e pelo chefe da delegação de Cabo Verde.
Artigo 15.º
Reuniões da comissão permanente
1 - A comissão reunir-se-á, uma vez por ano, no país que assume a sua presidência e poderá ser convocada por iniciativa desta ou a pedido do chefe da delegação da outra Parte, sempre que as circunstâncias o aconselharem.2 - A composição das delegações que participam nas reuniões da comissão permanente, ou das suas subcomissões, bem como a data, o local e a respectiva ordem de trabalhos serão estabelecidos por via diplomática.
Artigo 16.º
Competência da comissão permanente
Compete à comissão permanente acompanhar a execução do presente Tratado, analisar as dificuldades ou divergências surgidas na sua interpretação ou aplicação, propor as medidas adequadas para a solução dessas dificuldades, bem como sugerir as modificações tendentes a aperfeiçoar a realização dos objectivos deste instrumento.
Artigo 17.º
Subcomissões
1 - A comissão poderá funcionar em pleno ou em subcomissões para a análise dequestões relativas a áreas específicas.
2 - As propostas das subcomissões serão submetidas ao plenário da comissãoCAPÍTULO V
Disposições finais
Artigo 18.º
Solução de controvérsias
Qualquer controvérsia relativa à interpretação ou à aplicação do presente Tratado será solucionada através de negociação, por via diplomática.
Artigo 19.º
Revisão
1 - O presente Tratado pode ser objecto de revisão a pedido de qualquer das Partes.2 - As emendas entrarão em vigor nos termos previstos no artigo 21.º do presente
Tratado.
Artigo 20.º
Vigência e denúncia
1 - O presente Tratado permanecerá em vigor por um período de tempo ilimitado.2 - Qualquer das Partes poderá, a qualquer momento, denunciar o presente Tratado mediante notificação prévia, por escrito e por via diplomática.
3 - O presente Tratado cessa a sua vigência seis meses após a data da recepção da
Artigo 21.º
Entrada em vigor
O presente Tratado entrará em vigor 30 dias após a data da recepção da última notificação, por escrito e por via diplomática, de que foram cumpridos os requisitos de direito interno das Partes necessários para o efeito.
Artigo 22.º
Registo
A Parte em cujo território o presente Acordo for assinado submetê-lo-á para registo junto do Secretariado das Nações Unidas imediatamente após a sua entrada em vigor, nos termos do artigo 102.º da Carta das Nações Unidas, devendo, igualmente, notificar a outra Parte da conclusão deste procedimento e indicar-lhe o número de registoatribuído.
Feito em Lisboa em 9 de Junho de 2010, em dois exemplares originais, em línguaportuguesa, ambos fazendo fé.
Pela República Portuguesa:
José Sócrates, Primeiro-Ministro.
Pela República de Cabo Verde:
José Maria Neves, Primeiro-Ministro.